Capítulo 5
Hermione foi a Oklahoma CiHarry e voltou no mesmo dia. Sentia o pescoço dolorido, a têmpora latejante. Já escurecera na Tilted T. Então, recordou que não se tratava mais da Tilted T, mas da Star M, graças ao egoísmo de Potter.
— Não por muito tempo — murmurou, adentrando a garagem ao lado da casa.
James dormia no banco traseiro do carro, efeito da combinação de remédios receitados pelo pediatra. Hermione olhou por sobre o ombro e suspirou cansada. O corpinho de seu pobre filho parecia uma pizza de cogumelos. Ele ficaria assim por alguns dias.
Sem se importar em trancar o automóvel, carregou o menino adormecido pelo gramado até a casa. Embora o pátio estivesse escuro, caminhava sem dificuldade no terreno tão familiar. Grilos trinavam, um coelho pulou de seu esconderijo e entrou no canteiro de flores tomado pelo mato.
Ao chegar à escada dos fundos, para sua surpresa, a luz da varanda se acendeu.
Harry surgiu à porta, o rosto esculpido iluminado pela lâmpada amarelada. Por algum motivo tolo que ela não conseguia imaginar, ele parecia aliviado. Quando falou, foi em tom suave e receptivo, como se fosse a coisa mais natural do mundo vê-la chegar à noite. Algo dentro dela se manifestou.
— O que tem aí?
Instantaneamente, ela ficou alerta. Não esperara deixar Potter se aproximar tanto de seu filho… do filho dele… e sentiu medo. Apertou a criança adormecida contra o peito.
— É um menino doente.
Harry abriu a porta de tela e estendeu os braços.
— Ele parece pesado. Deixe que eu carrego.
— Não! — exclamou Hermione, e o menino se mexeu, resmun¬gando em seu sono. Ela se controlou ante a expressão atônita de Harry. — Quero dizer… ele pode se assustar se acordar e vir um rosto estranho.
— Oh, claro. — Harry recuou, voltando para o corredor. — Em que quarto vai deixá-lo?
Hermione suspirou de alívio. Quanto antes colocasse James a salvo na cama, melhor, embora não imaginasse como manteria o filho longe de Harry nos dias seguintes.
— No meu, claro. Posso cuidar dele melhor assim.
Seguiu Harry pelo corredor, mas logo lamentou a atitude, por¬que seus pensamentos traidores concentravam-se no corpo es¬guio do caubói que caminhava a sua frente. Ele vestia uma camisa preta que lhe destacava os ombros largos e os quadris estreitos, uma visão tentadora, mesmo odiando-o. O aroma de sabonete do banho recém-tomado provocava seus sentidos. Raios, por que ele tinha sempre de cheirar tão bem? Podia se parecer mais com seu coração cruel…
Anfitrião perfeito, Harry abriu a porta do quarto dela, entrou e puxou a colcha sobre a cama. Se ela não estivesse tão cansada, o odiaria um pouco mais por bancar o anfitrião na casa dela. Em vez disso, instalou a criança de pijama entre os lençóis.
— O que é que ele tem? — Harry fitou a criança, a voz suave.
— Catapora.
Harry ficou tenso e recuou.
— Catapora?
— Sim. — Ela percebeu a cautela. O homem ficara pálido. — Algum problema?
— Oh, não… — Harry foi à porta e pegou na maçaneta, atento à criança adormecida. — Nenhum problema.
— Então, por que está agindo de forma estranha?
— Não sei se já tive catapora.
— Não sabe? — Hermione levou a mão à boca, mas não conseguiu reter a risada.
Com o som, a criança se mexeu, choramingando em seu sono. Os adultos olharam para o enfermo e saíram do quarto. Ainda sorrindo, Hermione deixou a luz acesa para o caso de James acordar em sua ausência.
— Oh, essa é boa — comentou ela, quando chegaram à sala. — O caubói premiado com medo de uma doença infantil!
Nada lhe daria mais prazer do que ver Harry Potter coberto de pústulas.
Ele não pareceu se perturbar com a ironia.
— As crianças não tomam vacina contra isso, hoje em dia?
— O médico disse que não são cem por cento eficazes. Ele já viu vários casos nas últimas semanas. — Hermione massageou o pescoço dolorido e acendeu a luz da cozinha, mais do que con¬tente com o desconforto de Potter. Impedia-a de pensar no cheiro gostoso dele. — Vou fazer um chocolate quente. Quer também?
Devia morder a língua por oferecer. Não sabia por que o fizera. Talvez porque a cozinha fosse tão aconchegante e fami¬liar, e porque ficar ali, desejando Harry, lhe lembrasse tempos mais felizes.
Harry assentiu, indiferente.
— Talvez eu deva ligar para minha mãe pela manhã, para ter certeza.
Ele ainda se preocupava com a catapora. Com a mão na porta do armário, Hermione olhou por sobre o ombro e riu ante a expressão tensa de Harry. Ele sorriu e deu de ombros, pondo de lado o assunto. Pegou as canecas acima da cabeça dela.
Hermione voltou-se para evitar o contato, mas, tarde demais, fi¬cou presa entre o balcão e o corpo de Harry. Ele encostou o quadril em seu abdome, o contato despertando algo dentro dela. A única escapatória seria pular na pia da cozinha. Então, permaneceu onde estava, sentindo a carne formigar em cada ponto. Por que ele simplesmente não se afastava?
— Pensei que tivesse ido de vez. — O corpo dele vibrava com as palavras murmuradas.
— Bem que você gostaria…
Ele fez pausa.
— Na verdade, não.
Era a última coisa que ela esperava ouvir. E também a úl¬tima coisa que queria ouvir, considerando o calor dos músculos peitorais tão próximos de seu rosto. Mal podia respirar. Por que ele não se afastava?
— Não seja gentil, Potter. Nada do que diga ou faça mu¬dará o que sinto por você. — Tentava ser impertinente, mas a voz a traía, soando mais como um pedido.
— Eu digo o mesmo.
O que ele queria dizer com aquilo? Que a odiava também?
Ele ergueu a cabeça. Os olhos brilhavam de emoção, certo, mas nada relacionado a ódio.
Hermione engoliu em seco, o coração disparado. Desprezava aque¬le homem. Por que ele não enfiava aquilo naquela cabeça dura? E por que não recuava só um pouco? O cheiro de banho tomado e o calor másculo despertavam sensações que ficavam melhor inertes. Engoliu em seco.
Harry mantinha os braços nas laterais, prendendo-a. Pousou as canecas no balcão e se aproximou ainda mais. Ela queria se esquivar, mas seu corpo não se mexia. Harry acariciou-lhe os bra¬ços, e ela estremeceu, praguejando contra a própria fraqueza. Como podia ficar ali parada, permitindo que ele a tocasse… desejando que ele a tocasse… após todo o sofrimento que ele lhe causara?
— Hermione… — sussurrou ele. O olhar era como fogo contra sua resistência enquanto ele lhe massageava os nós de tensão nos ombros. — Aqui?
— Humm… — Ele fora direto ao ponto que mais a incomo¬dava. Bem, o único lugar que ela permitiria que ele massageas¬se, de qualquer forma. Devia afastar-se dele, mas as mãos fortes eram tão eficientes, e fazia tanto tempo que ninguém a mas¬sageava nos pontos de tensão…
Josh só se interessava pelas próprias dores, pelos próprios desejos. Era engraçado como este homem, que nunca fora seu marido, respondia instintivamente às suas necessidades vela¬das, tocando-a de uma forma totalmente diferente da de Josh.
Fechou os olhos e deixou pender a cabeça, entregando-se à sensação deliciosa dos dedos quentes e laboriosos. A casa estava em silêncio, exceto pelo som grave da geladeira e um toque ocasional do relógio digital no forno elétrico. Tudo era tão ma¬ravilhosamente familiar, da cozinha ao homem.
Mas Hermione não poderia ignorar as sensações perturbadoras por muito mais tempo. Harry mantinha seus corpos tão unidos que ela ouvia os batimentos erráticos do coração, sentia a firmeza da musculatura que lhe permitia permanecer no lombo de um animal irrequieto de meia tonelada. O hálito quente agitava seus cabelos, evidenciando que ele a olhava, que a observava.
Hermione ficou tensa, e não tinha nada a ver com a dor nos om¬bros, mas tudo com Harry Potter. Estava sozinha havia tanto tempo que, por um segundo, imaginou como seria perdoar, es¬quecer e aceitar os sentimentos que ressurgiam entre ambos.
Mas, antes que tomasse alguma atitude idiota, um grito de medo ecoou pela casa, trazendo-lhe algum juízo.
— Mamãe! Mamãe!
Era o impulso de que Hermione precisava. Trêmula, escapou de Harry e disparou pelo corredor ao encontro do motivo pelo qual não podia perdoar e esquecer.
Harry permaneceu à porta, observando Hermione aninhar o filho febril junto ao peito e executar todos os gestos maternais, ava¬liando sua temperatura com a mão sobre a testa, embalando-o, murmurando palavras de conforto. Ela afastou os cabelos loiros da testinha molhada de suor e deu-lhe um beijo carinhoso.
Harry experimentou uma estranha sensação no estômago, algo que não sabia denominar. Entendia o desejo que o tomara na cozinha. Desejar uma mulher bonita como Hermione era fácil, e com certeza não se esquecera de como podiam se entender. Mas aquela sensação… a percepção repentina de como era certo ver Hermione e o garotinho naquela casa atingiu-o como o coice de um touro bravo.
Culpa. Tinha de ser. Aquela fazenda pertencia muito mais a eles.
Bendito Pete por colocá-lo naquela situação!
— Estou quente, mamãe — choramingou o garotinho loiro, com o rosto em forma de coração, igual ao da mãe.
— Eu sei, querido — consolou Hermione e olhou para o relógio. — Mamãe vai pegar o seu remédio e uma toalha úmida para enxugá-lo. Isso deve ajudar.
Ela o fez se deitar novamente sobre o travesseiro e afastou os cabelos do rosto.
— Está com fome?
James meneou a cabeça, passando a língua nos lábios rachados.
— Com sede.
— Está bem. O que vai querer? Um suco?
Harry entrou no quarto.
— Tem leite e suco na geladeira.
Hermione voltou-se, surpresa. Aparentemente, não percebera que ele a seguira. Enrubesceu de leve ao encará-lo.
— Refrigerante, mamãe — choramingou a criança, chaman¬do a atenção. Olhou para Harry e então, de volta à mãe.
— Lamento. — Harry ergueu as mãos. — Não tem refrigerante. — Realmente lamentava.
— Eu trouxe refrigerantes e outros mantimentos comigo, mas ainda estão no carro. — Hermione acariciou o rosto do filho e come¬çou a se levantar da beirada da cama.
Harry adiantou-se.
— Cuide de James, eu pego as compras.
Harry rapidamente foi ao carro, com a imagem de Hermione e o filho impressa nos pensamentos. Ela era uma boa mãe, como ele sabia que seria. Estava preparado para aquilo, mas não para o que sentira ao vê-la cuidando do filho. Sabia que ainda gos¬tava dela, que por isso concordara com aquele plano maluco de Pete, mas não previra a sensação ao vê-la cuidar do filho… uma criança que deveria ter sido dele. Nem sabia como a desejava desesperadamente, mesmo com o filho de outro homem nos bra¬ços. Estava magoado com o que ela fizera, mas ainda a desejava.
Abriu a porta do carro e bateu a cabeça na carroceria baixa.
— Automóveis de passeio… — Caminhonetes eram muito melhores.
Harry massageou a cabeça e congelou. O perfume de Hermione ainda impregnava o interior do veículo. Sentiu os joelhos fracos e se sentou no banco de passageiro.
— Ah, Hermione, Hermione… — O que ela lhe provocava? Dois dias em sua companhia arredia, com sua fragrância feminina inva¬dindo a casa, e se comportava como um adolescente movido a hormônios.
Fitou o banco traseiro, de onde um animal de pelúcia bem usado o encarava com seu único olho. O menino. Não esperara aquela onda de ternura, aquela necessidade de dar-lhe proteção. Pobre criaturinha, abandonado pelo próprio pai. Sabia como aquilo magoava, e o filho de Hermione, o neto de Pete, merecia mais.
Esticou-se e pegou o pacote da mercearia. Havia também uma mochila com estampa de personagens de desenho animado. Prendeu tudo sob o braço, passando o cachorro azul de pelúcia para a mão livre. Fechou a porta do automóvel com o quadril e atravessou o pátio mal iluminado.
Se desse a fazenda a Hermione, ela o colocaria para fora e ainda o atropelaria com seu carrinho compacto. Um caubói morto não podia se redimir ou manter promessas. Mas, se não lhe desse o que ela queria, Hermione podia simplesmente voltar para Okla¬homa e jamais retornar. E isso também não daria certo. De jeito nenhum.
Agora que vira a dedicação dela para com James, sabia o que a manteria ali. Conhecendo Hermione Jane, tinha de forçar um pouco, mas, se jogasse direito, todos poderiam ter o que que¬riam. Sorriu de leve, pensando no confronto iminente. A vida era mesmo um jogo… e no momento dispunha de uma ótima mão de cartas.
Puxou a porta de tela com o pé, entrou e amorteceu o retorno da porta com as costas.
Na cozinha, desempacotou as compras, notando que a maio¬ria dos itens era especificamente para o garoto doente. Não que se surpreendesse. Ao abrir o refrigerante e despejá-lo num copo, percebeu as duas canecas limpas que colocara no balcão antes. Antes de Hermione roubar-lhe o juízo. Colocou água nos copos, le¬vou-os ao microondas e então pegou a mistura para chocolate quente no armário. Provavelmente, ficariam acordados por al¬gum tempo.
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