O Soco
O outono coloria em tons amarelados as folhas das árvores, que farfalhavam suavemente ao sabor do vento. O sol estava alto e o clima agradável quando Cassie abriu a janela de sua aconchegante casa situada em Upper Flagley. A brisa trazia um cheiro agradável de grama e flores vindo do jardim, e ela se deixou ficar um bom tempo absorvendo-o e pensando.
Ela adorava aquela casa, que pertencera a sua mãe já falecida, mas se sentia cada vez mais sozinha desde que seu filho único partira para estudar em Hogwarts. Jay devia estar adorando a escola, os colegas, as aulas e principalmente ficar perto do pai.
Jack... tantos problemas o sondando e ele lá, firme e forte, ao lado do filho. Como ela o admirava por sua força e determinação. Por mais que lhe doesse a separação, ela compreendera o motivo de tudo e aceitara, mesmo a contragosto, em nome de Jay. “Como as coisas fogem ao que planejamos!”.
Uma coruja pousa a seu lado e ela só percebe a presença do animal quando este pia, chamando-lhe a atenção. Era a coruja de Jay, trazendo consigo uma carta do garoto.
- Holmes! Como vai, meu caro? Trazendo boas notícias? – ela acaricia o animal e o leva para dentro. Exultante, ela pega a carta e a abre e seus olhos brilham cada vez mais a medida que percorrem as linhas escritas numa letra maravilhosamente familiar.
“Mamãe,
Estou muito bem e me alimentando direitinho, viu? Acho até que já cresci alguns centímetros desde a última vez que te vi!
Estou indo bem nas aulas e os professores têm até me elogiado. Gosto muito daqui, e minha popularidade tem crescido assustadoramente nos últimos tempos, principalmente entre os outros grifinórios, que até me deram um apelido bem legal. A única coisa que me chateia á ficar longe da senhora, sinto muitas saudades suas!
Ah, eu fiz ótimos amigos! Eles ainda não sabem de nada, mas eu pretendo lhes contar qualquer dia. Acho que, depois do susto inicial, eles vão reagir bem. Mas, de qualquer forma, aposto que a senhora vai adorar conhecê-los.
Papai também está bem, mas ele também sente muito a sua falta. É claro que ele não me diz isso, mas dá pra perceber. A senhora precisava ver o olhar cumprido dele pra cima da sua carta.
Fiquei muito feliz ao receber sua carta e aguardamos ansiosos a sua visita. Te amo muito!
Beijos do seu filho que te adora,
Jay Mallory”.
Sorrindo, ela serviu água e ração para a coruja. Agora Cassie estava realmente feliz, ia visitar seu filho, rever seu Jack.
- Muito obrigada mesmo! Agora descanse um pouco antes de voltar, está bem?
Holmes pia agradecido, sob mais carinhos da mãe de seu dono e esta relê a carta algumas vezes. Ele se acomoda no seu antigo poleiro, enquanto ela se serve de uma xícara de chá e se senta no sofá, pegando um livro que havia deixado pouco antes sobre a mesinha de centro. A coruja a olha curiosa, enquanto ela abre o livro e volta a lê-lo.
- O que foi? – ela pergunta e o animal responde com um pio. – É um romance água-com-açúcar sim, e daí? Não é só porque eu sou uma pesquisadora de história da magia que eu não possa me dedicar um pouquinho de distração literária despretensiosa – Holmes continua a fitá-la parecendo muito interessado e ela começa a rir. – Céus! Estou argumentando com uma coruja.
Ela continua correndo os olhos pelas páginas, sem prestar muita atenção. Sua mente voltou-se novamente a Jack e ela passou a compará-lo com o protagonista belo e heróico do livro, mais um parágrafo e ela já se imaginava como a mocinha sendo beijada por Jack (o nome do personagem não era esse, mas isso não a impediu de chamá-lo assim).
Fechou os olhos e quase pôde sentir a presença do ex-marido. Achou estranho que, mesmo sem vê-lo há mais de um ano, se lembrasse perfeitamente de seu cheiro (uma mistura de loção pós-barba e perfume), do seu rosto, da sua voz, do seu toque... parecia ter decorado cada ondulação do cabelo castanho dele. Sem se dar conta estava sorrindo e, quando voltou a abrir os olhos, Holmes ainda a estava encarando, ainda mais curioso.
- Você deve estar me achando patética, né? É claro que não, você é um cavalheiro – ela sorrindo volta a acariciar o animal, que parece bastante satisfeito. – Então ele sente minha falta também...
[...]
A diretora está sentada em seu escritório lendo alguns documentos quando ouve uma batida bem peculiar na porta. Ela já tem uma leve impressão de quem seja, e po isso respira profundamente e amarra a cara. Aquele definitivamente não estava sendo um bom dia.
- Entre! – sua boca praticamente some ao comprovar suas suspeitas: Arthur Barker entra em sua sala, com uma mão nas costas e visivelmente constrangido.
- Com licença – ele faz muita força pra não rir da cara emburrada dela, que adorava. – Vim me desculpar pelo ocorrido de outro dia. Eu me excedi e espero sinceramente que me perdoe. Não tinha a intenção de forçar alguma coisa entre nós, mas acabei me descontrolando – ele lhe estende a caixa de bombons que levava atrás de si. Dezenas de olhares fixados à parede se viram, curiosos, aos dois.
- Obrigada... eu acho – ela aceita o presente e levanta as duas sobrancelhas em sinal de surpresa. – E, quanto ao ocorrido, vamos fingir que nada aconteceu. Desde que isso não se repita mais, eu posso esquecer.
- Tudo bem – ele suspira e sorri enquanto ela o observa com um olhar interrogativo, mas não menos aborrecida. - E?
- E o quê? O que o senhor está esperando? – ela volta a se irritar por ele estar parado, encarando-a e ainda sorrindo amavelmente.
- O seu pedido de desculpas – Minerva se surpreende novamente. – Por ter me batido, é claro. Afinal de contas, eu posso ter sido meio indelicado (“um ogro”, corrige a diretora mentalmente), mas você me agrediu fisicamente e eu mereço suas desculpas.
- Eu não estaria sendo sincera se o fizesse!– ela quase grita, bufando de raiva ao ver que ele se aproxima novamente – O senhor merecia era uma coisa bem pior – tentando detê-lo, empunha a varinha, mas ele retira de sua mão sem dificuldade, antes que ela possa dizer qualquer coisa.
- Pretendia me azarar? – Barker guarda a varinha no bolso, parecendo muito divertido, segurando-a pela cintura, enquanto ela tenta se afastar em vão. Ele não conseguia controlar sua vontade de irritá-la, “Como ela reagiria se eu a beijasse novamente?” – E agora, o pretende fazer? Dar-me outro tapa? Por que se for, eu posso lhe fala um lugar mais interessante pra bater do que no rosto – e a aperta mais contra si diante dos escandalizados ex-diretores.
- Não ouse... – Ela não termina a frase, porque ele novamente a beija demorada e delicadamente, apesar da força que ela fazia para se soltar. Quando finalmente a solta, ainda sorrindo de modo divertido, ela está púrpura de raiva. – Ora, seu... – ela grita e levanta a mão direita para esbofeteá-lo, mas ele a segura no ar, tomando-a entre suas mãos com carinho. Minerva não pensa outra vez: leva a mão livre com toda a força, que era muita para uma mulher de sua idade, em direção ao nariz do professor.
- Uuuuuhhhhhhh! – falam todos os quadros da parede ao mesmo tempo, contemplando o soco. E que soco!
- A sua sorte é você não ter nascido homem, porque senão eu juro que... – o professor leva as mãos ao ferimento que sangra muito, enquanto se senta gemendo. - Acho que você quebrou o meu nariz.
- Que bela esquerda ela tem! – fala Fineus Nigellus Black, rompendo em risos os poucos quadros que não estavam dizendo impropérios contra o professor.
- Chega! – berra (não era bem um grito, mas a firmesa e autoridade na voz geralmente calma dele chamou a atenção de todos) Albus Dumbledore, fazendo com que todos os outros se calem. – Nós estamos aqui para auxiliar a diretora com os problemas de Hogwarts, não devemos nos meter em sua vida pessoal.
- O Senhor está bem? – ela se senta ao seu lado, preocupada com a enorme quantidade de sangue que continua escorrendo. Não pretendia machucá-lo tanto.
- Nunca estive melhor! – ele ironiza, conjurando um lenço para limpar o rosto – Uma mulher quebrou meu nariz e tem uma parede cheia de quadros de gente morta tirando sarro da minha cara – alguns dos quadros fazem careta pra ele, outros apenas mantém um olhar de desdém e Black lhe mostra sua língua.
- Deixe-me dar uma olhada... - ela aproxima seu rosto do dele e, ao contemplar aqueles olhos negros, estremece. – Bem feito! Quebrou mesmo. Dê-me minha varinha para que eu possa consertar isso.
- Promete que não vai me azarar? – ele fala, a diretora lhe lança um olhar severo na tentativa de segurar o riso e ele lhe entrega a varinha recém-roubada. – Tudo bem, mas tome cuidado - ele choraminga, lembrando irresistivelmente uma criança com o joelho ralado perguntando “Não vai arder?” antes de sua mãe passar um remédio sobre o machucado.
- Não seja bobo – ela lhe aponta a varinha e faz um movimento bem característico com ela. – Episkey.
- Aaaaaaaaaaai – ele geme, sentindo o nariz esquentar e em seguido ficar gelado.
- Tergeo – ela completa, fazendo com que a grande quantidade de sangue no rosto do professor seja limpa. - Pronto, agora vai ficar bem. Que exagero, não pode ter doído tanto assim.
- Doeu sim! – ele se levanta, ainda com as mãos no nariz. – Mas não se preocupe, se depender de mim ninguém saberá desse incidente. Tenha uma boa noite!
Ele sai rapidamente da sala pisando forte e Minerva desata a rir, sendo acompanhada por Dumbledore, enquanto os outros quadros permanecem perplexos.
Que humilhação, uma mulher quebrara seu nariz! Arthur estava furioso. Mais consigo mesmo do que com a diretora, afinal, a culpa tinha sido dele. “Eu sabia que não devia mexer em vespeiro”, ele pensa e fecha o punho direito com raiva, com a mão esquerda ainda sobre o nariz dolorido. Para completar a sua infelicidade, Jack vem em sua direção.
- E aí, como foi? – pergunta o professor de DCAT, que obviamente estava esperando curioso pelo resultado invariavelmente desastroso do “pedido de desculpas” do amigo.
- Prefiro não falar sobre isso.
- É impressão minha, ou seu nariz está vermelho como se tivesse acabado de levar um...?
- É impressão sua – interrompe Barker, zangado, apertando o passo e deixando gradativamente o amigo para trás.
- Ok, mas parece mesmo que você foi socado – o amigo lhe lança um olhar raivoso e o deixa falando sozinho. – Eu avisei! – ele grita e Arthur, já dobrando a direita do corredor, lhe responde com um gesto obsceno e bem conhecido.
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