Um estranho herói



Capítulo 4 – Um estranho herói



A luz da lua entrava pela janela, enquanto uma garoa fina caía lá fora. Fábio estava sentado no chão, recostado na parede oposta do pequeno quarto, olhado para a janela no lado oposto do cômodo. Podia-se pensar que ele estava simplesmente admirando o belíssimo luar, mas um observador mais atento perceberia que ele podia estar fazendo qualquer outra coisa, menos observar a natureza.



Sua mente, como sempre vinha acontecendo nos últimos dias, estava lutando para organizar os sentimentos confusos que vinham incomodando-o. Ele lembrou-se do velho e seu coração de repente se contraiu. Os olhos cheios de terror não lhe saiam da memória, apesar do esforço para esquecê-los.”Com pena do velho, Prewett?”. As palavras de Malfoy vinham-lhe a todo o momento. Tinha tido ele pena do homem? Ele, o um dos mais poderosos comensais, com um sentimento tão tolo?



De repente sentiu uma sensação desagradável dentro da própria cabeça. Era como se alguém quisesse abrir uma porta que estava trancada. Uma porta que dava acesso ao seus pensamentos. Quando esta interferência estava quase alcançando seu objetivo, Fábio fechou a mente e emitiu uma única mensagem para a pessoa que tentava ver o que não devia.



“Vá cuidar dos seus assuntos, sua víbora velha”.



Levantou-se do chão rindo-se. Não seria daquela vez que o Lord das Trevas veria o conteúdo de sua mente. Sabia que a sua falta de respeito implicaria num castigo, mas ele não se preocupava. “É uma relação de amor e ódio muito sinistra”, pensou ironicamente, “ele precisa de mim, mas detesta quando percebe que eu não sou tão submisso e idiota quanto ele desejaria”.



Foi até a janela, abriu-a e sentiu o vento bater em seu rosto, desarrumando do seu cabelo castanho. Aquela vida estava cansando-o. No começo era só planejar e espionar e entregar tudo numa bandeja para que Voldemort fisesse seus planos malignos, mas agora, com a existência da tal ordem que Dumbledore fundara, o Lord das Trevas havia obrigado todos os comensais, inclusive ele, a participar de uma chacina. Sim, uma chacina, pois eram vinte aliados de Voldemort para cada membro daquela ordem, e aquilo vinha se arrastando há algum tempo, o que deixava o Lord cada vez mais impaciente, e era dessa impaciência que havia vindo a ordem para que o Corvo participasse disso. “Apelido idiota” pensou Fábio “antes fosse Bruxa Morgana, seria feminino, mas não seria penoso”. Idiota ou não, o nome do Corvo carregava junto de si a fama de ser rápido, silencioso e impecável em suas missões, e agora sua missão era ruir todas as bases que mantinham a Ordem da Fênix de pé.



- Ou pelo menos era para ser assim, se o Lord não tivesse me obrigado a carregar essa gentalha atrás de mim – resmungou Fábio para si mesmo – sempre achei esses sangue-puro estúpidos, mas agora estão passando do limite.



A última missão fora a gota d’água para Fábio. Ao chegar na base gritou todos os insultos que conhecia a todos que atravessaram seu caminho. Infelizmente o Lord fora uma dessas pessoas, e o castigo que sofrera ainda fazia seus músculos gemerem em protesto a cada movimento mais brusco que fazia.



Mas agora, olhando para lua, Fábio se esquecia de tudo isso para se lembrar o quanto era só. No meio daquelas pessoas que compartilhavam a mesma sede de poder, alguns buscando forças para uma vingança, outros buscando a extinção dos nascidos trouxas, ele, que viera por ressentimento do próprio pai, sentia a solidão. Sentia saudades de sua irmã Molly, com sua mania de superproteção, sempre carinhosa e compreensiva com ele. Ouvira a notícia de seu casamento e fora para lá como um mero corvo e pela primeira vez em anos chorou, pois por causa de sua sede de provar que era o melhor, sua ânsia pelo poder, fora excluído daquele dia feliz. No enterro de seus pais vira os dois irmãos chorarem, e, apesar de não sentir muita tristeza pela morte dos dois, se condoia pelo sofrimento de Molly e Gideão. Às vezes pensava sinceramente em abandonar o lado das trevas e se juntar novamente ao seu irmão, mas depois se lembrava das ações dos homens de Bartolomeu Crounch, tão terríveis quanto as de um comensal, e desistia, sentindo que nunca seria aceito de volta. Sacudiu a cabeça. Nunca era bom pensar desse jeito, enfraquecia as defesas de sua mente e se Voldemort visse um só pensamento daquele, Fábio perderia a vida.



Abandonou a janela e foi até a pequena mesa, onde havia vários pergaminhos com a descrição dos alvos seguintes. Parou, olhando embasbacado para a beleza da mulher na foto anexada a um dos pergaminhos, e sentiu-se mais perdido ainda quando leu o nome dela. Depois se lembrou o que os outros comensais costumavam fazer com alvos femininos e apiedou-se (“de novo esse sentimento nojento!”), “desta vez” pensou arrumando os papeis e escondendo-os com um feitiço “será melhor que eu aja sozinho e rápido”.



Pegou uma pena e um pedaço de pergaminho e escreveu um curto bilhete ao Lord das Trevas:



(Des) Prezado Voldie,



Sairei para continuar a minha missão... SOZINHO! Dispenso as antas de apoio.



Até mais ver,



O Corvo



Aquela gracinha renderia um castigo doloroso mais tarde, mas valia a pena. Deu um toque de varinha no bilhete e este desapareceu. “Feito” pensou rindo.



Desaparatou rindo quando ouviu o grito de fúria vindo do andar de cima.


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- Realmente, um ótimo lugar para se viver! – falou Fábio para si – muita neve, pessoas frias, neve, cidade não muito grande, neve, ah sim, e neve!



Passara o dia inteiro em Aberdeen, seguindo o alvo através da neve que caia na cidade. Olhava constantemente em volta, mas provavelmente por causa da neve, poucas pessoas arriscavam-se a sair de casa naquela noite. Seguia a moça a uma distancia razoável, e pelo que indicava o pergaminho de dados ela estava voltando para casa. Na verdade ele estava se preparando para abordá-la, quando o que ele chamava de “evento imprevisível” aconteceu: braços apareceram e a moça foi puxada aos gritos para um beco logo à frente.



- Encrenca... – exclamou Fábio, enquanto corria em direção aos gritos. Ao virar o beco encontrou uma cena horrível. Dois homens prendiam a moça contra a parede e davam risadas e falavam coisas obscenas, enquanto tentavam arrancar as roupas dela. – Vamos ter problemas – falou baixinho, ao perceber que os dois homens portavam varinhas e usavam-nas para ajudar a arrancar as roupas da jovem.



Esta cena, apesar de horrível, não podia ser considerada incomum. Por causa da guerra contra Voldemort e o esforço para escondê-la dos trouxas, o Ministério havia deslocado todas as suas forças para o combate, e casos de bruxos inescrupulosos que usavam seus poderes para fins vis não eram raros.



O problema é que justo Fábio estava presenciando isso.



Ele podia simplesmente ignorar, era só virar o rosto na direção contrária e deixar os caras se divertirem e depois usar o Veritaserium no que restasse da moça, fazer as perguntas necessárias e dar o fora, deixando a garota morrer. Mas as mudanças que vinham acontecendo com ele o impediram de agir desta maneira e a visão daquele rosto com medo foi o bastante para fazer seu sangue ferver.



- Soltem a garota, seus porcos!



Os dois homens pararam o que estavam fazendo e viraram-se para Fábio. “Um comensal bonzinho, francamente!” sua mente o repreendeu, mesmo sabendo não haver mais volta.



- Olhe o que temos aqui Angus, um herói! – exclamou o mais baixo.



- Vamos ensinar para ele boas maneiras Silver. – falou o grandalhão, numa voz grave.



Os dois ergueram as varinhas e foram andando lentamente na direção de Fábio. “Todos iguais, grandes, fortes e burros” pensou Fábio, soltando um suspiro.



- Para que vocês não digam que eu não sou piedoso, vou fechar meus olhos e vou contar até cinco, e quando abri-los eu quero que vocês tenham desaparecido – falou calmamente Fábio, enquanto fechava os olhos e ouvia mais gargalhados – Um, dois, três, - sentiu que os dois já estavam o rodeando – quatro, CINCO! – e ao gritar o número, Fábio pulou para frente, enquanto ouvia os dois brutamontes azarem-se mutuamente. Os feitiços dos dois colidiram no ar e explodiu, arremessando os dois contra as paredes do beco, onde bateram com um som nauseante, caindo no chão inconscientes. Fábio olhou para os dois com uma expressão de nojo estampada no rosto.



- Eu não acredito que eles caíram nessa. Realmente são dois animais idiotas! – falou com desdém voltando-se então para a moça. Ela estava com as roupas rasgadas, com os cabelos despenteados e chorava, e a tristeza daquele rosto belo, daqueles olhos vivos de cor castanha molhados de lágrimas era tal que, por um momento, ele, Fábio Prewett, o Corvo, um dos mais frios comensais, sentiu o coração partir-se, como se a felicidade roubada daqueles olhos fosse a sua própria. De repente se deu conta do que estava pensando e sacudiu a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos (“Piedade de novo não!”).



- Ei, você está legal? – “Que pergunta estúpida foi essa? Como ela pode estar legal seu idiota?” pensou Fábio, ficando ruborizado “por Merlim, por que eu tenho que ter tanta dificuldade com mulheres?” – Deixe-me ajudá-la – disse estendendo a mão e aproximando-se.



- NÃO! SAIA DE PERTO DE MIM! – Berrou a moça, encolhendo-se mais.



- Calma! Eu só que te ajudar. Confia em mim. – disse Fábio num tom calmo. Ela ainda hesitava a aceitar a ajuda – Confia em mim. – repetiu mansamente, olhando nos olhos dela.



“Realmente você perdeu o juízo, Fábio Prewett. Um herói, francamente!” – Gritou sua mente, mas ele a ignorou.



Lentamente ela foi se desencostando da parede e finalmente aceitou a mão que era oferecida. Ele a levantou, mas quando estava de pé as pernas fraquejaram e ela ameaçou cair de novo. Rapidamente ele amparou e foi apoiando-a até a sua casa. Ao entrar na casa ele a deixou delicadamente no sofá e perguntou onde era a cozinha. Ela apontou displicentemente para uma porta no fim de um curto corredor.



Ele se dirigiu para o lugar e encontrou uma bela cozinha. “Chega ser sobrenatural” ao perceber a limpeza cirúrgica do ambiente. Abanou a cabeça de uma lado para o outro e se concentrou no que viera fazer. Com alguns movimentos de varinha conjurou um bule e preparou um chá, colocando uma gota de uma poção que ele havia tirado do bolso. Misturou e levou a xícara até a sala.



- Tome, vai te fazer bem. – disse estendendo a xícara para a jovem, que a apanhou com a mão ligeiramente tremula, e começou a beber, enquanto ele sentava no lado oposto da sala, observando-a.



Seus pensamentos estavam confusos, e ele sentia que estava se libertando de uma prisão invisível. Sabia que sua missão era interrogar e matar, mas percebeu que nunca poderia fazer isso com aquela garota, da mesma maneira que se condoeu do velho na ultima missão. Há até pouco tempo fazia qualquer atrocidade sem pestanejar e não sentia nenhuma espécie de remorso, mas agora parecia que seus sentimentos estavam voltando com força total e...



- Obrigada – falou a garota, tirando-o de sua reflexão. Ele a olhou como se ela tivesse duas cabeças – Obrigada por me salvar.



- Ah, s-sim, f-foi... minha obrigação – ele gagejou, fazendo-a dar um pequeno sorriso.



- Eu poderia saber seu nome? – Perguntou ela.



Ele se preparou para responder, mas depois pensou melhor. “Ela é da Ordem, talvez perceba o que sou pelo meu nome”.



- Não posso te dizer... Por enquanto. Mas fique à vontade para me chamar do que quiser.



- Então o chamarei de Olhos Azuis. – falou ela, bocejando. Estava se sentindo incomodada por confiar tanto num rapaz que ela não conhecia, mas toda vez que ela olhava nos olhos dele sentia uma imensa paz, e toda desconfiança era varrida de sua mente. Bocejou de novo.



Ao ver isso Fábio começou a entoar um cântico lento e suave, que fez a moça sentir as pálpebras cada vez mais pesadas. Ela largou a xícara em cima da mesinha que havia no centro da sala, e, mesmo lutando contra isso, adormeceu. Ele então se levantou e a levou no colo até o quarto, onde a colocou na cama e lhe deu um beijo leve na testa.



“Eu posso até ser um herói, mas um herói muito estranho” pensou, enquanto admirava a moça dormindo placidamente, sem saber ao certo o que sentia por ela.



- Durma bem... Melissa Dumbledore. – murmurou dando dois passos para traz e aparatando.
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- Olá Rosmerta.



- Fábio! – exclamou Rosmerta com um enorme sorriso – Tudo bem?



- Levando a vida – respondeu Fábio com um suspiro.



- Realmente, pois você mais parece um trapo que um homem – disse Rosmerta, observando o rosto cansado de Fábio.



- Nada que uma noite de sono não resolva. O quartinho ainda existe?



- É claro! Você vai precisar dele? – perguntou a mulher.



- Sim, se não for incomodo.



- De maneira alguma! Afinal, ele foi construído por você para você. – falou ela matreira.



- Obrigado Rosmerta.



- Não há de que. – terminou ela, virando-se para atender um cliente.



Fábio seguiu corredor e viu-se frente a uma porta que ainda conservava a plaqueta que ele havia escrito anos atrás. “Quarto sem Sonhos” era o que informava a placa dourada, que estava pendurada ali há anos.



O quarto fora idéia de Rosmerta, que não queria que Fábio ficasse na rua quando este saiu de casa. Na época os dois namoravam, mas mesmo quando este terminou permaneceram amigos e Rosmerta manteve o quarto intocado. Havia sido construído nos fundos do Três Vassoura, e só se podia entrar ali através do bar. Dentro, Fábio havia conjurado um poderoso feitiço que fazia com que qualquer pessoa que ali dormisse não tivesse nenhum sonho e ficasse protegido de qualquer invasão mental, e era para aquele quarto que Fábio ia sempre que terminava alguma missão, para dormir com a guarda baixa, sem se preocupar com as ocasionais invasões mentais do Lord das Trevas.



E era a porta deste quarto que Fábio abria agora. Entrou e o que viu lá dentro causou-lhe um grande espanto.





Ele recostado numa cadeira com os pés na mesa e olhava sério a expressão perdida de Fábio.



- Enfim você chegou.



- O que você esta fazendo aqui? – rosnou Fábio.



- Fábio, por favor, acalme-se. Eu vim aqui para conversar. – se apressou Gideão, ao notar a expressão agora carrancuda do irmão.



- Conversar o que? Não temos o que conversar. – disse Fábio, mordaz.



- Temos sim, criatura egoísta. Vim te avisar que Molly está em perigo.



- O QUÊ!?



- Isso mesmo. Os comensais estão atrás dela.



- Mas por que? – perguntou Fábio atônito, andando de um lado para o outro.



- Ouvimos dizer que agora Voldemort quer destruir de qualquer forma as defesas que o Ministério tem criado para proteger os trouxas dos ataques dos comensais, para que não aja obstáculos para a tal “limpeza” que ele quer, e Arthur foi designado para o departamento novo, de Mau Uso dos Artefatos Trouxas...



- E Molly está correndo perigo por tabela. – Completou Fábio, levando uma mão à cabeça, entendendo a situação.



- Exatamente. E é unicamente por isso que eu vim aqui, pois nem meus informantes souberam dar mais detalhes. Eu preciso que você me diga o que sabe.



- Mas eu não sei de nada. E se soubesse, já teria tomado providencias. – tornou Fábio, parando de andar e fixando o olhar irritado sobre o irmão. Gideão encolheu os ombros.



- Mas eu pensei que você fosse o braço direito do Lord das Trevas. – disse Gideão.



- Pensou errado. O Lord não confia plenamente em ninguém, e em mim menos, pois eu não me curvo a tudo que ele diz. Mas ele precisa de mim, pois vive cercado de idiotas sangues-puros. Provavelmente isso esta a cargo de Malfoy.



- Aquele sonserino idiota? Realmente faz sentido. Ele sempre odiou o Arthur.



- É. E ele deve saber do meu parentesco com Molly, e vai usar isso como arma contra mim junto ao Lord. Mas ele vai se arrepender. Dessa vez ele foi muito longe com suas pretensões. – Ao pronunciar estas palavras, os olhos de Fábio brilharam por causa do ódio contido.



- Eu preciso que você me diga o que está acontecendo para que eu possa preparar a guarda de está com os dois. Como posso entrar em contato com você?



- Não pode. Mas eu darei um jeito. – disse Fábio, num tom de quem encerra a converça.



Percebendo a deixa, Gideão se levantou e acompanhou Fábio até a porta. Quando estava no limiar se virou e observou Fábio. Ele parecia ter sido surrado, suas roupas estavam cheias de remendos e estava pálido, como se não dormisse e comesse há algum tempo.



- Fábio, você está bem? – perguntou hesitante.

- Não é da sua conta – respondeu Fábio de forma grosseira, baixando a cabeça.



- Claro que é da minha conta. Eu sou seu irmão, apesar de você querer esquecer isso, e me preocupo com você. Queria que nós, Molly você e eu estivéssemos juntos novamente, como uma família.



Ao ouvir isso, Fábio ergueu a cabeça e fitou os olhos castanhos do irmão.



- É tarde para mudar.



- Mas nunca é tarde para se honrar uma promessa. Adeus Fábio. – Dizendo isso Gideão desaparatou, deixando Fábio olhando para o vazio, pedido em lembranças, lembranças antigas.



Muito antigas.




Nota do Autor: perdoem-me por mudar o capítulo, mas era mais do que necessário para dar ordem nessa bagunça que eu arrumei na minha fic. Peço desculpas e que comentem, para que eu possa melhorar

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