Capítulo 7
Hermione contornou o canto do celeiro e ouviu conversando baixinho, mais o som de feno corpos se movendo no outro lado da parede.
— Vamos, meu bem… Isso mesmo. Eu sei que quer…
Hermione sentiu a boca seca e sua imaginação decolou. Já era péssimo vê-lo desfilando o corpo atlético dia e noite sem camisa pela casa, aproximando-se dela de propósito. Até seus sonhos andavam povoados de cenas de atos de amor frenéticos, seguidos do horror da partida dele na caminhonete vermelha. E, ainda por cima, tinha de ficar ali, ouvindo-o seduzir alguma mulher no celeiro.
Dias antes, Harry lhe propusera um casamento de conveniência. Como era a única maneira de garantir o lar da família Granger, concordara em desposá-lo, assim que James estivesse melhor da catapora. Até estavam conseguindo trabalhar juntos sem se matarem. Mas até um casamento de conveniência merecia uma certa dose de respeito. Não permitiria que Potter continuasse tendo aventuras amorosas bem na sua cara!
Abriu a porta e entrou, preparada para ver corpos nus cor rendo atrás das vestes. Mas o que viu foi Harry agachado diante de um bezerro novo, ensinando-o a tomar leite da mamadeira com palavras de encorajamento.
Sentindo-se ridícula, Hermione suspirou de alívio, mas as imagens sensuais não desapareceram. Tinha o corpo excitado e irritava-se com a sensação. Não aprendera da forma mais difícil que o desejo irresponsável levava a conseqüências sérias?
— Temos outro bezerro sem mãe. — Harry franzia o cenho, preocupado. Olhou por sobre o ombro, alheio aos pensamentos dela. — Com este, são quatro que temos de alimentar manual¬mente. Estamos perdendo muitas matrizes.
— Sabe por quê? — Com esforço, Hermione concentrou-se na si¬tuação problemática, embora seduzida pelo abdome que Harry dei¬xava entrever sob a camiseta branca.
Desde a chegada, descobrira que havia muitos problemas na fazenda. O programa de reprodução do gado estava sem con¬trole, cercas e anexos precisavam de reparo, o estábulo requeria manutenção e nenhuma das crias da primavera fora devida¬mente tratada.
— Algumas dessas vacas são velhas demais para procriar. Precisamos separá-las, pegar os bezerros, catalogá-los, marcá-los, medicá-los. São atividades que deviam ter sido feitas na primavera. — Enquanto falava, Harry segurava a mamadeira gi¬gante e acariciava o bezerro com a mão livre. De patas afasta¬das para manter-se em pé, o filhote sugava ritmadamente, a fórmula vazando um pouco pelos cantos da boca.
— Farei qualquer coisa para ajudar.
— Tem certeza? — Harry fitou-a.
Ela assentiu, irritada por ele perguntar tal coisa.
— Esta é a minha fazenda. Farei o que for preciso para que prospere.
— Bem, nesse caso… — Ele reparou em sua calça jeans lim¬pa, na blusa branca e nas botas novas. — Pegue a pá. Vamos tirar o esterco do celeiro hoje.
Enquanto Harry ria da reação de Hermione, o bezerro órfão deu uma sugada forte na mamadeira e então empurrou Harry na altura do peito. O chapéu dele caiu numa pilha fresca de esterco.
Hermione deu uma gargalhada. Adorava aquele bezerro.
Horas depois, suada e coberta de feno e sujeira, Hermione lançou a última pá de esterco no carrinho de mão.
— Formamos uma ótima equipe, não acha? — Harry apoiou a pá no fundo da baia.
Honestamente, Hermione tinha de admitir que sim. Pete e Sally cuidavam de James. A cada hora, passava em casa para ver se estava tudo bem, mas mesmo assim conseguia ajudar Harry nas inúmeras tarefas na fazenda. A parte da manhã transcorrera surpreendentemente bem. Harry fazia gracejos direto e, apesar da desconfiança, ela ria e fazia graça também.
Harry aproximou-se e retirou uma palha de seu ombro. Consi¬derando os sonhos da noite anterior e os pensamentos irracionais daquela manhã, Hermione sentiu o corpo se aquecer.
— Você, uh… — Ele apontou para a blusa, onde uma taturana verde rastejava sobre o seio. — Deixe que eu tiro.
Com a mão em luva de couro, arrebatou a taturana, roçando de leve no seio de Hermione.
Ela grasniu, deu um pulo para trás e bateu no peito até a criatura voar para o outro lado da baia.
— Eu teria sido muito mais gentil. — Harry ergueu o sobrolho repetidamente. — Muito mais.
— Que atencioso, Potter — respondeu Hermione, sarcástica.
— Sabia que ficaria impressionada. — Ele se achegou e espanou a sujeira de seu traseiro. Simplesmente, não podia evitar. Deixá-la maluca, de uma maneira provocativa, era tão divertido. Inclinou-se quando ela agarrou a pá e agitou-a contra ele, rindo. Formavam mesmo uma ótima equipe e faziam progressos.
— Tire as mãos de mim, Potter! — Ela agitou de novo a pá contra ele. Um pouco de esterco pingou.
— O quê, nada de rolar na palha? Nenhuma amostra antes do casamento? — Céus, como estava tentado.
Rindo da expressão rebelde, Harry pegou o carrinho de mão e levou-o para fora. Hermione seguiu-o com as pás.
— Parece que alguém está chegando. — Uma nuvem de pó marcava o caminho de uma caminhonete dos correios sob o portão de entrada da Star M. Harry ficou sério ao perceber o que estava para acontecer. — Vamos ver o que é.
— Meu pai pode receber.
— Não. Vamos lá.
Confusa, Hermione encostou as pás na parede do celeiro.
— O que está acontecendo, Potter?
— Não fique tão defensiva. Venha ver, sim? — Sentindo algo entre excitação e temor, Harry agarrou-lhe a mão e puxou-a em direção ao veículo que se aproximava. Pensou que Hermione se desvencilharia, mas, para seu alívio, ela o acompanhou até em casa.
Ao receberem a caixa e assinarem o protocolo, Hermione leu o endereço do remetente.
— É da minha loja.
— Abra. — Harry de repente se sentia mais nervoso do que quando entrara pela primeira vez na arena.
— Não. Abra você. — Para seu desânimo, Hermione passou-lhe a caixa, a expressão ansiosa. — Tenho a sensação de que sabe o que é.
Gentilmente, ele a conduziu à varanda e pousou a caixa no colo dela.
— Abra. Por favor.
Ele guardou as luvas no bolso traseiro, apoiou-se num joelho e esperou.
A curiosidade venceu. Hermione desembrulhou a caixa e ergueu a tampa. Harry sentiu o coração bater descompassado.
Ela afastou o papel de seda, prendeu a respiração e fitou-o com olhos arregalados, pálida. Sentia um nó na garganta, e uma dezena de emoções surgiu no semblante enquanto estendia o vestido de noiva de renda.
— Você fez isso? — A voz dela saiu trêmula, e Harry imaginou por quê.
— Gosta? — Ele normalmente não ficava tão ansioso, e es¬tava assustado com a própria reação.
Trêmula, Hermione devolveu o vestido à caixa.
— Mande de volta.
Ele sentiu o coração falhar.
— Vamos nos casar, Hermione — lembrou, gentil. — Quero que use um belo vestido.
— Por que está fazendo isso? — Os olhos dela brilhavam. Céus, ia chorar?
Harry estava desnorteado. Sabia que ela protestaria, como sem¬pre, mas não imaginava que ficaria assustada. Incapaz de se conter, ele a acariciou e afastou as mechas de cabelo rebeldes do rosto.
— É o nosso casamento, querida. Quero que seja especial para nós dois.
Hermione esquivou-se ao toque, impassível.
— O que está tentando fazer, Harry? Não é um casamento de verdade. É um negócio. Você não me ama, e eu com certeza não o amo.
Ela deixou a varanda e correu para o celeiro, deixando Harry sozinho com o vestido de tecido tão delicado quanto a pele dela. Ele massageou a nuca e fitou o céu. E achava que estavam fazendo progresso…
Se ela não gostara do vestido, odiaria o casamento.
— Isso é loucura, Potter! — Hermione bateu o pé no degrau com a bota branca de amarrar que ele encomendara com o vestido.
Harry recostou-se no poste da varanda, relaxado. Estava mara¬vilhoso em paletó de smoking, camisa branca e calça jeans pre¬ta, um traje tão inadequado a um casamento de conveniência quanto o elegante modelo rendado que ela usava.
— Você pediu ou não que eu pJamesjasse o casamento?
— Não desse jeito. — Hermione sentiu pânico. — Pensei que seríamos só eu, você e o juiz de paz num cartório.
Contra o desejo dela, Harry convidara metade da população da cidade para uma cerimônia ao estilo do Oeste, completo com festa. Num arroubo, ele providenciara a comemoração que os dois ha¬viam pJamesjado juntos numa noite de verão, um século antes.
Para piorar tudo, Marietta, que Hermione considerava uma alia¬da, tornou-se traidora assim que chegara de Oklahoma CiHarry.
— Use o vestido, Hermione. — Marietta exibia a criação magní¬fica, tentando-a. — Que mal pode haver?
— Harry o comprou. Não quero que ele pense que mudei de idéia.
— Sobre o quê?
— Ele. — Hermione agitou os braços como uma vítima de afoga¬mento. — Tudo isto! Estou certa de que ele tem uma carta escondida na manga, mas não descobri ainda o que pode ser…
— Já pensou que talvez o caubói seja sincero? Amiga, não ouviu a voz dele quando telefonou para encomendar o vestido e, pelo jeito como olha para você, acho que o homem está apaixonado.
Hermione desdenhou sonoramente.
— A única pessoa que ele ama é a si mesmo.
— Acho que ele mudou, Hermione. Além disso, seu caubói é mais quente do que a superfície do sol. — Rindo, a sócia se abanou. — Aquele rosto e aquele corpo fariam uma garota se esquecer de muita coisa…
— Nunca vou me esquecer do sofrimento que ele me impôs. Eu não o amo. Nunca o amarei. — O amor só tornava as pessoas vulneráveis.
— Ótimo, então, mas eu escolhi este vestido porque sabia que você ia adorá-lo, e você vai vesti-lo nem que eu tenha de obrigar!
Assim, lá estava Hermione, usando um vestido de noiva que acha¬va lindo, prestes a desposar o homem que um dia amara mais do que recomendava a prudência, imaginando se terminaria aquele dia com suas decisões inabaladas. A idéia de estar com Harry, todos os dias, começava a perturbá-la. Permanecera sozinha por muito tempo e ter um caubói sexy dando-lhe tanta atenção só a deixava ansiosa por algo que preferia ignorar.
— PJamesjamos este casamento há anos, Hermione. — Harry desen¬costou-se do poste e foi verificar as amarras da sela uma última vez. — Pensei que ficaria contente.
— Confusa, Potter, não contente. Fizemos muitos planos juntos, aos quais você deu as costas, devo acrescentar. Por que escolheu honrar este?
Após um puxão firme na cinta da sela, ele olhou por sobre o ombro e sorriu torto.
— Sou um tolo sentimental, acho.
— Tolo é a palavra-chave.
Harry ergueu-se, espanou as mãos e as entrelaçou, oferecendo apoio para ela montar.
— Não posso fazer isso. Não desse jeito. — Hermione voltou-se e caminhou pela varanda para a porta dos fundos, a barra de renda em pontas farfalhando ao redor das botas. — Vá lá e diga a todos que o casamento está cancelado.
— Vai abrir mão da fazenda? E constranger seu pai diante de todos os amigos?
Hermione estacou e voltou-se. Chantagem. Ele usava de chanta¬gem. O pai praticamente sapateara no telhado, com joelho ruim e tudo, quando lhe contaram a novidade. Pete ficara tão feliz que ela não tivera coragem de revelar que era tudo uma farsa. Ele descobriria, mais cedo ou mais tarde. Mas, se o decepcio¬nasse naquele momento, diante dos amigos, ele nunca supera¬ria a vergonha. E James perderia sua herança.
Tinha de manter a distância. Precisava… por James.
Conformada, Hermione encaminhou-se ao cavalo que a aguarda¬va. Harry permaneceu ali, observando-a com aqueles olhos casta¬nho-escuros enquanto ela cruzava o gramado. Captava cada movimento do corpo. E Hermione perturbava-se com o escrutínio. Harry tinha a incrível habilidade de acariciá-la com o olhar e fazê¬-la se sentir a mulher mais sexy do mundo. Céus, misericórdia. Não podia se entregar àquela insanidade.
Quando ela se aproximou, em vez de ajudá-la a montar, ele a ergueu nos braços e fitou-a com sinceridade bastante para convencer um júri de doze homens que nunca contaria uma mentira sequer.
Hermione estremeceu com aquela proximidade. Após duas sema¬nas convivendo com ele dia e noite, lembrando-a de tudo o que não tinha na vida, tornava-se mais e mais difícil manter uma distância emocional. E como uma mulher podia permanecer fria no dia de seu casamento?
— Você está linda, Hermione. — A voz dele soou inesperadamente suave e rouca, as mãos aconchegantes através do tecido fino.
Ela se sentia bonita com a saia longa rodada de renda ela¬borada creme, mais o corpete bordado e a barra rendada.
Sentiu um arrepio na espinha e a boca seca. Atônita com a sinceridade na voz e o calor do olhar dele, umedeceu os lábios. Harry interpretou como um convite. Lentamente, aproximou-a e inclinou o rosto. A testa dela colidiu com a aba do chapéu preto. Hermione nem percebeu, inebriada pelo aroma da água-de-colônia dele, com o calor úmido do hálito, com a curva firme dos lábios junto aos seus.
O beijo durou uns poucos segundos, apenas um roçar suave de pele contra pele. Mas o desejo que o contato despertou durou muito mais. Abalada com a gentileza, Hermione recostou a cabeça no tórax másculo e suspirou.
Ele fazia aquilo havia dias, suprimia sua resistência com provocações, com gentilezas e com olhares ardentes. Embora ela desprezasse o vestido de noiva, recusando-se a tocá-lo até Marietta chegar, ele continuara agindo como o noivo amoroso.
Mais tarde, ela teria de renovar seu sistema defensivo. Mas não naquele momento. Naquele momento, ia se casar. Farsa ou não, uma pequena parte dela queria fingir que era verdade. Só desta vez, faria o jogo dele.
Harry passou a mão em seus cabelos e a afagou nos ombros nus. Ela estremeceu com a excitação que o toque provocou.
— Os convidados estão esperando — observou ele.
Com medo de se trair na voz, ela assentiu. Estava assustada com as emoções. Um dia, fora como mashmellow nas mãos daquele homem, sucumbindo ante poucas palavras de sedução e carícias, e simplesmente não podia se arriscar a repetir o erro.
Harry a segurou pela cintura e ergueu-a facilmente até a sela. Mantendo o olhar sedutor, passou a mão por sua coxa sensual¬mente enquanto lhe posicionava o pé no estribo. Hermione engoliu em seco e tomou as rédeas.
Taffy, também adornada, mexeu-se com o peso, meneou a cabeça cheia de fitas e avançou.
Atravessaram o pasto aberto, o ar estalando de aromas e sons naquele final de primavera. Borboletas sobrevoavam as flores silvestres, cujas fragrâncias desprendiam-se a cada passo dos cavalos. O cenário era perfeito, idílico. Como algo tão errado podia parecer tão certo?
Envoltos no clima sensual, cavalgaram em silêncio na dire¬ção do riacho ladeado de árvores. Hermione sabia para onde iam. Olhou para o homem a seu lado e então para a multidão que se reunia sob o arco natural de árvores à beira da água. Harry se lembrava de que aquele lugar um dia lhes significara algo?
Claro que sim. Tinha de se lembrar.
Hermione endireitou o corpo na sela e afastou aqueles pensamen¬tos. Conhecendo Harry Potter, sabia que ele escolhera aquele lugar em particular com o único propósito de esfregar sal numa ferida antiga, numa espécie de tortura psicológica. Ali, ele to¬mara sua inocência e roubara seu coração.
— Gosta da trança?
Hermione voltou o rosto, confusa. Fitou Harry por vários segundos antes de entender. A crina da égua estava trançada com flores brancas delicadas e fitas azuis.
Então, Harry tivera todo aquele trabalho.
— Está linda — opinou, sincera, a onda de prazer retornan¬do. Como permanecer imune, se ele continuava bancando o aman¬te solícito?
— Lá está o seu pai.
Aproximando-se com seu cavalo favorito, Pete era a imagem da felicidade.
— Estão prontos? — Ele manobrou o animal para ficar ao lado de Hermione.
O nervosismo dela voltara com toda a força.
— Tão pronta quanto jamais estarei.
O pai ficou confuso.
— Não precisa ficar nervosa. Vocês dois deviam ter feito isso há muito tempo.
Ela só esperava que o pai nunca descobrisse o quanto che¬gara perto da verdade.
Lado a lado, com Hermione no centro, cavalgaram em direção aos convidados.
Hermione sentia a tensão aumentar. Não esperava que fosse tão assustador. Talvez devesse ter procurado outra solução. E se Harry descobrisse a verdade sobre James? E se Pete descobrisse o
acordo e deserdasse ambos para sempre? E se Harry esperasse mais daquele casamento do que ela estava disposta a dar?
Se não estivesse sendo pressionada por Harry e Pete, desistiria. Mas, antes que pudesse encontrar uma escapatória, lá estava, diante de um fardo de feno, com Harry de um lado e o pai do outro.
— Você está linda, mamãe.
O sussurro infantil do filho era um bom lembrete do motivo daquilo tudo. Segurando firme uma caixinha de alianças, James sorriu-lhe, o rostinho meigo ainda com as marcas da catapora. Hermione sentiu um aperto no coração e soube que faria qualquer coisa para assegurar o futuro do filho.
— Você também está lindo, caubói — sussurrou ela, incli¬nando-se para um beijo rápido antes de voltar a atenção ao pastor no outro lado do fardo de feno. Tinha nas mãos o livro de capa branca que a mãe lhe dera no Natal quando tinha doze anos. Ora, onde Harry conseguira aquilo?
Hermione sentiu uma onda de puro terror. Pronta? Como podia estar pronta? Estava prestes a pular na boca de um vulcão.
Marietta passou-lhe um buquê de flores do campo. Então, fitando o noivo, ergueu o sobrolho perfeitamente maquiado e sorriu.
Hermione procurou relaxar um pouco e fitou rapidamente a con¬gregação. Pessoas da comunidade que conhecia desde sempre lhe sorriam, visivelmente encantadas com os acontecimentos. Olhou para o pai, de pé à esquerda, empertigado e orgulhoso no terno ao estilo do Oeste, levemente enrubescido de prazer. Por último, olhou para o filho. James merecia conhecer aquelas pessoas, crescer em meio a vizinhos que conviveram com seus ancestrais. Amigos que o ajudariam nos tempos difíceis e que comemorariam com ele nos tempos bons. James pertencia àquele lugar, assim como ela. Se era preciso se casar com Harry Potter para que aquilo acontecesse, que assim fosse.
Correndo o olhar sobre os convidados, viu a irmã de Harry, Jo¬lene, com quatro crianças inquietas. Parecia cansada e dez anos mais velha. O último marido não estava à vista. Pobre Jolene. Era o exemplo perfeito do destino de uma mulher que amava o tipo errado de homem. Hermione estava determinada a não per¬mitir que isso lhe acontecesse. Podia se casar com Harry, mas jamais lhe entregaria seu coração.
Respirando fundo, Hermione assentiu, indicando estar pronta, e a cerimônia começou. O pastor surpreendeu-a com sua eloqüên¬cia ao falar sobre o poder espiritual do amor entre um homem e uma mulher. Era a última coisa que queria ou esperava ouvir, mas, enquanto a voz do pastor reverberava, o mundo todo pa¬receu entrar em equilíbrio.
Uma brisa suave movimentou as águas do riacho, enquanto um casal de pássaros brincava entre as árvores. Ao fundo, o som da água da fonte natural cascateando entre as rochas.
Hermione lutou contra a impressão surreal que pairava sobre o casamento. A cerimônia era linda, perfeita, exatamente como desejara um dia, e a percepção causava-lhe uma tristeza insu¬portável. Era inteligente demais para acreditar em contos de fada.
— Você, Hermione, aceita este homem, Harryler, como seu legítimo marido? Para amar, honrar e respeitar até que a morte os se¬pare?
Um tremor surgiu em sua alma e alastrou-se até os joelhos. O que estava fazendo? Como podia mentir quanto a algo tão sagrado e esperar que tudo ficasse bem?
Olhou para o pai e então para o filho, os rostos iluminados de felicidade, e controlou a histeria. Tinha de continuar. Por eles.
Harry devia ter notado a hesitação, pois escolheu esse momento para envolvê-la com o braço forte. Inclinou-se para ela, deu uma piscadela e sorriu de leve. Surgiu uma fenda na armadura da noiva.
— Aceito — respondeu Hermione, surpresa com o tom que parecia de noiva apaixonada.
Então, foi a vez de Harry. Ele a fitou nos olhos enquanto fazia os votos. Se não soubesse que era tudo uma farsa, teria acre¬ditado em cada palavra. Hermione teve de se controlar para não se lançar no lindo sonho.
— As alianças — pediu o pastor.
Outra surpresa a aguardava. Incentivado pelo avô, James apre¬sentou uma caixinha de veludo azul com duas alianças de ouro, mais uma guarnecida de diamantes em forma de estrela. Por que Harry se dera a tanto trabalho e gasto para um casamento de mentirinha?
Naquele momento, Hermione não estava em condições de anali¬sar. Seguiu o exemplo de Harry, tomou a mão dele e colocou a aliança. Ao perceber que ele também estava nervoso, quase demonstrou toda sua perturbação.
Ela sentiu o coração disparar com as palavras seguintes do pastor.
— Eu, agora, os declaro marido e mulher.
Marido e mulher. As palavras ecoaram em seu coração. Es¬tava casada. Com Harry Potter. Engoliu em seco para aplacar a sensação de arrependimento, e fitou a mão masculina junto a dela. No instante seguinte, Harry abraçou-a, e ela se esqueceu de tudo enquanto ele a beijava. Quando ele se afastou, divertido com a expressão dela, o resto da congregação vibrou. Pelo menos cinqüenta chapéus de caubói voaram na abertura da comemo¬ração que tomou conta das adjacências da nascente do riacho.
Em uma roda de convidados, Harry ouvia comentários sobre as preocupações normais dos fazendeiros acerca da estiagem e que¬da no preço da arroba. Sorridente, replicava nas horas certas, embora seus pensamentos estivessem na esposa, que circulava pela barraca montada ao ar livre, bancando a anfitriã graciosa com as pessoas que conhecia desde sempre.
Conseguira levar Hermione ao altar, mas agora imaginava para onde iriam. Hermione visivelmente ainda se ressentia, após tanto tempo.
Harry lembrou-se do momento antes da cerimônia quando lhe disse que estava linda. Só por um breve instante, a antiga Hermione voltara. Então, ela se recompusera e erguera uma parede de reserva novamente, algo que fazia sempre que ele se aproxi¬mava demais.
Olhou para o garotinho que brincava junto de Pete. Lá estava outra questão a exigir cautela. Sempre que visitara, durante a catapora, James o observara calado. Quando a mãe chegava, ele se iluminava como um alvorecer e ficava tão engraçadinho quan¬to um cachorrinho.
— Belo casamento. — Jess Martin, o padrinho de Harry e antigo companheiro de viagens no circuito de rodeios, deu-lhe um tapa no ombro. Segurava um apetitoso prato de churrasco.
— Muito romântico, se quer saber — comentou Sally, jun¬tando-se ao grupo de amigos.
— Quem acreditaria que o filho de Sam Potter daria um marido — comentou uma senhora idosa, conhecida de Pete e Sally. — Ora, eu me lembro de como Sam sumia após cada…
— Mildred — interrompeu Sally. — Este rapaz não é Sam.
Por um momento nervoso, Harry fitou-a e lutou contra a terrível noção de que ela pudesse estar certa. E se ele não conseguisse ser fiel? E se acordasse um dia e sumisse, como seu pai fizera?
Ansioso, procurou por Hermione. Ao vê-la, um pouco da tensão desapareceu. Podia seguir em frente. Para dizer a verdade, queria. Por Hermione. Nenhuma velha fofoca iria estragar seu ca¬samento.
Hermione inclinou a cabeça e riu. Atônito com a curva do pescoço e o brilho dos brincos, Harry dispensou o comentário da mulher. A grinalda de flores que Marietta arrumara nos cabelos loiros de Hermione deslocara-se um pouco. Ele sentiu uma pontada de excitação. Hermione era sua esposa. Pelo menos por enquanto.
Sem tirar os olhos dela, colocou sobre a mesa a taça de cham¬panhe e foi a seu encontro. A festa acabava. Estava pronto para levar a esposa para casa.
— Eu levo James para o motel comigo esta noite — ofereceu-se Marietta.
Com a desculpa de reabastecer os pratos, as duas amigas conseguiram se distanciar o bastante dos convidados para uma conversa em particular.
Hermione tateou a aliança, que parecia estranha na mão.
— Para quê?
— Você acaba de se casar com um dos homens mais eston¬teantes que já vi. — Marietta deu um tapa no ombro de Hermione. — É a sua noite de núpcias, mulher.
— Eu não vou dormir com ele — avisou Hermione, lançando um olhar de soslaio ao caubói magnífico que andava em meio aos convidados. Sentiu o coração se acelerar. — É só um acordo comercial.
Marietta ergueu o sobrolho.
— Bem, querida, pelos olhares que seu marido lhe lançou durante a festa, acho que negócios são a última coisa na cabeça dele.
Hermione percebera os olhares, mas também se lembrava da ga¬rota de dezenove anos que fora, sozinha numa cidade estranha com o resultado da paixão de Harry Potter crescendo em seu ventre. Podia sentir desejo por ele, mas seu corpo já a traíra antes. Harry era capaz de dormir com ela naquela noite e ir embora pela manhã.
— Mais um motivo para James ficar aqui comigo, onde é seu lugar. — Deixou o prato na mesa mais próxima e esquadrinhou a multidão. O menino corria para junto do avô, e Hermione sentiu alívio ao vê-lo puxando a calça de Pete. Formavam uma dupla enternecedora, o velho fazendeiro e o menino de cinco anos em ternos idênticos ao estilo do Oeste, do paletó preto à fivela de prata brilhante.
— Acho que não será tão fácil quanto imagina — alertou Marietta, retomando o assunto. — E se ele descobrir que James é filho dele?
— Ele não vai descobrir.
— E Josh? Se ele descobrir que se casou novamente, vai causar encrenca. Você sabe disso.
Hermione prendeu a respiração involuntariamente. Não pensara em Josh. Ele era cruel o bastante para tornar sua vida mais miserável do que já fizera. Felizmente, não soubera do casa¬mento. Até James ser o proprietário legal da fazenda, teria de tomar cuidado para que o ex-marido não descobrisse.
— Só me importo com meu filho e com o que lhe é de direito. Não se preocupe. Você distrai Josh. Eu posso lidar com Potter.
— Então, prepare-se, porque aí vem ele. — Marietta sorriu largo para Harry. — Lindo casamento, meu caro.
— Obrigado. — Ele sorriu cortês 'e então concentrou-se em Hermione. — Pronta para irmos?
— Para onde?
— Para casa.
Hermione estava exausta e mais do que pronta para se afastar de todos aqueles amigos bem-intencionados. Fingir ser uma noi¬va feliz cansava, e seria muito mais fácil lidar com Harry em par¬ticular. Mais importante, assim que estivessem em casa, aca¬bariam com a farsa.
— Vou pegar James e poderemos ir. — Hermione deu-lhe as costas, mas Harry estendeu a mão e a deteve.
— Pete vai ficar com ele.
— Não, não vai. — Hermione controlou a vontade de gritar.
— Claro que vai. Acabo de falar com eles, e o menino está todo excitado com a perspectiva de dormir na casa do avô.
— Você não tinha o direito de fazer isso! — censurou Hermione.
— Foi idéia de Pete.
— Pois quero James em casa comigo.
— Não estrague a diversão deles, Hermione. É importante para o seu pai.
Maravilha. Ele usava o pai e o filho contra ela. Ele não queria estragar era seu próprio divertimento. Pois tinha novidades para ele. Com ou sem James na casa, não haveria nenhuma trapaça.
Fazer sexo podia ser tentador, mas o lembrete da última vez juntos sempre a manteria no controle. Suspirou em rendição.
— Vamos, então.
— Jess está trazendo o cavalo.
— Onde está Taffy? — Hermione olhou ao redor, procurando a égua, mas só viu o grande garanhão de Harry.
— Jess vai levá-la de volta ao estábulo.
Ela ergueu as mãos.
— E como eu vou para casa?
— No Cochise. — Ele assentiu na direção do garanhão. — Comigo.
— Não. Isso é ridículo. — Mas surgiu uma saudade traiçoeira com a idéia de aninhar-se junto de Harry numa cavalgada de volta para casa. Já se perturbava com o leve perfume dele, com a visão do contraste da pele morena e da camisa branca, com a voz grave.
— E simbólico. — Ele sorriu, charmoso. — Chegamos como dois e partiremos como um.
Sombras do passado. Como ele se lembrava dos planos infantis que fizeram olhando as estrelas, havia tanto tempo?
— Eu não vou. — Ela meneou a cabeça e recuou.
— Farei um escândalo. — Os olhos castanho-escuros dele brilhavam maliciosos enquanto se aproximava devagar, como um coiote cercando a presa.
Temerosa e irritada, Hermione se enrijeceu, a renda do vestido provocando a pele sensível das pernas.
— Você não se atreveria.
— Vamos ver.
Ele se atreveria, raios. Harry adorava ser o centro das atenções.
Adoraria colocá-la na sela e partir rindo e agitando o chapéu, satisfeito em levá-la contrariada e aos berros.
Suspirando exageradamente, ela desistiu e dirigiu-se ao ca¬valo. Era melhor acabar logo com aquilo. Tentou se esquivar, mas Harry segurou-lhe o braço. Ela sentiu um arrepio de ansiedade.
— Temos de dar aos convidados o show esperado.
Ela estremeceu com a idéia.
Harry abraçou-a dramaticamente, inclinou o rosto e aproximou a boca. Hermione preparou-se para o beijo arrasador.
— Tasque-lhe um bom beijo, Harry!
Tinham público… uma horda de caubóis risonhos.
Harry aproximou os lábios até que o hálito quente de champa¬nhe se misturasse ao dela. Hermione sentiu o coração falhar uma batida.
Tinha certeza de que ia se vaporizar com a expectativa quan¬do Harry roçou o nariz no dela, num beijo esquimó.
— Pensou que eu ia beijá-la novamente, não é? — espicaçou, os olhos reluzentes de divertimento.
Risadas ribombaram ao redor. Apesar de sua determinação em não cair no charme dele, Hermione quis rir também. Revirou os olhos.
— Oh, vamos, ria! Vai lhe fazer bem.
— Eu te odeio — murmurou ela, mas o sorriso a traiu. Como se nunca tivesse ouvido nada tão engraçado, Harry lançou a cabeça para trás e riu. Soltando-a, encaixou a bota no estribo e montou em Cochise. Depois, inclinou-se, agarrou-a pelos bra¬ços e a instalou facilmente atrás de si na sela.
Ele tocou no chapéu, despedindo-se de todos.
— Obrigado pela presença! A gente se vê quando emergirmos em busca de ar…
Hermione reteve o fôlego, enrubesceu bastante e escondeu o rosto nas costas do marido. Partiram a galope entre brados e risos, e uma coisa ficou clara: todos os convidados acreditavam que aquele fora um casamento de verdade. Por alguns segundos, ela também quis acreditar.
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