Capitulo IX




— Nada — respondeu Harry.
— Na verdade — disse Gina —, seu pai ia me beijar. Harry a encarou com a expressão que reservava para quando o filho fazia algo muito grave.
James, em seu pijama de Power Rangers, analisou-os com olhos arregalados, os cabelos despenteados e as bochechas rosadas.
— Não pode ser.... Papai não beija moças.
— Verdade? — Antes que Harry tivesse tempo de re¬cuar, ela o segurou pela camisa. — E por que não?
— Porque são... garotas. — O menino enfatizou a expli¬cação, levantando os olhos para o alto. — E elas são chatas.
— Entendi. — Gina largou Harry e fez um sinal para James. — Venha cá, menino.
— Para quê?
— Vou beijá-lo.
— Não vai, não! — respondeu James, sorrindo e pressen¬tindo uma brincadeira.
— Muito bem. — Gina tirou o casaco, atirou-o para Harry e arregaçou as mangas do suéter. — Foi você quem pediu. É o seu fim.
Fez uma careta divertida, dando tempo para que James saísse correndo, e seguiu-o para a sala, deixando Harry admirado por vê-la passar por todos os objetos no chão sem pisá-los. James gritava pedindo socorro, encantado com a farra inesperada.
Por fim Gina o pegou, lutou com ele no sofá e o imobi¬lizou enquanto gritava e ria.
— Agora, a punição final. — Começou a beijá-lo no ros¬to, de modo ruidoso. — Diga que está gostando.
James ria tanto que nem conseguia respirar direito.
— Não!
— Diga que está gostoso, senão vou continuar por mais um século!
— Gostei! — berrou o menino, entre risadas.
— Certo. — Gina afastou-se, recobrando o fôlego. — Minha missão acabou.
Mas James aboletou-se no seu colo. Ela não era macia e fofa como a avó, pensou, nem rija como o pai. Era diferen¬te, e os cabelos tinham um cheiro muito bom, concluiu.
— Vai ficar aqui até a meia-noite, Gina?
— Eu adoraria, James. — Gina relanceou um olhar para Harry, por cima do ombro. — Se seu pai deixar, é claro.
Harry sentiu-se derrotado.
— Vou pegar outra cerveja — disse com um suspiro re¬signado.


Frederica Weasley LeBeck arrastou a irmã até o quarto e fe¬chou a porta com firmeza. Isso lhes daria cinco minutos de paz e privacidade, calculou.
— Agora conte-me tudo desde o início — ordenou.
— Certo. Segundo evidências científicas, tudo começou com uma grande explosão no espaço sideral, e...
— Pare com gracinhas! Estou me referindo a Harry Potter — cortou Freddie, oito anos mais velha que Gina, ruiva, e de pequena estatura, um contraste com o tipo físico da irmã. — Mamãe me disse que você o tem na palma da mão.
— Harry não é um coelho. — Gina sentou-se ao lado da irmã na cama. — Aliás, pensando bem, não seria mau...
— Vamos lá! O que está acontecendo entre vocês dois?
— Bem, ele é viúvo e tem muito trabalho para criar o filho, apesar de fazer tudo certo. Já conheceu Jámes?
— Impossível deixar de notá-lo. Ele e Max estão entretidos com o videogame — replicou Freddie, referindo-se ao próprio filho de seis anos.
— Ótimo! Assim Harry poderá conversar com os adul¬tos. Acho que não teve muito tempo para isso.
— Vovô e o tio Mik já se apossaram dele, quer queira quer não. Vi os três saindo de casa, mais não sei quantos outros, para dar uma olhada no seu prédio e opinar sobre a reforma.
— Perfeito.
— Então, é só atração física ou tem mais?
— Bem... começou com atração. Sou muito suscetível a homens fortes e altos com cintos de ferramentas na cintura.
Enquanto Frederica perdia o fôlego de tanto rir, Gina deitou-se de costas e olhou para o teto do quarto.
— Acho que pode ser algo mais profundo — continuou Gina. — Harry parece ser... um homem muito bom. ínte¬gro, responsável, carinhoso... Um tipo difícil de se encon¬trar. E muito tímido, também, mas de modo adorável, o que o torna um desafio e tanto.
— E ninguém aprecia mais um desafio do que você.
— É verdade. Só perco para você. Mas, voltando a Harry, toda vez que o vejo com James sinto um aperto no coração. Entende?
— Sim. — Freddie sentira o mesmo quando conhecera seu marido, Nick. — Está apaixonada?
— Ainda é cedo para saber. Mas gosto muito dele e aprecio suas qualidades morais do mesmo modo que as fí¬sicas. — Gina ergueu a perna, apontando o pé para o teto. — Ao mesmo tempo que sinto uma enorme atração física por ele, percebo que poderíamos conversar durante horas, temos afinidade. Ontem assistimos à última parte daquele filme de monstros do espaço, com um olho só.
— Sei qual é. Adoro!
— Eu também. É isso que quero dizer. Ficamos muito à vontade um com o outro e temos os mesmos gostos. — Gina espreguiçou-se, lembrando-se de como fora agradável aque¬la noite. — Embora sinta sempre uma descarga elétrica no corpo quando estou ao lado de Harry, é bom ficar sentada com ele no sofá, assistindo a filmes antigos. A maioria dos homens com quem saio sempre quer ir a festas, dançar, vi¬sitar galerias de arte... Nunca passei uma noite em casa com um namorado, vendo televisão. E adorei a noite de ontem!
— Cidade pequena, escola de balé, um romance com um empreiteiro... É bem próprio para você, Gina.
— Sim — replicou a irmã caçula, ignorando a ironia. — É mesmo.

Yuri Stanislaski, um homem enorme com uma cabelei¬ra acinzentada, estava parado no meio do salão destinado às aulas de bale.
— O espaço é bom. Minha neta conhece o valor do es¬paço. Fundações sólidas — comentou, deixando Harry sem saber se estava se referindo ao prédio ou à educação de Gina.
Mikhail, o filho mais velho de Yuri, estava de frente para a janela.
— Gina vai reviver a infância aqui — disse ele. — Bom para ela. E... — Voltou-se, com um sorriso — ...as pessoas virão para ver as bailarinas. Publicidade. Minha sobrinha é uma garota esperta.
Ouviram-se passos na escada. Harry não fazia idéia de quantos o haviam acompanhado. Pareciam ser todos da comitiva de Mik, mas era impossível distinguir uns dos outros, já que todos tinham feições muito parecidas.
Não estava acostumado com família numerosas, com aquele vozerio e tumulto, mas simpatizava com os Stanislaski.
— Papai! Suba até aqui! Precisa ver isso. É maravilhoso!
— Meu filho Griff — explicou Mik piscando o olho. — Gosta de coisas antigas.
— Então, vamos subir. — Yuri deu um tapa, que pre¬tendia ser amigável, nas costas de Harry, mas que quase o fez perder o equilíbrio. — Veremos o que está fazendo nes¬te prédio grande e antigo para alegrar e proteger minha menina. Gina é uma lindeza, não?
— Sim — respondeu Harry com cautela.
— E forte.
Hesitante, Harry relanceou o olhar na direção de Mikhail, pedindo ajuda, mas apenas reviu o sorriso caloroso.
— Sem dúvida.
— E tem bons ossos também — disse Yuri, dando outra gargalhada sonora e piscando o olho para o filho no que devia ser uma brincadeira.
Começaram a subir as escadas.

Harry não sabia como acontecera. Apenas planejara fa¬zer uma visita rápida aos Weasley. Entretanto, fora sugado pela família. Não se lembrava de já ter visto antes tantas pessoas reunidas no mesmo lugar e à mesma hora. E todos eram parentes entre si.
Já que sua família era constituída apenas por ele, James, seus pais, três casais de tios e seis sobrinhos espalhados no sul do país, o volume de gente no clã Stanislaski era espan¬toso. Ele não compreendia como sabiam quem era quem. Eram todos bem-apessoados, simpáticos, extrovertidos e inflamados. A casa estava tão apinhada de gente, comida, bebida, música, que, apesar de ter ficado até as oito horas da noite, mal conseguira trocar duas palavras com Gina.
Fora arrastado para a obra e interrogado sobre seus pla¬nos. Por certo não era tão tolo para pensar que as perguntas só diziam respeito à reforma. A família de Gina fizera uma verdadeira investigação sobre sua vida. A de Cho fizera o mesmo, lembrou-se. É claro que não com tanto bom humor e simpatia, concluiu Harr, mas o objetivo era o mesmo.
Será que esse sujeito é bom o suficiente para nossa princesa? No caso de Cho a resposta devia ter sido um redondo "não". O ressentimento de ambas as partes sempre empanara o relacionamento feliz do casal, como uma sombra nefasta.
Porém, a impressão de Harry era de que, no caso dos Stanislaski e Weasley, o veredicto ainda não fora dado. Nada do que fizera para provar que não tinha a intenção de rap¬tar a bela dançarina os impedira de interrogá-lo sobre to¬dos os aspectos de sua vida.
Harry felicitou-se por ser sozinho. Pretendia continuar assim, pensou com seus botões.

A festa terminara, graças a Deus, os feriados de fim de ano também. Poderia voltar ao trabalho e tratar Gina Weasley apenas como cliente. Nada de intimidades entre eles, pen¬sou com determinação.

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