Capitulo XXIII



O rostinho adquiriu uma expressão feliz.
— Foi o que Gina disse.
— E estava certa — replicou Harry, tomando o menino nos braços e erguendo-o da cadeira.
— Pai, posso voltar a trabalhar com você? Vou me com¬portar.
— Bem, poderia, só que não vou voltar ao trabalho hoje.
- Interromper o serviço no meio da tarde não é papel de um homem responsável — recriminou Thiago.
Harry relanceou um olhar para o pai.
— Tem razão. Mas se um homem não consegue algu¬mas horas de vez em quando para ficar o m seu filho não está se esforçado para ser um bom pai.
Thiago levantou-se, resmungando:
— Sempre pus comida na mesa.
— Tem razão. E quero que James possa dizer mais do que isso a meu respeito. — Harry voltou-se de novo para o filho, afagando-lhe o rostinho entre as mãos e evitando que ficasse nervoso, como sempre acontecia quando via pai e avô discutindo. — Não vai à Disneyworld, mas acho que gostará do que lhe trouxe. Mais do que um passeio na Space Mountain.
— - É um avião? — perguntou James animado, mexendo nos bolsos do pai.
— Não.
— Um carro? Um caminhão?
— Está frio, e não vai encontrar nada no meu bolso. A surpresa está lá fora, na entrada.
— Posso ver? Posso?
James já corria para a porta, lutando com a maçaneta. E quando abriu, olhou para fora e de novo para o pai, fazen¬do Harry deliciar-se com sua alegria de criança.
— Um cachorrinho! — exclamou James, segurando a bo¬linha preta e fofa que tentava escalar uma caixa de papelão e subir pelas suas pernas. — É meu? Posso ficar com ele?
— Acho que é ele quem quer ficar com você. — Harry riu ao ver o pequeno cão latir de modo esganiçado e lam¬ber o rosto do menino.
— Olhe, vovó, ganhei um cãozinho! É meu! Ele vai se chamar Mike!
— E uma gracinha, meu bem — disse Lilian. — Olhe para as patas. Logo será maior que você. Precisa tratá-lo muito bem, James.
— Vou tratar, prometo. Olhe Gina, veja Mike!
— E lindo... — Sem resistir, Gina abaixou-se e recebeu as lambidas no rosto. — Tão fofinho e meigo... — Ergueu o olhar para Harry. — É adorável.
— É bom para um menino ter um cachorro — comen¬tou Thiago ainda aborrecido com o comentário do filho. — Mas quem tomará conta dele quando James estiver na escola e você trabalhando? Seu problema é que nunca raciocina direito, faz as coisas por impulso e não analisa nada.
Mortificada, Lilian bateu no braço do marido.
— Pare com isso, Thiago...
— O terreno de minha casa tem cercas por toda a volta — respondeu Harry com cuidado —, e já trabalhei em lu¬gares onde havia cachorros. Mike virá comigo até ter idade suficiente para ficar sozinho.
— Comprou esse cão para o menino a fim de apaziguar a consciência porque não pode lhe proporcionar férias como as de seu amigo?
— Não quero mais ir para a Disneyworld -- aparteou James. — Quero ficar em casa com papai e Mike.
— Por que não leva Mike lá para fora, James? - sugeriu Gina com um sorriso. -- Cachorros pequenos gostam de correr como os meninos. E vocês dois precisam se conhe¬cer. Venha cá, primeiro vista sua jaqueta.
Harry controlou-se até que Gina colocou James porta afo¬ra. Então virou-se para o pai.
— Não é da sua conta se comprei um cachorro para meu filho, ou por que o fiz. Se quer saber, escolhi Mike em uma ninhada há três semanas e esperei até que estivesse desmamado. Pretendia buscá-lo no domingo, mas quis alegrar James hoje.
— Não vai ensiná-lo a ter respeito por você se lhe dá presentes depois que foi malcriado.
— Tudo que você me ensinou foi respeito e medo, e veja o que aconteceu.
— Por favor — pediu Lilian, apertando as mãos, aflita.
— Aqui não é o lugar apropriado para falar sob e isso.
— Não venha me dizer onde posso falar — rosnou Thiago.— Meu erro, Harry, foi não tê-lo espancado com mais fre¬qüência. Sempre fez o que bem entendia e só arrumou con¬fusão, procurando encrenca e deixando sua mãe de cabelos brancos. Fugindo para a cidade grande quando ainda era um garoto e estragando sua vida!
— Não fugi de casa. Fugi de você!
Thiago balançou a cabeça com força diante daquelas pala¬vras, como se tivesse recebido um murro, e empalideceu.
— Mas agora está de volta, não é? Lutando para fazer as coisas darem certo, entregando seu filho aos cuidados dos vizinhos para poder sustentá-lo. Levantando comentários em Shepherdstown porque dorme com mulheres no quarto ao lado de James e ensinando-o a ser um selvagem como você foi, para que estrague sua vida também!
Sem querer se intrometer na discussão dos dois homens que pareciam prestes a se engalfinhar, mas presa pela pró¬pria ira, Gina interferiu:
— Um momento! Harry não dorme com mulheres, só comigo. E embora isso não seja da sua conta, jamais quan¬do James está em casa. E se o senhor não conhece seu filho o suficiente, digo-lhe que Harry preferiria cortar um braço a causar algum problema ou magoar James. Deveria envergo¬nhar-se por falar com ele da maneira como fala, e sentir orgulho pelo modo como conduz a própria vida, trabalhan¬do como um louco para dar um futuro decente ao menino.
— Está perdendo seu tempo — resmungou Harry para Gina, que o encarou.
— Cale-SE. Você também está errado por falar do jeito como fala com seu próprio pai. Não tem o direito de desrespeitá-lo, e pior ainda, na frente de James. Será que não percebe que James fica com medo e magoado quando os vê como dois galos de briga? — Assim falando, Gina olhou para os dois homens ao mesmo tempo. — Vou lá para fora ficar com James.
Abriu a porta e saiu. Ainda ofegava de raiva quando Harry foi encontrá-la alguns minutos depois.
Ficou em silêncio alguns instantes, observando James ensinar Mike a pegar uma bolinha vermelha.
— Peço desculpas pelo que aconteceu na sua casa.
— Minha casa já presenciou brigas de família, e espero que continue assim, porque faz parte da vida
— Mas teve razão de dizer que não devíamos brigar na frente de James. — Ante o silêncio, enfiou as mãos nos bol¬sos. — Sempre brigamos, meu pai e eu.
— E precisa continuar sendo assim? Se já mudou alguns aspectos em sua vida, Harry, pode mudar outros. Só preci¬sa tentar com vontade.
— Eu e meu pai somos como água e óleo, e sempre saem faíscas quando conversamos. E melhor mantermos distân¬cia um do outro. Não quero ter o mesmo tipo de relaciona¬mento com James.
— Ora! Olhe para seu filho. Não é um menino alegre, saudável e bem ajustado?
— Sim. — Harry sorriu ante a imagem de James rolando na grama com o cãozinho.
— Sabe que é um bom pai. Dá trabalho, mas já conse¬guiu muito. Mas dará muito mais trabalho ser um bom fi¬lho para Thiago, porque existem muitas restrições.
— Não nos amamos.
— Errado. Se não houvesse amor entre vocês, não se ma¬goariam tanto.
Harry deu de ombros. Gina não entendia, nem podia en¬tender.
— Foi a primeira vez que o vi sem palavras diante de uma mulher. Você o desconcertou — disse com um sorriso.
— Ótimo. Agora trate de desculpar-se com sua mãe da próxima vez que a vir. Ela ficou muito nervosa.
— Nossa! Como você é brava! Posso brincar com meu cachorro primeiro?
Gina arqueou as sobrancelhas.
— Seu cachorro?
— De James, mas eu e ele somos...
— Uma dupla — finalizou Gina. — Sei disso.


Continua...

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