Capitulo X
Durante uma semana Harry trabalhou na reforma, con¬sertando paredes e encanamentos. Gina não apareceu.
Todos os dias, quando chegava na obra, imaginava que a veria surgir para acompanhar o progresso da reforma. E a cada final de tarde, quando recolocava as ferramentas na picape, perguntava-se por que ela não viera.
Por certo estava ocupada, concluiu, e tinha outras coi¬sas com que se preocupar. Não estava tão interessada no acompanhamento dos trabalhos como o fizera acreditar. E... era claro que também perdera o interesse pelo empreiteiro, matutou consigo mesmo.
Era por isso mesmo que evitara qualquer tipo de envol¬vimento com ela, falou para si, tentando convencer-se. Pro¬vavelmente, passava metade das noites se divertindo em festas e jantares e a outra metade com algum alto executivo de uma cidade grande que estivesse de passagem por ali. Não ficaria surpreso se isso fosse verdade, pensou. Tampou¬co ficaria surpreso se descobrisse que ela já estava fazendo planos para vender a propriedade e dar um basta na vida pacata de cidade pequena.
Mas ficou surpreso consigo mesmo quando se deu con¬ta de que se dirigia para a casa dos Weasleyl e batia na por¬ta. Afinal, justificou-se, não fora Gina quem dissera que queria acompanhar a obra? O mínimo que podia fazer era fingir um pouco de interesse, pensou, tentando justificar-se.
Voltou a bater na porta. Nada. Andou de um lado para o outro na frente da casa. O que, afinal, estava fazendo? Era um tolo, pensou, aborrecido. Não era da sua conta o que Gina fazia ou deixava de fazer, contanto que pagasse por seu serviço.
Harry deu um suspiro profundo, e já se virava para ir embora, quando a porta abriu.
Lá estava ela, com ar sonolento, os cabelos despenteados e os olhos pesados, como se tivesse acabado de sair da cama e desejasse voltar logo.
— Harry...
— Desculpe-me por tê-la acordado. Afinal, ainda são quatro horas da tarde.
Com o cérebro muito embotado para perceber a ironia, Gina sorriu sonolenta.
— Tudo bem. Entre. Vou fazer um café. — Deu as cos¬tas, presumindo que ele a seguiria, e dirigiu-se para a cozi¬nha. — Como vai a obra? — Enquanto começava a prepa¬rar o café, exercitou os músculos dos ombros.
— Pula do interesse à apatia com facilidade?
— O que disse? — murmurou Gina, ainda com dificul¬dade para raciocinar e concentrando-se para lembrar onde ficavam as xícaras.
— Há uma semana não aparece lá.
— Eu não estava na cidade. Houve um pequeno proble¬ma em Nova York. Gosta de café preto ou prefere com leite?
Imediatamente o aborrecimento de Harry transformou-se em preocupação.
— Problemas com a família? — perguntou.
— Oh! Não! Estão todos bem. — Gina arqueou as costas, tentando alcançar com a mão um músculo dolorido entre as omoplatas. — Poderia... estou com um ponto que... — Cur¬vou o braço nas costas, tentando alcançar o ponto. — Aperte aqui com o polegar um minuto. Isso mesmo... mais forte. — Fechou os olhos e murmurou: — Que bom... não pare...
— Chega de massagem!
A exclamação de Harry saiu em tom rouco. Com um gesto brusco, a fez encostar-se no balcão da cozinha e pres¬sionou os lábios nos dela.
Um súbito calor invadiu o corpo de Gina, enquanto seu cérebro finalmente despertava. Entreabriu os lábios, sur¬presa, e Harry aprofundou o beijo. Gina apoiou-se, com medo de cair. Estava presa entre o balcão e o corpo forte de Harry. Toda a fadiga e a dor desapareceram na volúpia das sensações.
Desejo, frustração, raiva, todos esses sentimentos explo¬diram no íntimo de Harry, depois de ficarem sufocando-o desde o dia em que conhecera Gina. No momento em que o muro ruíra, a paixão manifestara-se. Beijou-a com fúria, sentindo-a tremer entre seus braços.
Quando, afinal, soltou-a, estavam ambos sem fôlego. Por um longo momento ficaram imóveis, olhos nos olhos, as mãos de Harry enterradas nos cabelos de Gina, que o enla¬çava pelo pescoço.
E voltaram a beijar-se, ela desvencilhando-o da camisa, ele explorando a pele macia sob o suéter. Arrastou-a até a mesa da cozinha, e estava a ponto de fazê-la sentar-se so¬bre a madeira rija, quando...
— Gina, senti cheiro de café fresco, e... Arthur Weasley parou na soleira da porta, surpreso com a cena da filha agarrada ao empreiteiro.
Os dois se separaram, com a rapidez de crianças pegas em flagrante roubando biscoitos da lata.
Cinco segundos transcorreram no mais profundo e enervante silêncio.
— Preciso... vou ao escritório — gaguejou Arthur, por fim.
Deu meia-volta e se afastou com passos apressados. Harry passou a mão pelos cabelos pretos.
— Céus! Tudo o que eu queria agora era que o chão se abrisse para me engolir!
— Estamos pisando em granito. — Gina tentou brincar, enquanto se apoiava nas costas de uma cadeira, esperando que a cozinha parasse de rodar. — Tudo bem. Meu pai sabe que já beijei homens antes.
— Estava prestes a fazer muito mais do que apenas bei¬já-la, e na mesa da cozinha de sua mãe!
— Sei disso. — Gina não conseguia controlar as batidas do coração, enquanto observava o olhar de Harry, ainda cheio de desejo. — Que pena! Papai precisava entrar justo agora...
— Isso não teria acontecido se você não me provocasse.
Harry respirou fundo e procurou por um copo que en¬cheu de água gelada. Desejava atirá-la no rosto, para esfriar o ânimo, mas acabou bebendo.
— Provoquei? — Gina desejava continuar sentindo a maciez dos lábios dele. — Quando?
— Fez com que eu a tocasse, massageasse, e você ge¬meu de modo sensual...
— Não gemi. Foram murmúrios de alívio, não de excitação. Estava com dor nas costas. Dê-me uma xícara, por¬que agora foi você quem me provocou.
— Eu?! Foi para Nova York durante uma semana e nem me avisou.
— Desculpe — replicou Gina com ironia. — Meus pais sabiam onde me encontrar. — Aceitou a xícara que ele lhe entregou e serviu-se de café. — Eu não sabia que tinha de dar satisfações a você.
— Contratou-me para executar um trabalho, não foi? Uma tarefa grande e complicada, e deixou claro que pre¬tendia supervisionar tudo, passo a passo. Entretanto, muita coisa foi feita na última semana, e você nem deu o ar da graça!
Gina tomou um grande gole de café, tentando controlar a irritação.
— Se teve problemas, meus pais poderiam ter-lhe dito onde encontrar-me. Por que não perguntou?
— Porque... — Precisava haver uma razão, pensou Harry, desesperado. — Meus clientes em geral são adultos o suficiente para deixar comigo o número de um telefone quando viajam, sem que eu tenha que recorrer a seus pais.
— Desculpa esfarrapada, Potterl. Entretanto, no fu¬turo, deverá consultar minha família durante minha ausên¬cia. Fui clara?
— Certo. — Harry enfiou as mãos nos bolsos. — Mi¬mada...
— Mas sensata — retrucou Gina.
Aquela era uma discussão tola, pensou. E embora gos¬tasse de uma briga, tinha horror a se tornar ridícula.
— Tive de ir a Nova York — explicou, tentando acal¬mar-se. — Quando deixei a companhia de bale, dei minha palavra ao diretor que, caso precisassem de mim, eu iria. Cumpri a promessa. Vários dançarinos, inclusive os princi¬pais, estavam gripados e de cama. Dançamos machucados, doentes, mas há ocasiões em que não é possível levantar da cama. Dei-lhe uma semana. Fiz oito apresentações, enquanto as bailarinas doentes se recuperavam e outras adoeciam.
Encostou-se no balcão, tentando recuperar a serenidade.
— Meu parceiro de dança e eu não nos conhecíamos, por isso foram necessários longos e repetidos ensaios. Fa¬zia meses que eu não dançava. Estava fora de forma e tive de redobrar os exercícios. Isso tudo não me deixou tempo e energia para me preocupar com um projeto que, achei, es¬tava em boas mãos. Jamais me ocorreu que precisaria de mim nesse estágio da obra, quando tínhamos acabado de conversar a respeito. — Respirou fundo, tomando fôlego. — Espero ter esclarecido tudo.
— Sim. Posso pegar uma faca?
— Para quê?
— Cortar o pescoço por ter agido como um louco.
— Por que não espera até chegar em casa? — Gina to¬mou outro gole do café, sentindo-se mais tranqüila. — Mi¬nha mãe detesta sangue espalhado na cozinha.
— E é provável que seu pai também não aprecie vê-la fazer sexo em cima da mesa.
— Não sei. Nunca conversamos a esse respeito.
— Não tive a intenção de agarrá-la daquele jeito.
— E de que jeito queria me agarrar? — perguntou Gina, segurando a xícara.
— De nenhum jeito! — Harry arrancou-lhe a xícara da mão e tomou um gole. — Percebeu que isso já está se com¬plicando? O trabalho, eu, você...
— Sou muito organizada e sei colocar tudo nos devidos lugares. Alguns consideram essa a minha maior virtude, e a mais entediante também.
— Aposto que sim. — Entregou-lhe a xícara de volta. — Gina...
Ela sorriu.
— Harry...
Ele riu um pouco e, com as mãos de volta nos bolsos, começou a andar pela cozinha.
— Fiz muitas bobagens na vida. Com Cho, minha esposa, e com James. Me esforcei muito para mudar isso. Meu filho tem apenas seis anos. Sou tudo que ele possui, e não posso ter outras prioridades.
— Se pensasse diferente, não o admiraria tanto. Harry voltou-se e a encarou.
— Não entendo você.
— Que tal organizar sua agenda para pensar um pouco nesse problema?
— Que tal irmos a um motel à tarde e fingir que não existe nenhum problema?
Para surpresa dele, Gina riu.
— Bem, é uma alternativa. Por mim, podemos fazer as duas coisas. Mas vou deixar a decisão para você.
Harry relanceou o olhar para o relógio na parede.
— Preciso acordar James Talvez você possa ir até a obra amanhã na hora do almoço. Comprarei sanduíches e mos¬trarei o que fizemos até o momento.
— Certo. — Gina inclinou a cabeça de modo inocente. — Quer me dar um beijo de despedida?
Harry olhou para a mesa da cozinha e de volta para Gina.
— Melhor não. Seu pai pode ter uma arma em casa.
Mas Arthur Weasley não estava pondo balas em um re¬vólver. Depois que Harry saiu, Gina foi encontrá-lo no es¬critório, estudando o plano de aulas para o semestre. O que Gina não sabia era que fazia dez minutos que ele não saía da mesma página.
Ela atravessou o aposento em silêncio e parou junto à janela. Depois pegou uma xícara de café e colocou-a ao lado
do pai, abraçando-o por trás e pousando o queixo em seu ombro.
— Tudo bem, papai?
— Tudo bem, obrigado.
Gina esfregou o rosto no dele e contemplou pela janela o jardim bonito e bem-cuidado. Por um instante, refletiu que pediria à mãe que a ajudasse a arrumar o jardim da escola.
— Harry ficou com medo que você atirasse nele.
— Não tenho armas.
— Foi isso que eu disse. Também disse que você sabe que já beijei homens antes. Sabe disso, não é, paizinho?
Gina só o chamava pelo diminutivo quando queria con¬vencê-lo de algo. Ambos sabiam disso.
— O que sei é que quando entrei na cozinha, ele estava com as mãos na sua... estava agarrando minha filhinha.
— E sua filhinha estava com as mãos nele também — replicou Gina, rindo de leve, dando a volta e sentando-se no colo do pai.
— Não acho que a cozinha seja o lugar adequado para... — Arthur calou-se, sem saber como continuar.
— Tem razão, é claro — concordou Gina com um tom de voz comportado. — A cozinha foi feita para se cozinhar. Por certo nunca vi você e mamãe se beijando lá. Teria fica¬do horrorizada.
Arthur fez força para não rir.
— Cale-se.
— Sempre pensei que, se entrasse na sala e me parecesse que vocês estavam se beijando, na realidade estariam prati¬cando respiração boca-a-boca. É preciso ser previdente.
— É você quem vai necessitar de socorros médicos já, se não parar com isso.
— Antes que isso aconteça, deixe-me perguntar-lhe: gosta de Harry como pessoa?
— Sim, é claro, mas isso não significa que darei gritos de júbilo cada vez que entrar na cozinha e deparar com... o que vi há pouco.
— Bem, não acontecerá mais. Arthur apoiou a testa na da filha.
— Gina...
— Fui ensinada a não esconder nada de você e mamãe. O que sinto e o que faço. Eu gosto de Harry. Ainda não sei bem quanto, mas gosto.
— Seus atos sempre foram reflexo de seu íntimo, mas com uma boa dose de bom senso.
— E neste caso também não será diferente.
— E ele, o que sente por você?
— Também não sabe. Vamos ter que descobrir juntos.
— Não sabe? — repetiu Arthur Weasley, semicerrando os olhos. — Bem, então é melhor que se decida logo, ou...
— Papai! — Gina piscou os olhos diversas vezes, fazen¬do o papel da menina inocente e preocupada. — Vai bater nele por minha causa? Posso ficar olhando?
— Menina, é você quem vai precisar de respiração boca-a-boca logo, logo, porque estou perdendo a paciência...
— Adoro você. — Gina beijou o pai na testa. — Durante anos criou sozinho uma filha, antes de conhecer mamãe. Sabe o que é isso?
Arthur pensou em sua Freddie, que fora um bebê e que já tinha seus próprios filhos. Suspirou, murmurando:
— Sei, sim.
— Como não me sentir atraída por essa faceta de Harry Potter se me orgulho tanto de você por isso?
A expressão de Arthur foi cômica.
— Não dá para discutir com você! — Apertou Gina de encontro ao peito. — Diga a Harry que não pretendo com¬prar um revólver... ainda.
Continua [...]
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