A diligência



Kassandra mal dormiu naquela noite. Não era grande coisa saber que mais outro homem cedera aos seus encantos se não fosse aquele em particular. Isto porque Gregory McCoy não era como os homens que Kassandra conhecera. Não! Definitivamente era um homem de princípios, virtudes e honra. Ela se sentia culpada, culpada por colocar aquela família em tal situação, jamais pretendera entrar abruptamente na vida deles e se fazer sentir de forma tão profunda. Nem ao menos sonhara em aparecer num lugar como Rock Canyon.
— Bom-dia, senhora - cumprimentou Greig de costas para ela.
— Bom-dia - murmurou Kassandra, fazendo com que ele se voltasse para encará-la.
— Passou mal à noite? - quis saber ao vê-la com o semblante cansado.
— Estive pensando... Já é hora de resolver meus assuntos.
— Vai voltar à Inglaterra? - pediu sem piscar, com certo pesar na voz. Kassandra sentiu mais culpa ainda.
— Não foi sensato fugir. Pareceu-me uma boa idéia na época...
— Certo - sussurrou girando a xícara nas mãos. - A senhora deve fazer o que achar certo.
— Mas se me permitir - ela esticou a mão e tocou a dele -, voltarei para cá assim que der cabo de meus interesses.
Greig sorriu suavemente, tomando a mão de Kassandra e beijando-a. Mas o gesto constrangeu ambos, que, envergonhados, desviaram seus olhares para lados distintos.
— A senhora é muito importante para nós - disse Greig pelo canto da boca, num sussurro gracioso.
— Acredito que sou, mas não posso imaginar o pôr que!
— Eu poderia listar para a senhora os porquês...
Kassandra interrompeu=o com um risinho soprado, mas agradeceu antes que ele tentasse dar início a algum discurso. Eles terminaram o café da manhã decidindo que iriam à cidade colher informações sobre as diligências que levariam passageiros à cidade portuária responsável pelos embarques intercontinentais. Era provável que isso pudesse levar uma ou duas semanas, já que poucas eram as pessoas que iam daquele lugar à Europa. E Kassandra não queria partir sem deixar bem claro que tornaria a ver a família.
Na manhã do dia seguinte, Greig e Kassandra subiram na carroça e rumaram à cidade. Durante todo o percurso, Kassandra fez de tudo para não cruzar olhares com ele, pois sentiu que Greig queria lhe dizer algo, algo que tinha haver com o beijo que recebera sobre a mão direita, mas ela deu graças pela coragem dele ser pouca, e quando chegaram à entrada da cidade teve certeza de que ele não falaria mais nada.
O lugar estava apinhado. A música vinha alta do saloon, juntamente com estrondosas gargalhadas, confirmando que as pessoas se divertiam lá dentro. Da sacada sobre o saloon, mulheres em roupas íntimas acenavam e jogavam gracejos aos homens que passavam. Alguns acenavam em retornou, outros apenas cumprimentavam e tantos mais entravam pelas portas do saloon em busca de diversão com elas. Quase nenhum passava como se nada fosse, sem lhes lançar o olhar, como fez Gregory McCoy, que parecia não ouvi-las.
— Uma diligência! - apontou ele. - Posso acompanhá-la até lá, senhora?
— Claro que pode - Kassandra respondeu num sorriso.
Greig parou a carroça pouco antes da delegacia, logo atrás da diligência e desceu, dando a volta para ajudar Kassandra a descer.
— Olá, Greig - uma voz suave fez o rosto de Gregory McCoy desviar de Kassandra e pousar sobre uma bonita mulher de longos cabelos louros.
— Sa... Sally - ele gaguejou num murmúrio, parecendo pasmo.
— Vejo que você está muito bem - ela disse encarando Kassandra de cima a baixo, que, ao contrário da maioria das mulheres dali, se vestia com elegância.
Kassandra desceu da carroça e parou ao lado de Greig, que continuava estático.
— Se me der licença, senhor McCoy, irei...
E como saído de um transe, Greig segurou o braço de Kassandra, impedindo-a de se afastar.
— Vejo também que seus modos nada mudaram, Greig.
— Nem sua língua - retrucou ele, sentindo o braço ser apertado em desaprovação.
Sally percebeu o pequeno gesto que acalmou o marido há tempos abandonado.
— Muito prazer, Kassandra Crabbe - disse estendendo a mão para a outra, como se não fizesse idéia de quem ela era.
— Sarah McCoy - a loura fez questão de enfatizar o sobrenome.
Mas Kassandra apenas sorriu com singeleza e apertou-lhe a mão.
— O que faz aqui? - perguntou Gregory sem rodeios, de forma grosseira e nada habitual.
— Vim ver meus filhos.
— Depois de tantos anos? - ele parecia muito ofendido.
— Ora, Greig, foram só cinco anos...
— Acha que é pouco para uma criança?
— Não venha me dizer que esteve preocupado com as crianças esse tempo todo! Você nunca foi disso - ela alfinetou rindo. - Você somente se preocupava consigo mesmo!
— Como... como...
— Senhor McCoy - Kassandra chamou-o apertando de leve seu braço -, acho que a diligência vai partir - e apontou para lá no mesmo instante em que o condutor chicoteava os cavalos e gritava para que iniciassem o trote.
Impotente, Gregory não soube o que fazer, ou gritava para que o condutor parasse ou ou ficava para enfrentar a esposa que reaparecera do nada. Kassandra elevou os olhos para um parrudo homem que se aproximava com o sorriso de orelha a orelha. Era Gilligan, o banqueiro.
— Vamos embora, senhor McCoy, voltaremos na próxima... - Kassandra tentou distraí-lo, mas Greig já tinha visto Gilligan vindo em sua direção.
Era eminente o confronto, mas Kassandra não poderia permitir que um homem como Gregory fosse humilhado diante de todos. Tomando-lhe a mão com delicadeza, sussurrou-lhe o nome com todas as letras:
— Gregory, por favor. Vamos embora.
Ele se virou para Kassandra, surpreso.
— Você é importante - ela continuou o sussurro - na vida de seus filhos, tenha a certeza disso. Se ela quer ver as crianças, deixe. Você é melhor do que ela. Muito melhor.
E Kassandra, ao vê-lo sorrir em consentimento, voltou-se para Sally e disse:
— A senhora pode aparecer amanhã, pelo meio-dia, prepararemos um belo almoço.
Sally quis retrucar àquela afronta, mas ao receber as costas de Kassandra como atenção, apenas pôde vê-la junto ao marido partindo na carroça que um dia fora sua.

Mas a volta para a casa dos McCoy não foi silenciosa e calma como a viagem de ida. No meio do caminho, Greig parou a carroça próxima a uma árvore e desceu, caminhando para longe. Kassandra suspirou ao vê-lo parado distante, com o chapéu sendo girado pela aba por mãos nervosas; não podia imaginar o que se passava no peito de Greig, mas podia ver o quão abalado ele estava. Desviou os olhos dele por um instante, pegou o cantil e tomou alguns goles de água. O calor estava se tornando intenso conforme o sol ia a zênite, e Kassandra, de repente, sentiu um súbito mal-estar. Abriu os botões da parte superior de seu vestido, deixando a leve brisa refrescar a clara pele de seu colo, dando-lhe a impressão de frescor, enquanto secava a testa com um lenço, de olhos fechados, tentando fazer passar a tontura.
— A senhora não está bem - Greig estava parado ao lado da carroça, tinha a expressão preocupada.
— É o calor, apenas isso.
Greig colocou a palma da mão na testa dela para verificar se estava muito quente e disse:
— Vá se sentar lá dentro, o calor é muito forte aqui sob o sol.
Ela se levantou um pouco do assento e com certa dificuldade sentou na carroceria, mas então retrucou:
— Talvez uma conversa me anime um pouco - e sorriu gentil, mas percebeu que os olhos de Greig desviavam rapidamente dos botões descerrados de seu vestido.
Para a surpresa de Greig, Kassandra tomou-lhe a mão e a conduziu até seu colo despido, fechando os olhos para experimentar o toque com mais intensidade. Greig sentiu a maciez da delicada pele dela e não pôde conter o ímpeto de puxá-la para perto de si e roubar-lhe um beijo. O cheiro dela entrou por suas narinas, aguçando-lhe os sentidos, e se extinguiu nele qualquer pensamento contraditório que pudesse impedi-lo de continuar beijando aquela mulher. Com vagarosidade, Greig forçou seu corpo contra o dela, fazendo-a deitar, deixando todo seu peso sobre ela e prendendo-a num agradável e confortável aperto. Amaram-se sob o calor escaldante, protegidos pela lona rota da velha carroça. E quando finalmente satisfeitos, tornaram a se vestir. Greig, porém, o fez com mais pressa, sem lançar a Kassandra qualquer olhar ou palavra. Ele parecia constrangido. E quando ela se apoiou nele para tornar a sentar na parte dianteira da carroça, ele se assustou.
Kassandra, pela primeira vez na vida, se arrependera de ter tomado uma atitude como aquela. Talvez deitar-se com Greig não tinha sido a melhor de suas idéias.

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