1863



O Ministério era um lugar onde uma pessoa desatenta poderia entrar e jamais encontrar a saída se não tivesse um bom guia, mas esgueirando-se despercebido como Lúcio Malfoy e Severo Snape faziam naquele momento, cientes de todas as alas e passagens, não havia problema algum. A sala de Registros de Magia não era um recinto freqüentado, todavia era fortemente resguardado e de restrito acesso. Malfoy ficou encarregado de distrair quem quer que fosse o guarda de plantão enquanto Snape, sorrateiro, entrava na sala. Uma vez dentro, não havia com o que se preocupar porque bruxos não iam até lá, transpunham exclusivamente memorandos e relatórios em forma de pequenos aviões que se organizavam sozinhos nas prateleiras.
Snape entrou sem dificuldade alguma, pois Malfoy cumpria com competência seu papel, mas seu sucesso se dava, especialmente, por ser de família sangue-puro e por ter uma gorda fonte de renda. Snape precisava apenas procurar nas prateleiras pelo mês e ano em que o primeiro metrô de Londres começou a funcionar, a partir dali iniciaria o exame de todos os relatórios. Não que fosse algo fácil, porque na Inglaterra havia milhões de bruxos, o que lhe renderia, sem dúvidas, um dia inteiro, até dois, de trabalho. E ele não sairia dali sem conseguir, pelo menos, um fato. Tinha se preparado para passar a noite naquele lugar se fosse necessário.
A procura foi em vão. Tivera suas dúvidas de que encontraria algum feitiço diferente que incriminasse os Potter naquela época, entretanto, encontrou o registro de um garoto chamado Harry Potter, e isso lhe deu a certeza de que Lílian tinha mesmo voltado no tempo, porque o nome do meio do menino era Tiago. O que restava, agora, era descobrir uma forma de voltar àquela época, antes que alguém matasse Lílian. Entretanto, ao voltar os olhos pelo caminho que o trouxera ali, Snape reparou em uma empoeirada plaqueta dourada que dizia: 1863 - Feitiços em território trouxa. Caminhou até lá, puxou uma pasta amarelada pelo tempo e roída por traças, e abriu-a com delicadeza, descobrindo que havia duas míseras folhas em seu interior. As palavras estavam escritas em letras finamente traçadas num papel timbrado magicamente e surpreenderam Snape conforme as lia.

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"Relatório 563.658/4221.01 - Feitiços em território trouxa

Venho, por meio desta, fazer ciente ao Ministério que aos 15 dias do mês de fevereiro de 1863, às 11h32min da manhã, os feitiços ACCIO, AQUA ERUCTO, ENGORGIO, INCENDIO e SKURGE foram utilizados por um bruxo em meio a trouxas, num território exclusivo deles, Rock Canyon, Texas, Estados Unidos da América. O querelado, Kassandra Crabbe, não respondeu ao inquérito, e não se encontrava no local quando funcionários do Ministério lhe fizeram uma visita.

Etebaldo Woswort, secretário de registros.
Londres, 16 de fevereiro de 1863" .

— Kassandra - murmurou Snape passando o dedo indicador sobre as letras do nome dela.

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"Relatório 563.658/4221.02 - Feitiços em território trouxa

Venho, por meio desta, fazer ciente ao Ministério que aos 22 dias do mês de agosto de 1863, às 07h02min da noite, os feitiços OBLIVIATE e ESTUPEFAÇA foram utilizados por um bruxo em meio a trouxas, num território exclusivo deles, Rock Canyon, Texas, Estados Unidos da América. O querelado, Kassandra Crabbe, não respondeu ao inquérito, e não se encontrava no local do ocorrido quando funcionários do Ministério lhe fizeram uma visita.

Etebaldo Woswort, secretário de registros.

Londres, 23 de agosto de 1863" .

— Rock Canyon, Texas... do outro lado do oceano - Snape murmurou fechando a pasta e recolocando-a no lugar. Tocou de leve em sua marca e esperou alguns instantes. Depois, abriu a porta da sala e saiu calmamente, como se sua visita tivesse sido marcada.
Snape encontrou com Malfoy no andar onde ficava o escritório do Ministro, como haviam combinado previamente, e os dois saíram sem problemas por uma das lareiras de acesso principal. Quando já estavam bem longe de lá, Malfoy arriscou fazer a pergunta:
— Encontrou o que queria?
— Apenas nomes e hipóteses - disse Snape. - De qualquer forma, precisamos encontrar uma maneira de voltar àquela época.
Os dois olharam para trás de súbito e reconheceram a figura que se aproximava.
— Meus caros, conseguiram?
— Alguma coisa, mestre - respondeu Malfoy, mas Voldemort não lhe deu atenção. Passou o braço sobre o ombro de Snape e o puxou para perto.
— Os Potter estiveram naquela casa mesmo. Encontrei o registro de convocação de um menino chamado Harry Tiago Potter à Hogwarts.
— Então - Voldemort sorriu, apertando vigorosamente a mão contra o ombro de Snape - precisamos ir até eles. E preciso que você me mostre como, Severo.
Aquele pedido pesou nos ombros de Snape como se ele carregasse o mundo todo nas costas. Havia procurado um jeito de voltar no tempo desde que descobrira que Kassandra utilizara uma ampulheta adulterada, o que era desconhecido pelo Ministério, pois eles possuíam registros de apenas duas delas, confiscadas há muitos anos.
Snape deixou a casa de Voldemort e voltou para a Rua da Fiação. Tinha uma missão a cumprir: encontrar uma forma de voltar ao passado e, para isso, conseguira alguns dias distante de todos. Precisava estudar e se aprofundar em livros antigos e de difícil interpretação. Mas Snape não permaneceu por lá. Naquela mesma tarde aparatou no deserto de Kalahari. O calor era insuportável e ele teve de procurar abrigo até o sol se pôr. Era a época da seca, e tudo era deserto e planície, apenas pequenos suricatos empinavam o corpo mexendo a cabeçinha para cá e para lá à procura de algum alimento. Quando finalmente a noite caiu, Snape saiu em busca da caverna que era indicada por um grosso e descascado livro, carregado com muito cuidado a tiracolo. Encontrou-a com certa dificuldade, mas tempo era o que mais tinha e não havia, ali, quem pudesse impedi-lo. Espremeu-se e passou por uma estreita fenda entre dois arbustos quase secos, o que revelou uma descida íngreme e escorregadia.
— Lumus! - sussurrou, e sua varinha se iluminou.
A descida continuava mais suave e úmida até desembocar num vão estranhamente bem lapidado, como se homens o tivessem feito. Seguiu adiante e novamente o caminho se estreitou, esguio e molhado, indo terminar em um lago subterrâneo. Era ali. Só poderia ser. Snape despiu as vestes, ficando apenas de calção e entrou no lago, mergulhando ao sentir que a cada passo perdia mais e mais o fundo. Pouco depois emergiu, respirando profundamente para mergulhar novamente. E desta vez foi ao fundo, mesmo sem enxergar nada dentro da água turva, fechando a mão sobre um punhado de areia finíssima e fofa por três ou quatro vezes, até quase perder o fôlego e emergir. Sentou-se na beirada e tossiu, respirando fundo para sorver ao máximo o ar. O saquinho de pano no qual havia posto a areia gotejava em suas mãos, era uma chance se o que tencionava fazer desse certo. Snape deitou o saco sobre uma pedra e se vestiu, depois voltou pelo caminho que percorrera há minutos atrás com um sorriso de entusiasmo nos lábios.
O ar da noite bateu fresco em seu rosto e ele respirou aliviado por ter saído daquele lugar, precisava, porém, secar a areia ao sol africano para que o feitiço desse certo, e enquanto esperava pelo amanhecer, abriu o saco de pano e estendeu-o sobre o chão. A areia sobre ele continuava molhada e de uma cor escura tão estranha que Snape duvidou que ela fosse secar. Parecia magia. Ele queria acreditar que fosse, e foi olhando para a areia que adormeceu.
Não havia onde se esconder do sol e assim que ele raiou, Snape teve a certeza de que não agüentaria ficar debaixo do calor que estava por vir. Improvisou uma barraca com um feitiço e enterrou o cantil de água para que ela permanecesse fria. Meio dia se passou e finalmente Snape pôde encher a ampulheta, que trouxera cuidadosamente presa ao seu peito, com a areia. Marcou um pequeno X onde seria a frente do objeto, encheu-o com a areia finíssima e lacrou o orifício. Um brilho azulado emanou da areia, tornando-se rosado e por fim esbranquiçado, até sumir por completo.
Tinha que haver alguma magia naquilo, Snape podia sentir, mas tinha medo de estar sob efeito da desidratação, devido ao calor, e com isso vendo e percebendo coisas que não existiam verdadeiramente. Abriu o surrado livro na exata página que descrevia as fabulosas areias milenares africanas e releu várias vezes a forma como a ampulheta deveria ser utilizada.

"Sempre a partir do ponto marcado:
De pé, girar em torno no próprio eixo por três vezes, para a esquerda.
Em seguida, para voltar ano após anos, girá-la para trás, sendo cada volta completa um ano.
Para voltar uma década, girá-la à frente uma volta completa e depois à direita, meia volta."

Não era uma receita difícil, mas precisava ser seguida rigorosamente e, sendo bem executada, o feitiço que geraria seria indicado por uma cor alaranjada.
Snape envolveu a ampulheta com um tecido macio e guardou-a numa bolsa de couro de dragão. Respirou fundo e desaparatou.

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