O Vaso Ruim



Amanheceu e a enfermaria está em completo silêncio. Assim como Al, Jay e Jack já haviam sido medicados e liberados, mas pai e filho permaneciam, juntamente com Thomas, Victor, Nick e Cassie velando o sono agora tranqüilo de Alex. Madame Pomfrey entrou a passos rápidos e se pôs a, mais uma vez, examiná-lo sob o olhar atento de todos.

- Bem, as próximas horas serão decisiv... – ela sentenciava quando é interrompida por Alex agarrando seu pulso. A bruxa dá um pulo para trás, assustadíssimo.

- Quem eu preciso matar para arranjar um pouco de comida? – Alex pergunta num fio de voz causando risos em todos exceto na enfermeira, que arregala os olhos.

- Ele não quis dizer isso... Foi só uma maneira falar. – se desculpa Thomas, extremamente feliz para recuperação milagrosamente rápida do pai.

- Eu vou providenciar imediatamente, papai – responde Victor muito sorridente se retirando.

- Vejo que o senhor já está muito bem, não é senhor Mallory? – Pomfrey pergunta com um ar autoritário.

- Eu não ia morrer num lugar como esse – voz do paciente ainda é muito fraca e lhe parece custoso manter os olhos abertos, mas ele sorria. – Seria desonroso.


- Papai! – repreende Jack, ainda rindo.

- Muito obrigado, vovô – Jay agradece, pegando a mão do avô com carinho.

- Agradeça a seu pai – Alex rebate, dando um tapinha na mão do neto. – Eu não saberia fazer a poção.

- Isso tudo foi culpa minha, se eu tivesse te obedecido em vez de ficar aqui... – fala Jack, com a voz embargada.

- Parece que eu bati mais forte do que pensei nessa sua cabeça dura – Alex responde, sorrindo. - Vê se pára de falar besteira, moleque! Se vocês estão felizes aqui no meio desses mortais, que fiquem. Não quero que sacrifiquem sua felicidade por nada nesse mundo, muito menos pra obedecer a um velho ranzinza como eu. Mas só peço uma coisa: me tirem desse lugar o mais rápido possível.

- Assim que puder eu cuido disso para o senhor – responde Thomas.

- Não, você e Nick vão voltar pra casa imediatamente e ajudar William a cuidar das coisas por lá. Ou será que você já esqueceu que ainda estamos no meio de uma guerra? Victor vai se encarregar de mim – Alex manda e os dois assentem em resposta, surpresos, mas não fazem a menor menção de abandonar o local. – Vão, agora!

Os dois vampiros se despedem com um aceno e saem silenciosamente, com as longas capas negras roçando no chão atrás de si. Então Alex respira profundamente antes de voltar a falar, dessa vez se dirigindo ao casal ao lado de sua cama.

- Quanto a vocês dois, já decidiram a data do casamento?

- Mas papai, nós já somos casados – responde Jack, meio confuso.

- Não mesmo. Pelo que eu me lembro vocês fugiram para se casar e só o fizeram no civil. Na época eu nem falei nada, mas isso não está certo. O que sua mãe pensaria disso se estivesse viva? – argumenta Alex e Jack olha para a esposa e percebe que ela estava muito vermelha, mas sorrindo.

– Quero os dois casados no religioso e pretendo fazer uma grande festa pra comemorar. Vocês não negariam o pedido de um velho moribundo, certo?

- Papai, eu não sei se... – responde Jack, muito constrangido.


- Eu ficaria honradíssima, Alex – interrompe Cassie.

- É vô, seria genial!

- Ótimo, pensei em usarmos o castelo da Irlanda, o lugar é lindo e foi lá que eu me casei. Sem contar que é grande o suficiente para abrigar todos os convidados. Isso se vocês quiserem, é claro.

- Eu estou emocionada, nunca pensei que... Muito obrigada, eu nem sei como lhe agradecer.

- Continue sendo a nora maravilhosa que você é. E você, Jay, pode levar seus amigos se quiser. Aposto que aqueles pestinhas vão adorar conhecer o lugar – fala o patriarca, dando uma piscadela para o neto.

- Valeu, vovô. Vou convidá-los sim.

- Agora vocês três podem ir descansar um pouco, eu vou ficar bem. Desde que o Victor não demore muito com essa comida, é claro – manda Alex, bastante autoritário para um convalescente.

Os três saem, deixando-o sozinho na enfermaria com o inconsciente professor Barker. Mas essa aparente solidão não dura muito, já que Jimmy, Fred, Rose e Al entram procurando por Jay e acabam decidindo ficar um pouco com o professor de Transfiguração. Fingindo dormir, o vampiro se põe a escutar a conversa deles.

- Vocês acham que ele vai ficar bem? – pergunta Rose, colocando sobre o criado ao lado da cama do professor o vaso de flores que tinha acabado de conjurar.

- Madame Pomfrey disse que sim – responde Al. – Mas o avô do Jay estava correndo perigo de vida. Não sei se ele vai ficar com alguma seqüela ou algo do tipo.

- Pensei que vampiros não... – cochicha Jimmy.

- Eu também, mas mordida de lobisomem pode até matá-los – responde Al. – E ele quase morreu pra salvar o Jay.

- Nunca pensei que esse cara fosse capaz de fazer uma coisa dessas, ainda mais com essa cara de Drácula que ele tem – brinca Fred, e os outros riem.

- Não sei se vocês sabem – fala Alex, assustando os garotos – mas Drácula quando tinha mais ou menos a idade de vocês foi entregue pelo pai para ser refém de um exército inimigo, onde foi torturado durante anos. Ele só voltou para a Romênia aos dezessete anos e lá se tornou um herói da Igreja e de seu povo, quando expulsou do país esses mesmo inimigos que o haviam torturado. Mas é claro que vocês, mortais, preferem vê-lo como um monstro em vez de uma pessoa com a mente desequilibrada pelo sofrimento. O Drácula, capaz de matar mais de quinhentos inimigos num só dia, não passava de uma alma atormentada pela dor.

A imortalidade é algo que assusta e vocês tem tanto medo que preferem nos pintar como seres terríveis, capazes de cometer as maiores atrocidades por pura diversão, no lugar de pessoas com sentimentos”.

- Isso não é verdade – contra-argumenta Jimmy.

- Ah, não? Então me digam numa coisa: vocês teriam se tornado tão amigos de meu neto se soubessem desde o começo que ele era um vampiro?

O ruivo abre a boca para responder, mas não consegue e Fred e Al abaixam suas cabeças, envergonhados. Eles não tinham como mentir para si mesmos: sabiam que teriam tido medo de sequer chegar perto do amigo. Al, engolindo a seco, se lembrou de seu tio Gui e de Teddy, que por pouco não se tornaram lobisomens.

- Sim. E eu nunca me importei com isso – responde Rose, com uma resolução que surpreende não só Alex, mas também seus primos. – E se o senhor acha que todos os bruxos são assim o preconceituoso é o senhor.

- Fico feliz por meu neto poder conviver com maravilhosas exceções como você, senhorita Weasley – ele abre um largo sorriso, e a garota cora levemente. – Vocês três tem muito o que aprender com ela.

Alexander voltou a fechar os olhos, pensativo. A garota não percebera, mas ele leu a mente dela assim como a de seus primos. “Parece uma maldição de família” ele pensou, comparando-a mentalmente com Cassie e sua falecida esposa. Também conhecia bem os sentimentos do neto e concluiu que seria só uma questão de tempo para que seus temores se concretizassem.

- O senhor foi muito corajoso – ela fala, despertando-o de seus pensamentos.

- Não se trata de coragem, mas de desespero. Mas vocês ainda são muito jovens para compreender certas coisas. Agora acho melhor vocês irem procurar o Jay, ele tem ótimas novidades pra lhes contar.

- Vamos sim – fala a garota, conjurando mais um vaso de flores e colocando-o ao lado da cama do vampiro. – Espero que o senhor melhore logo.

- Obrigado – ele responde e sorri amargurado vendo-os atravessar as portas duplas.

Victor entra, trazendo consigo uma tigela de sopa. Ele encontrara com os garotos na porta antes de entrar. Só de olhar para Alex ele compreende tudo.

- Papai, podia ser pior: ela podia ser trouxa – Alex não pôde deixar de rir com o comentário do filho, que conjura uma bandeja sobre a cama, onde coloca a tigela acompanhada de uma colher e um copo d’agua. – O que é isso?


- Sua comida.

- Parece que alguém já digeriu isso antes de mim – ironiza o mais velho, apontando para a tigela com uma expressão de nojo.

- Madame Pomfrey disse que é só isso o que o senhor pode comer por enquanto – responde Victor, enquanto o outro toma uma colher fazendo careta. – E vê se não reclama.

- Então avise ao cozinheiro que ele esqueceu de uma coisa.

- O que?

- O sabor.

[...]

Cassie estava sentada no sofá da sala do marido, fazendo carinho na cabeça dele, pousada em seu colo. Já fazia algum tempo em que os dois estavam assim, conversando sobre os últimos acontecimentos e sobre a idéia do casamento, que entusiasmara principalmente a bruxa.

- Apesar de tudo, estou muito feliz. E acho que nada nesse mundo pode mudar isso.

- Então acho melhor deixar a surpresa pra mais tarde – ela fala misteriosamente, sorrindo para ele.

- Fala logo o que é, por favor – ele se levanta, sentando-se e olhando-a nos olhos.

- Bom, eu estive pensando muito e decidi que quero me tornar uma vampira assim como vocês.

Eles já tinham conversado sobre isso centenas de vezes e Jack nunca cobrara essa atitude da esposa, muito pelo contrário, achava que isso era algo que ela devia decidir sozinha já que modificaria totalmente sua vida. Nunca mostrara o quanto isso o faria feliz e, mesmo agora que ela tocara no assunto, ele procurava se mostrar impassível.

- Mas você disse que...

- Eu sei, mas mudei de idéia. Quero ficar com vocês o máximo de tempo, pela eternidade se possível.

- Mas é uma mudança muito grande e sei o quanto isso significa pra você.

- Vocês dois significam muito mais.

- Eu te amo tanto!

- É bom mesmo que ame, e que me diga isso pelos menos umas duas vezes por minuto daqui pra frente.

- Nem precisa mandar.

[...]

Jack entrou sorridente na enfermaria, onde Alex estava sentado tomando um vidro de uma poção de aspecto repugnante, com uma cara não muito feliz, enquanto contava para Victor as novidades da Guerra.

- Boa tarde, senhores!

- Somos criaturas noturnas, se lembra? Só gostamos da noite! Você está andando demais com esses mortais – eles riem com o comentário mal-humorado do pai.

- Pela sua cara de bobo alegre, você e a Cassie não estiveram descansando muito, não é? – fala Victor, enquanto Alex toma, com uma careta, mais uma um gole.

- Nem deu tempo de descansar, estivemos comemorando. É que ela decidiu que quer se tornar vampira – responde Jack exultante, deixando o pai muito pensativo. – Jay ficou muito feliz com isso também.

- É uma decisão muito importante – Victor fala, passando o braço sobre os ombros do irmão. – Isso é que é presente de casamento!

Alex estava feliz pelo filho, pelo neto e porque aprendera a respeitar e a gostar da nora. Só uma coisa o incomodava: detestava aquele maldito castelo. Assim como qualquer outra coisa que se referisse a bruxaria, Hogwarts lhe fazia lembrar de Catherine e de sua fragilidade enquanto bruxa. Se ela tivesse tomado a mesma atitude que sua nora acabara de tomar, ainda estaria viva. A esposa insistira em manter-se bruxa, apesar de todos os seus esforços para convencê-la, e por isso ficara doente.

Ele nunca entendera a escolha da esposa, mas aceitara e cumprira sua vontade, por mais que isso lhe despedaçasse o coração. Por isso fora tão contra o casamento de Jack e mais contra ainda a essa idéia absurda de fazer com que o neto convivesse com essas pessoas, que logo morreriam e os fariam sofrer. Nunca havia confessado isso a nenhum deles, porque não esperava que compreendessem. Mas isso já não importava, só importava a alegria do filho.

- Mas isso merece uma comemoração! Arrumem um bom vinho para brindarmos – Alex fala, sorrindo. Agora não havia motivo para pensar em outra coisa que não fosse a notícia que recebera. – O será que nem isso tem nessa droga de castelo?

- Papai, o senhor já pode beber? – pergunta Victor, já prevendo a bronca que receberia como resposta.

- Ah é, eu tinha esquecido que virei criança de novo! Até essa coisa horrível a tal Pomfrey está me obrigando a tomar – ele fala e toma num gole só o que faltava, atirando o vidrinho longe se sentando-se na beira da cama. – Querem saber de uma coisa? Chega! Vou dar o fora daqui.

Ele se levanta, surpreendentemente forte para seu estado de saúde, mas os dois o seguram pelos ombros e o deitam de volta na cama. O rosto dele se contrai, numa expressão de dor causada pelo movimento brusco. Alex não se lembrava de ter tido um ferimento que demorasse tanto para cicatrizar.

- Nem pensar, o senhor ainda não recebeu alta – repreende Jack.

- Ora, mas esses dois pirralhos estão pensando que mandam em mim! ?! A sorte de vocês é que eu não estou com meu cinto.

- Por favor, papai – pede Victor, com um olhar suplicante.

- Está bem, mas chega de poções e de comida de hospital – o vampiro mais velho brinca, passando a mão espalmada sobre o peito dolorido. - Me arranjem um bom bife mal-passado que nós negociamos.

[...]

Arthur Barker estava há dois dias desacordado, em decorrência da queda. Perfeitamente normal, segundo madame Pomfrey, levando-se em consideração a altura da qual ele caiu. Na enfermaria só estava ele e Minerva, sentada ao lado da cama, velando seu sono, já que Alex havia sido levado para terminar de se recuperar em casa algumas horas antes.

- Sabe, isso que você fez foi muito imbecil. Foi uma tremenda idiotice, isso sim. – ela observa seu peito subir e descer com sua respiração lenta, mas forte como tudo nele. – E também foi muito corajoso... Faria qualquer coisa para que você acordasse logo e ficasse bem.

- Qualquer coisa? – ele abre os olhos lentamente e as palavras saem fracas, mas ele sorri. – Até jantar comigo?

- Você não vale nada mesmo – ela responde com outro sorriso.

- Vou aceitar isso como um “sim”.

- Fiquei tão assustada, Arthur. Você poderia ter morrido. E se aquele feitiço fosse um Avada Kedavra?

- Então Jay estaria a salvo de todo jeito. Se tivesse parado pra pensar, meu aluno poderia estar morto.

- Não esperava outra atitude de você.

- É, “corajoso e idiota” – ele faz uma careta, sentando-se. – Estão todos bem?

- Sim, todos já se recuperaram. Jack quer falar com você, agradecê-lo.

- Depois eu falo com ele. E as crianças, como estão?

- Ótimas, estão vindo te ver toda hora. Trouxeram flores – ela apontou para um vaso na mesinha ao lado da cama, e para uma carta ao deu lado. – E também tem uma carta pra você, parece ser coisa importante. É do seu filho.

- Sean? Que ótimo! – ele se anima ao ler o nome no envelope.

- Ele esteve aqui mais cedo querendo falar com você, mas eu disse que estava ocupado porque pensei que você não gostaria que seus filhos soubessem do ocorrido. Então ele disse que não poderia esperar e escreveu isso pra você.

- Você fez bem – ele abre o envelope e se põe a ler. Logo as lágrimas começam a brotar de seu rosto.

- Algum problema, Arthur? Você está bem?

- Eu estou... ótimo – ele se levanta da cama, enxugando o rosto com as costas da mão. – Meu neto nasceu! E se chama Arthur!

- É melhor você ficar na cama, pelo menos até receber alta - ele parece não escutá-la, de tão alegre.

- Tenho que ir vê-lo agora. Gostaria de me acompanhar?

- Acho melhor não, tenho muito que fazer por aqui.

- Então me espere à noite, as oito está bom pra você? Lembre-se de que eu poderia ter morrido – ele faz um cara de coitadinho.

- Está bem. E meus parabéns, vovô.

- Até mais – ele dá um beijo estalado na bochecha da diretora e sai cantarolando.

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