O Descontrole



Os dois primos mais famosos de Hogwarts, também conhecidos como dupla diabólica ou terror dos professores, estavam, pra variar, de castigo. Já que mais ninguém queria supervisionar suas detenções (Pince e Pomfrey ameaçaram pedir demissão se Minerva lhes oferecesse esses “ajudantes” novamente), eles estavam simplesmente confinados ao dormitório, de onde só saíam para as aulas e refeições.

Era apenas o primeiro dia dessa detenção e eles já não estavam mais suportando, nunca tinham sentido tanto tédio na vida e Jimmy, de tão desesperado, chegara ao extremo de tentar ler um livro. Na falta do que fazer Fred “capturara” um caderno largado sobre o malão de Jay, com a intenção de arrancar algumas folhas para fazer pássaros de papel. O garoto abre, ao acaso, numa certa página com a data de algumas semanas atrás, que não falava nada sobre matéria nenhuma. Pelo menos nenhuma que constasse na grade de aulas de Hogwarts.


Hoje ela está ainda mais linda (se é que isso é possível). Sentada à beira do lago, sorrindo despreocupadamente, o sol poente colorindo de amarelo e laranja aquele rosto esculpido por anjos...

É impressionante como, mesmo entre várias outras garotas, ela sempre chama a atenção. Isso porque ela é única, incomparável.
E além de tudo é forte, decidida, inteligente, engraçada, delicada a doce. Será que ela tem algum defeito? Eu duvido. Mesmo que tenha, deve ser um defeito adorável.

Céus, como eu queria ser um fio daqueles cabelos tão cheirosos, ou então um daqueles livros que ela não pára de ler!

Alguém deveria pintá-la, pra eternizar tanta beleza. Não que um ser humano seria capaz de reproduzir aquele rosto tão delicado – os pais dela mereciam um troféu.

E o pior (ou melhor) é que o pouco que eu durmo, passo sonhando com ela.

Se tudo não fosse tão difícil...

Ela é tão perfeita, e eu tão complicado!

Mas e se eu contasse pra ela? Talvez ela aceitasse, talvez nunca mais falasse comigo. Talvez morresse de medo. Aí quem morreria sou eu.

Ele começa a rir sem parar e, enxugando uma lágrima, passa o caderno pra Jimmy, que já havia jogado o livro fora e estava morrendo de curiosidade pra saber o que estava escrito no caderno de Jay. O ruivo lê e também cai na gargalhada.

- Cara, ele tá mais bobão que você! – fala Fred, recebendo como resposta uma travesseirada do primo. – Aposto que é mais uma daquelas nerds da Corvinal, se brincar é uma das amiguinhas da Crystal (essa última palavra foi dita com imenso desdém).

- Fala sério, será que não tem o nome dela com uns corações desenhados em volta por aqui? – debocha Jimmy, desenhando corações no ar com as duas mãos.

Então Albus e Jay entram no dormitório, o jovem Mallory esfregando os olhos vermelhos e bocejando. Por insistência de Rose, os dois estavam indo ficar um pouco com os prisioneiros. Não que eles estivessem com pena de Fred e Jimmy, na verdade eles estavam receosos de os deixarem sozinhos com seus pertences. Só Deus sabe que tipo de travessuras eles poderiam preparam com todo esse tempo ocioso...

Hoje, excepcionalmente, o jovem vampiro estava morrendo de sono. Mas um outro sentimento mais poderoso se apodera dele quando, ainda da porta, quando se depara com aquela cena: eles estavam lendo seu diário. Sabia que nunca devia ter escrito aquilo, era esmo uma péssima idéia criar provas incriminadoras contra si mesmo. Na verdade só havia umas quatro páginas usadas daquele caderno, e três delas estavam cheias de desenhos de espadas, vassouras, pomos de ouro e varinhas. E é claro que, pela cara debochada dos dois, eles só podiam estar lendo aquela na qual ele havia escrito, aquela que era a mais perigosa de todas. Não era possível, eles não podiam ter feito isso. Jay tinha certeza de não ter escrito o nome dela em parte alguma, mas e se eles desconfiassem? Tinha de recuperar o caderno o mais rápido possível.

- Me devolvam isso já! – diz Jay entre os dentes, corado de raiva e vergonha, se colocando entre os dois.

- Que é que vocês têm aí? – Albus pergunta curiosíssimo.

- É o relato de um coração sofredor – Fred fala, ficando de pé na cama do amigo e imitando a voz de um narrador de filmes de trouxas.

- Parem de brincar, eu quero meu caderno agora – berra Jay, enquanto os dois o fazem de “bobinho”. Era bem difícil se controlar para não pular em cima deles e recuperar o caderno à força.

- Peraí, Romeu. Primeiro eu quero copiar a parte do “...eu queria ser um fio daqueles cabelos tão cheirosos...” pra poder rir mais tarde – fala Jimmy, piscando os olhos repetidas vezes enquanto Jay ficava roxo de raiva. – Parece música sertaneja, e das bem ruins.

- Será que alguém pode me dizer o que está acontecendo? – Al pergunta, sendo totalmente ignorado.

- É sério, me dá isso agora – o vampiro grita tentando pegar o caderno, mas Jimmy o joga para o primo.

- E o pior é que você, além de meloso, é muito brega – Fred faz uma careta de nojo, e Jimmy finge que está vomitando.

- Me devolve! – Jay fala em meio a uma espécie de rugido, enquanto seus caninos crescem e se tornam mais afiados e seus olhos ficam cada vez mais claros. Seus amigos ficam paralisados com o susto.

Os olhos azuis agora estavam quase brancos, contemplando-os inexpressivamente. O vampiro ofega, numa tentativa de respirar fundo pra se acalmar, até que aos poucos recupera sua forma normal e aparentemente inofensiva. Leva mais alguns instantes até que haja alguma reação entre os outros, e esta se resume a apenas uma troca de olhares assustados.

- Ca-ca-claro, me desculpa – responde Fred, devolvendo o caderno com os olhos arregaladose fazendo questão de manter certa distância ao fazê-lo.

- Me desculpem, eu não queria que vocês vissem isso. É só que... Eu fiquei nervoso. Não queria ter feito isso – Jay cobre o rosto com as mãos, envergonhado.

Então o vampiro se senta na cama e os outros voltam a se olhar, dessa vez numa compreensão muda e quase piedosa. Eles nunca tinham visto Jay perder o controle assim antes e nem faziam a menor idéia de que isso era possível com tanta facilidade. Uma coisa era saber o que ele poderia se tornar, outra completamente diferente era ver isso diante de seus olhos.

- Achei que o Jimmy ia fazer xixi nas calças! – zomba Fred, quebrando um longo e constrangedor silêncio.

- Eu!?! E você, que até ficou gago – responde o ruivo e os três começam a rir.

- Isso me assustou mais do que a prova de Poções – as palavras de Albus quase não saem em meio às gargalhadas. – Mais até do que a cara do Filch quando que saiu da enfermaria, depois de ser mordido pela Privada Mordedora.

- Vocês não estão chateados comigo? – pergunta Jay, visivelmente confuso, levantando o rosto pálido na direção dos amigos.

- Não. Eu só-hic, acho que fi-hic-quei com soluço. – Jimmy responde, com lágrimas nos olhos de tanto rir. – Não me mordendo, tu-hic-do bem.

- Cara, se eu pudesse fazer isso, queria ver quem ia ter coragem de me dar detenção – brinca Fred e agora Jay se junta ao riso dos amigos.

- Vocês três são muito estranhos mesmo – fala o vampiro, completando mentalmente com: “e não podiam ser amigos melhores”.

- Mais você ain-hic-da não nos falou quem-hic é essa garota com “o rosto esculpi-hic-do por anjos” – diz Jimmy, dando palmadinhas no próprio peito na difícil tentativa de falar, soluçar e rir ao mesmo tempo.

- Quer mesmo saber? Achei que você não queria levar uma mordida – brinca Jay, bem mais feliz e aliviado. Estava achando o máximo que eles não estivessem morrendo de medo e raiva dele.

- Deixa ele com sua Julieta misteriosa, Jimmy. Mas me diz uma coisa: que outras coisas legais como essa você sabe fazer? – pergunta Fred.

- Acho que mais nada – responde Jay, encolhendo os ombros. Legal não era bem a definição exata que ele tinha para mostrar os dentes para seus melhores amigos. Era engraçado o modo como Fred encarava com interesse o que qualquer outra pessoa acharia apavorante.

- Será que agora alguém pode me falar o que está escrito naquele caderno? – fala Albus, os outros três se viram para ele e voltam a rir.

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