O Tapa



McGonagall estava sentada em sua sala lendo sem muito interesse o Profeta Diário, que não trazia nada de interessante a não ser uma notícia sobre a Guerra dos Vampiros, que já estava afetando negativamente a economia bruxa. A maioria dos quadros na parede estava tão entediada quanto a diretora, e pairava um silencio incômodo no ar, quebrado apenas por um ocasional bocejo aqui e ali. Ela ouve batidas na porta e responde prontamente. Estava precisando de um pouco de movimento, mesmo que isso significasse ter de ir dar uma bronca em algum aluno (leia-se Jimmy Potter e Fred Weasley).

- Pode entrar.

- Com licença, diretora – o professor fala e entra, olhando a sala ao redor.

Arthur conhecia muito bem a diretoria, da época em que ainda estudava e passava e maior parte do seu tempo livre na detenção. Quem diria que um dia retornaria a Hogwarts para lecionar?! ? Era estranho como em poucos dias ele já se sentia tão à vontade naquele castelo, mais até do que em Durmstrang, onde dera aula durante décadas. Às vezes se pegava caminhando em na direção da torre da Grifinória e, sorrindo, constatava que seus pés ainda se lembravam muito bem de seu tempo de estudante.

- Professor Barker, em que posso lhe ser útil? – ela faz um gesto pra que ele se sente que ele obedece.

- Bom, é que eu gostaria de lhe fazer um convite – ele responde, sorrindo amavelmente.

Minerva não tivera ainda nenhuma chance de conversar direito com ele, mas já notara que Barker era muito amigável e já se tornara bastante querido entre a maioria dos alunos e professores. Só quem não ia muito com a cara dele era Filch (não que o zelador fosse com a cara de alguém). Até mesmo ela simpatizara com sujeito de voz meio rouca e sorriso fácil. A única coisa que lhe deixava ressabiada era aquela mania dele de ficar fitando-a sem parar.

Estavam numa sala ampla com um sofá, uma escrivaninha com três cadeiras, um armário muito bem organizado (aliás, como tudo lá dentro) cheio de papéis e caixas, e as paredes estavam cobertas de prateleiras repletas de livros, alguns deles já pertenciam àquele lugar há décadas. Aquele cômodo sofrera muitas modificações com o passar dos anos, mas não deixara de ser muito querido pela ex-professora.

- Minerva, isso nunca aconteceu comigo antes... – ele fala, sem jeito, rompendo um longo silêncio.

- Mas já é a quinta vez seguida só hoje. Estou decepcionada com seu desempenho.

- Estou envergonhado, geralmente sou muito bom nisso.

- No começo achei que você estava só sendo um cavalheiro. Mas ninguém perde de propósito tantas vezes seguidas – ela bebe um gole de chá, achando graça.

- Não é justo, não estou conseguindo me concentrar e a culpa é sua.

- Minha!?! Que culpa tenho em ser ótima em xadrez de bruxo? – ela responde, não escondendo o quanto adorava vencer.

- Não é isso, são seus olhos: não consigo parar de olhar pra eles – o professor lhe lança um sorriso maroto e a diretora fica corada. – E é bem difícil me concentrar quand...

Realmente ela não o havia visto olhar para o tabuleiro uma vez sequer. Aqueles olhos negros mantinham-se fixos nela todo o tempo, o que já a estava incomodando. Parecia que ele podia enxergar dentro dela, e isso era estranhíssimo já que eles mal se conheciam. Sem contar que aquele atrevimento realmente não era nada agradável e Minerva já tinha uma leve noção de onde ele queria chegar com aquela conversinha mole. Teria de cortá-lo logo.

- Gostei do que você fez nessa sala – ela, mudando de assunto rapidamente, se levanta e vai até uma estante no canto, habitada por livros que lhe pertenceram quando ela ainda dava aulas de transfiguração e ocupava aquele local. Eles lhe traziam boas recordações.

- É, estou tentando manter tudo em ordem – ele se levanta e anda em direção a ela, notando seu olhar perdido na estante. No que ela estaria pensando? - O que houve com a antiga professora de transfiguração? Quer dizer, por que ela largou o emprego?

- Ela se casou e se mudou para a América – McGonagall enrijeceu, parecendo desconfortável com a proximidade crescente entre eles.

- E você, Minerva, nunca quis se casar? – ele fala e se aproxima mais, demais para o gosto da diretora. Agora podia sentir melhor seu fresco perfume e teve o desejo de desmanchar aquele eterno coque, para poder ver como ela ficaria de cabelos soltos.

- Eu nunca deixaria Hogwarts – ela responde com a voz meio vacilante, agora ele estava ainda mais perto, encurralando-a entre a estante e a parede ao lado. Ele a olhava como se estivesse faminto e ela fosse uma enorme fatia de torta.

- Hum... Imagino que oportunidades não lhe tenham faltado – Arthur fala com a voz ainda mais rouca que de costume, agora a poucos centímetros dela.

- O senhor não acha que está sendo um tanto indiscreto? – ela fala entre os dentes, com os olhos
semicerrados mostrando sua irritação. – Sinceramente, não me lembro de ter lhe dado intimidade para falar sobre esses assuntos. Será que o senhor pode me dar licença?

- Sabe, você fica uma gracinha quando está nervosa - ele sussurra e literalmente a encosta na parede. E ela tenta empurrá-lo, exasperada, mas não consegue.

- Mas o que é que você pensa que está fazen... – Barker calou a boca da dela com um beijo, enlaçando sua cintura com a mão esquerda e passando a mão direta por suas costas, segurando sua nuca. Ele a beijou lentamente, enquanto ela tentava desesperadamente se soltar (em vão, porque ele era bem mais forte do que ela) e se amaldiçoava por ter deixado a varinha sobre a mesa. Minerva parou de se debater, mas continuou a empurrá-lo inutilmente. Ela estremeceu e fechou os olhos para não ter que fitar os olhos negros e profundos do outro.

E então ele a solta delicadamente, contemplando o rosto atônito da professora passar pelo susto e adquirir uma expressão furiosa. Ele sorri ainda mais, passando a mão pelos lábios. Estava ciente da grosseria que cometera, mas nem se importava porque aquela situação era, no mínimo, divertidíssima.

- Me desculpe, foi um impulso incontrolável – ele fala, sorrindo marotamente. Aquela fora a justificativa (que por sinal não justificava nada) mais sem cabimento que já dera em toda sua vida.

- Nunca mais me toque! – Minerva grita e lhe dá um belo tapa na cara dele, pega sua varinha, lança um olhar ameaçador e sai queimando o chão. “Desgraçado! Eu deveria... Arrrrrrrrrrrrrrrggggggg”, ela resmunga como se estivesse mastigando a própria raiva, ganhando distância pelo corredor.

Barker estava inquieto, andando de um lado para outro. Não sabia como perdera o controle tão facilmente, “Tenho de admitir que este não era o tipo de impressão que eu queria causar”. Mas talvez não fosse de todo ruim ele se abrir daquela forma. Afinal, era de se esperar uma reação como aquela vinda da diretora, mas isso não significava que ela não tinha gostado do beijo, provavelmente fora mais a atitude que a enraivecera. Ele sentira algo diferente em Minerva que o deixava intrigado: um certo pudor, uma rigidez na postura que revelava algo escondido por trás de sua irritação...

Tinha se comportado como um adolescente bobo! Não deixou de rir, antes de se sentar novamente em sua escrivaninha contemplando o tabuleiro de xadrez no qual ele teria perdido novamente, em poucas jogadas, se eles tivessem continuado.

Ele se levantou duma vez e rumou diretamente para a sala do professor Mallory, que estava ocupado corrigindo alguns exercícios dados nas aulas anteriores. Arthur precisava contar pra alguém o que acontecera, e tinha que ser agora. Entra sem bater na porta, coisa que não surpreende o amigo.

- Oi, Jack. Você não vai acreditar no que aconteceu – ele suspira, se jogando no sofá.

- Uma mulher te bateu – fala Mallory, recebendo como resposta um olhar interrogativo. – Dá até pra ver a marca dos dedos na sua bochecha. Mas me diga o que foi que você fez?

- Beijei a Minerva a força, – responde Barker e o outro começa a gargalhar, deixando de lado o que estava fazendo – não resisti. Sabe de uma coisa? Nunca imaginei que ela tivesse uma mão tão pesada.

- Eu te falei pra ficar na sua, a McGonagall não é do tipo que namora, ainda mais alguém como você – ele continua rindo por alguns segundos. - Mas me diz uma coisa, ela beija bem?

- Quase tão bem quanto bate. Mas você sabe o quanto eu gosto de mulheres bravas – Arthur esfrega a mão sobre a marca vermelha do rosto, sorrindo – e ela sabe como me provocar.

- Não creio que essa fosse a intenção da coitada...

- O que você acha que ela vai fazer?

- Talvez ela te demita, ou talvez arrume algumas amigas pra ajudar a te bater.

- Isso não seria de todo ruim – Arthur brinca, piscando pro amigo. – Mas confesso que fui um completo imbecil, vou pedir desculpas assim que ela se acalmar. E por falar em aventuras amorosas, como anda o seu caso com aquela moça da Dedos de Mel?

- Marie e eu estamos muito bem, obrigado. Só tem um porém: ela quer conhecer o Jay.

- E você já contou pra ele que está namorando?

- Ainda não tive oportunidade.

- Uhum, sei – o outro respondeu incrédulo, recebendo um olhar severo do amigo que significava que já estava na hora de mudar de assunto.

[...]

Já era bem tarde e Jack Mallory estava em seu quarto, deitado na cama de barriga para cima olhando o retrato de Cassie, a mulher mais linda do mundo em sua opinião. A morena de olhos azuis muito claros sorria para ele, ocasionalmente lhe mandando alguns beijinhos. Agora ela lhe parecia tão distante...

Ele se lembrava perfeitamente do dia em que ela partira, levando Jay consigo. “Se é assim que você quer” foi o que Cassie disse. Mas como ele poderia querer perdê-la? Como ele poderia querer afastar de si as duas pessoas que mais amava no mundo? Mas as coisas não eram simples, e o que ele queria era exatamente o contrário do que ele tinha que fazer.

Também se lembrava do dia de seu casamento, doze anos atrás, de como ela estava deslumbrante e de como ele estava feliz. Ele tirara aquela foto pouco tempo depois, na lua de mel, quando apesar de ambos ainda não saberem ela já estava grávida de Jay.

Jack abre a gaveta do criado mudo junto à cama e de lá retira uma aliança (sua, mas que já não usava há algum tempo) e um velho papel amarelado e com marca de diversas dobraduras. Após colocar o anel, que ainda lhe servia com perfeição, põe-se a ler, como já fizera outro sem-número de vezes. Escrito por ele, o bilhete havia sido mandado junto a um buquê de rosas vermelhas, no dia seguinte ao terceiro encontro do casal.

“Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor estou tremendo de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abraço e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;
da alma um fogo que me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando,
numa hora acho mil anos, e é jeito
que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que é só porque vos vi, minha Senhora.”

Será que Camões sonhou em ver um de seus sonetos entregue a tão bela dama? Duvido, nem ele sonharia tão alto...
De qualquer forma as palavras dele vão servir para eu te perguntar:
Aceita namorar comigo, minha Senhora?
Espero sua resposta morrendo de ansiedade.
Com todo o amor,
Jack Mallory.

E ele o recebera de volta, em forma de um passarinho de papel, ainda no mesmo dia. A resposta estava escrita no verso:

Jack, esse é o mais lindo pedido de namoro que já recebi.
É estranho como a cada vez que nos falamos você parece mais romântico e encantador. Se continuar assim, não terei outra escolha senão apaixonar-me cada vez mais por você. Adorei as rosas, mas preferia que as tivesse trazido pessoalmente.
Quanto ao jantar, venha me buscar as oito.
A propósito, eu aceito!
Sempre sua,
Cassie.

Dobrou-o com cuidado novamente na forma de um passarinho de papel e voltou a guardá-lo na gaveta. Se se concentrasse bem ainda poderia sentir o perfume dela.

Nostálgico, ele desenhou com o dedo o contorno da ex-esposa no retrato, sorrindo. Como ele a desejava perto de si agora! Faria qualquer coisa para tê-la consigo novamente, tomar-lhe em seus braços e poder beijar-lhe a boca, os olhos, as mãos, tudo...

Qualquer coisa, menos expô-la ao perigo. Isso ele nunca seria capaz de fazer. Nunca.

- O que será que você está fazendo agora? Será que você está feliz?

A mulher do retrato não respondeu, apenas continuou a sorrir e lhe mandar beijos, até que ele adormeceu e pôde sonhar com ela e seus olhos azuis muito brilhantes. Olhos brilhantes demais.

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