Capitulo VIII
Harry serviu-se de cerveja, desejando não ter comido o último pedaço de pizza. Estava esparramado no sofá com James, em meio ao caos na sala de estar. Um filme de segun¬da categoria sobre monstros e alienígenas se desenrolava na tela da televisão. Admitiu para si mesmo que adorava fil¬mes assim, despretensiosos, feitos apenas para divertir e ser esquecidos em seguida.
Dali a pouco mudaria de canal para ver a contagem re¬gressiva da entrada do novo ano na Time's Square, Nova York. James queria assistir e insistira em ficar acordado até tarde, entretanto, naquele instante, parecia lutar de modo feroz para manter as pálpebras erguidas, o que explicava o estado da sala, pois se esforçara para demonstrar que esta¬va bem desperto. Por fim, adormeceu, encostado ao ombro do pai.
Harry resolveu deixá-lo dormir até dois minutos antes da entrada do Ano-Novo. Bebericou a cerveja e ficou assis¬tindo ao monstro de um só olho, invasor da Terra.
Quase pulou ao ouvir uma batida na porta. Resmungando, deitou o menino no sofá e levantou-se. A probabilidade de alguém ir visitá-lo depois das dez horas da noite era igual à de uma invasão de monstros, pensou, curioso.
Com cuidado, circundou brinquedos, tênis e meias es¬palhados no chão, e dirigiu-se à porta. Devia ser alguém perdido ou que ficara com o carro enguiçado na estrada, pensou. Todos que conhecia na cidade estavam celebrando o Ano-Novo em suas casas ou na de amigos e parentes.
Entretanto, parecia que nem todos, concluiu com um so¬bressalto, ao deparar-se com Gina Weasley.
— Olá. Achei que estaria em casa. Minha mãe mandou-lhe isto.
Harry segurou a pequena vasilha com tampa de plás¬tico.
— Sua mãe?
— Sim. Magoou-a quando disse que estava muito ocu¬pado para ir lá em casa amanhã.
— Não disse que estava ocupado, eu... — Harry inter¬rompeu-se, porque não lembrava qual a desculpa que dera.
— As lentilhas são para dar sorte — explicou Gina — Mamãe espera que mude de idéia e apareça. Haverá mui¬tas crianças para Jamesbrincar. Ele está acordado? Quero dizer olá.
Sem esperar pela resposta nem por convite, esgueirou-se para dentro da casa, pegando Harry desprevenido, que saiu correndo atrás e alcançou-a na sala desarrumada com a tele¬visão ligada. Sem jeito, começou a recolher alguns brinque¬dos e objetos no caminho, empurrando outros com o pé.
— Ora! Pare com isso. — Gina gesticulou, impaciente. — Conheço as casas que têm crianças. A nossa foi assim. Que árvore de Natal linda!
Com as mãos ocupadas, Harry seguiu-lhe o olhar. Vira a dos Weasley na sala de estar. Era maravilhosa, luxuosa e imponente. A dele e de James parecia ter sido decorada por um bando de duendes bêbados.
— Certa vez fizemos uma igual a essa — disse Gina. — Eu, Freddie e Rony infernizamos minha mãe até que ela nos deixou enfeitar a árvore. Fizemos uma tremenda bagun¬ça. Foi maravilhoso!
O fogo crepitava na lareira, e ela aproximou-se para es¬quentar as mãos. Passara mais de uma hora vestindo-se, de modo a parecer calculadamente natural. O suéter vermelho-escuro estava enfiado dentro da calça cinza, e ela usava um delicado par de brincos de ouro. Deixara os cabelos soltos, após muita hesitação, e eles desciam-lhe pelas costas, até a cintura.
Um tanto ressentida, pensou com seus botões que Harry não precisara se esforçar para estar lindo com seu jeans velho e camiseta.
— Que casa bonita! — exclamou. — É um lugar tão tran¬qüilo, aqui na colina! Deve ser ótimo para James ter uma casa espaçosa como esta. Precisa comprar-lhe um cachorro.
— Sim, ele está louco para ter um. — Enquanto falava, Harry imaginava o que fazer com a visita. — Agradeça a sua mãe pelas ervilhas.
— Lentilhas — corrigiu Gina com um sorriso. — Agra¬deça você mesmo.
Voltou-se e deparou com James, o rostinho enterrado no sofá e um braço esticado para fora.
— Foi nocauteado. — Aproximou-se devagar do meni¬no e recolocou o braço na almofada, cobrindo-o com a manta do sofá. — Queria ficar acordado até a meia-noite?
— Sim — resmungou Harry.
Gina refletiu que ele parecia perdido. Perdido, perplexo e engraçado, ali de pé, lutando para segurar a tigela de len¬tilha e os brinquedos do filho.
— Adoro esse filme — comentou ela com displicência, olhando a tela da televisão. — Em especial quando o herói abre a porta e depara com centenas de olhos e tentáculos gigantes. — Olhou para Harry. — Por que não me oferece uma bebida como um bom anfitrião?
— Só tenho cerveja.
— Quantas calorias! Bem, farei uma exceção porque é Ano-Novo. — Caminhou até ele e pegou a tigela. — Onde fica a cozinha?
Gina usava um perfume que o deixou zonzo por um instante. Nunca antes sentira coisa igual, tão feminino e sedutor. Harry olhou para a esquerda, indicando a cozinha, e deixou cair um brinquedo.
— Pode deixar que eu encontro — disse Gina. — Quer mais cerveja?
— Não, eu... — Harry deixou cair o resto dos brinque¬dos e seguiu-a. — Olhe, Gina, pegou-me em uma má hora.
— Nossa! Que teto lindo! Fez a reforma sozinho?
— Quando tive uma folga. Ouça...
Mas Gina continuava a percorrer a cozinha espaçosa com os balcões de granito, portas corrediças, armários nas pare¬des e um encantador aquecedor antigo. Tudo estava cober¬to por pratos, panelas, cadernos escolares, jornais e emba¬lagens descartáveis.
— Nossa! — voltou a exclamar, olhando para a bagun¬ça. Dirigiu-se ao balcão com migalhas de biscoito e pegou um farelo. — Gostoso.
— Em geral não sou tão desarrumado — desculpou-se.
— Fez uma festa particular com seu filho. Pare de pedir desculpas. A cerveja está na geladeira?
— Sim. Por que não foi a uma festa de réveillon?
— Eu vim. Só cheguei um pouco atrasada. Esta é a mi¬nha festa. — Gina entregou-lhe a cerveja. — Pode abrir para mim? — Farejou o ar. — Estou sentindo cheiro de pipoca.
— Terminamos de comer há pouco.
— Bem, azar meu por ter chegado tarde. — Encostou-se no balcão e tomou um gole de cerveja. — Vamos voltar à sala e ver o resto do filme?
— Sim... Não.
— Para qual das perguntas? — brincou Gina.
Com os olhos cravados nela, Harry venceu a pequena distância que os separava e tomou-lhe a garrafa da mão, colocando-a sobre o balcão. Era Ano-Novo, época de desvencilhar-se do passado e... quem sabe...
Gina começou a deslizar as mãos trêmulas pelo tórax rijo, mas Harry a deteve.
— Não. É minha vez.
Inclinou a cabeça e beijou-a de leve.
— Papai?
Harry deu um passo atrás, quase gemendo:
— Meu Deus...
James surgiu na soleira da porta, esfregando os olhos.
— O que está fazendo aqui?
(E agoraa??)
Continua [...]
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