Capítulo 12



Harry sabia que a viagem de volta para casa seria miserável, e por mais de um motivo. O ombro doía, mas o coração, mais ainda. Hermione instalou-se rígida no banco de passageiro, o filho entre ambos. Seu filho. Se não es¬tivesse tão atônito e magoado com as mentiras de Hermione, teria pulado de alegria.
— Não devíamos passar no hospital para ver esse ombro? — indagou Hermione.
Apesar da iluminação deficiente no estacionamento, era evi¬dente sua palidez. Não queria brigar. Só não queria conversar com ela, ainda. Não na frente do filho. A raiva que sentia era grande demais e temia fazer algo que viesse a lamentar.
Usando a mão esquerda, engatou a primeira marcha e saiu devagar do estacionamento. Hermione suspirou ante a fila de carros que deixavam o estádio.
Gentilmente, James pousou a mão no braço de Harry.
— Quer que eu esfregue para você? — ofereceu-se, o olhar cheio de compaixão.
Quantas vezes perdera aquele tipo de carinho porque Hermione optara por guardar segredo?
— Está tudo bem, amigão — tranqüilizou Harry. — O médico deu um jeito lá nos bastidores. Só está dolorido. — Deu uma piscadela para convencer. Não adiantava nada preocupar o garoto.
Mesmo assim, James se apertou contra o bíceps de Harry. Era o filho confortando o pai. Quantas vezes o menino precisara de seu conforto, sem que ele estivesse lá para lhe prover?
— Você venceu?
Harry riu. De algum modo, vencer não parecia mais tão impor¬tante quanto horas antes.
— Primeiro nessa rodada, segundo na média.
James se mexeu no banco, apesar do cinto de segurança, para poder lhe massagear o ombro com as duas mãos.
— E isso é bom?
— Não é um mau pagamento. — O suficiente para realizar os planos que ele e Hermione haviam feito, embora agora não esti¬vesse mais com vontade de fazer nada.
— Dá para comprar uma sela nova para mim?
— James! — ralhou Hermione, de seu canto na caminhonete. — Não peça para as pessoas lhe comprarem coisas.
Harry ficou tenso. Ele não era uma outra pessoa qualquer. Era o pai do menino. Mesmo agora, com a verdade descoberta, ela o mantinha afastado.
— Pode me pedir qualquer coisa, amigão — declarou, com dentes cerrados. — Qualquer coisa, a qualquer hora.
Percebeu que Hermione cruzara os braços. Que ficasse irritada. Ela mesma era a culpada e teria de viver com aquilo.
James olhou para a mãe. Como ela não protestou mais, con¬tinuou:
— Uma sela com a Star M ficaria legal no meu "panimillo".
Harry sorriu triste. James se esforçava para falar como caubói. Não teria de imitar, se seu pai sempre tivesse estado no seu lugar.
— Vou pensar nisso, James.
A criança suspirou, parecendo satisfeita com a resposta. Com as pernas curtas, suas botas ficavam à vista.
— Fiquei com medo quando você estava preso. Não me im¬portava se vencesse ou não, só não queria que você morresse…
Harry gostaria que o menino não tivesse visto. Fora uma cena impressionante para uma criança de cinco anos. Colocou o braço ao redor do ombro de James, apesar da dor.
— Fiquei com medo também — admitiu. Daria pelo menos sua honestidade ao menino. Era mais do que Hermione fizera.
— Ficou?
— Touros são animais perigosos. Qualquer homem que diga que não tem medo está mentindo.
— Mamãe também ficou com medo. Ela começou a chorar…
Harry desviou o olhar da estrada rapidamente para fitar Hermione. Ela parecia tão desamparada quanto um bezerro órfão. Lutou contra a vontade de lhe dizer que estava tudo bem, que enten¬dia. Porque não entendia.
— Você chorou? — indagou ao filho de rostinho devoto. — Vovô disse que meninos não choram.
— Seu avô é esperto em muitas coisas. — Pensando mais na criança do que na estrada, Harry desacelerou quando a via se afunilou. — Mas está errado nisso.
— Não vai achar que sou maricas se eu chorar quando me machucar ou algo assim?
— Chorar não o torna maricas, filho. — A palavra saiu na¬turalmente, como se sempre a tivesse usado. — Às vezes, me¬ninos precisam chorar. Talvez façam isso quando não há nin¬guém olhando, mas, se são espertos, desabafam e se sentem melhor.
— Você chorou quando o touro ficou pulando de um lado para o outro?
— Não. Nessa hora, não. Estava ocupado demais tentando me soltar.
— Mas doeu, não foi?
— Sim. — Ele olhou para Hermione. — Doeu muito.
Harry não podia contar à criança que muitas coisas doíam muito mais do que ficar preso a um touro bravo.
— Você já chorou?
— Algumas vezes. — Com certeza, tinha vontade de chorar naquele momento e, se não mudassem de assunto, acabaria em lágrimas mesmo. Ligou o rádio numa estação de música country e permitiu que as melodias tristes aliviassem sua dor.

Hermione permaneceu à porta do quarto, sentindo o nó no estô¬mago. Sofria com a mágoa e a dúvida de Harry. Durante todo o trajeto desde Fort Worth, ele não lhe dirigira a palavra. Parecia querer matar alguém. A forma como descalçara as botas, de¬vagar e meticulosamente, e largara o chapéu na cama era su¬gestiva. Estava arrasado… e furioso.
Ele tirou do bolso as moedas e o envelope com o cheque que recebera pela vitória, deixando tudo na cômoda. Hermione sentiu um aperto ainda maior no coração quando ele tirou uma pena azul do outro bolso e juntou-a ao envelope. James lhe dera a pena azul para dar sorte na prova.
Finalmente, ele suspirou, girou o ombro machucado e vol¬tou-se para encará-la. Convidou-a a entrar e fechou a porta do quarto. James já fora dormir, e a hora da verdade chegara.
— Quando ia me contar?
— Eu queria lhe contar. — Ela estendeu a mão, queria co¬nectar seus corações, para que ele sentisse seu arrependimento.
Harry fitou-a por um instante e então recuou, deixando a mão dela no vazio.
— Se queria tanto me contar, por que não o fez? Por que a farsa? Eu até lhe disse o quanto queria que James fosse meu filho, e mesmo assim você continuou com a mentira.
— Eu nunca menti.
— Cinco anos, Hermione. Sou pai há cinco anos e você nem se incomodou em me contar.
Ela sentiu as pernas fracas e sentou-se na cama. As lágrimas ameaçavam brotar.
— Eu estava com muito medo…
— De quê? De mim?
— Não. Sim. — Hermione não tinha medo de alguma violência da parte dele, mas temia o que ele podia fazer com seu coração. — Você precisa compreender, Harry. Você tinha me deixado. Todos diziam que estava com Shannon Sullivan…
— E você acreditou. Achou que eu era cópia do meu pai.
— Você tinha me deixado. Achei que não me queria mais.
Harry caminhou até a janela e apoiou-se na esquadria.
— Eu telefonei. Por que não me contou?
— Porque pensei que eram telefonemas de culpa. Telefone¬mas para se assegurar de que eu estava bem, para não se sentir responsável por despedaçar meu coração.
— Isso é bobagem e você sabe disso.
— Não sabia na época. Só sabia que você tinha me abando¬nado. Tinha perdido minha mãe seis meses antes, estava grá¬vida, confusa e assustada. — Ela se levantou e se aproximou dele. — Temia que meu pai morresse de desgosto, se soubesse do meu erro.
— Você nunca deu crédito suficiente a seu pai. O que acha que ele faria? Que a deserdaria?
— Conhece o orgulho de meu pai. Ele não conseguiria andar de cabeça erguida pelo condado com as pessoas comentando sobre sua filha. Ele me colocava num pedestal e queria que todos acreditassem nisso também. Não podia magoá-lo assim.
— Muitas moças têm bebês sem marido.
— Não as da família Granger.
Harry suspirou cansado.
— Você e esse orgulho Granger insuportável. Não estava com medo de decepcionar seu pai. Estava preocupada consigo mes¬ma, em manter a imagem de perfeição que Pete tinha de você. A rainha do rodeio, a primeira aluna da classe, a garota que nunca causava desgosto aos pais. Tenho uma notícia para você, Hermione. Esse orgulho custou-lhe mais do que lhe deu em troca.
Hermione sentiu um aperto no coração. Harry estaria certo? Seria tão egoísta?
— Pense nisso, Hermione. Se tivesse me contado a verdade desde o começo, eu teria voltado correndo para casa. Para você e para meu filho… e você nunca teria passado por Josh Riddley. Esta fazenda nunca cairia em decadência porque Pete estava depri¬mido demais para se importar. E… você não perderia o seu segundo marido.
Hermione sentiu o chão se abrir.
— Harry, por favor… — Se fosse preciso, imploraria. Estendeu a mão.
Harry recuou.
— Confiança é tudo, Hermione. Sem isso, um casamento é uma casca vazia. Tudo o que temos foi construído sobre mentiras. E não quero isso. Não posso viver desse jeito.
— James é a única coisa que escondi de você, Harry. Tudo o mais é verdadeiro e real.
— Como posso saber o que é verdade e o que não é?
— Eu te amo. Com certeza, acredita nisso.
— Ama? Ama tanto que me deixou abrir processo de adoção do meu próprio filho? Essa não é minha idéia de amor.
— Podemos superar isso. Por favor, Harry. Eu nunca quis que isso acontecesse…
— Nem eu, mas você tomou a decisão sem mim. O que quer agora? A fazenda? Ou James?
Hermione cambaleou, atônita com o ultimato. Harry a queria longe, não importava o preço. Ele a odiava, e ela só podia culpar a si mesma.
— Você sabe a resposta. James e eu partiremos pela manhã.
Harry sentiu uma dor imensa no coração.
— Céus, isso dói. Amo meu filho, preciso ser o pai dele. E ele precisa de mim.
Hermione sentiu a esperança rebrotar.
— Nunca mais esconderei nada de você, eu juro.
— Gostaria de acreditar nisso. — Ele a fitou intensamente. — Gostaria de acreditar, mas não posso.
Estava acabado. Ela matara qualquer esperança de amor entre os dois. Controlou a histeria que ameaçava dominá-la. Não, partiria com o orgulho intacto. Passou a mão no rosto coberto de lágrimas e vestiu o orgulho como uma capa protetora. Com toda a força que conseguiu reunir, ainda ofereceu um galho de oliva.
— Você e James merecem se conhecer. Eu o trarei para visi¬tá-lo sempre que puder.
— Certo.
Com um sorriso amargo, Harry Potter girou a maçaneta e saiu da vida de Hermione pela segunda vez. E para sempre.

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