Capítulo 11
Uma multidão próxima à capacidade máxima reunia-se em torno do Cowboy Coliseum em Fort Worth, comprando camisetas com logotipos relacionados aos rodeios, salgadinhos e pretzels gigantes. Várias moças usan¬do calça jeans vermelha agarrada e blusa decotada distribuíam os programas no saguão. Hermione comprou um, o segundo em vinte e quatro horas. James, muito excitado, derramara refrigerante sobre o outro na noite anterior, quando Harry participara das eli¬minatórias da prova de montaria em touros.
— Posso comprar algodão-doce, mamãe? — indagou James, de baixo do chapéu de caubói.
— Mas então você vai querer refrigerante. — Ela prendeu o programa debaixo do braço e sorriu perspicaz para Harry, que os acompanhava. — E depois do refrigerante vai querer ir ao banheiro novamente.
— Ah, Hermione, o que é um rodeio sem algodão-doce e refrige¬rante? — Harry parou diante de uma das inúmeras barraquinhas, comprou a guloseima e a entregou a James com algumas moedas.
— Obrigado, Harry. — James olhou para a mãe, solene. — Pro¬meto que não vou ao banheiro durante a prova de montaria em touros. Está bem?
— Vocês dois… — Meneando a cabeça, Hermione ergueu as mãos, rendendo-se. — Não tenho chance, tenho?
— Não. — Harry piscou para o garotinho sorridente.
— Não — imitou James, esforçando-se para acompanhar o passo de Harry. Acrescentava um gingado presunçoso, imitando o andar de seu herói. — Vai montar naquele touro esta noite, Harry?
— Vou tentar, amigão.
— Você é o melhor peão de montaria em touros, não "era"?
— Não é? — corrigiu Hermione, atenta à conversa. Harry era um pai maravilhoso. Tomara James sob seus cuidados como se sem¬pre tivessem estado juntos, e o menino respondia com amor. Hermione sentia-se culpada por ter permitido que seu medo e inse¬gurança os mantivessem afastados por tanto tempo.
Vestido para a apresentação, Harry Potter estava esplêndido, e muitas mulheres se voltaram para vê-lo caminhar no saguão a caminho dos bastidores. De preto e prata, ele brilhava como uma estrela no céu. Harry usava a fivela de campeão e um número nas costas, confirmando que era competidor. Mas Hermione se emo¬cionava mesmo era com a perneira de couro. O logotipo da Star M sob cada joelho era como uma declaração de amor toda vez que montava num touro. Ela rezava para que ele nunca se arrependesse daquela devoção.
— O intervalo já vai acabar. — Harry deteve-se na rampa e indicou com o queixo. — É melhor vocês dois voltarem a seus lugares.
Harry estava tão relaxado e confiante quanto Hermione jamais vira. Ele rira e brincara o dia todo, revivendo a boa prova da noite anterior e prometendo um jantar caprichado após a vitória na¬quela noite. Não parecia temer o que poderia acontecer na arena.
— Quanto tempo falta para a sua vez, Harry? — James aboca¬nhou uma porção do algodão-doce azul. Um fiapo grudou no nariz. Ele o removeu e levou à boca.
— Não falta muito agora. — Harry ajeitou o chapéu de James e deu-lhe um tapinha nas costas. — Vibre e agite o chapéu. Vou olhar para você logo depois da prova.
Hermione sentiu uma onda de adrenalina invadir-lhe o corpo. Controlara o nervosismo durante a semana toda. Embora as eliminatórias tivessem transcorrido sem problemas, não conse¬guia se livrar da impressão de que algo aconteceria.
— Harry… — começou, ainda tentando controlar o tremor. Cau¬bóis eram muito supersticiosos. Não queria perturbá-lo, mas ele tinha de saber que ela o amava antes de entrar na arena. Engoliu em seco e forçou-se a sorrir. — Boa sorte lá. — Tocou-o no rosto. — Eu te amo.
Ele reagiu atônito.
— Ama?
— Mais do que jamais saberá.
Harry arrebatou-a e beijou com ardor.
— Então, pare de se preocupar, mulher. Vai dar tudo certo. — Ele esfregou o nariz no dela e riu. — Oito segundos para a grana!
Oito segundos. No filme Oito Segundos, o caubói morria.
Hermione aninhou o rosto no pescoço dele e sorveu o aroma que era só seu. A esposa de um peão de rodeios tinha de ser forte.
— Acabe com eles, caubói — sussurrou. Temerosa, observou-¬o subir a rampa que levava aos bastidores antes de tomar a mão de James e seguir para as arquibancadas.
Ela o amava! Harry sentia uma alegria profunda no peito. Logo, todos saberiam que ele era homem o bastante para se estabe¬lecer. Ele e Hermione fariam aquele casamento dar certo. Tinha certeza disso, assim como tinha certeza de que sairia vitorioso naquela noite.
Caminhando confiante rumo aos bastidores, lembrou-se da declaração dela e então sentiu que chutara algo. Olhou para o chão. Um copo de papel rolava pelo piso, e bateu na parede. Um pouco de sua confiança se esvaiu. Um copo de papel… Por que tivera de chutar um copo de papel? Não que fosse supers¬ticioso, mas, para um caubói, chutar um copo de papel antes de uma prova era pior do que ver um gato preto cruzando seu caminho. Mau presságio.
Teve vontade de procurar Hermione para um último beijo de sor¬te. Olhou para a rampa e viu que ainda tinha muito tempo. Fitou o copo de papel novamente e deu meia-volta, disposto a encontrar Hermione e dizer que estava tudo bem.
Enquanto procuravam seus lugares na arquibancada, Hermione sorriu para James, que a acompanhava feliz. A tagarelice do filho ajudava-a a parar de pensar na prova de Harry.
— Mamãe, preciso ir ao banheiro.
— James! Você prometeu esperar até a prova acabar.
Ele saltitou, derrubando o gelo do copo vazio.
— Não dá para esperar. Preciso ir.
Suspirando, Hermione pegou o copo, jogou-o no cesto de lixo e levou James ao toalete mais próximo. Esperava fora, segurando os restos de algodão-doce e a programação da noite quando um homem saiu do toalete.
Seu pior pesadelo virara realidade. Josh Riddley a viu ime¬diatamente e foi em sua direção.
— Ora, vejam quem encontrei!
Pelo bafo, ela sabia que ele bebera. Se James não estivesse no toalete, teria disparado como um cavalo de corrida. Em vez disso, cerrou os dentes e encarou o ex-marido.
— Deixe-me em paz, Josh.
— Eu disse que a pegaria mais cedo ou mais tarde. — Ele a agarrou. — Por que não vem ao trailer comigo?
Hermione estremeceu e desvencilhou-se, desejando que James se apressasse.
— Não banque a arrogante comigo. — Josh pressionou-a contra o bebedouro, insinuando-se.
— Solte-me antes que eu comece a gritar e cada caubói por aqui caia em cima de você!
— Sempre arredia, não? Mas eu sei como aplacar esse orgu¬lho… — Josh forçou um beijo.
Hermione encolheu-se e lutou contra ele. Não suportaria se James visse a cena. Ele ficaria muito assustado. Temia vomitar quando Josh a soltou de repente e se viu arremessado contra a parede.
— O que pensa que está fazendo com minha esposa?
Ao contornar a entrada e ver Hermione sendo assediada por um caubói atrevido, Harry perdera a cabeça. Agarrara o estranho pelo colarinho e lhe aplicara um bom soco no nariz.
— Sua esposa?! — O bêbado arregalou os olhos, incrédulo, e riu. — Raios, camarada… não é mesmo uma coincidência? Ela é minha esposa também.
Harry olhou para Hermione. Ela estava trêmula. Aquele canalha devia ser o ex-marido.
— Então, você é Riddley — concluiu, desgostoso. O que Hermione vira naquele camarada?
— Isso mesmo. Que tal? — provocou Josh, com fala arrastada de bêbado.
— Gosta de bater em mulheres. Vamos ver se é tão valente com um homem.
Hermione adiantou-se.
— Harry, não. Ele não vale isso. Vamos, por favor. — Puxou-lhe o braço. — Entre no toalete e veja o que aconteceu com James. Ele está demorando muito.
Harry lançou-lhe um olhar, mas não se mexeu.
— Ele lhe deve desculpas e, a menos que peça, vou deixá-lo banguela.
— É ela quem me deve desculpas — rebateu Josh, desven¬cilhando-se um pouco. — Poucos homens assumiriam o filho de outro, como eu.
Harry congelou, o coração pareceu estacar.
— Do que está falando?
— O garoto. James. Ela não queria que ninguém soubesse que tinha um bastardinho, por isso, eu o assumi. Deixei que todo o mundo pensasse que ele era meu.
Na arena, a platéia bradou, mas Harry ouviu um som ainda mais alto nos ouvidos.
— Ele não é seu filho?
— Foi o que ela lhe contou? — Riddley riu, saboreando a dor alheia. — Bem, aí vai uma notícia para você, camarada. Não sei quem aprontou com ela, mas não fui eu.
Devagar, Harry deixou pender as mãos, chocado com a revelação. James era filho de outro? Mas de quem? Não se passara muito tempo entre sua partida e o casamento dela com Riddley…
Harry sentiu um arrepio de medo. Recordou os traços de James, seus olhos castanho-escuros. Como os seus.
— Oh, céus… — A percepção foi como um soco. Como não percebera antes? Os olhos, o andar, a inclinação da cabeça. Já vira aquilo tudo no próprio espelho. James era seu filho, não de Riddley. James era sua carne e sangue, e Hermione os mantivera afastados.
Harry tentou se controlar, mas a dor e a fúria eram grandes demais. Precisava agredir alguém… e Riddley estava à mão. Josh chamara James de bastardo. Bastava para ser morto. Es¬perou dois segundos, estreitou o olhar… e fez algo estúpido. Riddley desabou como um prédio implodido.
James saiu do toalete naquele instante.
— Mamãe, derrubei uma moeda no vaso…
Hermione rapidamente protegeu a criança para que não visse a cena lamentável. As pessoas juntaram-se para assistir à briga, expressando espanto.
Um caubói magro e alto aproximou-se e segurou Harry.
— Ei, Potter, você é o próximo! — Olhou para Harry e para o homem no chão. — O que está acontecendo aqui?
Harry desvencilhou-se.
— Estarei lá num minuto, Jeb.
— Esse maluco quebrou o meu queixo — reclamava Riddley, com o lábio sangrando.
— Conheço este camarada há muito tempo, senhor, e nunca o vi zangado — afirmou Jeb, cerrando os punhos. — Se o pro¬vocou, é melhor se retirar antes que todos nós entremos na briga.
Riddley levantou-se e dirigiu-se à saída, mas Harry não lhe deu atenção. Estava concentrado em Hermione. Ela estava pálida. Ele tentou ver a situação sob a perspectiva dela, mas não conseguiu.
— Mais tarde — avisou ele, e apontou-lhe um dedo. — Você tem muitas explicações a dar.
Voltando-se, Harry afastou-se e foi para a rampa.
James era seu filho! E, por causa de Hermione, perdera cinco anos da vida do menino. Ela o forçara a fazer algo que jurara jamais fazer… abandonar o próprio filho, como seu pai o abandonara. Como ela podia ter feito isso com ele? Fora sua forma de puni-lo? E por que não lhe contara a verdade após o casamento? Sabendo como ele era louco por James… Céus, ela tivera muitas oportu¬nidades para contar. Ele até admitira que desejava que o garoto fosse realmente seu. Mesmo assim, ela mantivera o segredo.
Um touro da raça Brahma vermelho com chifres de quarenta e cinco centímetros dava trabalho aos peões da organização. Harry esperou que o animal se acalmasse um pouco na baia, ajeitou-se no lombo e encaixou a fita de couro na mão, apertando-a com firmeza.
— Na baia sete, um excelente peão do Texas que não vemos há algum tempo! — anunciou o mestre-de-cerimônias pelo alto-falante. — Harry Potter! Ele fez uma boa apresentação ontem à noite, marcando oitenta e dois. Esta noite, vai montar Rowdy, um touro que só foi utilizado uma vez este ano…
Os comentários continuaram, mas Harry manteve-se alheio, con¬centrado. Precisava se concentrar somente no desafio, para não morrer, mas só pensava na decepção que sofrera.
— Quando estiver pronto, caubói! — avisou alguém a seu lado.
Cego de concentração, com o coração disparado por inúmeros motivos, Harry pressionou as coxas ao redor do animal, assentiu, e o portão se abriu.
Hermione agarrou-se ao banco na arquibancada e rezou como nunca fizera antes. Um touro furioso saltou da baia sete, gi¬rando, pulando numa dança terrível.
Ela sentia a culpa e o medo se assomando. Se algo aconte¬cesse a Harry durante aquela prova, seria a responsável.
Harry permanecia na posição, pressionando o animal com as coxas. Poucos caubóis resistiam quando o animal mudava de direção. Harry cambaleou para o lado, quase caindo sob as patas do animal enfurecido.
Usando a mão livre, equilibrou-se e voltou a se aprumar. Como se perdesse o juízo, enterrou as esporas nas laterais do touro. O animal respondeu com outra virada abrupta. Desta vez, Harry manteve o equilíbrio, o corpo balançando ao ritmo do oponente.
A campainha tocou e a multidão bradou, satisfeita.
— Uma prova fenomenal de Harry Potter! — anunciou o mes¬tre-de-cerimônias.
Hermione fechou os olhos e estremeceu com o excesso de adrenalina. Harry estava bem.
— Mamãe, Harry não consegue sair!
Ela se levantou, tentando manter a sanidade. Harry estava pre¬so, o pior que podia acontecer com um caubói. Normalmente, quando o caubói desmontava, a fita que o prendia ao animal se soltava. Desta vez, porém, o arreio se enroscara na mão de Harry, enquanto o resto de seu corpo pendia na lateral do animal.
O touro continuava pulando, tentando acertar o apêndice com os chifres. Harry pendia como uma boneca de pano, à mercê do animal, enquanto os palhaços entravam em ação. Se ele se soltasse, poderia acabar debaixo das patas do animal!
Hermione quis descer e brigar com o animal com as próprias mãos, mas deteve-se ao ouvir James.
— Mamãe, Harry vai se machucar… Ele vai se machucar!
Hermione tinha de manter o controle, por James. Pegou o filho no colo enquanto assistia ao drama que acontecia na arena.
Um palhaço distraía o animal bravamente enquanto outro tentava soltar a fita que prendia Harry.
Finalmente, a fita cedeu e Harry foi atirado ao chão… e lá per¬maneceu imóvel. Os peões da organização conseguiram tirar o touro de cena.
— Por que ele não se levanta, mamãe? — James estava tão assustado quanto ela.
— Ele vai se levantar. Ele vai. — Hermione fez uma prece men¬talmente.
Os peões se aproximaram. Harry se mexeu e tentou se levantar. Dois peões o puxaram pelos braços e o colocaram de pé. Ele parecia confuso, com sangue escorrendo da boca e do nariz. Alguém lhe passou o chapéu enquanto a pontuação era anun¬ciada pelos alto-falantes.
— Aí está o vencedor, senhoras e senhores! Oitenta e oito pontos para uma bela prova de um peão durão, Harry Potter!
Harry livrou-se daqueles que o ajudavam. Com o ombro torto, ergueu o chapéu e acenou para a multidão em delírio. Devagar, voltou-se para o ponto em que se encontravam James e Hermione. Fitou a mulher por uma eternidade antes de contemplar o filho. Então, colocou o chapéu na cabeça e deixou a arena.
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