capitulo II
Algo calou fundo no peito de Harry. E por um instante ele não viu mais nada nem ninguém. Ela era delicada e possuía um rosto vibrante. Mesmo a distância, ele pôde ver que os olhos eram do mesmo azul dos lagos irlandeses. Os cabelos eram ruivos, de uma tonalidade viva que parecia queimar, e caíam em volumosas camadas sobre os ombros esguios.
O coração de Harry bateu três vezes com violência, e então simplesmente pareceu parar.
Ela vestia algo azul e esvoaçante, com sombras difusas e translúcidas, translúcidas como seus olhos. Diamantes brilhavam como fogo em suas orelhas.
Nunca em toda a vida ele vira tanta beleza, tanta perfeição. E nem uma mulher tão inatingível.
Sentindo a garganta ressecada, ergueu o copo de cerveja e ficou estranhamente frustrado ao perceber o tremor da própria mão.
"Não é para você, Potter", disse a si mesmo. Nem adiantava sonhar. Aquela devia ser a filha mais velha do patrão. A verdadeira princesa da casa.
Enquanto pensava nessas coisas, viu um homem bronzeado e com um terno caro aproximar-se dela. A forma como a moça ofereceu a mão ao recém-chegado foi fria e distante, o que só serviu para confirmar a primeira impressão que sua visão causara em Harry.
Ah, sim, certamente ela fazia parte da realeza. E sabia disso.
O resto da família veio logo em seguida. Os gêmeos dos quais Harry ouvira falar, Luna e Fred, de apenas dezoito anos. E que belo par formavam, ambos altos, magros e com cabelos brilhantes. A garota estava rindo e gesticulando, animada.
Todos os membros da família concentraram as atenções nela, de maneira efetiva, e talvez intencional, cortando a investida do jovem que viera prestar homenagens à princesa. Mas era óbvio que o sujeito era do tipo persistente, pois não desistiu com facilidade, colocando a mão sobre o ombro da deusa em um gesto possessivo. Ela limitou-se a olhar para a mão do rapaz, sorrindo com a frieza de um iceberg.
Difícil fazer aquela maravilha cair no laço, Harry pensou ao ver o rapaz afastar-se. Uma mulher como aquela obviamente estava acostumada a rechaçar avanços masculinos. E ele podia apostar que ela sempre fazia aquilo com muita classe.
Já recomposto do primeiro impacto que a princesa causara, Harry tomou outro gole de cerveja e, colocando o copo numa mesa ao lado, decidiu que já era hora de se aproximar da grande e gloriosa família Weasley.
- ...e então ela bateu na parte de trás dos joelhos dele com a bengala - Luna ia dizendo. - E ele caiu na grama como um pato!
- Se fosse minha avó - Fred interveio -, eu me mudaria para a Austrália.
- Com certeza Dino Thomas mereceu essa bengalada. Eu mesma já me senti tentada a bater nele mais de uma vez... – Molly Weasley olhou por sobre o ombro e percebeu imediatamente a presença de Harry.
- Ora, ora... então você acabou aparecendo, não é, Harry?
Para surpresa dele, a requintada dama estendeu o braço, segurando-o pelo ombro e colocando-o bem no meio de toda a família.
- Eu... hã... sim. Resolvi aparecer. É um prazer vê-Ia de novo, sra. Weasley.
- Espero que sua viagem tenha sido agradável.
- Perfeita. - Como a conversa casual não era um de seus pontos fortes, Harry virou-se apressado para Arthur: - Sr. Weasleyt.
- Potter! Eu estava ansioso por vê-lo aqui. Já encontrou Rony?
- Sim. O senhor chegou a ver o garanhão que eu indiquei?
- Um verdadeiro campeão, rapaz. Eu fechei o negócio. Acho que isso merece um brinde, não concorda?
O que vai beber... champanhe... vinho?
- Só uma cerveja, muito obrigado.
- De que parte da Irlanda você veio? - A pergunta era de Luna. Os olhos dela eram verdes como os da mãe, e brilhavam de curiosidade.
- Vim de Kerry. Você dever ser Luna, certo?
- Isso mesmo. - A moça sorriu. - Este é meu irmão, Fred, e esta é minha irmã, Gina. George está morando no campus da faculdade, por isso a família não está completa hoje.
- Prazer em conhecê-lo, Fred. - Após saudar o jovem, Harry deliberadamente limitou-se a inclinar a cabeça, num gesto muito formal, ao cumprimentar a princesa. - Srta. Weasley...
Ela ergueu uma sobrancelha, num gesto tão deliberado quanto o dele.
- Sr. Potter... Oh! Obrigada, Chad. – Gina aceitou a taça ,de champanhe trazida pelo rapaz que a galanteara minutos antes. - Chad Stuart, Harry Potter, de Kerry. Isso fica na Irlanda, você sabe - emendou com uma ironia seca como areia do deserto.
- Oh... Você é parente da sra. Weasleyt?
- Não tenho esse privilégio. Para ser franco, tenho poucos parentes. Acho que os Potter se espalharam pelo interior da Irlanda e sumiram do mapa. Pode ser que um de meus antepassados fosse procurado pela nobreza britânica...
Fred deixou escapar uma risada e trocou olhares com a mãe.
- Bem, mas agora você está entre amigos. Vamos nos acomodar à mesa. Junte-se a nós, Harry.
- Que acha de uma dança, Gina? - Chad perguntou, segurando o braço da moça em um gesto possessivo.
- Eu adoraria - ela murmurou, desvencilhando-se delicadamente do homem e avançando em direção ao resto do grupo. -Mais tarde.
- Pise com cuidado - Harry sussurrou instantes depois, colocando-se bem ao lado da imponente princesa. - Ou vai acabar tropeçando nos restos do coração que acabou de destroçar.
Gina ergueu as sobrancelhas com desdém e lançou um olhar de relance a ele.
- Caso não tenha notado, já sou bem crescida. Posso andar muito bem sozinha. - E depois de dizer isso ela ocupou estrategicamente um assento entre os dois irmãos.
Com as narinas ainda impregnadas pelo doce perfume cítrico de Gina, Harry fez questão de sentar-se no lado oposto da mesa, na cadeira bem em frente à dela. De tempos em tempos lançava à princesa um olhar mordaz, incapaz de concentrar-se na conversa sobre cavalos que a jovem Luna entabulara.
"Não gostei do jeito dele", Gina pensava ao sorver mais um gole de champanhe. O homem parecia perfeito demais. Os olhos eram verdes, um pouco mais escuros que os da mãe dela. E penetrantes. Em sua opinião, Potter poderia cortar um oponente ao meio com um simples olhar. E com certeza gostaria de fazer isso...
Os cabelos eram pretos e brilhantes, bagunçados a emoldurar o rosto anguloso.
Um rosto duro, como os olhos, mas os lábios eram definitivamente sensuais.
Ela concluiu que o homem mais parecia um caubói, alguém criado nas pradarias e com músculos demais para parecer confortável usando paletó e gravata.
E tampouco se importava com o modo que ele a olhava. Mas mesmo quando não a olhava, era como se estivesse fazendo isso. Parecendo ler seus pensamentos, Potter encarou-a outra vez. Um sorriso indefinível curvou os lábios másculos; a expressão no rosto duro era insolente, Gina não tinha a menor dúvida quanto a isso. O homem queria provocá-la.
Em vez de dar a ele essa satisfação, ela preferiu levantar-se e caminhar apressada para o toalete feminino.
Mal tinha passado pela porta quando foi alcançada pela irmã, Luna.
- Céus! Ele não é lindo?
- Quem?
- Ora, Gin, não brinque! - Revirando os olhos, Luna sentou-se numa cadeira em frente ao toucador com ar de estar preparada para uma conversa. - Harry. Quero dizer, ele é um verdadeiro gato. Viu aqueles olhos? Incrível. E a boca... me deu até vontade de dar uma mordida. E o melhor, ele tem um traseiro lindo. Tenho certeza, pois fiz questão de caminhar atrás de vocês quando fomos para a mesa só para checar.
Rindo, Gina sentou-se ao lado da irmã.
- Em primeiro lugar, você é muito previsível. Em segundo, se papai a ouvisse falando desse jeito, com certeza a colocaria no primeiro avião para a Irlanda. E em terceiro, não notei nem o traseiro nem nada de especial sobre o sujeito.
- Mentirosa. - Luna apoiou o cotovelo no tampo de mármore e observou a irmã retocar o batom. –Vi muito bem quando você o olhou de alto a baixo...
Contrariada, Gina passou o batom para Luna.
- Então vamos colocar assim... não gostei nem um pouco do que vi. Tipos como ele, durões e orgulhosos, não são para mim.
- Pois eu não tenho nada contra. Se não tivesse que voltar para a faculdade na semana que vem, eu...
- Mas você tem - Gina a interrompeu, sentindo uma pontada de desgosto ao lembrar que logo teria de se separar da querida irmã caçula. - Além disso, ele é velho demais para você.
- Flertar um pouco nunca machucou ninguém.
- Deve saber do que fala... Para ser franca, parece que não faz outra coisa, irmãzinha!
- Isso é só para compensar o seu comportamento de princesa frígida. "Oh, olá, Chad..."
- Ao imitar a irmã, Luna ergueu o queixo e fez uma pose exageradamente glamourosa.
- Agir com dignidade não faz de mim uma mulher frígida. - O comentário indignado de Gina provocou um acesso de riso na jovem. - Devia experimentar fazer isso às vezes.
- Você já é digna o bastante por nós duas. – Luna levantou-se. - Agora vou lá fora ver se consigo arrastar o irlandês bonitão para a pista de dança. Aposto que ele sabe se mover direitinho.
- Oh, sim - Gina murmurou assim que a porta se fechou atrás da irmã. - Eu também aposto.
Não que aquilo a interessasse nem um pouco, claro.
No momento não estava partiçularmente interessada em homens, ponto final. Tinha seu trabalho, a fazenda, toda a sua família. A combinação a mantinha ocupada, envolvida e feliz. Não significava que fosse uma pessoa anti-social. As vezes era ótimo ter uma boa companhia para jantar, e ocasionalmente gostava de ir com alguém ao cinema ou ao teatro.
Algo mais? Bem, tinha coisas melhores para fazer. Se isso a transformava numa "princesa frígida", e daí? Preferia deixar as tolices do coração para Sarah. E, ao levantar-se, concluiu que se o pai realmente contratasse Potter, ela precisaria ficar de olho na irmã caçula pelo resto da semana.
Mal Gina voltou ao salão principal, já foi abordada por Chad, que a convidou de novo para dançar. Talvez por ainda lembrar-se das palavras duras da irmã, ela recebeu o rapaz com um sorriso quente o bastante para fazê-lo sonhar.
Harry não se importava de dançar com Luna. Seria um homem digno de pena se não aproveitasse a oportunidade de ter uma linda jovem nos braços, mesmo que aquilo significasse ser obrigado a ouvi-la falar apenas sobre preocupações de uma adolescente.
O que não podia negar era o fato de Luna ser uma doçura, muito amistosa e, milagrosamente, nem um pouco mimada. Depois de dez minutos, ele já sabia que a jovem pretendia tornar-se uma veterinária especializada em cavalos, que adorava música irlandesa, que havia quebrado o braço ao cair de uma árvore aos oito anos de idade e que possuía uma personalidade sedutora inata e bastante charmosa.
Também foi puro prazer dançar com Molly Weasley, lembrando-se do próprio país graças ao som doce e suave da voz da mulher.
E ouviu toda a história, claro, a respeito de como ela fora para a América, e para Royal Meadows, juntar-se ao tio, Fred Donelly, que na época trabalhava como treinador dos cavalos de Arthur Weasley. Casualmente, Adélia disse que também havia sido contratada para trabalhar nas baias, pois herdara do tio o mesmo talento para lidar com animais.
Mas guiando a pequena e elegante mulher pela pista de dança, Harry não conseguiu imaginá-la trabalhando num estábulo... Aliás, não conseguia sequer imaginá-la, ou suas belas e sofisticadas filhas, perto do trabalho duro que os animais exigiam.
No fim das contas, o compromisso social não estava sendo tão ruim, Harry concluiu. E também não podia se queixar da comida, apesar de que um homem como ele preferisse um bom sanduíche de carne.
De qualquer forma, embora a ocasião não fosse o desastre que imaginara, ficou aliviado quando Arthur sugeriu que saíssem para respirar um pouco de ar puro.
- Tem uma família adorável, sr. Weasley.
- Sim, eu tenho. E cheia de tagarelas. Espero que você não tenha ficado com os ouvidos entupidos depois de dançar com Luna.
Harry sorriu, mas permaneceu cauteloso.
- Ela é encantadora... e ambiciosa. Medicina veterinária é um desafio, sobretudo quando a pessoa deseja se especializar em cavalos.
- Luna quis outra coisa. Passou por outras fases, claro, como qualquer garota - Arthur continuou, enquanto caminhavam pela trilha lateral do jardim. - Bailarina, astronauta, estrela do rock... Mas, no fundo, sempre quis ser uma veterinária. Vou sentir falta dela e de Fred, quando os dois voltarem para a faculdade na semana que vem. Imagino que sua família também sentirá falta de você, caso permaneça na América.
- Eu sempre vou de um lado para outro. Se ficar aqui, isso não será um problema.
- Minha mulher sente saudade da Irlanda – Arthur murmurou. - Uma parte dela ainda está lá, não importa quão profundas sejam as raízes que tenha criado aqui. Posso entender isso. Mas... - Ele parou, observando o rosto de Harry com atenção. - Quando eu contrato um treinador, espero que tanto sua mente quanto seu coração estejam concentrados em Royal Meadows.
- Compreendi, sr. Weasley.
- Sua vida tem sido bem agitada, Harry – Arthur emendou. - Dois, ocasionalmente três anos em cada haras, depois disso você pega a estrada e desaparece.
- É verdade. - Com os olhos fixos nos do outro homem, Harry assentiu. -Podemos dizer que ainda não encontrei um lugar capaz de me prender por mais tempo. Mas enquanto estive empregado nessas fazendas, os cavalos tiveram toda a minha atenção e lealdade.
- Me disseram isso, rapaz, pode acreditar que foi altamente recomendado. Mas quero que compreenda que nenhum treinador me satisfez completamente desde que Charlie Donelly se aposentou. E foi ele quem sugeriu que eu prestasse atenção em você.
- Estou lisonjeado.
- Deve estar mesmo. Arthur notou com satisfação que a expressão do jovem tinha permanecido impassível, apesar da notícia. Apreciava homens que sabiam guardar os pensamentos para si. - Eu gostaria que você desse uma passada na fazenda, assim que estiver acomodado na cidade.
- Já me registrei num hotel. Prefiro me mudar diretamente para a fazenda, isso se o senhor me contratar, claro.
- Tudo bem.
- Ótimo. Irei até lá amanhã, assim que o sol raiar, para observar como lida com as coisas, sr. Weasley. Depois de ver tudo e ouvir o que tem em mente, saberemos se vai ou não funcionar para nós dois. Isso lhe parece satisfatório?
"Mas que safado confiante", Arthur pensou, porém não sorriu. Ele também sabia ocultar os próprios pensamentos.
- Bastante satisfatório. Agora vamos entrar, eu lhe pago uma cerveja.
- Muito obrigado, realmente, mas prefiro ir agora mesmo para o hotel. O sol vai nascer bem cedo.
- Vejo você amanhã. - Arthur estendeu a mão e apertou a de Harry energicamente.
- Estou ansioso para vê-lo em ação.
- Boa noite, sr. Weasley.
Sozinho, Harry sacou um cigarro, acendeu-o e então soltou uma longa baforada.
Charlie Donelly em pessoa o recomendara? A idéia lhe causava prazer, mas também certo nervosismo. Tinha dito a Arthur que se sentia lisonjeado, mas seu sentimento real era bem maior do que isso. No mundo das corridas, o nome daquele homem era reverenciado.
Charlie Donelly treinava campeões como os outros tomavam café da manhã... e com a mesma regularidade.
Harry tinha visto o sujeito algumas vezes ao longo dos anos, e falado com ele apenas uma vez. Mas jamais seria capaz de imaginar que Donelly fosse se lembrar dele.
Arthur Weasley queria alguém capaz de substituir Charlie Donelly. Bem, Harry Potter não podia e não iria substituir ninguém. Porém, com certeza, iria deixar sua própria marca, o que devia ser bom o bastante para qualquer um.
- Bem, vamos ver o que acontece pela manhã - murmurou para si mesmo em voz baixa.
Ele começava a caminhar para a saída quando o movimento de uma sombra no terraço chamou-lhe a atenção. Estreitando os olhos, Harry reconheceu Gina, apesar da penumbra.
"Olhe só para ela", pensou. "Tão fria, solitária... e perfeita." Tinha sido feita para a luz da lua. Ou talvez o luar tivesse sido feito para aquela mulher. A brisa suave da noite fez com que o tecido delicado do vestido azul colasse ainda mais ao corpo escultural quando ela caminhou até um arbusto de flores e inclinou-se para aspirar-lhes o perfume. "Céus! Parece uma deusa grega!". Harry conteve a respiração ao contemplar tal visão.
Num impulso, arrancou uma rosa da roseira ao lado e caminhou decidido para o terraço. Gina virou-se ao ouvir som de passos. A princípio, um brilho de irritação iluminou os olhos azuis, coisa que Harry não teria notado se não estivesse com toda a atenção concentrada nela. Mas um segundo depois, como em um passe de mágica, a herdeira dos Weasley voltou a ostentar uma indefectível pose blasé, fria e inatingível.
- Sr. Potter.
- Srta. Weasley - ele disse no mesmo tom formal, estendendo a rosa. - Aquelas flores são rústicas demais para alguém como a senhorita. Esta é mais adequada.
- Verdade? - Ela aceitou a rosa por pura polidez, mas não a cheirou nem sequer a olhou. - Gosto de flores simples, Mas agradeço sua preocupação. Está apreciando a noite?
- Apreciei conhecer sua família.
Porque as palavras pareciam sinceras, Gina permitiu-se sorrir.
- Ainda não conheceu inteira.
- Seu irmão que está na universidade.
- George, sim, mas também não podemos esquecer meu tio Burke Logan, sua mulher, tia Erin, e seus três filhos, meus primos, que moram na fazenda vizinha, a Three Aces.
- Eu conheço os Logan, claro. Já os vi nas corridas uma ou duas vezes na Irlanda. Não vieram à festa hoje?
- Normalmente estariam aqui, mas estão viajando. Se o senhor ficar por aqui, com certeza vai reencontrá-los.
- E a senhorita? Ainda mora com seus pais?
- Sim. - Gina encolheu os ombros, olhando de relance para o interior do salão pela janela.
E era exatamente em casa que ela desejava estar naquele momento. A idéia de ter que voltar para a festa, enfrentar toda aquela gente e o barulho era insuportável.
- A música fica melhor a distância.
- O quê? - Ela nem se deu ao trabalho de olhar para Harry, apenas desejando que ele fosse logo embora e a deixasse desfrutar mais alguns momentos de solidão.
- A música - Harry repetiu. - É melhor quando mal se pode ouvi-la.
Como estava pensando na mesma coisa, Gina riu.
- Melhor seria se não pudéssemos ouvir nada.
Foi a maneira como ela riu. Havia algo quente naquele riso. Algo que fez o cérebro de Harry ferver. E então ele a tomou nos braços, sem nem sequer pensar no que fazia.
- Talvez sim, talvez não...
Ela ficou rígida. Não da maneira desajeitada como a maioria das mulheres ficaria, mas distendendo cada músculo do corpo até se tornar praticamente uma estátua.
- O que o senhor está fazendo?
As palavras eram frias como gelo, e não deixaram outra saída a ele, a não ser segurá-la pela cintura com mais força.
- Dançando. A senhorita dança. Eu a vi lá dentro. Mas aqui é melhor, pois não vai acabar esbarrando em ninguém, não acha?
Talvez ela concordasse. Talvez estivesse atônita. De qualquer forma, estava acostumada a conceder uma dança a um cavalheiro, e não a ser tomada à força por um homem.
- Vim até aqui precisamente para me afastar da dança.
- Não veio, não. A senhorita saiu do salão para se afastar das outras pessoas.
Gina acompanhava os movimentos para que aquilo não se tornasse algo mais comprometedor... como um abraço, por exemplo. E, mesmo contrariada, tinha de concordar com Luna, o homem sabia se mover. Ergueu os olhos até encontrar os dele.
- Há quanto tempo trabalha com cavalos? – Era um assunto seguro, Gina concluiu, ou pelo menos previsível.
- Por toda a minha vida, de um jeito ou de outro. E a senhorita? Gosta de cavalgar ou é o tipo que prefere ficar a distância, observando?
- Sou uma excelente amazona. - A pergunta a irritou por um instante, mas não o suficiente para alterar sua expressão impassível e gélida. - Se realmente for contratado, vai encarar um grande desafio. Deve ser difícil se acostumar a um país, emprego e cultura novos ao mesmo tempo.
- Eu gosto de desafios.
Havia algo na forma como Harry falou que deixou Gina em alerta, fazendo-a estreitar os olhos.
- Pessoas assim em geral deixam tudo de lado ao atingir o primeiro objetivo. É um jogo, nada de substância ou comprometimento. Prefiro aquelas que constroem algo fixando-se num lugar e trabalhando duro.
Isso não deveria incomodá-lo, já que era apura verdade. Mesmo assim, incomodou.
- Como seus pais fizeram?
- Sim.
- É muito fácil, não é? Realmente acha que uma pessoa como a senhorita, que nunca precisou conquistar nada com as próprias mãos, pode fazer uma crítica como essa?
- Admito que tive uma vida confortável. Porém, mesmo assim, respeito mais os que perseveram do que aqueles que saltam de uma oportunidade a outra... ou de um desafio a outro, se preferir.
- E isso que acha que eu estou fazendo aqui?
- Não posso afirmá-lo. - Ela encolheu um pouco os ombros, em um movimento sutil e gracioso. – Mal o conheço.
- De fato não conhece. Mas acha que conhece. O malandro de estábulo com unhas sujas, de olho no grande prêmio. Alguém indigno da sua atenção, claro.
Surpresa, não apenas com as palavras, mas com o tom inflamado do discurso, Gina tentou se desvencilhar dos braços de Harry. Mas ele a deteve.
"Como se tivesse o direito de fazer isso", ela pensou, indignada.
- O que disse é ridículo! Uma afirmação caluniosa e injusta.
- Não importa para nenhum de nós. - Ele não deixaria que importasse: Não permitiria que a princesa fizesse qualquer diferença. - Se seu pai confirmar a proposta que me fez, e eu aceitar, duvido que freqüentaremos os mesmos círculos ou que dançaremos de novo... já que serei apenas um empregado.
Havia raiva ali, Gina notou, bem atrás do verde vívido daqueles olhos.
- Sr. Potter, está enganado sobre mim, minha família e sobre a forma como meus pais administram a fazenda. Chega a ser insultante.
Ele arqueou as sobrancelhas.
- Está com frio ou apenas com raiva?
- O que quer dizer?
- A senhorita está tremendo.
- Faz frio aqui fora. - Gina mastigou as palavras, irritada por haver demonstrado alguma emoção diante do homem. - Acho melhor eu voltar para a festa.
- Como quiser. - Harry soltou-a, mas continuou segurando-a pela mão e fez uma mesura exagerada, inclinando-se. - Até mesmo um garoto criado nos estábulos pode aprender boas maneiras - murmurou, ao acompanhá-la até a porta. - Obrigado pela dança, srta. Weasley. Espero que se divirta pelo resto da noite.
Harry sabia que aquilo podia custar-lhe o emprego, mas não conseguiu resistir ao impulso de verificar se havia algum fogo por trás daquela muralha de gelo. Por isso ergueu a mão dela e levou-a aos lábios, beijando com suavidade os dedos longos, sem deixar de fitar o rosto de Gina.
Um faiscar violento iluminou os olhos azuis da princesa por um instante. Logo depois ela se desvencilhou e sumiu porta adentro sem se virar, deixando para trás apenas um rastro delicioso de perfume cítrico no ar. Um perfume muito caro, certamente, Harry concluiu.
Proximo capitulo sexta ou sabado ;)
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