Capítulo 6
Hermione suspirou cansada e girou o pescoço dolo¬rido de um lado a outro enquanto andava pelo corredor rumo ao banheiro. Aspirina. Precisava de uma aspirina.
— James está dormindo?
Hermione piscou surpresa e sentiu o coração disparar. Harry estava nas sombras, no outro extremo do corredor, com uma caneca na mão. O cheiro de chocolate quente tomava conta do ar.
— Pensei que tivesse ido dormir.
— Não. — Ele a chamou com o queixo. — Venha se sentar e tomar o chocolate quente. Parece cansada.
A idéia de tomar um chocolate quente no meio da noite com Harry Potter era tão tentadora quanto repulsiva, mas Hermione es¬tava cansada demais para analisar o conflito.
— Vou pegar uma aspirina.
Harry olhou para o bolso da camisa.
— Tenho algumas aqui. Vamos.
Sem esperar por resposta, ele entrou na sala pela porta da frente. Por tudo o que era sagrado, Hermione não sabia por que o acompanhava. Com certeza, não parecia ser uma boa idéia, mas tendo Harry previsto sua necessidade de aspirina, ficara curiosa. O que ele estava pJamesjando?
Pela porta de proteção aberta, a lâmpada da sala lançava um facho retangular amarelado na varanda, eliminando a ne¬cessidade de mais luz. Harry sentou-se no degrau, deixando espaço para Hermione. Após um longo momento de hesitação, no qual me¬diu mentalmente a distância entre seus corpos, Hermione capitulou. Daquele lugar perto da janela, poderia ouvir facilmente se James a chamasse.
Encostou os joelhos no queixo, pegou a caneca de chocolate quente e sorveu o líquido reconfortante.
— Obrigada. Era exatamente disso que eu precisava.
— Percebe que é a primeira coisa gentil que me diz desde que chegou aqui?
Ela notou o tom divertido.
— Prefere que eu grite e jogue o chocolate em cima de você?
— Não seria a primeira vez.
Ela permitiu-se uma risada cansada.
— E as aspirinas que prometeu?
Ele tocou na mão dela só o bastante para capturar seu olhar. O que Hermione viu deixou-a confusa, ansiosa… e algo mais pertur¬bador. Harry avaliou seu semblante, formulando perguntas vela¬das que ela não queria responder.
Hermione desviou o olhar, recolheu a mão e engoliu os compri¬midos com um gole de chocolate.
O ar morno pulsava com o coaxar de três sapos. Harry moveu-se, apoiou a bota no degrau abaixo e estendeu a outra perna.
— Lembra-se de que costumávamos nos sentar juntos em noites como esta e conversar? Se havia algo que fazíamos bem era conversar.
— Sim. — A outra coisa em que eram bons pairou no silêncio. — Eu me lembro. — Precisava deter aquelas lembranças tolas antes que aflorassem. — Mas é verdade o que dizem, Harry. Não se pode voltar no tempo.
Ele girou a caneca entre as mãos.
— Imagina por que não?
Hermione não respondeu. Como explicar que certas atitudes fe¬riam tanto que não havia chance de retorno? Voltar só signifi¬cava outra oportunidade de cometer erros insuportáveis. Harry esticou o braço segurando a caneca.
— Vaga-lumes.
— Estou vendo. — Hermione relaxou um pouco e baixou as pernas um degrau para observar os insetos luminosos em sua dança de acasalamento. A fim de aliviar a dor no pescoço, puxou o elástico do rabo-de-cavalo e inclinou-se para a frente, massa¬geando os músculos tensos. Lembrou-se da massagem de Harry na cozinha, de como a sensação fora boa.
Quando ergueu a cabeça e baixou as mãos, os cabelos cas¬catearam pelos ombros, chamando a atenção de Harry.
Ele a achou incrivelmente sexy, sentada ali com os cabelos soltos e as pálpebras quase se fechando de sono. Ainda usava a camiseta com a garota na sela que atiçara suas fantasias pela manhã, embora a garota agora se movesse a um ritmo mais lento. A ação era quase erótica. Tentou dispersar a idéia com um gole de chocolate, sem sucesso.
Conversaram sobre assuntos corriqueiros, sobre a loja de Hermione, sobre a participação de Harry nas finais nacionais de rodeios e sobre o joelho ruim de Pete.
— Como está sua mãe? — indagou Hermione, as lembranças tão doces quanto o chocolate.
— Bem. — Surgiram ruguinhas ao redor dos olhos de Harry. — Ainda fazendo todos os cabelos loiros tingidos de Bootlick.
— Holly ainda vende carros no Texas?
— Ela é dona da revenda agora. Foi lá que comprei minha caminhonete.
— Aposto que ela nem lhe deu um desconto. — Hermione falava com afeto, lembrando-se da irmã mais nova dele, com os mes¬mos cabelos pretos e determinada a fazer algo de sua vida.
Harry riu.
— Deu um descontinho, porque tomei conta das meninas enquanto ela e Darrin escapuliam para Las Vegas.
Harry Potter de babá. Hermione não conseguia imaginar. Claro, nunca imaginara que voltaria a se sentar com ele nos degraus daquela varanda, conversando civilizadamente. Pousou a cane¬ca no piso de concreto, desfez os laços dos tênis, removeu-os e estendeu as pernas.
— Papai disse que Jolene se casou de novo.
Harry cutucou a grama com a ponta da bota.
— Já teve três maridos lamentáveis, e continua se casando com camaradas que a tratam mal. Está grávida de novo também.
Hermione meneou a cabeça, igualmente triste por Jolene, a irmã mais velha dele, ter feito tantas escolhas ruins.
— É engraçado como algumas mulheres parecem cometer os mesmo erros repetidamente. — Ela esfregou os pés na grama viçosa, murmurando quase consigo mesma: — Nunca serei tão estúpida novamente.
— Não acredita em segunda chance?
— Não. — Hermione não ousava dizer que Josh fora sua segunda chance. Dois relacionamentos fracassados, acreditar duas vezes em promessas vazias foram suficientes para ela entender que não podia confiar no próprio julgamento em questões do cora¬ção. Puxou o pé de volta ao piso de concreto. Havia grama nos dedos. — Tenho um filho para criar. Ele é a minha vida. Não preciso, nem quero, mais ninguém.
Mesmo a seus ouvidos, a decisão soava áspera e amarga. Harry voltou-se para ela, sério.
— Seja lá o que Josh Riddley tenha feito, deve ter sido ruim. O que aconteceu entre vocês?
Ela aproximou os joelhos novamente e abraçou as pernas.
— O que aconteceu foi culpa minha, na verdade. Cometi o erro de confiar nele.
Por que revelava tal fato era um enigma, mas, fosse qual fosse o motivo, a doença de James, seu próprio cansaço ou a presença de um homem que um dia a entendera melhor do que ninguém, precisava conversar. Para variar, a companhia de um homem, ainda que Harry Potter, proporcionava o tipo de conforto de que ela precisava. Que importava? Um deles logo partiria, como antes.
— Ainda sente, algo por ele, não?
Oh, sim, Hermione ainda tinha sentimentos por Josh Riddley. Mágoa. Medo. Culpa.
— Certas coisas nunca desaparecem, Harry, não importa o quanto desejemos que sim.
— Mas está divorciada há muito tempo.
— Na verdade, não. Embora não estejamos juntos desde quando James usava fraldas, só consegui juntar o dinheiro para o divórcio há um ano. — E Josh não parara de ameaçá-la nesse tempo todo, querendo dinheiro, querendo a ela.
Harry estava completamente estendido na varanda e nos degraus de acesso, enquanto Hermione se comprimia num abraço em si mesma. Ele lhe tomou o pé, puxando gentilmente até ela ceder.
— Assunto ruim. Desculpe-me.
— Tudo bem. — Mas ela estendeu o corpo e se levantou, esquivando-se ao contato acolhedor e tentador. Ativava as defesas sempre que falava do ex-marido, recordando amargamente o motivo para não se apaixonar novamente. — É melhor eu ir ver James. Obrigada pelo chocolate.
Harry permaneceu na varanda com os vaga-lumes dançando na escuridão, mas Hermione sentiu seu olhar intenso enquanto entrava na sala e tomava o corredor. Ao aproximar-se do quarto, uma pergunta continuava sem resposta. O que exatamente Harry Potter estava tramando?
Hermione puxou o rabo-de-cavalo pela abertura do boné rosa-cho¬que e olhou-se no espelho. Considerando a noite agitada com James, era um espanto estar de pé. Durante as poucas horas em que ele dormira, fitara o teto, pensando em Potter. Ele estava sendo gentil demais, e não confiava nem um pouco nele. Ao alvorecer, quando o céu a leste já ficava rosado e o galo cantava, entendeu por que ele estava sendo tão agradável. Não pela crian¬ça enferma. Nem por ter tomado a fazenda de sua família. Nem mesmo porque a abandonara seis anos antes. Oh, não. Potter, a alma impiedosa, preparava-se para desferir o golpe fi¬nal. Ele lhe preparara chocolate quente, retirara as compras do carro e usara aquele charme de moço do interior para distraí-la. Agiria assim até ela desistir e voltar para Oklahoma.
Uma última olhada no filho adormecido ao sair do quarto era do que precisava para se fortalecer contra qualquer arma¬dilha que Potter preparasse para ela naquele dia.
— Esta fazenda é sua, por direito de nascimento, James — sussurrou. — E vou recuperá-la para você, nem que tenha de dançar com o canalha.
A meio caminho da cozinha, o aroma de toicinho defumado frito lhe chegou às narinas. Talvez dançasse com o canalha antes do que esperava. Potter ainda estava na casa. E cozi¬nhando. Sentiu o coração acelerar. Ele não tinha trabalho a fazer na fazenda?
Empertigou-se e entrou na cozinha, passando pelo caubói diante do fogão. Foi direto à cafeteira. Muito provavelmente, ele considerava a conversa na noite anterior uma vitória, mas fora apenas uma trégua, induzida pela exaustão. Naquela ma¬nhã, Hermione Granger voltara a ser ela mesma. E estava decidida¬mente mal-humorada.
— Bom dia, srta. Hermione. — Harry sorriu enquanto virava as tiras de toicinhos defumado na frigideira.
Raios. Lá estava ele, tão irresistível quanto o café da manhã, descalço, os cabelos castanho-escuros úmidos curvando-se nas orelhas, a camisa de cambraia azul aberta, expondo o abdome bronzeado, enquanto ela se sentia tão acabada quanto uma pa¬nela velha.
— Espero que a gordura queime a sua barriga.
Harry bateu nos músculos abdominais bem definidos.
— Você beijaria a região injuriada para eu me sentir melhor.
Involuntariamente, Hermione imaginou-se passando a língua naquela pele morena.
— Vá sonhando, caubói. — Desviou o olhar, pegou uma caneca do armário e serviu-se de café quente.
— Não pode me culpar por tentar.
— Deixe-me em paz, Potter. Quase não dormi.
À revelação, Harry largou o garfo e avaliou-a, percebendo olhos avermelhados e a palidez.
— Como está o menino?
A preocupação era quase tão encantadora quanto o corpo dele.
— No momento, está dormindo. Mas agitou-se a noite toda.
— Eu sei. — Ele foi pegar um prato no armário e o forrou com toalha de papel. — Eu ouvi.
Hermione despejou duas colheres de açúcar no café e misturou.
— Não me diga que ficou acordado a noite inteira preocupado com a catapora?
— Hum? — Ele franziu o cenho enquanto colocava a fritura no prato. — Oh, sim. Já telefonei para minha mãe.
— E?
— Não tive.
Hermione deteve a caneca a meio caminho dos lábios.
— É a melhor notícia que tive em três dias! — festejou. Harry fingiu se magoar. Então, animou-se.
— Veja desta forma. Se eu ficar doente, você terá de cuidar de mim.
— Se você ficar doente, deixarei que morra.
— Catapora não é fatal.
— Que pena.
Ele começou a retirar ovos caipira da geladeira.
— Como gosta dos ovos?
— Não estou com fome. — A última coisa que ela queria era passar uma refeição inteira sentada à mesa com aquele crápula.
A noite anterior fora confortável demais, e ela ainda estava confusa. Harry fora gentil com ela no dia em que partira também, o que só provava como ela não sabia julgar o caráter das pessoas.
— Mexidos. — Ele quebrava os ovos na borda de uma tigela como se ela não tivesse falado nada. — Com pimenta. E farei mais para James. Um garoto doente precisa de um lauto café da manhã.
— Para James, um grande café da manhã é aquele com re¬frigerante de morango. Hoje, duvido de que ele queira qualquer coisa.
Batendo os ovos, Harry ergueu o olhar e apontou-lhe o garfo melado.
— Esta manhã, ele terá ovos e toicinho.
Hermione suspirou, rendendo-se. Que ele descobrisse sozinho que ninguém podia forçar um garoto de cinco anos doente a comer.
— Devo fazer torradas?
Ele indicou o forno com um movimento de queixo.
— Estou assando biscoitos.
— Quando aprendeu a fazer biscoitos? — Ela lançou-lhe um olhar incrédulo.
— Qualquer um pode fazer isso — respondeu Harry, com um sorriso. — Abra a embalagem, distribua as rodelas na fôrma e… voilà, biscoitos!
Se não estivesse tão determinada a odiá-lo, Hermione teria de¬volvido o sorriso. Mas sabia qual era o plano. Potter exalava charme por todos os poros naquela manhã. Ora, se não tomasse cuidado, ele a perseguiria ao redor da mesa fazendo elogios e exibindo aqueles peitorais bronzeados até ela sucumbir… Não queria pensar naquilo. Reforçando a determinação, foi à gela¬deira pegar o suco de laranja.
Harry despejava queijo na frigideira com ovos.
— Assiste ao programa de culinária de Júlia Child, é?
Ele olhou por sobre o ombro.
— Quem?
Desta vez, ela riu.
— Nada.
Hermione pôs a mesa. Harry levou a travessa com o toicinho defu¬mado frito e a outra, com uma montanha amarelada de ovos mexidos. Enquanto procuravam seus lugares à mesa, seus cor¬pos se roçaram. Hermione sentiu uma onda sensual e sentou-se apres¬sada para escapar da excitação. Simplesmente, tinha de se li¬vrar daquele homem!
Com determinação renovada, serviu-se de mais comida do que consumira desde… bem, desde o dia anterior, quando Sally preparara o almoço.
— Então, quando vai embora? — indagou, com falsa meigui¬ce, assim que recuperou a voz.
Harry despejou uma boa quantidade de molho picante no prato com ovos.
— Estava para lhe fazer a mesma pergunta.
— Fácil. — Erguendo de leve um ombro, Hermione tentou de¬monstrar uma confiança que não sentia. — Quando transferir a escritura de volta a meu pai.
Ele pousou o frasco de molho na mesa e sorriu.
— Então, diria que temos um empate mexicano.
Ele não facilitaria nada. Fizeram a refeição em silêncio, Hermione procurando uma forma de romper o impasse.
— Há algo que eu possa fazer para que mude de idéia? — Lamentou instantaneamente a escolha de palavras.
— Vamos ver… — A expressão dele era maliciosa. — Ganhei a fazenda num jogo de pôquer. Talvez… — Estalou os dedos. — Já sei! — Apreciou-a devagar, de cima a baixo. — Podíamos jogar strip pôquer. O vencedor leva tudo.
Com um bocado de biscoito entalado na garganta, Hermione teve de engolir duas vezes para força-lo a descer. Harry Potter vestido já era tentador. Arrepiava-se até a ponta dos pés com a idéia de ver seu corpo atlético e bronzeado totalmente nu. A lem¬brança de seus corpos ardentes, suados e saciados retornou. Dispersou a imagem. Sexo nunca fora problema entre eles.
— Está sonhando novamente, caubói.
— Bem, nesse caso… — Harry afastou o prato. — Tenho outra proposta para você. — Afastou a cadeira, apoiou o pé no joelho oposto. De repente, parecia sério demais. Hermione podia lidar com um Potter sexy e ardiloso, mas inquietava-se com ele sério.
— Se tem a ver com tirarmos a roupa, dispenso.
Ele ergueu a mão como uma placa de trânsito.
— Ouça-me. Talvez até goste da idéia. — Embora sorrisse provocante, havia uma intensidade, uma energia que ela não compreendia.
Hermione tinha a sensação de que estava para descobrir o que ele estava tramando. Suspirando incrédula, voltou a cabeça e preparou-se para o combate. Nada do que Harry Potter propu¬sesse a abalaria novamente.
— E se eu disser que estou disposto a tornar o seu filho meu herdeiro?
Hermione reteve o fôlego, apavorada com a possibilidade de Harry saber sobre James. Ergueu o copo de suco e tomou um bom gole, esforçando-se para manter o rosto impassível e a mão firme.
— O que você disse?
— Andei pensando muito nessa situação toda. James é neto de Pete, e deveria herdar esta fazenda.
— Então, assine os papéis.
— Espere um pouco. Ainda não acabei. — Harry estava relaxado, mas a expressão era atenta. — Traga James para viver aqui per¬manentemente. Quero ver se ele leva jeito para tocar a fazenda.
— Ele só tem cinco anos.
— O sangue dirá.
Hermione sentiu outra onda de pavor.
— O que isso significa? — As palavras saíram agudas e in¬seguras.
— Ele puxou a você ou ao pai? Se for um Granger de verdade, vai se adaptar à fazenda como um patinho na água. Estou an¬sioso em dar essa chance a ele.
Aquilo era loucura. Por que Harry sequer consideraria tal idéia maluca? A menos que… mas não, não era possível que soubesse da verdade sobre James. Abrira mão de muita coisa para prote¬ger seu segredo.
— Eu tenho uma loja.
— Venda.
— E como vou sustentar meu filho?
— Essa é a outra parte da proposta.
Harry inclinou a cadeira, equilibrando-a nas pernas posteriores. Havia uma emoção perturbadora no olhar, algo que Hermione não conseguia definir, a intuição e cautela acionadas.
Harry voltou com a cadeira na posição normal e apoiou os braços na mesa. Para variar, não havia sinal de divertimento no sem¬blante. Hermione estava mais assustada do que nunca com a apa¬rente sinceridade. Harry tomou-lhe a mão.
— Quero que seja minha sócia, Hermione, como sempre pJamesja¬mos. Quero que se case comigo.
Se ele tivesse pedido que ela desfilasse desnuda no Quatro de Julho, não teria ficado mais chocada. Deixou cair o biscoito no prato, de repente fraca.
— Caiu de cabeça demais nos rodeios, meu caro. — A voz trêmula traía as palavras atrevidas. Esfregou a mão onde o to¬que dele ainda queimava, o calor do desejo insatisfeito torturan¬do-lhe a alma. Muito tempo antes, ele a abandonara e, por mais tentadora que fosse a proposta, não seria tão tola novamente.
Harry abriu e fechou as mãos sobre a mesa.
— Sem dúvida, tem razão, mas mesmo assim é o que quero fazer. Um menino não deve crescer sem pai, assim, se ele levar jeito para a vida de caubói, eu o adotarei e o tornarei meu herdeiro.
— Não entendo. — Hermione sentia a própria pulsação nos ouvidos.
— Quer a fazenda ou não?
Ela sentiu um aperto no estômago. O que ele estava pJames¬jando?
— Por que faria tal coisa? Você nem conhece James.
— Talvez eu lhe deva.
— Talvez? Ha! Você me deve muito, Potter.
— Tem razão. Devo. — Ele a apreciou insolente, excitando-a. — Ficaria mais do que contente em começar a pagar, quando você quiser.
— Isso é loucura. — Ela pulou da cadeira e começou ajuntar os pratos e garfos. Ele queria se casar com ela e adotar seu filho? Se não fosse tão triste, teria rido. Um homem podia ado¬tar o próprio filho?
No passado, costumava fantasiar sobre aquela cena, só que havia um clima de amor e não de dever. Era reconfortante com¬provar que Harry tinha alguma consciência, mas não havia mais amor entre eles e, com certeza, nenhuma confiança.
Empurrou os pratos no balcão e passou para o lado da cozi¬nha. Harry permaneceu na cadeira, olhando-a, a expressão tão sin¬cera que a deixava abalada.
— E a única solução, Hermione. Vou manter a fazenda, reformá-la, prosperar com ela, e você estará assegurando o futuro de James. Senão, ela será só minha, e você e James estarão por conta própria.
— Tem de haver mais do que isso. — Ela raciocinava frene¬ticamente.
— Muito bem. Admito que passou pela minha cabeça que ninguém acredita que um Potter possa se estabelecer. Pre¬tendo provar que estão todos errados.
Hermione se agarrou ao balcão com mãos trêmulas. Harry queria desposá-la e tornar James seu herdeiro por alguma necessidade neurótica de redimir o nome dos Potter?
— E se você mudar de idéia e não ficar?
Harry já freqüentara tantas camas, ela não conseguia imaginá-lo ali por muito tempo.
Ele deu de ombros.
— Eu lhe darei o divórcio, mas a fazenda é de James, nenhuma condição atrelada a isso.
Algo naquele raciocínio não estava certo, mas ela não con¬seguia perceber o quê. Desde o momento em que voltara para a fazenda, não conseguia pensar racionalmente, e a situação agravara sua incapacidade. Harry Potter a manipulava, com certeza. O canalha sabia que ela estava encurralada, sem re¬curso legal, sem chance de lutar contra ele e ganhar. Assim, ele mostrara-lhe a alternativa, certo de que ela nunca concor¬daria com um negócio tão ultrajante. Harry esperava que ela re¬cusasse, que voltasse sorrateiramente para a cidade com seu filho doente, enquanto ele enriqueceria em cima do que era dela de direito, de consciência limpa. Ele poderia dizer a todo o mun¬do que tentara agir corretamente, mas ela recusara.
Que serpente! Hermione enxugou as mãos na calça e endireitou-¬se. Que cobra criada! Harry apostava em sua recusa. Bem, ela também já jogara e apostara na vida. Desta vez, não aceitaria o blefe.
Aproximou-se do balcão, encaixou as mãos aos quadris e er¬gueu o queixo.
— Potter. — Engoliu o nó na garganta. — Esta é a fazenda da minha família. Se for preciso me casar com a forma mais inferior de vida do pJamesta para mantê-la, é o que farei. Acaba de arranjar uma esposa.
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