Capitulo XX



Quando Arthurr foi embora Harry ficou imóvel, baten¬do com a chave de tenda na palma da mão. O pai de Gina o aconselhara a continuar a briga e defender seus pontos de vista. Que tipo de família era aquela? Os pais que conhecia teriam ficado bravos com ele e dado palmadinhas carinho¬sas no ombro da filha.
Seus pais nunca brigavam, pensou. É claro que isso acon¬tecia porque Thiago ditava as regras da casa e não admitia desobediência. Pelo menos, assim parecia, concluiu para si mesmo.
Por sua vez, nunca tivera uma briga de verdade com Cho. Tinham suas diferenças, é claro, mas sempre resol¬viam tudo conversando ou... ignorando o assunto, admitiu. E fora preciso que ficassem assim, porque estavam isolados e dependiam um do outro. Aprendera a sempre dominar-se e usar a razão ao invés das emoções. Harry pensou na última discussão que tivera com o pai.
Entretanto, talvez fosse um erro comparar o presente com o passado. Mas uma coisa era certa: precisava livrar-se da sensação opressiva que sentia, de algum modo.
Primeiro conversou com os operários no andar de cima, resolveu alguns problemas de menor importância e a pro¬gramação para o dia seguinte. Era quase hora de ir embo¬ra, portanto despachou todos para casa. Não queria uma platéia.

Kate acertou o prego bem no meio e riu, satisfeita. Harry Potter, aquele imbecil, não era o único que sabia usar um martelo, pensou.
Passara a última hora arrumando seu escritório de modo meticuloso. Tudo estaria perfeito quando terminasse. Não admitia nada abaixo da perfeição.
A escrivaninha estava bem no lugar desejado, e as ga¬vetas já estavam arrumadas com as brochuras que manda¬ra imprimir sobre a escola, seu bloco de papel de carta e as fichas dos alunos.
O armário de arquivo era da mesma madeira dourada. A seu tempo, esperava ver todos aqueles formulários preen¬chidos.
Encontrara o tapete em uma feira de antigüidades, e o desenho com grandes rosas esmaecidas combinava com as paredes verde-claras e com o estofado das poltronas.
Só porque era um escritório, não significava que deves¬se ser impessoal e sem estilo, pensou.
Gina pendurou outra das fotografias em preto-e-branco que trouxera. Deu um passo atrás e meneou a cabeça, em aprovação. Bailarinas na barra, ensaiando no palco e nos bastidores, jovens estudantes em recitais, amarrando as sapatilhas. Estavam suadas, cansadas e radiantes, refletin¬do bem todos os aspectos do mundo da dança. As fotos a fariam lembrar sempre cio que fizera no passado e do que faria dali por diante.
Pegou outro prego, ajustou-o na marca que fizera na parede e martelou com força, sabendo que, na verdade, ten¬tava descarregar a raiva que sentia de Harry Potter.
Que bobalhão, falou com seus botões. Que saísse com Tiffany! Lembrava-se muito bem da srta. Skully. Tinha seios grandes, oxigenava os cabelos e era um ano mais velha que ela. Sempre dando risadas tolas e usando um batom muito vermelho. Bem, matutou, que Harry a convidasse para sair. O que importava? Terminara o compromisso entre os dois, afinal.
- Se tivesse me dito que pretendia cobrir as paredes desse jeito, não teria caprichado tanto na pintura — comen¬tou Harry às suas costas. — Ninguém notaria a diferença.
Sem se perturbar, Gina pendurou a fotografia e pegou outro prego, dizendo:
- Presume-se que sempre se tenha um certo orgulho do próprio trabalho, seja ele admirado pelos outros ou não. E já que paguei pela pintura da parede, faço o que quero com ela.
- Sim. Quer enchê-la de buracos. A escolha é sua.
A decoração com as fotos estava ótima, mas Harry ja¬mais iria admitir que Gina as posicionara de modo delica¬do, seguindo o tema em seqüência e obtendo um efeito harmonioso.
Ele as examinou com mais atenção e viu que várias mos¬travam a própria Gina criança, adolescente, e já adulta. Uma delas era até engraçada, exibindo-a com um martelo na mão, socando uma sapatilha. Fingindo pouco-caso, Harry apon¬tou para a fotografia na parede, e comentou:
— Precisava martelar esses sapatos?
— Para sua informação, as sapatilhas de ponta têm que ser amaciadas e é assim que se faz. Agora, se me der licen¬ça, gostaria de terminar de arrumar meu escritório. E tenho entrevistas aqui amanhã à tarde.
— Então tem tempo de sobra.
Harry relanceou mais um olhar em volta e admitiu que tudo estava perfeito. Gina não faria por menos, pensou.
— Vamos esclarecer as coisas — disse Gina, voltando a martelar. — Estou ocupada e não quero falar com você. Além do mais, não o pago para ficar à minha volta tagare¬lando.
— Não me venha com essa conversa — retrucou Harry, arrancando o martelo das mãos dela. — Os cheques que assina não têm nada a ver com sua raiva no momento. Não admito que coloque as coisas nesse nível.
Harry tinha razão, admitiu Gina para si mesma, sentin¬do-se envergonhada de ter dito o que dissera.
— Certo — concordou em voz alta - mas nosso rela¬cionamento pessoal acabou.
— É o que você pensa!
Assim falando, Harry trancou a porta do escritório.
— O que acha que está fazendo, Potter?
— Tentando obter um pouco de privacidade. Parece que hoje não está sendo muito fácil, com tantas visitas.
— Abra esta porta e saia neste instante, correndo!
— Sente-se e cale-se!
Gina arregalou os olhos, mais assustada que irritada.
— O que disse?
Resolvendo a questão, Harry colocou o martelo de lado... bem longe de Gina, caminhou até ela e a fez sentar-se em uma cadeira, dizendo:
— Agora ouça.
Gina tentou levantar-se, mas foi empurrada com força. Es¬tava começando a ferver como uma chaleira, mas a surpresa com a atitude de Harry era mais forte do que a indignação.
— Já provou que é maior e mais forte — disse, fingin¬do desdém. — Não precisa mostrar que é um troglodita também.
— E você não precisa provar que é mimada e rancoro¬sa. Se tentar levantar de novo antes que eu acabe de falar, vou amarrá-la com uma corda. — Harry fez uma pausa, pesando o efeito de suas palavras, e viu que Gina se aquie¬tava. — Estava tomando conta da minha vida, quando Jerry entrou. É meu amigo. Ele e Beth fazem de tudo por James, e devo muitos favores aos dois.
— Então, é claro, vai retribuir saindo com a irmã dele.
— Fique quieta, Gina! Não vou fazer isso. Não tenho a menor intenção de levar Tiffany ao cinema ou a um restau¬rante. O problema é que Jerry fala pelos cotovelos, e eu es¬tava ocupado com as prateleiras. A um certo ponto parei de prestar atenção, e quando voltei a me sintonizar... — Passou a mão nos cabelos, em um gesto de frustração. — Pegou-me desprevenido, e tentei ser delicado em recusar, sem ferir seus sentimentos. Ele e Tiffany sempre foram muito unidos. Acho que está preocupado com ela, e confia em mim. O que poderia ter respondido? Que não tenho o menor interesse na criatura?
Gina ergueu o queixo.
— Sim, mas não é esse o ponto.
— E qual seria? Pode me dizer?
— Que você deu a entender e, por certo, é mesmo a sua opinião, que nosso relacionamento é apenas sexual. Eu es¬pero mais do que isso. Espero lealdade, fidelidade, afeto e respeito. Espero que um homem diga, sem enrolar a língua, que está me namorando e que se preocupa comigo.
— Ora, Gina! Já faz quase dez anos que namorei alguém. Poderia parar com esses fricotes.
— Se pensa assim, está errado. Terminamos a conversa.
— Droga, Gina! Você é um osso duro de roer! Não ter¬minamos nada! — Harry a fez levantar. — Não estive com mais ninguém além de você, depois que minha mulher morreu. E não quero estar. Deixarei isso bem claro para Jerry e qualquer outra pessoa. Gosto de você e não aprecio que me façam sentir um idiota.
— Ótimo! Agora deixe-me ir.
— Não antes que ouça tudo que tenho a dizer.
— Você me insultou.
— Não vou me desculpar de novo.
— De novo? Não ouvi nenhum pedido de desculpas até agora, Potter. O que está fazendo?
Harry abriu a porta do escritório com um repelão e co¬meçou a arrastá-la pelo corredor.
— Fique quieta — ordenou, segurando Gina que se de¬batia como um peixe fora d’água.
— Se não me soltar neste instante, vou...
Não terminou a frase porque Harry a pôs sobre os om¬bros, segurando-lhe as pernas com uma mão e abrindo a porta da rua com a outra.
— Perdeu o juízo? — Surpresa demais para lutar, Gina afastou os cabelos do rosto, vendo-o carregá-la para fora da casa e descer os degraus da frente. — Ficou maluco?
— Sim, desde que você entrou na minha vida. — Harry relanceou o olhar pela rua e viu uma mulher que saía do prédio de apartamentos ao lado. — Desculpe, senhora.
— Sim? — respondeu a transeunte meio distraída.
— Esta é Gina, e eu sou Harry. Gostaria que soubesse que estamos namorando.
— Deus! — gemeu Gina, encobrindo o rosto com os ca¬belos.
— Entendi. Que lindo! — gaguejou a mulher, acenando e indo embora.
- Obrigado — disse Harry, colocando Gina no chão a sua frente e encarando-a. — Está satisfeita?
As palavras pareceram ficar presas na garganta de Gina. Deu um soco no peito de Harry e voltou a entrar na casa.
— Acho que não está — resmungou Harry, seguindo-a.


Continua (...)

Obg pelos comentarios, espero que gostem do cap. ;D

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