Capítulo 13



Harry sentou-se na varanda dos fundos e fitou a noite escura, sentindo-se mais solitário do que nunca. Tudo ao redor lhe servia de lembrete do que perdera. Hermione partira. Seu filho partira. Os quatro dias pareciam uma eternidade. O celeiro vermelho recém-pintado, as flores cor de violeta que ela plantara ao redor do alpendre… céus, até o aro¬ma de maçã no banheiro evocava o nome de Hermione. Com um suspiro, levou as mãos ao rosto e imaginou como sua vida en¬trara pelo ralo.
— Mentiras — murmurou para o degrau de madeira entre os joelhos. — Nada além de mentiras.
Hermione mentira na questão de maior importância na vida de um homem.
Com o ruído de passos na grama, ergueu o rosto e viu Pete se aproximando.
— Achei que estaria aqui sentado. A casa está bem vazia.
— Sim. Uma casa grande como essa é feita para uma família. — Pete recostou-se no poste da varanda. — Hermione arruinou tudo. — Era engraçado dizer aquilo a Pete, mas entre ambos sempre fora assim. Ele falava. Pete ouvia. — Você descobriu sobre o garoto, acho.
Harry surpreendeu-se.
— Há quanto tempo sabe disso?
— Não sabia direito. Apenas desconfiava. Conheço a minha Hermione Jane. Ela não sairia por aí, tendo filho com outro homem, sentindo o que sentia por você. Após algum tempo, tudo se en¬caixou. Então, quando vi você com o garoto… Raios, está na cara que James é seu filho.
— Por que não disse nada?
— Imaginei que Hermione tivesse seus motivos para guardar o segredo, e sabia que você teria um ataque quando descobrisse. Não posso dizer que o culpo, mas esperava que vocês dois se acertassem…
De repente, muitas coisas começaram a fazer sentido. A fa¬zenda decadente, precisando da ajuda de Harry. Pete queria que Hermione voltasse, mas era orgulhoso demais para pedir. Conhecia a história da filha com Harry, desconfiava da verdade sobre James e gostaria que os dois se acertassem.
— Sabia muito bem que Hermione não ficaria parada me vendo assumir a fazenda. Você armou tudo isso, não foi?
Pete sorriu.
— Mas parece que não deu certo, não é?
— Foi um desastre.
— Nada que não possa ser remediado.
— Ela mentiu para mim, Pete. Manteve o meu filho longe de mim.
— Não estou justificando o que ela fez, mas sempre há dois lados da história. Após você partir, não acha que ela ficou assustada?
— Eu teria voltado. Ela não sabia disso?
— Talvez tenha acreditado nos boatos de que você era como seu pai e que ela nunca o veria novamente.
— Eu não sou como meu pai!
— Eu sabia disso. Mas, quando aquela garota Sullivan che¬gou contando lorotas, você foi alvo dos comentários de novo.
— Nunca tive nada com Shannon. Eu juro.
— Ora, rapaz, eu sabia disso também. Acha que iria querê-lo como genro se não pensasse assim? O problema era que Hermione Jane acreditou. Lá estava ela, grávida de um filho seu, e você longe. A mãe falecera. E ela não queria me desapontar de jeito nenhum.
Harry lembrou-se do dia em que partira. Hermione chorava e ele se afastou, levantando poeira. Embora a amasse, era jovem e egoís¬ta, achando que o mundo… e a mulher… podiam parar e esperar por ele. Mas certas coisas não podiam esperar.
— Quero lhe dizer uma coisa, filho. A vida é curta, um vapor. Cada minuto que gasta se aborrecendo com as pessoas que ama é um minuto que lamentará quando estiver tudo bem.
A força das palavras do homem atingiu Harry como um touro bravio. Por seis anos, Hermione não tivera motivo para acreditar que ele a amava o bastante para se importar com o filho. Seis longos anos desperdiçados que eram tanto culpa dele quanto dela. Mesmo após voltar para a fazenda, ele não lhe dera nada além de um casamento de conveniência, ocultando aquela parte dele que poderia partir a qualquer momento.
Naquele instante, Harry compreendeu que queria ficar, mas só se Hermione estivesse a seu lado. Durante toda a vida adulta, ten¬tara não ser como seu pai. Quisera estar ali para os filhos, para lhes dar amor e a estabilidade que nunca tivera. Mas, naquele momento, seu filho… e a mulher que amava… estavam em Okla¬homa. E ele estava ali no Texas, remoendo-se enquanto a vida passava. E, desta vez, a separação era culpa sua.
Harry levantou-se e rezou para não ter jogado fora sua última chance de felicidade. Deu um abraço em Pete.
— Acha que ela vai me aceitar de volta?
— Um homem esperto iria lá descobrir.

Hermione não conseguia dormir. Toda vez que fechava os olhos, o rosto de Harry, expressando mágoa e incredulidade, surgia para assombrá-la. O orgulho era um frio conforto quando o coração e o corpo clamavam pelo amor de sua vida.
Cansada com os pensamentos que não a deixavam, inde¬pendente do quanto estivesse cansada, afastou o lençol. Toman¬do o cuidado de não acordar Marietta ou James, pegou um re¬frigerante e um pacote de salgadinho e foi para a calçada diante do apartamento. O concreto estava quente sob os pés descalços. Era tarde, mas mesmo na área residencial da cidade, não havia tranqüilidade. Carros passavam, havia música alta, risadas sa¬turavam o ar quente. Sirenes tocavam ao longe. Carretas imen¬sas passavam pela estrada interestadual ali próxima.
Suspirou, tomou um gole do refrigerante, sentindo falta da fazenda e dos entes amados mais do que nunca. Sentia tanta saudade que chegava a ser doloroso. Viver com aquele vazio no peito seria difícil.
— Desculpe-me, Potter — sussurrou para a noite. — Gos¬taria de ter sido honesta desde o começo. Gostaria…
Desejos. Por um momento, acreditou naquela magia.
Abraçou as pernas e olhou para o céu, querendo extrair al¬guma magia das estrelas. Decepcionada, percebeu que as luzes da cidade toldavam a visão da abóbada celeste.
Até as estrelas a abandonaram.
Um carro adentrou o estacionamento diante do complexo ha¬bitacional. Hermione encolheu-se, esperando os faróis se apagarem. Não se apagaram.
— O idiota não sabe que as pessoas estão tentando dormir? — Levantou-se com o pacote de salgadinhos e o refrigerante. Ao tocar na maçaneta da porta, percebeu que os faróis do au¬tomóvel se apagaram e se voltou para olhar. Um caubói com um andar muito familiar passou à calçada.
— Hermione?
Harry.
Atônita, ela não se mexia. O que ele fazia ali? Levara os papéis do divórcio para ela assinar? Pior, teria pedido a guarda do filho? Estremeceu, deixando o refrigerante e os salgadinhos no chão.
— Ainda está acordada. Está tudo bem?
— Tudo ótimo. — Que estupidez dizer aquilo, quando estava se sentindo a última das criaturas.
— Podemos conversar?
Ele a tocou no braço, e ela sentiu o velho desejo familiar. Estava a ponto de se ajoelhar e implorar, mas sabia que Harry não a perdoaria jamais. Esquivou-se.
— Dirigiu toda essa distância no meio da noite para conversar?
— É importante.
— Está bem. — Ela indicou o banco de concreto. — Sente-se.
Ele ignorou o convite, tirou um papel do bolso e o estendeu.
— Trouxe isto.
— O que é?
— A escritura da Star M.
— A escritura? Por quê? — Ela se lembrou do ultimato dele… a fazenda ou James. Encarou-o feroz como uma tigresa. — Você não pode ficar com James.
— Não. A escritura está assinada e registrada. Você só tem de levá-la ao cartório de imóveis de Bootlick e confirmar que você e James são os proprietários da Tilted T.
— O que aconteceu com a Star M?
— É sua. Chame-a como quiser. — Harry tirou o chapéu e sus¬pirou. — Aquela fazenda não significa nada para mim.
— Nada?
Hermione sentiu o coração se despedaçar. Se a fazenda não sig¬nificava nada… ela também não significava.
— Entendo.
— Acho que não. — Ele se aproximou e a tocou no queixo, fazendo-a encará-lo. — Sabe o quanto eu tinha medo de ser como meu pai, de não ser capaz de me estabelecer, de nunca ter um lar e uma família? Então, você e o nosso filho me fizeram acreditar que eu era capaz de assumir uma propriedade deca¬dente e salvá-la, motivaram-me a querer isso.
Hermione estava confusa.
— Não entendo. Você acaba de dizer que a fazenda não sig¬nifica nada…
— Não significa. Não desse jeito. Não agora. Fiquei arrasado ao saber sobre James. Só conseguia pensar nos anos que fiquei sem o amor do meu filho. Senti-me traído. Mas, quando a raiva passou, tive de reconhecer que era mais parecido com meu pai do que imaginava. Eu devia ter ouvido quando tentou me ex¬plicar por que guardou segredo. Devia ter entendido como você estava assustada e magoada. Falhei, não uma, mas duas vezes. Por isso, a fazenda não significa nada… porque você e James não estão lá.
Hermione sentiu um fio de esperança.
— Não, Harry. Fui eu que falhei ao acreditar que você era como Sam Potter. Não é verdade. Veja como assumiu a fazenda e ajudou o meu pai. E como passou a amar James mesmo sem saber que ele era seu filho. Seu pai nunca faria nada disso. Se não fosse tão egoísta, eu teria visto isso logo. Você é um bom homem e um pai maravilhoso. James sente muito a sua falta.
Harry achegou-se.
— E a mãe dele?
Hermione deixou de lado todo o falso orgulho.
— Errei ao deixar que meu medo os mantivesse separados. Cometi muitos erros, Harry, mas amá-lo e ser amada por você nunca foi um deles. Faria tudo novamente, só que, desta vez, seria mulher o bastante para não deixar que nada nos separasse.
Harry abraçou-a com força.
— Está falando a sério? Tentaria de novo? Você nos daria outra chance de sermos uma família?
— Sim. Oh, sim… — As lágrimas dela brotaram. — Se me perdoar… Nunca quis magoar você. Nunca mais mentirei. La¬mento tanto…
Harry abafou suas palavras com um beijo. Acariciou-lhe as cos¬tas, os braços, o rosto.
— Eu te amo, querida — sussurrou contra os cabelos loiros. — Sempre amei. Sempre amarei.
— Também te amo. — Hermione o abraçou na cintura, tonta de tanta euforia. — Oh, como desejei isto, Harry… Desejei de todo o coração ter mais uma chance de me redimir de toda a mágoa que lhe causei. Mas, esta noite, quando procurei nossa estrela, não a encontrei. E temi que nosso amor tivesse desaparecido com ela.
— Não, querida… — Harry sorriu ternamente, e Hermione sentiu o coração falhar uma batida. — Nossa estrela, como o nosso amor, está onde sempre esteve, só que escondida pelas nuvens. — Ele a abraçou e beijou com carinho extremo. — Vamos acordar nos¬so filhinho, Sra. Potter, e levá-lo para casa, que é seu lugar.
— Sim — concordou Hermione, a visão borrada por lágrimas de alegria. — Que é o nosso lugar.

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