O Coração Partido
Numa bela tarde de primavera, Hogsmead estava povoada de alunos e até alguns professores, que aproveitavam calmamente o passeio para brincar, fazer compras, namorar, enfim... Se divertir. Mas Arthur Barker não, ele tinha uma missão. Uma terrível missão: partir o coração de uma jovem chamada Marie. Já corria um forte boato de que ela estava namorando um dos professores do colégio e ele não tinha mais tempo, teria que fazer esse “serviço sujo" antes que essa história chegasse aos ouvidos de Cassie.
O velho sentia-se terrivelmente culpado, e também um pouco decepcionado com o amigo por obrigá-lo a fazer aquilo. Mas ele sabia o quanto Jack amava a esposa e, agora que eles reataram, ele faria tudo [mesmo que de muita má vontade] para ajudá-los. Cumprimentou com um pouco menos de entusiasmo que de costume os conhecidos do lugar e nem se deu ao trabalho de escutar o pedido de desculpas de um grupinho de alunos que tinha esbarrado nele enquanto corriam, brincando.
Ele entrou discretamente na Dedos de Mel e pediu que a moça alta e loira no balcão que o acompanhasse para fora da loja, porque ele tinha um recado importante para lhe comunicar. Caminharam até um lugar um pouco mais afastado antes de começarem a terrível conversa. Ele desejou que as flores não estivessem tão bonitas e os pássaros não cantassem tão inoportunamente ao entregar a malfadada carta.
Então Barker viu, com o peito apertado, as lágrimas brotarem no rosto delicado dela, enquanto lia linha por linha. Não havia nada que o chateava mais ver que ver mulher chorando, ainda mais que, mesmo involuntariamente, fosse por sua causa.
Minerva por coincidência estava passando perto do local (a procura de um certo par de primos que desaparecera e devia estar aprontando alguma) e vê aquela cena, no mínimo, estranha: uma jovem chorando convulsivamente enquanto o professor, muito nervoso, afrouxava o nó da gravata, gaguejando qualquer coisa para consolá-la. E, estando ciente do boato há muito tempo, concluiu que ele fosse o tal professor que era namorado de Marie. Sem saber bem porque, ficou observando-os de longe. “Mas que belo cafajeste. Quase um pedófilo, isso sim. Sujeitinho intragável!”.
Ainda um pouco incrédula, ela se aproximou mais para escutar melhor a conversa. Não foi preciso chegar muito perto, pois a moça berrava bastante para ela poder permanecer bem escondida sem perder nenhuma palavra.
- Um tremendo filho da mãe! – Marie grita após um soluço.
- Fale mais baixo, por favor - ele pede, olhando nervosamente ao redor, mas é ignorado pela moça.
- Como assim não me ama mais? – ela começa a citar, gritando, trechos da carta ( agora amassada a manchada de lágrimas) em sua mão.
- Por favor, tente compreender... – agora Barker está literalmente implorando.
- Então seu coração pertence à outra! – Ela chora ainda mais desesperadamente e ele, sem saber o que fazer, a abraça para consolá-la.
- Shhh, calma – ele retira um lenço do bolso e entrega a ela.
- Como pode ter acontecido isso? – as palavras da jovem eram intercaladas com soluços e ela ainda chorava audivelmente. - Eu não posso acreditar...
“Nem eu!” completa McGonagall mentalmente, chocada. “O que diabos ela pode ter visto nele?”
- Você é jovem e bonita, vai encontrar outra pessoa.
- Eu não quero outra pessoa! – agora é ela que o abraça, assustando-o um pouco com a intesidade o gesto.
- Não chore, tudo vai ficar bem – Barker, ligeiramente sufocado, dava suaves palmadinhas nas costas dela.
A diretora fica vermelha, “Pobre coitada, deve ser doida de pedra! Apaixonada por isso. E ele está terminando com ela, porque ama outra... Mas e daí?”. Só então ela se dá conta do papel ridículo que está fazendo, espionando os dois. “E o que tenho com a vida desse crápula? Absolutamente nada! Devo estar ficando louca de tanto ele me azucrinar, isso sim”.
McGonagall volta para o castelo bastante pensativa nesse dia.
[...]
Arthur, sem se dar ao trabalho de bater na porta, entra lívido na sala do professor Mallory. Eles tinham combinado de se encontrar depois do passeio a Hogsmead para, como brincara antes, apresentar o relatório da missão.
- Nossa! Você está branco como papel – Jack fala e serve um copo de uísque pro amigo. – Foi tão ruim assim?
- Se foi ruim!?! Eu não sei como ela me bateu... Coitadinha! E você não vale nada, sabia?
- O que você esperava que eu fizesse?
- Terminasse com ela pessoalmente como todo ser humano com um coração faria, oras! Mas tudo bem, eu mereci passar por isso – agora o velho enumerava mentalmente quantos pecados havia pagado junto com a compensação do amigo.
- E como ela está?
- Arrasada, é claro. Me deu até vontade de visitar minha caçula pra ver se está tudo bem com o namoro dela... – Barker apertou o punho livre e virou o copo de uísque, em seguida entregando-o a Jack para que este lhe servisse mais.
- Eu também não sou nenhum monstro, Arthur!
- Pode até não ser, mas se fosse meu genro ia levar uma surra.
Barker esvaziou outro copo num gole só e novamente se lembrou da filha, e do namorado detestável dela. “Por que filhas tinham que ter namorados, afinal de contas?” Um arrepio correu na espinha dele ao pensar nas netas, que em breve estariam entrando nesse terrível mundo de pobres moças magoadas.
- Está certo, eu sei o quanto agi mal.
- E eu entendo seus motivos, mas me prometa que, assim que puder, vai pedir desculpas pra ela.
- Está bem. Eu sabia que você não ia me decepcionar – Jack serviu mais uma dose para o amigo, abrindo um sorriso ao se dar contar que, apesar da idade, ele ainda bebia como um legítimo escocês - Afinal, você é um dos homens mais corajosos que eu conheço.
- É mesmo, e por que?
- Não desistiu da McGonagall até hoje – brincou o vampiro, fazendo Barker sorrir por trás do copo cheio de líquido cor de âmbar.
- Isso vindo dum cara que tá morrendo de medo da esposa descobrir uma ex é quase um elogio.
- Pelo menos a Cassie nunca me bateu.
- Então você não sabe o que está perdendo – o velho zomba, com um sorriso maroto. – Além do mais, ela vale a pena.
- Você está mesmo apaixonado pela Minerva?
- Terrivelmente, meu caro – Barker responde, suspira profundamente e Mallory começa a rir. – Qual é a graça? Só porque eu estou velho, não quer dizer que eu não possa me apaixonar.
- Não é isso. É só que eu estava me lembrando de quando você e a Susan se conheceram. Ela também não te suportava no começo.
Jack conhecera Barker quando ele ainda era o jovem Arthur, filho de seu amigo Abraham Barker, um auror que havia sido salvo por ele durante um ataque de lobisomens. O vampiro olhou para o velho a sua frente, lembrando-se que fora padrinho de seu casamento com Susan, décadas atrás e de como aqueles dois pareciam cão e gato.
Ficou meio assustado ao comprovar novamente o quanto o tempo passava rápido para os bruxos, até então não tinha parado para pensar o quanto seu mais antigo amigo mortal ainda vivo tinha envelhecido. Era um pouco triste pensar que um alguns anos ele estaria morto, assim como todos os outros.
- Pra você ver como mais cedo ou mais tarde elas acabam não resistindo ao meu charme – um dos olhos negros deu uma piscadela. – Aprontei muito nessa vida, acho que no fim das contas foi melhor desse jeito. Ao menos pra ela.
- Ela te amava, o negócio e que você pisou feio na bola.
- Eu sei, e se pudesse voltar atrás faria tudo diferente. Só lamento que agora tenhamos nos tornado apenas bom amigos, gostava mais quando ela vivia brigando comigo.
- Só você mesmo! – Jack ri e serve a si mesmo e ao amigo. Já tinha perdido a conta do quanto ele bebera.
- Mas me diga como estão as coisas com a Cassie?
- Ótimas – ele sorri de orelha a orelha, qualquer pensamento ruim instantaneamente espantado se sua cabeça. – Obrigado, Arthur. Você me ajudou muito hoje.
O professor de transfiguração mostra um sorriso meio forçado para o amigo, termina seu uísque e se despede. “Bela ajuda”, ele resmunga, a caminho de seu quarto. Estava com uma terrível dor de cabeça, e não era nem um pouco por causa da bebida.
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