Capitulo XIII
— Estou atrasado, sei disso. Tive um contratempo e não consegui telefonar. Lamento.
As palavras frias que planejara dizer ficaram presas na garganta de Gina. Encarando a expressão do rosto de Harry, percebeu que não se tratara de pouco-caso.
— Aconteceu alguma coisa com James?
— Não, ele está bem. Desculpe, Gina. Talvez possamos sair outra noite.
— O que houve com sua mão?
Ela segurou-o pelo pulso. Parte da mão estava coberta com gaze e esparadrapo.
— Falta de cuidado minha. Não é nada, não se preocu¬pe. Levei dois pontos. O pessoal do pronto-socorro traba¬lha devagar.
— Está sentindo dor?
— Não é nada — insistiu Harry.
Mas Gina sabia que era alguma coisa, e mais forte que dor física.
— Vá para casa — disse, por fim. — Estarei lá em meia hora.
— Como?
— Eu levarei o jantar. O restaurante fica para outro dia.
— Não precisa dar-se ao trabalho...
— Harry. — Gina segurou-lhe o rosto com ambas as mãos, sentindo muito carinho e pena. — Vá para casa, e irei em seguida. Fora daqui! — finalizou com brandura, fechan¬do a porta.
Como sempre, Gina foi pontual. Quando Harry abriu a porta, passou por ele como uma brisa de primavera.
— Vai comer bife — anunciou. — Por sorte tinha carne na geladeira.
Assim falando, voltou da cozinha e tirou o casaco, co¬meçando a desembrulhar outras coisas.
— Pode abrir o vinho ou sua mão está incomodando?
— Darei um jeito — respondeu Harry, pegando o casa¬co e sentindo o perfume delicioso, antes de pendurá-lo no gancho atrás da porta. Ficava esquisito ali, uma peça tão feminina e macia ao lado de sua jaqueta de trabalho.
Gina não pertencia àquele ambiente, pensou, olhando para ela.
— Olhe, Gina...
Mas ela entregou-lhe a garrafa de vinho, e enquanto a abria, Harry quis saber:
— Por que está fazendo isso?
— Porque gosto de você — respondeu ela, começando a descascar duas batatas. — E porque está com a aparência de quem precisa de uma boa refeição.
— Quantos homens costumam apaixonar-se por você a cada ano?
Gina lançou-lhe um sorriso por sobre o ombro.
— Abra a garrafa, Potter.
— Está bem.
Harry girou o botão do rádio até encontrar uma música clássica que deveria agradá-la. Pegou a louça dos dias de festa que não usava há anos, e pôs a mesa na sala de jantar, de maneira formal. Só usava aquele cômodo em dias especiais.
Havia velas na casa, mas das comuns, para casos de falta de energia. Hesitou em colocá-las sobre a mesa, receando que ficassem ridículas.
Quando voltou para a cozinha, viu Gina preparar uma salada, e havia duas pequenas lamparinas sobre o balcão. Fora mais rápida do que ele, pensou.
— Achei estas lamparinas, e vão ficar lindas sobre a mesa. Sabia que tem poucos legumes na geladeira?
— Compro saladas prontas, para duas pessoas, e come¬mos na hora. É só servir.
— Preguiçoso — murmurou Gina, fazendo-o sorrir.
— E você é muito eficiente — replicou Harry, e levou o copo de vinho aos lábios dela porque estava com as mãos ocupadas.
— Obrigada — ela murmurou, olhando-o de modo in¬tenso. — Muito gentil.
Harry apoiou o copo no balcão e beijou-a de leve nos lábios.
— Assim é ainda melhor — murmurou Gina. — E como está machucado, tem permissão para ficar sentado e rela¬xar, enquanto preparo a comida. Pode telefonar para os Skully e ver se está tudo bem com James. Mande um beijo meu, e diga que o veremos amanhã.
— Quer mesmo continuar com o plano de ir ao cinema?
— Às vezes faço coisas de que não gosto, mas nesse caso será um grande prazer. Telefone para seu filho. O bife fica¬rá pronto em dez minutos.
Gina gostava de cuidar das refeições, do mesmo modo que adorava mimar Harry. Talvez porque, era óbvio, ele não esperasse por isso, e apreciava muito as pequenas coisas nas quais normalmente as pessoas nem reparavam. E Gina sen¬tia-se feliz por poder ser útil.
Esperou até se sentarem à mesa, vê-lo comer bem e to¬mar o vinho. Então perguntou:
— O que aconteceu?
— Tive um mau dia. O que fez com estas batatas? Estão deliciosas!
— Receita secreta ucraniana — disse Gina, fingindo um sotaque carregado. — Se contar a você terei que matá-lo em seguida.
— Não saberia como fazer, de qualquer jeito. Minhas habilidades na cozinha vão até colocar embalagens no mi¬croondas e ligar. Fala ucraniano? Observei-a falando fran¬cês outro dia, no telefone.
— Sim, falo um pouco. Mas também entendo a nossa língua, portanto conte-me o que deu errado hoje.
— Várias coisas. — Harry deu de ombros. — Dois dos rapazes adoeceram. O surto de gripe em Nova York está chegando à Virgínia. Como o resto da equipe está em outra obra, fiquei com muito trabalho sozinho. Depois cortei o dedo com um estilete, manchei de sangue o assoalho, des¬pedi meu pai e esperei algumas horas no pronto-socorro até ser atendido.
— Brigou com seu pai. — Gina cobriu-lhe a outra mão com a sua. — Lamento.
— Não nos damos bem.
— Mas o contratou.
— É um excelente encanador — respondeu com simpli¬cidade, retirando a mão e pegando o copo. — Sim, eu o contratei. Foi um erro. É tolerável quando os outros operá¬rios estão por perto, mas quando ficamos só nós dois, como aconteceu hoje, é encrenca na certa. Sou um desajeitado e azarado, sempre fui e sempre serei. Não trabalho direito, muitas vezes, e não sei lidar com minha vida particular. Estou flertando com uma mulher elegante e rica, em vez de me preocupar com outras coisas.
— Agora me tornei uma esnobe? Harry passou a mão sobre o rosto.
— Desculpe. Fui grosseiro. Quando me irrito com meu pai, não consigo parar.
— Tudo bem. Não me importo de ser chamada de ele¬gante. — Gina mordiscou um pedaço de bife. Não preten¬dia aborrecer-se. Harry não merecia. — Talvez seu pai este¬ja tão triste e frustrado quanto você. Um não sabe lidar com o outro, e ninguém tem culpa. Espero que façam as pazes.
— Meu pai nunca me enxerga como sou. Gina sentiu muita pena.
— Querido, não é culpa sua. Sempre desejei que meus pais se orgulhassem de mim, de modo exagerado. Então trabalhei, às vezes demais, para me assegurar de que isso aconteceria. E não foi culpa deles se às vezes me aborreci ou fiz bobagens no trabalho.
— Minha família não é como a sua.
— Está enganado. Você e James se parecem muito com os Weasley. Talvez seu pai perceba isso e fique imaginando por que não conseguiu ser seu amigo.
— Só dava trabalho para ele.
— Não acredito. Você era apenas uma criança, como James é hoje.
— Não via a hora de terminar o colégio e fazer dezoito anos para partir. E foi isso que aconteceu. Fiz a mala e fui para Washington, com quinhentos dólares no bolso, sem emprego, sem nada. Mas fui embora.
— E deu certo.
— Vivi quase sem dinheiro por três anos, trabalhando em construções, gastando o que ganhava com cerveja e... mulheres bonitas — disse com um sorriso triste. — Então cheguei aos vinte e um anos pobre, relaxado e tolo. E co¬nheci Cho. Eu fazia parte da equipe de operários que trabalhava em uma reforma na casa dos pais dela. Esbarra¬mos um no outro e, para minha surpresa, começamos a sair juntos.
— Por que ficou surpreso?
— Era uma garota que cursava a faculdade, de família rica e conservadora. Tinha educação, dinheiro e muita clas¬se. E eu estava a um passo de ser vagabundo.
Gina observou o rosto, as mãos e o olhar forte de Harry. E falou:
— É claro que ela não pensava assim.
— Não. Foi a primeira pessoa a me dizer que eu tinha potencial. A primeira a acreditar em mim. Fez com que adquirisse autoconfiança e determinação. Então parei de gastar dinheiro com bobagens e comecei a amadurecer. Mas você não deve querer ouvir essas coisas.
— Quero sim. — Para mantê-lo falando, Gina encheu os copos de novo. — Cho ajudou-o a começar seu negócio?
— Isso foi depois. — Jamais conversara sobre essas coi¬sas com ninguém, pensou Harry. Nem com os pais, amigos ou James. — Era habilidoso com as mãos e tinha uma boa visão de construções. O problema é que nunca tinha pen¬sado muito a respeito. Então percebi que quando planeja¬va ter meu próprio negócio, sentia mais orgulho de mim mesmo.
— Claro, porque respeitava a si mesmo.
Continua [...]
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