Capítulo Dois
Eu adoro trabalhar no domingo. Para começar, recebe-se um dia inteiro de pagamento e trabalha menos; só precisa entrar às onze e meia no domingo. E também, na verdade é legal ter alguma coisa para fazer. Quer dizer, domingos são ótimos quando se tem namorado; não há nada melhor do que passar o domingo inteiro na cama ou pegando o carro para ir a algum pub para um almoço maravilhoso. Mas, tendo dito isso, eu geralmente passava as manhãs de domingo com Lene, enquanto Pete curtia uma ressaca.
Mas neste exato momento estou aliviada por ter alguma coisa para fazer, mesmo que essa coisa seja arrumar cabides e vender roupas com preços ridículos de tão caros. Pode ser mundano, mas pelo menos ocupa meu tempo.
Chego à Tina T, a loja em que trabalho, cerca de cinco minutos adiantada, e encontro Minerva olhando para uma arara de roupas com uma expressão aborrecida no rosto.
— Droga — ela diz, distraída, e então começa a resmungar sem abrir a boca.
— Está tudo bem? — pergunto hesitante. Como regra geral, eu não falo com Minerva. Ela é a pessoa mais aterrorizante que já conheci, e tem um jeito de ficar olhando para você quando diz algo, como se você fosse algum tipo de inseto que ela não sabe muito bem se deve matar ou não. Minerva é minha chefa, e tem olhos na nuca, consegue vender qualquer coisa para qualquer um e consegue ver um grão de poeira na sua roupa a dez passos de distância. Eu não me surpreenderia se ela tivesse um casaco feito de dálmatas em casa.
— Os idiotas desgraçados me mandaram tamanho 44 da Marni. Quer dizer, puta que o pariu, eu disse que era tamanho 40. Isto aqui é Notthing Hill, desgraça, quem usa tamanho 44 aqui?
Essa é outra característica da Tina T. Parece a terra dos magros. Veja Minerva, por exemplo: tamanho 36, no máximo. Ela simplesmente não tem carne. Eu a acho magra demais, toda ossuda e angulosa, além de usar o cabelo preso em um rabo-de-cavalo bem puxado no topo da cabeça, de modo que a pele dela parece esticada por cima das bochechas.
E todas as clientes também são magras. Uma vez entrou uma mulher de tamanho normal, se você entende o que estou dizendo. Não era enorme, nem magra. Mas, bom, Minerva deu uma olhada nela e, em cinco minutos, já tinha ido embora. Eu adoraria levar Minerva para a região oeste do país. Lá, as pessoas têm bunda. Do tamanho adequado, sobre a qual é possível ficar sentada durante horas sem ficar desconfortável.
— Quem sabe vende — digo pensativa, olhando para as roupas mais de perto. — Quer dizer, elas são larguinhas, não é mesmo? Provavelmente ficam muito bem em quem usa tamanho 44. E às vezes entra gente de tamanho normal na loja.
Minerva fica me olhando fixamente durante um instante, arqueia a sobrancelha esquerda e então volta para a comanda da entrega.
— Não sei o que há de normal em usar tamanho 44. Lily, você pode, por favor, levar aquela pilha de Missoni para o estoque e colocar alarme em tudo? A Narcissa está lá, mas preciso que ela suba para me ajudar com a vitrine.
Mal-humorada, caminho na direção da porta do estoque. Parece que as tarefas de estoque são sempre dadas às funcionárias mais novas. Com certeza, parece que eu passo muito tempo lá embaixo. Às vezes eu me lembro da minha mesa na Shannon's com saudade, mas me convenci de que às vezes é necessário dar um passo atrás para poder dar outro à frente. E pelo menos aqui não vai ter ninguém baforando no meu pescoço. Descobri que as tarefas no estoque permitem que você pare um pouco e leia o jornal; é fácil ouvir quando Minerva está descendo porque a escada range muito.
Narcissa está parada na frente do espelho do estoque, de cigarro na mão, admirando a si mesma em um vestido Vivienne Westwood. Ela está maravilhosa. Narcissa tem mesmo cara de atriz de cinema: usa um coque loiro-platinado perfeito que nunca sai do lugar, tem a pele mais pálida que eu já vi e sempre usa batom vermelhíssimo com saia justa e saltos altos. Acho que nunca a vi de calça; parece que saiu diretamente da década de 1940. Ela até tem cheiro de diva: cigarro e perfume marcante. E o vestido que ela está usando é incrível: cintura marcada, com um top tipo corselete e uma saia justa que deve ser um inferno para caminhar, mas que é lindíssima. É uma pena não podermos usar as roupas na loja, porque as compradoras (desculpe, clientes) não conseguiriam tirar os olhos dela. Aposto que esses vestidos sairiam caminhando sozinhos para fora da loja.
Mas, veja bem, também não temos permissão para fumar no estoque. Ou em qualquer lugar próximo às roupas de Tina T. Não que isso jamais detenha Narcissa.
— Está bonito — digo em tom de apreciação. — A Minerva quer que você suba para ajudar na vitrine.
— Puta merda — Narcissa diz e apaga o cigarro. — Aqui a gente não consegue ter nem uma porra de um minuto de sossego. Você vai colocar os alarmes nos Missoni?
Assinto com a cabeça.
— Faça um favor e perca este vestido em algum canto, pode ser? Quero usar hoje à noite e tenho certeza de que, se voltar para a loja, alguém vai comprar. Eu devolvo na terça, certo?
Narcissa já tirou o vestido e entregou para mim, e dá para sentir cheiro de fumaça de cigarro nele. Olho para a peça cheia de incerteza. Aposto que também existe uma regra proibindo que se escondam vestidos de Minerva.
— Vou ver o que consigo fazer — digo sem entusiasmo.
— Obrigada, Lily. Olha, não se preocupe; a gente faz isso o tempo todo. É só deixar uma pilha de coisas por cima ou algo assim... Só tem um tamanho 40 lá em cima, e se alguém quiser um menor, não quero que levem este aqui, certo? — Narcissa arqueia as sobrancelhas para mim e ajeita o vestido prateado (igualmente glamouroso) que está usando. Então, desvia o olhar como se tivesse se lembrado de algo. — Aliás, você vai fazer alguma coisa amanhã à noite?
— Nada de especial. — A menos que lavar roupa conte, penso comigo mesma. Abrir a correspondência de outra pessoa. Ter uma crise sobre o significado da vida... A minha, em especial...
— Bom, se você estiver a fim, eu e a Arabella vamos ao Canvas.
Se eu estiver a fim? Narcissa está mesmo perguntando se eu estou a fim de sair? Meu Deus, daqui a pouco o Hugh Grant vai entrar na loja e me convidar para sair.
— Parece ótimo — digo calmamente. Eu sei que Narcissa provavelmente só está me convidando porque vou fazer um favor a ela com o vestido Westwood, mas não faz a menor diferença. Eu vou ao Canvas, o bar mais legal de Notthing Hill, com Narcissa e Arabella, que são quase exatamente a personificação de "fabuloso". Se Marlene estivesse aqui, eu ficaria com vontade de dar um "toca aqui" nela.
— Certo. Bom, assim que Minerva sair, nós vamos, certo? Ela sempre cai fora mais cedo na segunda.
E, com isso, Narcissa se vira e sobe a escada em direção à loja.
Coloco o vestido em um cabide que tem um Marc Jacobs de inverno pendurado, atrás da arara dos Dolce & Gabbana, então Minerva provavelmente não vai encontrar, a não ser que procure muito, e volto para os Missoni e começo a colocar os dispositivos de alarme. Não é tão fácil quanto você pensa, principalmente quando se trata de calças e vestidos de tricô da Missoni: um erro e a peça toda pode desfiar perante seus olhos. Se a pessoa que trabalhava aqui antes de mim tivesse tido mais cuidado, eu não teria conseguido este emprego, fato que Minerva faz questão de me lembrar praticamente todo dia. Eu sempre fico com vontade de responder: "É, bom, mas se eu não desconfiasse de que meu ex-namorado me traía e não tivesse largado meu emprego em uma ótima agência de publicidade, eu também não estaria aqui." Mas não respondo. Não sou assim tão idiota.
Quando chega a uma da tarde, já consegui colocar alarme em tudo e deixar pronto para a venda, então levo a pilha de roupas para a loja. O lugar está coalhado de gente (domingo é o dia em que os casais saem para fazer compras). Há sofás para os homens se sentarem, e podem pedir xícaras de café e de chá, para que se divirtam muito relaxando enquanto as mulheres e namoradas experimentam uma peça atrás da outra. Mas não tenho certeza se isso seria suficiente para fazer Peter sair às compras. Ele ficava corcunda e começava a andar devagar sempre que eu o levava para as proximidades de uma loja de roupas e, por mais que eu insistisse sempre me dizia que me esperaria do lado de fora. E é claro que a culpa por fazê-lo esperar no frio congelante era demais para mim, de modo que eu deixava para lá e voltava depois, sozinha. São lembranças como essa que me deixam tão brava agora. Não tanto com Pete, mas comigo mesma por agüentar tudo aquilo. Onde eu estava com a cabeça?
Minerva faz um sinal para que eu pendure os Missoni perto da entrada, na arara de mais destaque da loja. O sol brilha através da janela e faz com que a loja fique clara e com ar de verão, apesar das temperaturas abaixo de zero lá fora, e com as batidas disco que tocam no sistema de som da loja, as clientes ignoram as linhas mais pesadas e olham os linhos e os algodões mais leves. Minerva sabe o que faz: assim que penduro as peças, duas mulheres pegam vestidos da arara e perguntam se podem experimentar.
Dou meu novo "sorriso de vendedora" (andei treinando) e levo os vestidos até o provador.
— Ah, são lindos — suspira uma mulher, passando a mão no tecido quando entramos na cabine.
— Eu sei, e acabaram de chegar hoje — digo. — Você tem sorte de conseguir um; na Harvey Nichols, tem fila de espera!
Não tenho certeza se isso é bem verdade, mas ouvi Narcissa dizer isso para alguém ontem sobre um jeans Alexander McQueen, e a pessoa acabou levando dois.
As moças entram no reservado, felizes da vida. Acontece que são irmãs. Mas por que iam querer comprar vestidos iguais está muito além da minha compreensão. Afinal, o motivo de se comprar algo caro de verdade é para não cruzar com ninguém usando a mesma coisa, não é?
Só quando saem do provador é que percebo quem são. Uma é atriz e a outra é diretora de cinema; havia uma reportagem enorme sobre elas no jornal The Times, porque estão concorrendo ao Oscar por seu último trabalho. Acho que, se usarem vestidos idênticos, vão receber muito mais atenção da mídia.
O único problema é que uma delas ficou ótima e a outra... Bom, eu não sairia na rua daquele jeito.
As duas olham para mim e eu franzo o nariz um pouco.
— O que você acha? — pergunta a irmã mais alta, a que ficou fantástica com o Missoni envolvendo sua estrutura delicada.
— Ah, está mesmo maravilhoso — respondo. — Quer dizer, esse vestido simplesmente é a sua cara.
— Não tenho certeza — diz a outra irmã (a diretora), esticando o pescoço para ver as costas no espelho. — Não sei se esse vestido tem a ver comigo.
E com muita certeza não tem mesmo.
— Vocês precisam mesmo comprar o mesmo vestido?
— É, nosso assessor quer que nos fotografem hoje à noite na frente do Ivy, e já andamos por tudo o que é loja procurando alguma coisa.
— Vocês tentaram a Joseph? — sugiro. Vi uns vestidos adoráveis de frente-única lá outro dia. Seriam perfeitos.
De repente, Narcissa aparece do nada.
— Ai meu Deus, olha só para isso. Vocês estão sensacionais! — ela diz, cheia de dramaticidade, e me lança um olhar enviesado. — Esses vestidos ficaram simplesmente lindíssimos nas duas. E também é a maior sorte terem encontrado no tamanho... Na Harvey Nicks tem lista de espera.
— É, eu sei — diz a irmã mais cheinha. — Mas não tenho certeza se cai bem em mim. Minha bunda não ficou grande?
— Está de brincadeira? Ficou fabuloso! E também temos um lenço lindo que vai ficar ótimo como acessório — diz Narcissa, olhando para as irmãs com admiração total.
— Ah, pode dar certo — diz a irmã cujos quadris foram ampliados enormemente pelas listras do Missoni.
— Lily, por que você não vai buscar uns lenços? — Narcissa sugere. Quando me dirijo para a área dos acessórios, ela agarra meu braço. — Você não quer ganhar dinheiro? — assobia por entre os dentes. — Pelo amor de Deus, você está com uma venda nas mãos. Não diga para elas irem para a porra da Joseph!
Fico com a cara vermelha, mais ou menos da cor dos meus cabelos, e caminho na direção dos lenços. Que lenço que nada. O vestido vai ficar horroroso, independentemente do acessório utilizado.
Desencavo alguns e entrego para as irmãs, que continuam se admirando na frente do espelho.
Então, respiro fundo.
— Uau! — digo com tanta sinceridade quanto consigo aparentar. — Está... Lindo mesmo. Os lenços são perfeitos. Querem experimentar sapatos? Estamos com uns da Prada de salto alto que vão ficar maravilhosos com o vestido.
As irmãs assentem com a cabeça, em êxtase, e eu desço ao estoque para pegar os sapatos mais caros que existem na Tina T.
— Você consegue — murmuro para mim mesma. — Venda, venda, venda. As irmãs adoram.
— Pronto, vamos levar — diz a irmã magrela.
— Certo — concorda a irmã rechonchuda, que então se vira para mim. — Tem certeza de que este vestido não me deixa... Larga demais?
Fico olhando para ela. Ela me fita com tanto ar de confiança... Será que realmente posso deixar que ela saia com a irmã daquele jeito, já que podia ficar muito melhor? Mas eu não vou conseguir manter este emprego se ficar mandando clientes ótimas embora. Meu Deus, nunca achei que trabalhar em uma loja de roupas pudesse representar um dilema moral desses.
Tento não refletir muito sobre o que estou fazendo e, sem olhar a irmã nos olhos, abro o maior sorriso que consigo.
— Larga demais? Deve estar de piada... está lindo!
Ela sorri de alívio e, dez minutos depois, já estou anotando uma venda de duas mil libras. Isso significa mais cem libras no meu salário deste mês. Minerva me lança um olhar que, pela primeira vez, não faz com que eu me arrepie toda. Narcissa dá uma piscadela para mim, e eu me sinto bem. E, na boca do meu estômago, a culpa pesa. Pelo menos estou em Londres. Até parece que eu vou voltar a ver aquela mulher. E, se eu quero me dar bem neste trabalho, e sinceramente preciso que isso aconteça, acho que preciso ficar mais durona.
Às três da tarde, tiro meu intervalo para o chá. Só temos 15 minutos, mas eu sempre saio. No almoço, dou um passeiozinho até o Hyde Park e observo os patos nadando no lago e, apesar de só ter 15 minutos, sempre dou uma volta (bem diferente de Narcissa, que passa o tempo todo no estoque, tomando café e fumando). Eu adoro Londres, mas às vezes sinto falta dos descampados do interior, nos quais fui criada. Não que Narcissa consiga entender isso: ela acha que eu sou louca por chegar perto de locais verdes e abertos, que para ela representam um pesadelo de grama enlameada e cachorros. Mas acho que, para quem sempre usa salto dez, grama enlameada realmente é um perigo.
Enquanto caminho por Ledbury Road e por Westbourne Grove, repasso os acontecimentos da manhã na cabeça, tentando racionalizar meu comportamento. Eu não menti para aquela mulher: simplesmente fiz o meu trabalho, como Narcissa disse. Quer dizer, todo mundo já ouviu uma vendedora dizer que você estava linda sem estar, não é mesmo? Meu Deus, amigas minhas já disseram que algo estava ótimo, mas daí eu vi meu reflexo no espelho (geralmente quando já é tarde demais para tomar alguma atitude) e percebi que a escolha tinha sido um erro enorme. E, de todo modo, os vestidos eram ótimos. Só preciso parar de levar as coisas tão a sério. Até parece que na publicidade era tudo assim tão sincero, não é mesmo? Houve uma campanha de um fabricante de móveis em que eu trabalhei cujo enfoque era na qualidade. Os móveis eram bem bonitos, também, então acabei comprando uma mesa que se desmantelou em um mês. E quando eu contei isso ao meu chefe, ele mal piscou; só sorriu e disse: "Não acredite em tudo o que você lê." Como se fosse minha culpa por acreditar no slogan publicitário que eu mesma criei.
Respiro fundo algumas vezes, tomo o caminho de volta à loja e dou uma olhada no meu reflexo na vitrine. Será minha imaginação ou eu de fato estou começando a parecer integrada ao local? Não são só as roupas (apesar de eu estar usando o uniforme básico de jeans afunilado, camiseta justinha e sapatos de bico fino), é a minha maneira de andar apressada e preocupada, inatingível. Isso é conhecido como o sistema de defesa de Londres: nunca se sabe quando um louco vai abordá-la na rua. Por um segundo, me pergunto se quero me transformar em uma londrina neurótica e sempre na defensiva; depois, dou de ombros. Claro que quero. Se não, por que estaria aqui?
Volto cheia de determinação para a Tina T, e vou direto para uma cliente que está olhando sapatos Jimmy Choo.
— Não são lindos? — digo com um suspirozinho que já vi Narcissa usar.
Naquela tarde, vendo mais seiscentas libras em roupas, sem quase ajuda nenhuma de Narcissa. Isso representa um total de 130 libras de comissão no meu bolso. E eu me sinto ótima.
Às seis da tarde, Minerva me aborda.
— Lily, eu vi mesmo você fazendo uma venda? — ela pergunta com um sorriso jocoso no rosto.
Assinto com a cabeça. De repente me dou conta de quem ela me lembra. É a bruxa de O Mágico de Oz. O que, acho, faz de mim Dorothy. Ou talvez Totó.
— Bom, só serve para mostrar como as roupas desta estação estão boas — ela prossegue, com um sorriso de lábios apertados.
— Acho que ela é uma vendedora nata — diz Narcissa, partindo em minha defesa com rapidez.
— É mesmo? — diz Minerva, com falsa surpresa. — Que interessante. Fico aqui me perguntando se você também acha isto aqui natural, será? — Ela estende para mim um dos vestidos Missoni em que eu coloquei os alarmes hoje de manhã. Alguém tentou arrancar o dispositivo e rasgou o tecido.
— Você acha que fui eu? — pergunto, incrédula. — Isto é ridículo. Obviamente, alguém tentou arrancar.
— Impossível — diz Minerva, — Fiquei do lado deles hoje o dia todo. Eu avisei você sobre os alarmes, Lily. Eu poderia mandar você embora por isso. Se você não tivesse de fato vendido algumas roupas hoje, já teria demitido. Como vendeu, estou pronta para lhe dar mais uma chance. Mas você vai ter de pagar o prejuízo.
Meus olhos se apertam. Quero berrar um insulto para ela. Ou jogar um balde de água na cabeça dela e vê-la encolher. Mas, em vez disso, só digo:
— O quê? — com a voz estranha.
— Fala sério, Minerva, para mim, parece tentativa de roubo — diz Narcissa sem muita certeza, mas Minerva aperta os lábios.
— Não adianta nada tentar defendê-la — ela diz, calmamente. — E não desejo mais discutir a questão. Vou embora agora Narcissa, você fecha o caixa? O horário para o restante da semana vai estar afixado amanhã de manhã. Lily, você fica com terça e quinta livres. Narcissa, você folga terça e quarta, e avise também a Arabella que as folgas dela são na quinta e no domingo de novo? Espero boas vendas nesta semana, e que não haja sinais de incompetência.
— Incompetência? Sua... Sua... — Como não quero proferir as palavras que desesperadamente tentam se lançar para fora da minha boca para cima de Minerva, resolvo não dizer absolutamente nada, simplesmente pego minha bolsa e vou embora. Estou tão P da vida que nem me despeço de Narcissa. Eu odeio Minerva. Um dia, penso com meus botões, um dia, quando eu não precisar mais do emprego desgraçado e fedorento dela, vou me vingar. Só Deus sabe o que eu vou fazer, mas com os diabos, alguma coisa eu vou fazer.
Preciso me acalmar, e assim resolvo voltar para casa pela Graham & Green, minha loja preferida do mundo Inteiro. Algumas pessoas bebem para acalmar os nervos; outras fazem meditação. Eu venho a este lugar: é como um santuário, repleto de lindas colchas de veludo, cartões feitos à mão, sofás de couro macios e castiçais com aparência antiga. O ar sempre cheira a jasmim e há uma paz reconfortante no lugar, que sempre acalma meu ânimo. Se tem alguma coisa que pode fazer com que eu me sinta melhor, é isto.
Abro a porta e ouço o sininho que conheço tão bem. O andar de cima é cheio de móveis e porta-retratos lindos, mas eu me dirijo para o andar de baixo, para o departamento de dormitórios, onde fico admirando com olhos gulosos os penhoares de veludo e as camisolas de algodão egípcio. É assim que a vida deve ser, penso. Repleta de coisas lindas. Gostaria de trabalhar aqui em vez de ter emprego na porcaria da Tina T. Gostaria de trabalhar em qualquer lugar em vez de ter emprego na porcaria da Tina T. Tirando a Shannon's, é claro. Acho...
A mulher atrás da caixa registradora sorri para mim. Eu conheço esse sorriso. É o mesmo sorriso que lanço para as pessoas que entram na Tina T o tempo todo, obviamente sem ter dinheiro para comprar nada. Mas eu não ligo: pelo menos significa que ela não vai me perguntar se eu preciso de alguma coisa. Vinte minutos depois, com minha raiva expurgada, estou pronta para ir para casa.
Assim que volto, sirvo uma taça de vinho para mim mesma e preparo um banho. Então, enquanto a banheira está enchendo, remexo as gavetas para encontrar o catálogo Found. O programa da Soho House está junto, e meus dedos repousam sobre ele por alguns segundos. Talvez não seja tão ridículo assim pregá-lo ao meu quadro de avisos mais uma vez. Quer dizer, é só um programa. Será que é tão errado assim passar a impressão de que eu tenho vida social? Antes que possa mudar de idéia, rapidamente o penduro; depois levo o catálogo Found para o quarto e o folheio, imaginando que as coisas lindas daquela página me rodeiam. Depois da minha recuperação na Graham & Green, sinceramente acho que um quimono de seda faria maravilhas pela minha vida. Assim como um banho de espuma super-caro.
A carta não-aberta continua na mesinha-de-cabeceira, e de vez em quando eu dou uma olhada nela, tentando fingir que não ligo para o que há dentro do envelope.
Mas não consigo evitar: eu me importo, sim. Sei que parece ridículo, mas eu quase estava ansiosa para chegar em casa hoje por causa daquela carta desgraçada. Tenho certeza de que é só a curiosidade de saber o que há dentro: provavelmente é só uma carta chata da avó de Dorcas ou algo assim. Mas não consigo parar de pensar que aquela carta e o programa do Soho House de algum modo me conectam com um mundo em que eu nunca poderia tocar normalmente; se eu abrir, posso descobrir a porta para um mundo que inclui o Nobu, o Soho House e festas ótimas, e que não inclui Minerva nem Peter nem nada mais que me deixa deprimida. Não acho que vou encontrar nada ao estilo de Alice no País das Maravilhas, do tipo de uma pílula em que se lê "Coma-me" ou uma garrafa que manda "Beba-me", mas é como um presente de aniversário: por mais que você saiba que vai ser só mais uma caixa de lenços, você não consegue esperar para abrir: talvez seja outra coisa. Eu realmente preciso jogar isso fora e colocar fim neste dilema.
Mas eu prometi que ia guardar.
De repente tenho uma idéia: pego a carta e percorro o envelope grosso e cor de creme com os dedos. Então levo para o banheiro comigo e ajeito perto das torneiras. A banheira está quase cheia e, enquanto me enfio na água quente e fumegante, fico olhando sorrateiramente para a carta. Se o vapor a abrir por acaso, não é minha culpa, é? Pode acontecer com qualquer pessoa.
Uma hora depois, estou toda vermelha e enrugada. A carta, no entanto, continua macia, cor de creme e completamente fechada; é de enfurecer. Irritada, saio da banheira, seco o corpo e passo creme.
Creme. Eis aí uma idéia.
Pego a carta de novo e sem querer querendo lambuzo toda a parte de trás com creme. É gordura, certo? Isso deve abrir a carta, não deve?
O envelope não se abala. Decepcionada, fico olhando para o frasco de creme como se estivesse me sacaneando de propósito. Na frente, como se estivesse tirando sarro da minha cara, está escrito: "Não oleoso, não pegajoso." Desgraça de creme idiota: essa é a última vez que eu compro esta marca.
Bom, que se dane. Não preciso mesmo ler esta carta idiota. Tenho coisas muito melhores para fazer da vida. Tipo... Olho para os meus pés. Claro: tipo pintar as unhas dos pés. Cheia de determinação, visto um roupão atoalhado, pego a carta e um esmalte vermelho e me jogo no sofá. Enquanto embelezo meus pés com muito cuidado, faço questão de ignorar a carta, que agora está encostada no braço do sofá.
Fico pensando no que devo vestir para ir ao Canvas. Sei que Narcissa vai estar usando uma criação estonteante de Westwood, e Arabella provavelmente é a pessoa mais linda com quem eu já estive no mesmo recinto, então vou ter de achar algo bem espetacular no meu guarda-roupa (ainda abarrotado). Bom, pelo menos vou ter belos dedos dos pés para exibir, então vou ter de usar sandália.
Estico as pernas para admirar meu serviço e reparo, irritada, que o dedão está borrado. Abaixo-me para limpar com um lenço de papel e derrubo o esmalte, que começa a se espalhar por cima do sofá. E por cima da carta toda. Merda, eu sabia que não devia ter deixado ali.
Xingando a mim mesma por ser tão desastrada, pego o esmalte rápido e tento devolver o máximo possível de produto para dentro do frasco, mas com isso só consigo ficar com as mãos todas sujas. Mas que desastre da porra.
Por que eu sou tão atrapalhada? Pego alguns lenços de papel e removedor de esmalte no banheiro e faço o que posso para limpar tudo. Então me levanto para avaliar a extensão do estrago. A almofada do sofá só estragou de um lado, então eu a viro rapidamente e largo o peso do corpo pesadamente em cima dela. Os coitados dos meus dedos dos pés agora estão de um tom cor-de-rosa todo manchado: parecem arranhados e cortados, não brilhantes e ajeitados. No que diz respeito à carta, bom, não tem como eu poder entregar para o senhorio agora, com o nome e a maior parte do endereço todo borrado com uma meleca vermelha e brilhante.
Mas... Examino mais de perto. Coberta assim de esmalte, não dá para saber para quem era a carta. Quer dizer, não dá para ver nem um pouco da parte de "Dorcas Meadowes". Poderia ser para qualquer um. Poderia ser até para mim...
Meus dedos começam a arranhar o esmalte. Talvez o fato de eu ter virado o frasco tenha sido o destino me dizendo para abrir a carta. Como se fosse minha sina ou algo assim.
Só que não é, lembro a mim mesma com firmeza. Se for o destino de alguém, é o destino de Dorcas e, infelizmente, não se sabe onde ela está. E não estou interessada na correspondência dos outros, apesar de a caligrafia nela ser bem bonita. Vou até a lata de lixo cheia de decisão e coloco a carta bem no fundo.
Mas daí, fico pensando se tomei mesmo a decisão certa. Será que, por jogar fora a carta, também estou jogando fora uma oportunidade? Durante a vida toda, minha mãe sonhou fazer parte da turminha mais in. Pelo que já li de Feira das vaidades, Becky Sharp teria aberto esta carta em um piscar de olhos, e ela está se dando muito bem, pelo que posso ver.
Cinco minutos depois, recupero a carta. Meu Deus, que agonia. É como ter uma barra de chocolate na geladeira quando você resolve ficar um mês sem comer chocolate. E eu nunca consegui passar mais de um dia sem fazer isso. Meio dia, para falar a verdade. Assim que penso em desistir de tudo, só consigo pensar no sabor delicioso e doce derretendo na minha boca.
Mas isso não quer dizer que vou sucumbir desta vez.
Coloco um CD para tocar e entro na cozinha para me servir de mais uma taça de vinho. Meus quadris começam a requebrar de leve quando o ritmo de Kylie toma conta da sala. "I just can't get you out of my head" [não consigo tirar você da cabeça], canto baixinho a música. Então meu quadril começa a requebrar um pouco mais e pouso a taça de vinho para poder mexer os braços um pouco mais. "Ha na na", canto e danço pelo chão da sala.
Caramba, estou mesmo precisando sair mais.
Fico imaginando que tipo de música toca no Canvas. Não é Kylie, disso eu tenho certeza. Meu Deus, espero que não seja nada obscuro demais que não dê para dançar. Quero alisar o cabelo e me divertir, e nunca consigo fazer isso quando o lugar é cool demais: simplesmente não dá para imaginar Narcissa fazendo a dancinha do YMCA. Ai meu Deus, eu provavelmente vou me fazer de trouxa, completamente, e todo mundo vai perceber que eu não sou uma garota urbana como elas: que eu sou só uma garota do interior que canta "I Will Survive" sempre que alguém liga o karaokê.
Eu queria ser mais segura. Marlene não está nem aí para o que os outros pensam dela, e eu sempre a admirei por isso. Mas eu realmente me importo com o que as pessoas pensam de mim, principalmente em Londres.
Mesmo assim, pelo menos eu finalmente vou sair. E posso dar conta de um clube cool em Notthing Hill, sem problemas. Meus olhos repousam sobre o programa do Soho House de novo. Só preciso ficar mais parecida com Dorcas, digo a mim mesma. Ficar bacana e sofisticada.
Sentindo-me muito melhor, aumento o som e danço até gastar as meias pelo restante da noite.
N/C: Gente ameii o cap. E vocês? Mas to doida pro Jay aparece... *-*
Boom gente vou ficando por aqui, mas não deixem de comentar, okay?
Bejinhoo.
N/A: Segundo capítulo postado, espero que gostem. :)
Dedicado, especialmente, à Lê Grint, Nathália Krein e Juliana Brandão: amei seus comentários. Vocês são realmente adoráveis. *-*
No próximo capítulo, a ida de Lily ao Cavas. Micos imperdíveis,
Agradecimentos especiais à Polaris Black, minha nova beta - que esqueceu de deixar N/B, mas eu supero – e minha leitora exclusiva, ou Commentator, Mrs. Black: Mandy, já te adoro!
No mais, é isso. Beijos mil,
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