Discórdia na família



— Como o senhor pôde permitir? - a voz alterada de Nellie chegava ao celeiro, onde Kassandra tinha levado as crianças para que os mais velhos permanecessem na casa com o pai.
— Filha, eu não pude negar... - Greig tentava explicar, mas nem Nellie e muito menos Andrew aceitavam a idéia de terem que encarar a mãe. - Ela é a mãe de vocês e quer vê-los.
— Até parece que o senhor a quer aqui! - rosnou Nellie cheia de atrevimento, não parecia a recatada jovem que sempre cuidara de todos. - Eu não vou fazer nada para ela! Se quiser, o senhor que peça à Kassandra! - e cruzando os braços, deu as costas aos três homens que estavam na cozinha.
— Eu acho que Nellie tem razão, pai - disse Luc fitando os pés do pai, sem muita coragem.
— Eu entendo. Mas ela está aqui e quer ver vocês. Eu não gostaria de vê-la também, só somos uma família e temos que mostrar isso a ela. Temos que mostrar que conseguimos viver sem ela.
— Eu gostaria de revê-la - Andrew falou pela primeira vez. - E gostaria de ouvi-la tentar se explicar.
— Se é que ela fará isso, Drew - Nellie foi grossa, o tom irônico em sua voz não lhe caía nada bem.
— Vou conversar com as crianças, talvez Elliot... talvez ele tenha saudades - murmurou com certo desprezo pela palavra que acabara de dizer.
— O senhor pode falar com ele, pai, mas eu tenho a certeza de que ele não quer ver a mãe - Nellie foi abrasiva.
Greig saiu da casa e foi ao celeiro, onde os menores estavam sentados em volta de Kassandra, que lhes contava uma história. Mas assim que a sombra dele bateu no chão próximo aos filhos, estes se puseram de pé. Era belo o respeito que mostravam por ele.
— Eu quero dizer a vocês - Greig começou num pigarro longo - que uma pessoa virá visitá-los amanhã.
Elliot levantou, aproximou-se do pai e com toda a sua ingenuidade perguntou:
— O senhor arrumou uma namorada, pai?
Kassandra conteve o riso com o dorso da mão, desviando o olhar para a janela. Greig, porém, se manteve firme, apesar de achar graça.
— Não. Na verdade a mãe de vocês está na cidade e quer vê-los.
As quatro crianças arregalaram os olhos, pasmadas, fitando umas às outras, contudo, permaneceram mudas por conta do espanto.
— Eu sei que faz tempo que ela... que vocês não a vêem... Mas acho que ela se arrependeu.
Novamente, Elliot ergueu os redondos olhos claros para o pai e com desânimo desabafou:
— Então o senhor não vai namorar a Kassie?
Kassandra abriu a boca em sobressalto e seus olhos mergulharam nos olhos de Greig. Contudo, ele se desviou deles quase que de imediato.
— Elliot, a senhora Crabbe é nossa hóspede, nossa convidada. Ela já possui uma família.
— Achei que a gente fosse a família dela agora - sussurrou o garoto desolado.
Foi inevitável que Greig olhasse para Kassandra. Ele ajoelhou, colocou as mãos nos ombros do menino e sorriu para ele antes de explicar que as coisas nem sempre poderiam ser o que pareciam. As palavras cortaram os ouvidos de Kassandra, mas ela permaneceu calada e de olhos baixos, enquanto Gregory McCoy explicava aos filhos o que teriam de fazer para a chegada da mãe. Nenhum deles contrariou as palavras do pai, mesmo que estivessem aflitos, e saíram junto dele para a casa, onde Nellie distribuiu as tarefas.

Gregory não jantou com a família naquela noite, sua desculpa era um mal-estar, e ele foi se deitar cedo. O que não era nada costumeiro, ele gostava de ver a família toda reunida na sala ouvindo Kassandra e suas palavras.

O dia amanheceu ensolarado, parecia feliz em aparecer para festejar o reencontro de uma família. Contudo, ele não fazia idéia da história deles e do que levara àquela separação.
Kassandra levantou cedo e encontrou Nellie já de pé.
— Seu pai ainda...
— Ele saiu de madrugada - resmungou a jovem.
Kassandra fitou o horizonte pela janela como se pudesse ver Greig se afastando da casa.
— Ele foi matar uma rês. Quer se mostrar para ela.
Nellie parecia indignada.
— Você acha mesmo que é isso? - quis saber Kassandra.
— Não viu nos olhos dele?
— O que eu poderia ver? - Kassandra forçava uma conversação.
— O nervosismo, a expectativa, a ansiedade.
— Você viu tudo isso?
— Você está brincando comigo, Kassie? - Nellie ficou zangada.
— Não - respondeu suspirando fundo. - No que posso ajudar?
— É melhor você buscar um pouco de água.
Não que a água não fosse necessária, mas aquilo era uma tarefa inútil já que os tonéis estavam cheios ao lado do fogão à lenha; Kassandra, contudo, saiu da cozinha, deixando Nellie sozinha, talvez a jovem quisesse pensar na mãe, pensar no que dizer quando a visse...
— Nellie a tocou da cozinha? - perguntou Andrew sentado na varanda.
Kassandra sorriu sem graça e desceu os degraus.
— Ele está estranho, o pai - falou Andrew. - Ver ela não fez nada bem a ele.
— Você pode me levar à cidade, Drew. Eu gostaria de ver se alguma diligência...
— Elas chegam às sexta e terças-feiras - Andrew cortou a frase dela.
— Oh, sim, claro - sussurrou.
— A senhora vai embora?
— Eu ia apenas resolver alguns assuntos, mas... com a chegada de sua mãe... acho que não preciso voltar.
Os dois se encararam e uma terceira pessoa apareceu ao lado da casa, os olhos no assoalho desbotado pelo sol e a mão que segurava as rédeas do cavalo apoiada na balaustrada.
— É melhor o senhor não entrar na cozinha - alertou Andrew.
Greig fitou o filho com indiferença, seu interesse estava em Kassandra.
— Achei que eu a acompanharia até a cidade.
— O senhor já tem com o que se preocupar - ela disse, desviando o olhar para as galinhas que, faceiras, ciscavam ali perto à procura de comida.
— Eu vou ficar no hotel. Já arrumei as minhas coisas.
Andrew e o pai a encararam enquanto ela caminhava para longe deles, passando pelas galinhas que correram assustadas para baixo da casa.
— Eu posso levar ela até a cidade...
— Não - Greig interpôs erguendo a mão e seguindo Kassandra.
Ele a alcançou além do poço, atrás do estábulo, onde ela se apoiara sobre a cerca de grossas estacas para observar os potros recém-nascidos.
— Senhora - chamou quase inaudível e quando Kassandra se virou, viu que ele fitava os próprios pés. - Eu gostaria que ficasse.
— Por que ainda se dirige a mim desse jeito tão formal? - perguntou ela.
— Eu devo desculpas para a senhora - disse balançando a cabeça. - O que aconteceu... não deveria... Eu a desonrei...
Kassandra gargalhou alto, não pôde se conter.
— Se eu não quisesse, Gregory, não teria acontecido.
Ele a encarou ao ouvir seu primeiro nome.
— Não pense bobagens. Somente sinto por você estar me ignorando. A princípio achei que fosse culpa da aparição de sua esposa, mas agora percebo que era por vergonha mesmo - ela parou bem perto dele. - Você se arrepende?
— Não! - exclamou como um raio, antes mesmo que ela terminasse a frase. - Não - murmurou em seguida.
— Que bom - ela sorriu e o beijou na bochecha, dando-lhe as costas logo depois.
— Eu não quero que vá para o hotel - foi um pedido ingênuo, já que ela poderia fazer o que bem entendesse.
— E onde sua mulher dormirá? Não há mais quartos...
— Ela não vai ficar aqui - ele foi honesto. - Ela não pertence mais a esse lugar.
— E se as crianças pedirem a ela que fique?
— Você acha que pedirão? - ele quis saber com os olhos brilhantes.
Kassandra apenas deu de ombros e baixou os olhos. Greig a puxou pelos braços e a beijou repentinamente, respirando fundo enquanto sentia o corpo macio dela tocar no seu.
Mas assim que se afastaram, ela o encarou de forma diferente e pediu:
— Você pensa nela quando me beija dessa forma?
Greig fixou os olhos nos lábios dela e piscou lentamente por instantes, antes de responder.
— Eu sei que me precipitei ontem. Não queria que tivesse acontecido daquela forma e depois de saímos da cidade... Mas não era em Sally que estava meu pensamento naquele momento. E muito menos não é nela que está agora.
Kassandra sorriu e tomou a mão dele, apertando-a de leve.
— Eu preciso que você fique... preciso de alguém que me dê forças para eu não cometer uma besteira - murmurou ele, e Kassandra se sentiu tão importante com o pedido daquele homem, que permaneceu na fazenda.

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