Capítulo 8



— Tem champanhe gelada no quarto. — Harry tirou a gravata e o paletó. De braços cruzados, defensiva, Hermione permaneceu na sala, vivendo o momento que mais temera desde que concordara com aquela loucura. Harry Potter, moreno e tentador, fitando-a como se ela fosse um pãozinho de canela, a desabotoar a camisa branca.
— Prefere tomar um banho de espuma primeiro? — Ele er¬gueu o sobrolho, provocativo. — Juntos?
Durante todo o trajeto do local da festa até a casa, Hermione se agarrara às costas fortes de Harry. Na hora de saltar, já ansiava por se atirar nos braços dele e tornar aquele casamento verda¬deiro. Marietta tinha razão. Não seria nada fácil.
Umedeceu os lábios.
— Não.
— Posso esfregar suas costas — ofereceu-se ele, aproximan¬do-se com um sorriso malicioso.
Hermione recuou sem deixar de fitar o tórax nu e bronzeado. Harry continuava avançando.
Ela ergueu a mão para detê-lo. Harry não se intimidou e che¬garam à parede.
— Foi um belo dia, Harry — disfarçou ela.
— Vai ser uma noite ainda melhor. — Ele a acariciava com o hálito quente. — Gostei dessa renda, mas passei o dia so¬nhando em ver você sem ela.
Hermione afastou a mão masculina.
— Não.
— O que foi? — Ele a tocou na pele sensível atrás da orelha, acariciando de leve. Hermione precisou se esforçar para não sucum¬bir ao desejo. — Está com medo de gostar?
Hermione fechou os olhos e estremeceu. Estava com medo, sim, de cair no encanto e sofrer todas as conseqüências novamente.
— Não é o que eu quero.
— O que você quer, Hermione? — Ele a fitou. — Diga-me. — Beijou-a novamente, insinuante. — O que você quiser. Eu sou seu homem.
Harry distorcia suas palavras intencionalmente, usando-as para seduzi-la. E estava dando certo!
— Não foi o que eu quis dizer.
— Tem certeza? — Ele roçou os lábios em seu pescoço e beijou a área pulsante.
Hermione combateu a sensação. Se não fizesse algo rápido, seria tarde demais.
— Não sabe aceitar "não" como resposta?
— Só se for a sério.
Trêmula, ela colocou as mãos contra o tórax despido.
— Dormir com você não fazia parte do trato. Ele recuou, a expressão incerta. — Não me lembro de ter concordado com isso.
— Mas concordou.
Harry franziu o cenho e pressionou um dedo na têmpora.
— Acho que me lembraria de algo tão importante.
— Você tende a se esquecer de coisas importantes.
Harry recuou, e Hermione quase teve certeza de ver mágoa nos olhos dele antes que assumisse uma expressão descontraída. Dando de ombros, fez pose de caubói charmoso.
— Bem, querida… se está certa sobre isso… — resignou-se, exagerando no sotaque texano. Apontou-lhe um dedo, e Hermione sentiu a excitação surgir. — Quer saber? Você faz a pipoca e eu vou pegar o jogo de monopólio.
— Você o quê? — Hermione piscou, confusa.
— Quando foi que jogou monopólio pela última vez? — Ele riu, voltou-se e proporcionou-lhe outra boa visão da pele morena. Hermione controlou-se para não salivar. — Eu, uh… — Levou as mãos frias ao rosto e respirou fundo.
Podia fazer aquilo. Podia sentar-se à mesa da cozinha com Harry Potter e jogar uma partida de monopólio. Se ao menos con¬seguisse que ele abotoasse a camisa…

Harry estava a ponto de ter um ataque cardíaco. Se continuasse ali, sob o sol de julho, fitando as coxas de Hermione, cairia morto, ou lhe arrancaria o short e aplacaria seu desejo de macho.
Alheia aos pensamentos dele, Hermione indicou o alto do celeiro.
— Vespas.
Gemendo, Harry subiu na escada e descontou as frustrações no pobre prego. Com tanto trabalho a fazer, devia estar cansado demais para sentir desejo pela própria esposa, mas não conse¬guia relaxar desde que ela o recusara, na noite de núpcias.
— Assim que prendermos essa placa, poderemos pintar, não é? — O tecido de algodão da blusa esticou-se sobre os seios quando ela se voltou.
— É — resmungou ele. A atitude de Hermione mudara de "vamos matar Harry" para "vamos ser amigos", mas estava bem longe do final feliz que ele imaginara.
Ela riu da expressão amuada.
— Acordou com o pé esquerdo?
— Está quente demais para arrumar o telhado de metal do celeiro. — Ele deu outra martelada.
— Foi idéia sua — observou ela. — Primeiro o celeiro, para podemos trabalhar com os bezerros, e então as cercas.
— Eu sei. — Ele forçou um sorriso. — Desculpe-me.
Harry ergueu uma placa enferrujada e jogou-a no chão. Uma nuvem de vespas escapou pelos vãos da treliça. Praguejou e agitou as mãos enquanto descia a escada. Perdeu o último de¬grau e caiu na sujeira acumulada.
Hermione gritou e desceu também, mas não a tempo de ver que ele estava no chão. Caiu em cima dele, provocando-o com seu cheiro de sol e madressilva. Era a posição ideal para o que Harry tinha em mente, exceto pelas vespas.
Ele a protegeu com o próprio corpo e conduziu rapidamente para o outro lado do celeiro.
— Acho que salvou minha vida. — Hermione estava ofegante e sorria.
— Em algumas culturas, isso significa que me deve… o que era mesmo? Oh, sim, acho que me lembro. O seu corpo agora me pertence, até que realize algum feito extraordinário que a libere do débito. — Avançou na direção dela, sorrindo. — Até posso sugerir que feito poderia ser…
Hermione agarrou uma mangueira junto a uma torneira e segu¬rou-a como uma arma.
— Afaste-se, caubói! Posso arrancar o seu olho.
— Covarde. — Ele riu, mas deteve-se enquanto ela abria a torneira para tomar um gole de água.
— Ei, deixe um pouco para mim. — Harry se aproximou da torneira e esperou ela se distrair para abri-la completamente. A água transbordou dos lábios dela.
— Seu… — ameaçou ela, com bom humor. Então, voltou a mangueira para ele, derrubando-lhe o chapéu no chão sujo do celeiro.
Ele se aproximou ameaçador.
— Ninguém faz isso com o meu chapéu, mulher.
— Oh, sim? — Ela varreu o chapéu com a mangueira até ele ficar bem misturado à sujeira. — Que tal agora?
Fingindo fúria, Harry avançou contra ela como um touro e foi rechaçado a jatos de água. Então, ele conseguiu tomar a man¬gueira e a ensopou. A blusa de Hermione colou-se aos seios, e Harry mal se lembrava por que estavam brigando.
Ele baixou a mangueira e molhou-lhes os pés.
— Está me deixando maluco, sabia? — Empurrou-a contra a parede do celeiro e tomou-lhe o rosto. Hermione arregalou os olhos quando parou de rir, mas não o repeliu. Ele pressionou o corpo molhado contra o dela. — Vi isto num filme uma vez.
Hermione sobressaltou-se ao sentir a língua dele no queixo mo¬lhado, mas conteve-se. Ansiava por carícias havia dias, e só se entregaria aquela única vez…
Harry trilhou o caminho de uma gota de água até o canto dos lábios dela e se deteve, esperando algum sinal. Agora, pensou ela. Beije-me, agora.
De repente, todo o desejo se esvaiu com uma dor intensa. Deu um grito e afastou-se, batendo na perna freneticamente. Uma vespa sobrevoava sua coxa.
— Levei picada!
— Oh, meu bem… — Harry ajoelhou-se e tocou na pele sensível. Beijou a área afetada, e ela quase se esqueceu da ferroada. — Está começando a inchar. — Beijou-a mais uma vez na coxa, e Hermione estremeceu, confusa. — É melhor colocarmos gelo nisso.
Ele a ergueu nos braços e carregou para casa, preocupado. Hermione enterrou o rosto no peito másculo para esconder o desejo que ainda a assolava. Sabia que ele a queria. Também o dese¬java, mas não havia amor, e paixão apenas não era o bastante.

Hermione fritava pedaços de frango, o prato favorito de Harry, quan¬do a porta dos fundos se fechou. Uma figura suada e suja surgiu na cozinha.
— Eu o conheço? — provocou Hermione diante do rosto sujo, da camisa suada e da calça jeans imunda.
Sem responder, Harry foi à pia, abaixou-se e abriu a torneira sobre a cabeça. Arrepiou-se com a mudança de temperatura repentina.
Harry trabalhava de sol a sol e, embora Sally e Pete tomassem conta de James para Hermione poder ajudá-lo, a maior parcela de trabalho ficava mesmo para ele.
Ela passou-lhe uma toalha.
— Está se esforçando demais. Por que não deixa parte do serviço para o inverno?
— Não posso. — Ele meneou a cabeça, lançando algumas gotas de água nela. Despiu a camisa e passou a toalha no torso brilhante. — É preciso manejar os bezerros logo. Terei de con¬tratar ajuda.
— Temos dinheiro para isso? — Ela falara no plural, como se fossem marido e mulher trabalhando para construir uma vida juntos.
Harry também notou. E riu.
— É bom sermos sócios, não?
Hermione admitia que sim e sentia-se como uma mulher se afo¬gando, assustada com seu destino, mas cansada de lutar contra a maré da saudade. Acompanhou com o olhar uma gota des¬cendo pelo tórax musculoso até o umbigo, e engoliu em seco. Voltou-se para o fogão e desviando a atenção, sabendo que não devia se arriscar.
O alicate escorregou da mão enluvada de Harry e o arame far¬pado se deslocou, envolvendo-o como um sonho ruim. Com uma praga, chutou o metal rebelde, aliviado por descontar suas frus¬trações, cônscio de que aquela não era a única confusão em que se metera ultimamente.
Hermione ameaçava destruí-lo. Não sabia por quanto tempo su¬portaria bancar o bom rapaz que não se incomodava nem um pouco com a atitude distante dela. Dias tentando provar que não era como o pai, procurando ganhar-lhe a confiança cobra¬vam seu preço. Devia ser idiota por não captar a mensagem. Hermione ganhava tempo até James se tornar seu herdeiro legal.
Quando isso acontecesse, ela o dispensaria tão rápido que ele passaria mal.
Havia energia sexual entre eles, mas Hermione se recusava a se entregar. Seria por causa de Josh Riddley? Ela esperava ainda voltar para o ex-marido? Era um tormento a possibilidade de que ela nunca permitisse intimidade entre ambos.
Talvez tivesse sido loucura acreditar que conseguiria se ca¬sar e se estabelecer. A temporada de rodeios estava no auge. Talvez devesse partir na caminhonete e esquecer a idéia estú¬pida de criar raízes.
— E o que isso provaria, Potter? Que filho de peixe pei¬xinho é?
Não, raios. Se podia ficar oito segundos no lombo de um touro, podia muito bem manter qualquer outro compromisso que fizesse. Incluindo casamento.
Praguejando mais uma vez, retomou a tarefa de cercar os pastos. Uma caminhonete aproximou-se e parou. Em meio à nuvem de poeira, Pete e James saltaram pela porta do motorista. Eram mesmo um par, o velho e o menino.
— Olá, rapaz! — Pete, com os polegares enganchados nos passadores da calça velha, mancava em sua direção. — Brigan¬do com o arame?
— O problema não é o arame.
— Nada errado entre você e Hermione, não é? — Harry não respon¬deu e Pete franziu o cenho. — Não me diga que a lua-de-mel já acabou.
— Não, não posso dizer isso. — Como algo que nem começara podia acabar?
— Ótimo. Ótimo. — Pete expressou alívio e apoiou um coto¬velo no veículo. — Vai ficar trabalhando aqui a manhã toda?
— Talvez. Por quê?
— Ah, Sally anda me amolando por causa do joelho. Eu não sirvo para nada enquanto não tratar disso e estamos querendo ir ao médico. Hermione não voltou ainda para cuidar de James.
Harry deu uma última torcida no arame com o alicate, prenden¬do-o ao mourão, e levantou-se.
— Onde ela foi?
— Ficou sem tinta. Eu me ofereci para trazer mais após a consulta com o médico, mas sabe como ela é. Resolveu pintar o celeiro e não pára enquanto não acabar. Acho que volta logo.
Harry avaliou a expressão séria do menino. A julgar pela ex¬pressão rebelde nos olhos castanhos, Harry sabia que o garoto não gostava muito de ficar sob seus cuidados. Por mais que tentasse, James mantinha-se tão arredio quanto a mãe.
— Deixe o garoto aqui. Eu tomo conta dele.
James se encolheu e agarrou-se à perna do avô. Céus, parecia querer chorar.
— Quero ir com você, vovô.
— Ora, por que está agindo desse jeito, James? Harry não vai machucar você. — Pete inclinou-se para desvencilhar as mão¬zinhas. — Você já é grandinho, e vou lhe trazer aquele ioiô vermelho que anda querendo.
James entusiasmou-se e soltou a perna do avô.
— Está bem.
— Crianças são almas simples. Um pouco de suborno sempre funciona — comentou Pete.
Assim que o avô partiu com a caminhonete, o humor do me¬nino voltou a azedar. Harry avaliou o garotinho emburrado. O que era preciso para conquistar aquela criança?
— Senhor?
— Sua mãe me chama de Harry. — Ele prendeu uma ponta do arame com a bota.
James foi até a cerca e fitou o pasto.
— Vou ser caubói quando crescer.
— Gosta daqui?
— Tenho de gostar, para recuperar a fazenda.
Harry descalçou as luvas e estendeu-as.
— Todo caubói precisa saber como consertar uma cerca. James fitou as luvas e então Harry. Havia indecisão no rostinho. — Podíamos fazer uma surpresa ao seu avô.
James aceitou as luvas. Harry passou uma ponta do arame ao garoto.
— Caminhe até o mourão com isto.
James fez como instruído, esticando o fio de metal.
— Senhor?
— Sim?
— Onde estão os cavalos?
— Por aí, em algum lugar. — Harry acenou vagamente na di¬reção da pastagem.
— Um caubói deve ter um cavalo, não é? Você tem um cavalo bonito. Mamãe tem Taffy.
— Sim. — Harry fitou o garotinho de botas e chapéu novos. O garoto só falava de cavalos. Aonde queria chegar com aquilo?
De repente, Harry percebeu. James queria seu próprio cavalo. Sorriu. Talvez o velho Pete estivesse certo quanto a crianças e suborno.

— Mamãe! Mamãe!
Com o cinto de segurança estendido ao máximo, James pen¬durava-se através da janela da caminhonete, gritando bem alto.
Hermione, dolorida com o movimento repetitivo da pintura, de¬teve-se e sombreou os olhos para ver melhor a caminhonete prata e azul de Harry. A carreta de transporte de cavalos estava a reboque.
— Venha, mamãe, rápido! Venha ver!
Hermione colocou o pincel na lata de tinta e foi de encontro ao filho, limpando as mãos no caminho.
— Papai disse que vocês dois estavam consertando a cerca…
Harry desceu da caminhonete e ajudou James a descer.
— Tínhamos assuntos mais importantes, não tínhamos, par¬ceiro?
Hermione viu-se diante de um par de sorrisos idênticos. Quanto tempo levaria até alguém comentar a semelhança?
James agarrou-lhe a mão e puxou-a na direção do reboque, excitado.
— Venha ver, mamãe! Ele é uma beleza. Foi o que Harry disse.
Hermione deixou as preocupações de lado ante o entusiasmo do filho.
— O que você fez, Potter?
Ele lhe agarrou a outra mão e repetiu o pedido de James, a ansiedade tão evidente quanto a da criança.
— Venha ver.
Hermione sabia que não devia permitir que ele a tocasse, mas, apesar do risco, não se desvencilhou. Ouviu-se um relincho. Era um animal de rabo branco e pêlos dourados.
— É um "panamilo", mamãe. Não é lindo?
— Não é mesmo? — Ela sorriu com a pronúncia errada de "palomino".
— É, sim. Harry disse que é tão gentil quanto um cachorro e é todo meu.
— Ele disse isso, é? — Hermione fitou Harry, que parecia tão satis¬feito quanto a criança.
— Você não se importa, não é? — indagou ele.
— Nada me satisfaria mais.
— Nada? — provocou ele.
Ela conhecia aquele olhar, e estava ficando cada dia mais difícil resistir àquele sorriso.
— Harry, não comece…
— Por que não? — Ele sorriu malicioso. — Você é minha esposa.
— Na verdade, não. — Seria arrependimento ou cautela? Harry aproximou-se, e Hermione ficou alerta.
— Não tem de ser assim.
Ela engoliu em seco.
— Sim, tem.
Harry suavizou o tom. Passou o dedo no queixo dela.
— Dê-me um bom motivo.
Hermione sentiu um arrepio na nuca. Podia dar uma dúzia de bons motivos, mas o principal deles estava bem ali, alheio ao estranhamento entre os dois adultos. Afastou-se ainda sentindo a excitação do toque de Harry e passou a acariciar o cavalo para disfarçar a perturbação.
Aparentemente, a estima de James pelo novo homem em sua vida crescera de forma significativa. O garoto olhava para Harry como se ele fosse um herói.
— Tire-o daí, Harry! — James não parava de pular. — Quero cavalgar!
Harry hesitou.
— Não sei, amigão…
Hermione ajoelhou-se diante do filho e segurou-lhe o queixo.
— James, querido, não podemos cavalgar nele hoje.
— Por que não? Ele é meu, Harry disse que sim. Eu quero ca¬valgar.
— Ele precisa de um dia ou dois para se acostumar à nova casa. Provavelmente, está um pouco nervoso agora.
— Oh.
— Ei, amigão. — Harry ajoelhou-se ao lado de Hermione, encostando seus ombros. Ela se afastou, ele a fitou conhecedor e piscou. Então, voltou a atenção a James. — Que tal uma volta em Cochise?
James entusiasmou-se.
— Posso?
— Sua mãe pode selar Taffy e vir junto. Certo, Hermione?
— Não sei…
— Por favor, mamãe, por favor! — James começou a pular de novo, ansioso à perspectiva de cavalgar com os dois adultos.
— Vamos, Hermione. Que mal há?
— O celeiro não vai se pintar sozinho.
— Ainda estará aqui amanhã.
— Por favor, mamãe, por favor…
— Oh, está bem — ela concedeu, suspirando.
O sol estava quente e soprava uma brisa suave sobre o trio a cavalo pelo pasto. Na frente da sela, James segurava orgulhosamente as rédeas. Harry o segurava pela coxa e cintura, pronto para agir, caso fosse necessário. Cochise, geralmente um cavalo arisco, cavalgava tranqüilo ao lado de Taffy.
— Está bem quente — observou Harry. — Querem parar no riacho para descansar um pouco?
— Não. — O último lugar que Hermione queria ver era o riacho, e ele sabia muito bem disso.
— Que medo! — provocou Harry, rindo por sobre o chapéu branco de James.
— Se você quer ir ao riacho, tudo bem para mim.
Harry, o traiçoeiro, conduziu-os ao local favorito, na nascente, desmontou e procurou a prainha sombreada.
— Adoro este lugar. Você não, Hermione?
Mantendo-se afastada dos dois, ela fitou a água que cascateava entre as rochas.
— Costumávamos cair na água peladinhos num dia quente como este — comentou Harry com James.
— Você e mamãe faziam isso? — James arregalou os olhos de curiosidade.
— Harry! — protestou Hermione. — Não juntos, querido. E há muito, muito tempo, quando éramos bem crianças.
Ela desafiou o canalha a contradizê-la.
— Crianças como eu?
Era difícil para ela mentir ao filho.
— Bem… sim. Muito crianças.
— Posso nadar peladinho? — James fitou a água fresca do riacho.
— Não!
— Ah, por que não, Hermione? Está quente e estamos aqui para tomar conta. Deixe-o só de cuequinha.
— Fique fora disso, Potter. Já fez muito até aqui.
— Por favor, mamãe. — James já segurava as botinhas.
— Nadar pelado é uma boa tradição na América. — Harry apontou um galho na direção dela. — Todas as criancinhas deviam fazer isso.
Ela lançou um olhar, indicando que se lembrava de duas crianças bem grandes se refrescando do sol e de outras fontes de calor. Hermione ergueu as mãos e rendeu-se. James já estava só de cueca, indo para o riacho.
— Fique perto da margem — avisou Hermione, num último esforço para manter a autoridade. — Essas pedras são escorregadias.
Hermione e Harry permaneceram na margem. Ele estendido, apoiado num cotovelo. Hermione, longe dele, abraçando as pernas e de olho no filho.
— Fez um bom trabalho, Hermione. Ele é muito esperto.
— Obrigada.
— Não deve ter sido fácil. Depois do divórcio, quero dizer.
— Demos um jeito.
— Eu teria ajudado, sabe, mesmo ele sendo filho de outro homem. Eu lhe devia isso.
Ela ficou tensa.
— Só o que me deve é esta fazenda.
— O velho advogado Culpepper deu entrada no processo de adoção na semana passada. Já assinei os papéis que tornarão James meu herdeiro assim que a adoção se concretize.
— Você nunca deixa de me surpreender, Potter.
— Sou surpreendente mesmo.
— Modesto também.
Ele a cutucou na perna com um ramo de capim comprido e sorriu. Não malicioso, mas meigo.
— Podíamos fazer dar certo, se nos dispuséssemos. Ela não fingiu não entender o significado.
— Acho que não.
— O que a transformou, Hermione? O que a levou a erguer essa barreira ao redor de si e de James, que ninguém pode transpor? Foi o casamento? Fui eu?
— Harry, não. — Hermione afastou o ramo de capim. Ele se sentou perto dela… perto demais.
— Podíamos fazer dar certo, Hermione — insistiu. — Sabe por que quis me casar com você? — indagou, surpreendendo-a.
— Tenho de admitir que isso me confundiu. Você podia ter tornado James seu herdeiro sem se casar.
— Eu não me casei para tornar o filho de outra pessoa meu herdeiro.
Ela ficou tensa, a declaração lembrando o abismo entre ambos.
— Foi idéia sua.
— Não fique zangada. Esta fazenda devia pertencer a James. Não tenho problemas quanto a isso. Só estou lhe dizendo que esse não foi o motivo por ter me casado com você. E a fazenda também não foi o motivo de ter me casado com você. — Apro¬ximou o rosto do pescoço dela e sussurrou. — Você é o motivo de ter me casado.
Harry estava tentando lhe dizer que a amava? Que se arrepen¬dia de ter ido embora? Que queria reparar o mal que lhe fizera? O iceberg que se instalara no coração de Hermione começou a se derreter. Ela queria acreditar.
Naquele instante, reconheceu o que negava desde o começo. Ainda o amava. Idiota que era, amava o caubói errante, Harry Potter.
Hermione sentiu tristeza. Confiara nele e ele a decepcionara. Po¬dia acreditar em Harry novamente? Era possível voltar no tempo? Estava com tanto medo.
Harry fitou-lhe a boca. Ia beijá-la, e ela queria que ele fizesse isso.
— Hermione? — Ele parecia inseguro, preocupado. Estaria tão assustado quanto ela?
Ele a beijou. Suavemente, hesitante como nunca fizera antes. Rendendo-se, ela o enlaçou ao pescoço e correspondeu ao beijo.
Depois, Hermione afastou-se, confusa, assolada por uma miríade de emoções. Harry ainda iria querê-la se soubesse a verdade sobre James? Ou se sentiria traído e voltaria atrás na promessa de dar a fazenda ao menino? Por mais que desejasse revelar, não estava pronta para confiar-lhe seu maior segredo.
— Acho que não é uma boa idéia, Potter. — Hermione sabia que o magoara. — Desculpe-me.
— Ora, sem ressentimentos. — Ele riu descontraído. — Bem, às vezes, eu me empolgo, mas nada que não supere em poucos minutos.
Ele escondia a dor com uma atitude arrogante, mas Hermione sabia e lamentava não poder ajudá-lo.
— Harry… — Ela levou a mão ao rosto dele num gesto de paz. Ao tocá-lo, seus pensamentos foram desviados. — Potter, vo¬cê está quente.
— É o que as moças dizem.
— Não, estou falando sério. — Ela colocou a mão espalmada em sua testa. — Acho que está com febre.
— Eu me sinto estranho.
— Como assim?
— Não sei. Minha pele está formigando. — Ele fitou o campo de trevos. — Acha que são formigas?
Hermione levou a mão à boca para abafar a risada.
— Desabotoe a camisa.
— Assim é que se fala! — Ele abriu a camisa num movimento fluido. — Vamos nadar pelados também?
— Não. Estou vendo se você pegou catapora. Começa no tron¬co.
— Não! — Ele se afastou abotoando a camisa.
— Pare de ser criança. Se pegou catapora, pegou.
— Mas você vai se divertir tanto, se for o caso — gemeu ele.
— Sim, vou. — Ela afastou-lhe as mãos. — Agora, deixe-me dar uma olhada.
Para decepção de Hermione, as costas dele estavam lisas como carvalho polido.
— Viu? Nada.
Hermione suspirou e se abandonou na relva. Harry mantinha uma ridícula expressão de mágoa.
— Catapora não me deixaria… sabe, estéril?
Ela não respondeu. Harry estremeceu à brisa suave. Hermione levou a mão novamente à testa dele. Definitivamente, estava febril.
A febre devia tornar a pele sensível.
— Hermione. Chega. — Ele afastou-lhe a mão.
— Oh, Potter, você é tão durão.
— Claro que sou. Mas isso não é importante agora. James é. — Hermione ficou séria e voltou-se para ver o filho no riacho. — Ele está se distanciando. É melhor detê-lo.
James estava cem metros a jusante, onde o riacho se apro¬fundava.
— James, volte para cá!
— Ah, mamãe… — James deu mais alguns passos, ignorando a ordem da mãe.
— Volte aqui agora, mocinho!
Contrariado, o garoto obedeceu e voltou-se. Revoltado, chu¬tava pedras e água.
No meio do caminho, ele se desequilibrou e escorregou, cain¬do de rosto na água.
— James! — Hermione se levantou e correu para a margem. — Ele não está se levantando!
Harry já a ultrapassava. Pulou na água e só parou quando al¬cançou o menino. Virou-o para cima com cuidado.
Havia sangue na boca e no nariz. Harry levou-o no colo e en¬tregou-o a Hermione.
Assustado e chorando, James estremeceu nos braços da mãe.
— De onde vem todo esse sangue? — Hermione se considerava calma, mas lutava para não entrar em pânico. — Quebrou o nariz? Perdeu os dentes? O que foi?
Harry pegou a camisa que despira e limpou o rosto do menino.
— Não vejo nada por fora. Abra a boca, amigão. Deixe-me dar uma olhada.
Obediente, James abriu a boca e as fileiras de dentes estavam intactas.
— Ele mordeu a língua.
— Só? Só a língua? — Hermione estremeceu de alívio.
— Sim. Um pouco de gelo vai dar um jeito nisso. — Harry es¬tendeu os braços. — Deixe-me levá-lo antes que você desmaie.
— Geralmente, não fico tão preocupada. — Foi assustador.
Hermione agradeceu por ele não ironizar sua reação. Então, lem¬brou-se da febre dele.
— Você não devia se resfriar…
— Está bem quente. Pegue as roupas dele e vamos para casa.
— Você arruinou sua camisa… — Indicou a peça que se en¬charcava de sangue na boca de James.
— Não tem importância. — Harry carregou o menino para a sela do cavalo. — Consegue cavalgar, amigão?
— "Shim".
— Assim é que se fala. Você é um caubói corajoso, sabia? Hermione recolheu a camiseta e a calça jeans do filho e montou em Taffy.
Harry mantinha o garoto num abraço protetor.
Hermione sentiu um aperto no coração ao vê-los. Harry Potter, apesar de todos os defeitos, seria um pai maravilhoso para seu filho.

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