Capítulo 10
— Está ocupada?
Hermione prendeu a respiração e voltou¬-se com a escova de cabelos na mão.
— Harry… Não ouvi você entrar.
Ele acabara de tomar banho, tinha os cabelos úmidos e bri¬lhantes. Mesmo após um longo dia de trabalho na fazenda cheia de problemas, ele ainda conseguia parecer irresistível.
Hermione sentiu o rosto queimar. Evitava-o desde o fiasco no dia anterior, e ali estava ele, em seu quarto. Não sabia o que dizer, como explicar seu estranho comportamento. Num minuto, es¬tava entregue a ele, praticamente implorando seu amor… no minuto seguinte, torturava-se com a percepção de que ele nunca a traíra. Ela o traíra. Se ele descobrisse, quem sabia o que poderia fazer? Talvez tomasse a fazenda da família e, com o processo de adoção em andamento, talvez até seu filho. Sem dúvida, ficaria arrasado, e o desejo e a ternura que em seus olhos castanhos se transformariam em ódio.
Harry fitou a cama pronta para dormir, a camisola preparada sobre a colcha.
— Está cansada?
Só de olhar a camisola, começou a imaginar cenas eróticas. Hermione controlou a culpa e o nervosismo e forçou-se a responder.
— Na verdade, não. — Virou-se e pegou uma presilha verde. Trêmula, deixou a peça cair e decidiu manter os cabelos soltos.
— James vai ficar com meu pai esta noite, por isso nem fiz o jantar. Mas, se estiver com fome, posso preparar algo.
— Tenho uma surpresa. — Ele estendeu a mão. — Venha ver.
— Acho que não é uma boa idéia.
— Ah, vamos, Hermione. Não podemos apreciar a companhia um do outro? Ver até onde isso nos leva? Não vou forçar nada. Prometo.
Ela desviou o olhar quando ele, sem querer, acentuou sua culpa.
— Conheço todos os seus truques, Potter.
Ele ergueu-lhe o queixo com um dedo, o olhar malicioso. — Talvez eu tenha aprendido alguns novos. Apesar de tudo, ela sorriu.
— Não tenho dúvida.
— Então, vamos. Arrisque-se. Veja o que estou tramando. — Ele sorriu, provocante e sério ao mesmo tempo. — Que mal pode haver?
Que mal podia haver? A situação não podia piorar ainda mais.
— É… você está misterioso esta noite. — Hermione calçou san¬dálias e acompanhou-o até o celeiro. Dois cavalos selados os aguardavam. — Vamos a algum lugar?
— Vamos.
— Mas não vai me contar para onde?
— Não. — Ele ofereceu um lenço vermelho. — Quero que use isto.
— Um lenço?
— Uma venda para os olhos.
Hermione sentiu um arrepio de prazer e afastou-se.
— Quer vendar meus olhos? Está sonhando de novo, Potter.
— Assustada?
— Não!
— Então…
— Talvez. O que está tramando? — A idéia de cavalgar vendada com Harry era excitante e assustadora ao mesmo tempo.
Ele estendeu o lenço.
— Só há um meio de descobrir.
Hermione sabia que seria uma imprudência, dado o terrível se¬gredo entre eles, mas não resistiu à tentação de ver aonde aqui¬lo os levaria. Sentiu cada nervo vibrar quando ele a fez se voltar para que lhe vendasse os olhos. Erguendo a cabeleira, beijou-lhe a nuca e riu quando ela estremeceu e encolheu-se. Harry a instalou na sela com facilidade.
Ela ajeitou o vestido, deixando as pernas mais expostas do que deveria. Sobressaltou-se quando ele passou a mão, da coxa até o tornozelo. O toque a manteve aquecida por muito tempo.
Com tranqüilidade, Cochise e Taffy transportaram seus condutores através do riacho largo. Após outro dia quente, o ambiente refrescara um pouco à noite. Grilos e sapos entoavam seu coral. Nas matas, um pássaro gorjeou e, ao longe, um coiote chamou sua parceira.
Desprovida da visão, Hermione sorvia os aromas e ouvia os sons da noite de verão com mais intensidade.
— Há uma floração aqui — comentou Harry, a voz rouca arrepiando-a.
— Madressilvas. Cheiram bem. — Sua própria voz soava rouca.
As batidas suaves e ritmadas dos cascos no capim, a respiração abafada dos eqüinos, o rangido dos arreios de couro… Harry não a tocara novamente, mas ela o sentia ali a seu lado. A eletricidade entre eles era tangível.
Bem antes de chegarem ao destino, Hermione sentiu o cheiro da água, sentiu o frescor na pele. Os cavalos pararam, Harry a pousou no solo e abraçou-a ainda com a venda nos olhos. Tomou-lhe o rosto e a fez ficar de frente para ele. Embora a razão clamasse para que acabassem com aquela bobagem, o coração não obedecia. Harry beijou-a com extrema ternura, e Hermione quis esquecer toda a dor entre eles e entregar-se à emoção.
Ela sentiu o coração estacar quando ele a tomou nos braços.
— Harry?
— Shh… — Ele respirava junto a seu rosto.
Ela levou os braços ao pescoço dele e ouviu o som da água, o coaxar dos sapos, pisando o terreno irregular.
Harry a soltou, e ela esperou mais uma vez. Era loucura. Era irracional, mas nunca sentira nada tão excitante.
Ele levou as mãos ao nó da venda e sussurrou em seu ouvido:
— Pronta?
Ela estremeceu de prazer e assentiu.
— Mas fique de olhos fechados.
Com o coração disparado e um aperto no estômago de tanta ansiedade, ela obedeceu, curiosa demais para fazer qualquer outra coisa. O que aquele caubói maluco estava aprontando?
Ele retirou a venda e se afastou. Hermione prestava atenção aos sons, curiosa, excitada.
Ouviu-se um rangido, e então ela sentiu um leve cheiro de fumaça, que desapareceu rapidamente. Um toque de rosas pai¬rava no ar.
— Não se assuste e não olhe — instruiu Harry, o tom misterioso e sedutor.
Houve um leve estouro, e Hermione sentiu-se grata pelo alerta. Seguiu-se um som fluido, um farfalhar e então… silêncio.
— Muito bem — murmurou ele, de algum lugar diante dela. — Abra os olhos.
Hermione sentiu o coração disparar com a visão. Não sabia o que esperar, um potrinho novo talvez, mas com certeza não aquilo. Ele a levara à clareira junto às margens do riacho, onde as árvores formavam um semicírculo, isolando o local do resto do mundo. Uma colcha de retalhos, coberta de pétalas de rosas, estendia-se sobre o campo de trevos, com um balde de prata com champanhe no centro. Ao lado, um cesto de piquenique com dois pratos de cristal sobre a tampa. Havia ainda dois candelabros altos com velas brancas.
Harry ajoelhou-se diante dos candelabros com uma tulipa de champanhe em cada mão, extremamente sexy. Os cabelos pre¬tos e úmidos refletiam a luz das velas. Os olhos castanhos bri¬lhavam maliciosos. A camisa estava totalmente aberta, expondo o abdome musculoso e o tórax forte que Hermione adorava. Ele er¬gueu levemente o sobrolho e estendeu-lhe uma taça.
— Junte-se a mim, Sra. Potter.
Sra. Potter. Ele nunca a chamara daquele jeito, e ela sen¬tiu um arrepio ao som. O que ele estava fazendo? O que signi¬ficava aquilo tudo?
Trêmula, emocionada, aproximou-se e ajoelhou-se sobre as pétalas de rosa diante dele. A doce fragrância se soltou, envol¬vendo-os com sua perfeição. Hermione aceitou a taça e sorveu um gole enquanto observava o marido por sobre a borda do cristal.
— Gostou? — Ele parecia ansioso.
— Por quê? Não entendo.
— Porque eu quero. Para me redimir de toda a dor.
Então, era isso. Ele se achava em falta para com ela. Ainda se sentiria assim, se ela lhe contasse tudo? Um pouco da exci¬tação se esvaiu.
— Quero esquecer o passado, Potter.
— Consegue?
— Sim — mentiu ela. Era quase verdade. Podia se esquecer de Josh, da violência sofrida. Podia até se esquecer de como Harry a magoara quando partira. Mas nunca poderia se esquecer do segredo que havia entre eles.
— Abra.
Ele lhe ofereceu um morango coberto de chocolate.
— Não. — Ela meneou a cabeça, mas Harry não desistiria. Se¬gurou a fruta doce contra os lábios até ela ceder.
Hermione estava sozinha havia tanto tempo… A cada dia, encon¬trava em Harry algo mais para amar. Ousaria levar adiante os sentimentos únicos que havia entre eles?
— Não trouxe frango à passarinho? — indagou, olhando a cesta.
— Não. Só coisas sexies… Morangos, vinho. — Ele ergueu o sobrolho e revirou o cesto. — Tem até chantilly aqui.
Hermione arrebatou a lata da mão dele.
— Isso pode ser perigoso.
Ele sorriu e linhas de expressão surgiram ao redor dos lábios.
— Tenho algumas idéias.
Ela sempre se espantava com o lado brincalhão de Harry.
— Aposto que tem.
— Quer tentar? — Ele inclinou-se na direção dela, as pala¬vras suaves, o olhar cheio de esperança e saudade.
A pergunta pairou na noite de verão, em tom de brincadeira e, ao mesmo tempo, séria. Hermione engoliu em seco.
— Não é uma boa idéia.
— Está com medo?
— Aterrorizada.
Ante a admissão, Harry abraçou-a e beijou-a. Não um beijo sel¬vagem e passional, mas terno e intenso.
— Não estou tentando fazer nenhuma declaração aqui, que¬rida. Não consegue ouvir o meu coração? — Ele levou a mão dela ao peito. — Estou morrendo por dentro por causa do que o seu marido lhe fez. Deixe-me mostrar como um homem de verdade ama.
Amor. A palavra pegou-a de surpresa. Tentou pensar, recor¬dar todos os motivos para não estar ali com Harry Potter. Mas nada lhe ocorreu. De algum modo, seu cérebro se fechou e o coração tomou conta de tudo.
Bem mais tarde, após um banho no riacho e com o sabor do chantilly ainda nos lábios e corpos, Harry e Hermione permaneciam abraçados sobre a colcha. Durante o ato do amor, Harry fora tudo de que ela se lembrava. Divertido, passional e incrivelmente carinhoso. Tão carinhoso que ela chorara de alegria.
Harry se mexeu e aninhou-se junto ao ombro delicado, a fala arrastada e o tom satisfeito.
— Está dormindo?
Ela acariciou-lhe o braço, sentindo a pele morena.
— É você que sempre dorme.
Sem dizer nada Harry passou a língua no pescoço delicado, ex¬citando-a.
— Então, por que está acordado?
— Por que quero estar consciente quando finalmente a tiver onde quero.
— Já não estou? — Ela sentiu uma onda de felicidade extrema.
— Onde devia ter estado sempre. Aqui, comigo, como minha mulher.
— Então, estava falando sério?
— Sobre o quê?
— Que nunca parou de pensar em mim.
— Não, eu só disse aquilo para levar você para a cama.
— Harry! — Hermione desvencilhou-se e sentou-se. O luar iluminou seu corpo nu.
Harry puxou-a de volta, sério.
— Eu estava falando muito a sério. Quero que sejamos uma família. Eu, você e James. Uma família de verdade. — Apontou para o céu ao norte. — Está vendo aquela estrela ali?
— A estrela Polar. — Hermione estremeceu quando ele lhe aca¬riciou a pele macia.
— A nossa estrela, lembra-se? — As palavras reverberavam no tórax de Harry.
— Fizemos um milhão de desejos para aquela estrela.
Harry mudou de posição, e voltou a cabeça para fitá-la.
— Sabia que batizei a fazenda de Star M por causa dessas lembranças?
Hermione surpreendeu-se.
— Pensei…
Harry abraçou-a.
— Pensou que eu era o caubói mais presunçoso que já ganhou uma fivela de ouro.
— É, acho que sim.
— Você tinha o direito. — Ele suspirou, um som triste, es¬tranho. — Gostaria de nunca ter deixado você. Ou de que ti¬vesse vindo comigo. Durante toda a vida, lutei para não ser como meu pai, mas abandonei você, exatamente como ele fez conosco.
— Não éramos casados. Seu pai era. Isso faz muita diferença.
Ele lhe tomou o rosto, ao que se ergueram os cabelos úmidos dela que cascateavam sobre seu tórax.
— Se fôssemos, aquele psicopata não a teria machucado e James seria meu filho, não de Josh Riddley. Se é consolo para você, digo que sofri muito por isso. Saber que você teve um filho de outro homem me arrasou.
As emoções ricocheteavam dentro dela. Cometia mais um erro não contando a Harry sobre seu próprio filho.
Conte-lhe, gritou uma voz interior. Conte-lhe agora. Mas o medo era maior, e manteve o silêncio. Começavam a encontrar o caminho de volta um para o outro, e temia perder Harry nova¬mente. Ele acreditava que James era filho de Josh. Se descobris¬se a verdade, a veria como algo bem pior que mentirosa… ele a veria como a mulher que o manteve afastado de seu próprio filho. E ela sabia como era difícil recuperar a confiança.
— Josh Riddley está fora da minha vida para sempre. Vamos deixar assim.
— Ele me preocupa, Hermione. Algo me diz que, mais cedo ou mais tarde, Riddley vai causar confusão. — Harry passou o dedo por seu rosto delicado.
Ele não podia estar tão preocupado quanto ela.
— Os papéis da adoção já foram assinados e homologados — observou Hermione, sentindo um aperto no estômago. — James será seu filho e herdeiro legal. Josh não pode fazer nada a respeito.
— Sei como me sentiria se tivesse um filho e a mãe tentasse me manter longe dele.
Hermione sentiu o coração disparar.
— Como? Como se sentiria?
— Enganado. Furioso. Um homem tem tanto direito a sua carne e sangue quanto a mulher.
Era exatamente o que ela temia. Mesmo o doce sedativo do amor não aplacava a verdade. Harry a odiaria se descobrisse que James era seu filho de verdade. Ela os mantivera separados por cinco anos.
A verdade pairava no ar como os resquícios da fumaça das velas, aguardando para ser revelada. Hermione sentia o peso do logro. Harry precisava saber. Merecia saber. Mas ela temia demais o risco de perdê-lo, se admitisse a verdade.
— Ele é um ótimo garoto. — Quando ele se soergueu sobre ela, com a lua e as estrelas servindo de fundo, o perfume das rosas desprendeu-se com o movimento. — Gostaria de ensinar a ele sobre os rodeios.
Hermione não achava ser possível amar Harry Potter mais do que ela já amava.
— Se ele quiser participar de rodeios, deve aprender com o melhor.
— Obrigado. — Harry a beijou sorridente. — Há mais uma coisa que quero pedir.
— Sobre James? — Ela sentiu o pulso se acelerar. Sempre seria daquele jeito? Sempre teria medo quando falassem do filho?
— Não, não sobre James. Sobre os rodeios.
— Sim?
— Quero participar da prova em Fort Worth no final do mês.
Hermione sentiu um pânico desproporcional para a situação.
— Não. De jeito nenhum.
— O prêmio é incrível, Hermione. O bastante para comprar aquele touro de que precisamos e ainda ficarmos com troco.
— Mas e se algo acontecer? — Ela se sentou e o encarou. O luar se refletia nos olhos castanho-escuros, evidenciando a ansiedade pelo outro amor na vida dele. Sentiu um nó na garganta de medo. — E se você se machucar?
Harry acariciou-lhe o queixo, num toque suave, reconfortante.
— Ora, querida, sou o melhor caubói dessa modalidade.
— Mesmos grandes caubóis se machucam. Às vezes, morrem.
— Nada vai acontecer. Eu prometo. — Ele sorriu ao melhor estilo caubói e abraçou-a. — Agora, deite-se e me deixe acabar com esse chantilly…
Hermione afastou-lhe as mãos.
— Você preparou tudo, não é? Tudo isso… o piquenique, o romance… conseguiu o que queria, como antes, e agora vai me deixar… De novo.
— Não! — Ele a abraçou com força. — Eu gosto de você, Hermione. Não sabia que ficaria tão preocupada por causa de um pequeno rodeio.
— Na última vez que partiu para um rodeio, não o vi por seis anos. Consegue entender?
— Desta vez, não. Não vou deixar você para trás. Você e James irão a Fort Worth comigo.
Hermione sentia as batidas fortes do coração dele.
— Estou com medo, Harry. Talvez não faça sentido para você, mas tenho a sensação de que algo terrível vai acontecer nesse rodeio.
— E eu tenho a sensação de que vou ganhar, querida. Sei o que estou fazendo. Sou bom nisso, e o prêmio em dinheiro é fenomenal. Caubóis de cinco Estados estarão lá.
Caubóis de cinco Estados. O mundo dos rodeios era pequeno, e Josh Riddley era caubói. Hermione sentiu a tensão aumentar.
Ergueu os braços e agarrou-se a ele de forma inusitada para a mulher independente que se tornara.
— Não posso perder você outra vez…
— Querida, precisamos desse dinheiro para nós, para o nosso futuro. — Ele afastou seus cabelos, ergueu-lhe o rosto e beijou na testa. — Pare de se preocupar. Não vai acontecer nada.
Harry era caubói de montaria em touro, um dos melhores. Se estava determinado a ganhar aquele prêmio, Hermione tinha de deixá-lo ir. Mas a preocupação irracional não a abandonava. Algo terrível ia acontecer naquele rodeio, tinha certeza.
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