Capitulo IV
- Zeus é um dos filhos de Prince - Arthur explicou. - Está correndo muito bem para nós.
- Ganhou o derby em Belmont no ano passado - Harry lembrou.
- Isso mesmo. Zeus gosta de percursos longos. Uma gripe o afastou das pistas por três meses, mas ele voltou a tempo da Copa Breeder. É um forte concorrente e certamente nos fará campeões.
Ao sinal de Charlie, o tratador ajudou um jóquei a montar no magnífico animal. O pêlo brilhava como ébano polido sob a luz do sol. O cavalo começou a trotar em ritmo compassado, baixando um pouco a cabeça à medida que aumentava a velocidade.
Ao assistir àquela cena, Harry soube num instante que estava diante de pura poesia.
- O que acha dele? - Charlie perguntou.
- Está em esplêndida forma - foi tudo o que Harry disse.
Seiscentos quilos de músculos sobre patas incrivelmente longas e graciosas. Um peitoral amplo, corpo esguio e postura perfeita. E os olhos, Harry notou, brilhavam com um orgulho selvagem.
- Leve-o para dar uma volta na pista, Bobbie - Charlie ordenou ao jóquei. - Não o pressione. Queremos vê-lo à vontade hoje. - Assobiando por entre os dentes, Charlie recostou-se contra uma cerca e acionou o cronômetro.
Com as mãos enfiadas nos bolsos, Harry observou o desempenho de Zeus na pista. Até a primeira curva, o rapaz controlou o animal em trote curto, liberando-o apenas quando chegaram ao último quarto de milha.
E então foi como se um trovão corresse livre sobre a terra.
O coração de Harry disparou, e sua respiração se manteve suspensa até que o conjunto homem-animal cruzasse alinha de chegada segundos depois. O dedo de Charlie interrompeu o cronômetro antes mesmo que a poeira levantada pelos cascos de Zeus se espalhasse pelo ar.
- Nada mau - Charlie disse com descaso, ainda olhando para o marcador digital do cronômetro.
Harry não precisou olhar. Tinha um relógio interno na cabeça, e sabia que acabara de assistir à performance de um campeão.
- Acho que acabamos de ver o verdadeiro herdeiro de sua majestade, sr. Weasley.
- E ele sabe disso.
- Quer trabalhar com esse aí, garoto? - Charlie perguntou com um sorriso maroto.
Harry decidiu que era chegada a hora de colocar as cartas na mesa.
- Eu quero, sim. - Esforçando-se para não parecer entusiasmado demais, ele virou-se para encarar Arthur mais uma vez. - Se sua oferta ainda está de pé, sr. Weasley, aceito o emprego.
Arthur meneou a cabeça ao mesmo tempo que estendia a mão.
- Bem-vindo a Royal Meadows. Agora vamos entrar e tomar um café.
Harry ficou parado por alguns segundos, vendo o novo patrão dirigir-se para a casa principal.
- Simples assim? - murmurou.
- Ele já tinha tomado sua decisão - Charlie informou. - Caso contrário, você nem mesmo estaria aqui. Arthur não gosta de perder seu tempo... nem o de ninguém. Depois que tomar seu café, apareça em minha casa, que fica em cima da garagem. Com certeza vai querer dar uma olhada no livro de registros e conversar um pouco.
- Sim, é claro. - Ainda aturdido, Harry seguiu Arthur, apressando o passo para alcançá-lo.
Percebeu, surpreso e embaraçado, que as palmas de suas mãos estavam suadas. "Ora, é apenas um trabalho", lembrou a si mesmo.
- Estou agradecido pela oportunidade, sr. Weasley.
- Pode me chamar apenas de Arthur. Bem, você trabalhou por ela. Somos muito exigentes por aqui, e espero que se acostume logo com o ritmo do trabalho. Gostaria que começasse assim que fosse possível.
- Vou começar hoje mesmo.
Arthru olhou-o de relance.
- Ótimo.
Ao observar um dos prédios que não tinham visitado, ao lado de uma pista e de um paddock individuais separados dos demais, Harry perguntou.
- Você também treina saltadores, cavalos de exibição.
- É um empreendimento separado. - Arthur respondeu sorrindo. - Você trabalhará com os cavalos de corrida, Quando estiver pronto, pode trazer sua bagagem para o prédio dos treinadores.
Harry abriu a boca, então fechou-a de novo. Não esperava que a hospedagem fizesse parte do pacote, mas, de qualquer forma, não pretendia discutir sobre isso. Se não gostasse de viver no lugar, falaria sobre isso em outra ocasião.
- Você tem uma linda casa. E os jardins são esplêndidos. Alguém aqui deve gostar muito de flores.
- Minha mulher. - Arthur conduziu-o para uma trilha pavimentada levemente inclinada.
- Ela adora jardinagem.
Para ter um jardim como aquele, a mulher provavelmente contava com um batalhão de jardineiros e serventes, Harry pensou.
- Os cavalos gostam de lugares bonitos.
Ao chegarem ao pátio interno da casa, Arthur parou.
- É mesmo?
- Com certeza.
- Bad Betty lhe disse isso quando conversou com ela?
Um sorriso curvou os lábios de Harry.
- Ela apenas me informou que era uma rainha e esperava ser tratada como tal.
- E você fará isso?
- Claro, a não ser que ela abuse de seus privilégios. Sabe como é... até mesmo a realeza precisa levar um puxão de orelhas vez por outra.
Dito isso, ele entrou pela porta que Arthur segurava aberta.
Harry não sabia o que esperar. Pensava em algo elegante e sofisticado, com um toque de classe, com certeza.
Só não esperava entrar direto na cozinha dos Weasley, e deparar com uma cena tipicamente familiar.
E a última coisa que imaginava ver era a própria senhora do lugar usando calça jeans e camiseta, com os pés descalços, segurando uma frigideira e ralhando com o filho mais novo.
- E vou lhe dizer outra coisa, Fred Weasley: se acha que pode sair e chegar na hora que quiser só porque está de férias da faculdade, é melhor examinar sua cabeça rápido. Eu mesma poderia abri-la com esta frigideira agora mesmo, só não quero desperdiçar uma deliciosa fritada...
- Certo, mãe. - Sentado à mesa, Fred limitou-se a encolher os ombros, fazendo uma careta assim que Molly virou-se de costas. - Mas por falar em fritada... acho que vou querer mais um pouco, com torradas. Ninguém cozinha como você.
- Não vai ganhar nada me bajulando.
- Talvez sim...
Ela lançou um olhar por sobre o ombro, como se quisesse fuzilar Fred. O tipo de olhar que só as mães conseguem ter, Harry pensou, divertido.
- ...talvez não - Fred suspirou, desviando o olhar para a porta assim que notou a presença de Harry. - Veja, mãe, nós temos companhia! Sente-se, Harry. Já tomou o café da manhã? Minha mãe faz a fritada mais famosa do mundo, sabia?
- Testemunhas não vão salvar você - Molly disse brandamente, virando-se com um sorriso para Harry. - Por favor, sente-se. Fred, pegue os pratos para Harry e seu pai.
- Não, muito obrigado. Não precisa se incomodar...
- Mãe, eu não consigo encontrar meus sapatos marrons. - Luna informou, irrompendo na cozinha. - Olá, Harry, bom dia... Oi, pai.
- Oh, meu Deus! Será que eles sumiram? - O toque de ironia na voz de Molly era indisfarçável.
Luna revirou os olhos e abriu a porta da geladeira.
- Vou me atrasar.
- Você podia usar um dos outros seiscentos pares que guarda em seu closet - o irmão dela sugeriu.
Ela retirou uma embalagem de suco de laranja do refrigerador e ignorou Fred.
- Não tenho tempo para o desjejum. Pegou um copo e se serviu do suco. - Estarei em casa às cinco.
- Pegue um bolinho - Molly ordenou.
- Não tem nenhum de amora...
- Pegue o que tiver.
- Certo, certo. - A moça obedeceu, deu um beijo no rosto da mãe, cumprimentou o pai e Harry com um aceno de cabeça e saiu, continuando a ignorar completamente a presença do irmão.
- Durante o verão, Luna trabalha no consultório do veterinário - Molly explicou. - Agora vocês dois lavem as mãos, depois podem comer um pouco.
Como o cheiro da fritada era realmente irresistível, Harry dirigiu-se logo à pia. Foi quando viu um enorme cão negro deitado no corredor que dava para a área de serviço. O animal estava tão imóvel que mais parecia um tapete.
- E quem é este? - Ele perguntou de imediato, abaixando-se para acariciar o animal.
- É nosso Sheamus. Já está bem velho agora, e gosta de ficar deitado aos meus pés, perto do fogão, enquanto cozinho.
- Minha mulher gosta de velhinhos - Arthur disse ao abrir a torneira da pia, piscando com cumplicidade para a esposa.
- E eles de mim. Sheamus passa a maior parte do tempo dormindo - ela contou a Harry.
- E não dá atenção a quase nada, a não ser a família. - Ao dizer isso, Molly arqueou as sobrancelhas. Ao primeiro toque de Harry, o cachorro abriu os olhos, depois virou-se espalhando-se deitado para receber carícias na barriga.
- Ora, ora... quem diria? Ele gostou de você.
- Costumo me entender bem com bichos. Você é um bom garoto, não é, Sheamus? Gordo e feliz.
- Alguém vive dando as sobras da mesa para ele.
- Molly olhou de relance para o marido.
- Não faço idéia sobre o que você está falando. - Fingindo inocência, Arthur entregou o sabonete a Harry assim que este se levantou.
- Sei... - foi tudo o que a mulher murmurou. Você prefere café ou chá, Harry?
- Chá, muito obrigado.
- Sente-se. - Ela apontou uma cadeira, depois encarou o filho fixamente. - E você, vá embora. Terminaremos nossa conversa mais tarde.
- Vou estar nos estábulos, fazendo penitência. Com um suspiro profundo, Fred levantou-se, então abraçou a mãe pela cintura e beijou-a na testa. - Desculpe-me.
- Fora.
Mas Harry notou que o olhar de Molly para o filho que saía pela porta era cheio de ternura.
- Esse garoto é responsável por cada ruga que eu tenho no rosto - ela murmurou.
- Que rugas? - Arthur perguntou, fazendo-a rir.
- Você sempre diz a coisa certa, querido. E então, Harry, gostou de Royal Meadows?
Depois de secar as mãos, ele foi até a mesa e sentou-se no lugar que lhe fora indicado.
- Muito, madame.
- Oh, nós não somos tão formais por aqui. Nunca me chame de "madame", a não ser que esteja metido em alguma encrenca. - Ela serviu chá para Harry e café para o marido, depois ficou parada em pé, com a mão sobre o ombro de Arthur. - Como foi Zeus hoje de manhã?
- Terminou o circuito oval em um minuto e quinze cravados.
- Pena que perdi isso. - Molly voltou ao forno e retirou de lá algumas torradas.
-Vou lhe oferecer um contrato de um ano e... -
Arthur começou.
- Não pode ao menos deixar o rapaz comer antes de falar de negócios?
- O rapaz quer saber.
Harry serviu-se de três torradas e uma porção generosa de fritada.
- Sim, ele quer.
- Você terá um salário anual garantido. – Arthur mencionou uma quantia que quase fez Harry engasgar. Felizmente, porém, ele conseguiu se conter. - E, depois de dois meses, uma cota de dois por cento de cada prêmio que conquistar para nosso haras. Em seis meses renegociaremos essa percentagem.
- E renegociaremos para cima. - Novamente calmo, Harry começou a comer. - Porque, eu prometo, vou merecer isso.
Os dois discutiram minuciosamente cada detalhe, responsabilidades, benefícios, bônus e deveres.
Harry estava quase terminando seu segundo prato, e Arthur sorvendo o último gole de seu segundo café, quando Gina apareceu.
Ela usava um traje completo de montaria. Elegante até o último detalhe, claro. Suas botas negras brilhavam como um espelho.
As sobrancelhas aristocráticas arquearam-se levemente quando viu Harry sentado à mesa, e então seus lábios curvaram-se num sorriso protocolar.
- Bom dia, sr. Potter.
- Srta. Weasleyt...
- Estou meio atrasada hoje. - Ela caminhou até a cabeceira da mesa e beijou o pai na face.
- Você deveria comer - Molly murmurou sem nenhuma esperança.
- Farei isso mais tarde - Gina foi até a geladeira e pegou uma lata de refrigerante.
- Devo estar livre em duas horas. - Depois de beijar a mãe, ela parou por um instante para acariciar Sheamus na cabeça, e então saiu sem dizer mais nenhuma palavra.
- Vou descer num minuto - Molly disse em voz alta. - Gosto de observar, você sabe...
Vinte minutos mais tarde, Harry saiu da casa principal e se dirigiu para os aposentos de Charlie. Viu Gina no paddock, que ficava diante da garagem. Ela montava um lindo cavalo árabe negro e, à medida que cavalgava, era fotografada em vários ângulos por um homem.
Harry parou para observar, com as mãos na cintura. Imaginou que as fotos provavelmente iriam para alguma revista chique. "A princesa de Royal Meadows". Este título cairia como uma luva.
Para completar tudo, Gina montava como uma profissional. Seus movimentos eram ao mesmo tempo graciosos, femininos e firmes. Sim, aquela garota havia sido criada em cima de uma sela. E, Harry não pôde deixar de notar, estava em excelente forma.
Ele virou-se ignorando-a. Ou pelo menos tentando
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