Capítulo Três
A segunda-feira se passa sem maiores percalços. Minerva resolve não ir trabalhar, de modo que todas ficamos um pouco mais relaxadas, apesar de Narcissa me mandar limpar o estoque. Acho que os pequenos protocolos que estabelecem a escala de comando são necessários: na Shannon's, o que determinava se você era iniciante ou se "ia chegar a algum lugar" era preparar o chá; aqui, é limpar o estoque. Mesmo assim, estou aproveitando a falta de responsabilidade de diversas maneiras.
Consigo fazer algumas vendas também, mas a maior parte da minha comissão vai para aquela porcaria de vestido Missoni que Laura me acusou de estragar e, antes que eu me dê conta, Narcissa já está fechando o caixa.
— Então, você vai sair com a gente? — ela pergunta para mim. Assinto com a cabeça, aliviada por ela ter se lembrado de que tinha me convidado. Nunca se sabe com Narcissa.
— Maravilha. Vou ligar para a Arabella.
Ela pega o telefone e tecla o número, e dá para ouvir o som das unhas compridas no plástico.
— Bella? É, sou eu. Estamos terminando aqui, você quer vir para pegar sua roupa?
Desliga o telefone e olha para mim.
— Então, o que você está a fim de usar hoje à noite? Um pouco de Prada? Quem sabe um modelo da Moschino mais animado? Tudo menos Westwood: vou usar aquele vestido e não quero que ninguém roube a minha luz!
— Está falando sério? A Minerva me esfolaria viva! — digo, sem entusiasmo.
— Ah, esqueça a Minerva — Narcissa diz, despreocupada. — Ela é só uma mulher triste e amarga. Procure alguma coisa legal para você e vamos encher a cara. Desde que você mande lavar a seco e devolva até terça à tarde, a Minerva nem vai desconfiar. Vamos lá... ela está nos devendo, caramba.
Olho ao redor da loja. Desde que comecei a trabalhar aqui, passei montes de horas tediosas olhando para aquelas roupas fantásticas e imaginando como ficariam em mim. Mas parece que elas pertencem a outro mundo: um mundo de bônus da Bolsa de Valores em que quatrocentas libras por uma calça jeans parece normal.
Enquanto Narcissa fecha o caixa, eu passeio pela loja, pegando saias e vestidos e admirando-os sob outra luz. Como será que eu fico com esta calça Chloe? E com este vestido Alberta Ferretti? Aposto que, se eu estivesse usando isto quando encontrei com Sirius na escada da última vez, ele teria me convidado para a festa dele! Junto um monte de roupas e levo tudo para o provador, então experimento cada peça com calma, examinando o efeito no espelho. O problema é que são todas tão lindas que eu não consigo escolher. O vestido Alberta Ferretti é de outro mundo, mas delicado demais para uma noitada em um bar. A calça Chloe é sublime, a saia Gucci faz com que meu traseiro fique a metade do tamanho normal; e também experimento um vestido frente-única fantástico Dolce & Gabbana que, tenho certeza, vi Carrie usando em Sex and the City: tem um sutiã embutido que aparece, como se você não pudesse dar o trabalho de comprar um sutiã frente-única só para usar com o vestido ou algo assim.
Nem pareço eu no espelho: parece alguma mulher bacana que sai para dançar toda noite.
Mas é que eu não tenho certeza se consigo fazer isso. Quer dizer, eu sei que seria só um empréstimo, mas mesmo assim não me parece certo. Eu ficaria nervosa a noite toda, para o caso de acontecer alguma coisa. Pode até ser que Arabella faça isso o tempo todo, mas não tenho certeza se eu consigo também. Talvez eu ainda não seja exatamente a Lily de Ladbroke Grove.
— Qual é o problema? Não encontrou nada? — Narcissa pergunta quando eu volto para a loja de jeans, camiseta preta e salto alto. — Olha, eu posso encontrar algo se você quiser. Uma roupa super-sexy!
— Na verdade, acho que estou bem assim — digo, tentando parecer o mais desencanada possível. Parece que Narcissa não acha que eu estou super-sexy assim.
Ela olha para mim de um jeito esquisito, e por um instante fico achando que ela vai começar a dar uma de chefe e me obrigar a vestir outra roupa, mas por sorte alguém bate na porta com força, antes que ela possa dizer alguma coisa. É Arabella. Arabella é universitária e só trabalhava aqui aos sábados como folguista, mas acabou gastando tanto dinheiro em roupas que precisou ser contratada em tempo integral para poder pagar as dívidas. Então, agora ela estuda e trabalha, e está sempre tentando ser mandada para fazer alguma coisa no estoque, para poder ficar lá escrevendo ensaios e tal. O negócio é que as roupas ficam tão lindas nela que dá para entender completamente por que ela gasta tanto dinheiro com isso: ela se parece com Helena Christensen ou alguém assim, com aquelas pernas compridas e a pele que sempre está com aquele ar de quem acabou de voltar de férias. Narcissa diz que ela faz bronzeamento artificial, mas eu nunca consegui ficar daquele jeito, nem com uma ajudinha de St. Tropez.
— Oi para você — ela estrila quando Narcissa abre a porta para ela. — Me dêem cinco minutos, eu sei exatamente o que vou vestir.
Narcissa vai até o som da loja e coloca um hip-hop bem alto. Desaparece para dentro do estoque com Arabella e volta alguns minutos depois, absolutamente maravilhosa com o vestido Vivienne Westwood que faz a cintura dela parecer quase inexistente. Olho para minha própria roupa e fico me perguntando se tomei a decisão certa. Mas a verdade é que eu nunca ficaria como Narcissa mesmo; nem como Arabella, aliás. Quer dizer, eu não sou nada mal, não se engane: na minha cidade, sou até considerada bem bonita. Mas os padrões aqui são mais altos. Infelizmente, eu não uso tamanho 36 e não tenho cara de quem acabou de sair de um set de cinema.
— Vamos pelo menos colocar uma maquiagem em você — diz Narcissa, fazendo sinais de desaprovação, e eu aceito. Ela pega uma bolsinha e logo já está passando cremes no meu rosto. Quando me olho no espelho, meus olhos dobraram de tamanho e meus lábios fazem um biquinho bem vermelho. Sorrio. Queria que Marlene me visse agora. Pete também.
Dez minutos depois, Arabella sai do estoque em uma nuvem de perfume e pó compacto.
— Gostei do seu jeans — ela diz com generosidade e dá o braço para mim. — Prontas, meninas? — pergunta.
Narcissa pisca para mim.
— Prontas!
Não há filas na frente do Canvas quando chegamos, mas, ainda assim, há um segurança no topo da escada, com cara de quem está um tanto entediado. Ele pisca para Narcissa e Arabella quando entramos, então me mede de cima a baixo bem devagar. Imediatamente, sinto minha paranóia vindo à tona: será que ele não vai me deixar entrar? O que Narcissa e Arabella vão pensar? Mas ele rapidamente desvia o olhar de mim, e tiro a conclusão de que devo entrar. Tentando segurar a emoção, vou atrás de Arabella.
— É só sorrir para o homem simpático — ela diz com uma risada e pisca para o segurança à porta. — É útil conhecê-lo.
No andar de baixo, o bar é menor do que eu tinha imaginado. Há alguns bancos cobertos de almofadas, uma pista de dança pequena e um bar comprido. Um DJ toca música ambiente bacana no canto.
Narcissa vai direto para o bar.
— O que vai ser, lindona? — o barman pergunta.
— Três vodcas com tônica, por favor — Narcissa responde com um ar de vagabunda, então se vira para cochichar no meu ouvido. — Fui para a cama com este idiota na semana passada, dá para acreditar? Nunca se deu ao trabalho de ligar, claro. Acho que hoje eu não volto mais para o bar, se você achar que tudo bem.
Ela se afasta, caminhando na direção de um dos bancos, e Arabella vai atrás dela.
— Deixaram você para pagar, hein? — diz o barman, sorrindo. — Eu sou o Lucius, aliás. Sabe o quê? Dou estes drinques para você de graça se conseguir convencer sua amiga Narcissa a me dar o telefone dela.
— Mas eu achei que você já tinha, não? — Quando abro a boca, fico me perguntando se estou traindo uma confidência ao admitir que sei que ele não ligou. Beleza, Lily, repreendo a mim mesma.
Mas tudo bem.
— Recebi a instrução de ligar para ela, mas não o número — Lucius explica, despejando garrafas de água tônica em três copos. — Ela gosta de fazer joguinho.
Assinto com a cabeça, nervosa, como se estivesse entendendo. Caramba, eu não tenho a menor chance de ser convidada para sair, arrumar namorado, então, nem pensar, se precisar seguir regras assim. Na minha cidade, a gente dá o telefone para as pessoas e elas ligam... ou não.
Agradeço a Jason e digo que farei o possível para arrumar o telefone; então pego os copos e levo até onde Narcissa e Arabella estão.
— Obrigada, Lily, você foi legal. Então, quanto é que a gente deve para você?
— Um número de telefone. O seu, aliás... para o Lucius. Ele disse que adoraria saber qual é.
O rosto de Narcissa se contorce em um sorriso.
— Hummm. Aposto que adoraria mesmo.
Arabella se ajeita para abrir espaço para mim e eu me sento. O lugar já está enchendo. Tem uma garota usando a saia mais curta que eu já vi, com meia-calça rosa cortada e sandálias azuis com glitter; uma outra com o cabelo rosa fosforescente vestida com um macacão aberto até embaixo da cintura, revelando a barriguinha definida e um sutiã cor de laranja.
Fico imaginando o que Pete acharia disso, depois repreendo a mim mesma por ter pensado nele.
— Então, qual é sua história com os homens? — pergunta Arabella. — Está saindo com alguém?
— Bom — começo, cheia de incerteza, lembrando-me do monte de mentiras contei a Marlene. — Na verdade, acabei de terminar com alguém.
— Que bom para você — diz Narcissa. — Os homens são uma porra de um pesadelo, não são? — Os olhos dela se deslocam para o bar.
— Eu bem que gosto de homem — diz Arabella, em tom de brincadeira. Então, enxuga o copo. — Certo, está na hora de pegar mais um — ela diz. — A mesma coisa, de novo?
Narcissa e eu assentimos com a cabeça e Arabella vai até o bar. Lucius aparece perto da nossa mesa com muita rapidez e se senta ao lado de Narcissa.
— Tudo bem aí, queridinha?
Narcissa se vira e fica olhando fixamente para ele.
— Não venha para cima de mim com essa de "queridinha", seu aproveitador. Nenhuma porra de flor, nada de me convidar para jantar... Se você acha que algum dia eu vou para a cama com você de novo, pode tirar a porra do cavalinho da chuva, cara.
O tom dela é bravo, mas seus olhos sorriem, e Lucius se inclina para lhe dar um beijo na boca.
— Você tem toda a razão, lindona — ele sorri e volta saltitante para o bar.
— Ele parece legal — experimento. — Você vai dar seu telefone para ele?
— Não sei — Narcissa responde. — Mas com certeza acho que vou levá-lo para casa hoje. A bunda dele é linda, você não acha?
Arabella chega com as bebidas.
— O Sirius e o Remus estão aqui — ela diz e coloca as vodcas com tônica à nossa frente. — Vão para o Woody's daqui a pouco, então eu disse que talvez a gente fosse junto. Achei que poderíamos entrar no clima com uma dose dupla...
— Sirius? — pergunto, interessada.
— É, vocês se conhecem?
— Hum, na verdade, não... se ele for o Sirius que eu estou pensando. É que tem um Sirius que mora no andar acima de mim, só isso.
— Cabelo escuro, chapéu, sempre com a mesma porcaria de colete?
— Na mosca — respondo e sorrio. Desde que disse a Marlene que estava saindo com Sirius, a coisa começou a me parecer uma idéia bastante boa. Pensando bem, ele é perfeito. Ele é bacana, bonito e completamente diferente de qualquer outro cara com quem eu já saí. Eu ficaria muito feliz de aparecer em Bath de braços dados com Sirius, só para ver a reação de Pete...
— Bom, ele vem aqui daqui a pouquinho, então você pode se apresentar direito — diz Arabella. — Cissy, por acaso eu acabei de ver o Lucius dando um beijo em você? Que canalha corajoso.
Peço licença e vou ao banheiro. Se Sirius vem até aqui, essa pode ser a minha grande chance. Vou até o bar e pergunto a Lucius onde fica o toalete. Ele aponta para uma porta lateral, eu entro e vou direto até o espelho.
Meu cabelo parece todo errado, então tento criar um pouco de volume, mas acaba ficando dez vezes pior, de modo que tento abaixar tudo de novo. Eu gostaria de tomar uma decisão a respeito do que quero fazer com o cabelo: simplesmente não consigo me decidir entre um corte curto repicado ou um rabo-de-cavalo comprido e sem volume. Então eu corto curto, daí deixo crescer, daí corto curto de novo, de modo que pareço sempre estar naquele estágio intermediário do crescimento, e isso significa que nunca está bom. Mas, neste momento, vou ter de me virar com o que tenho.
— Certo, Lily, você sabe o que fazer — balbucio para mim mesma. — Simplesmente relaxe. E dê risada das piadas dele.
Às vezes, eu gosto de falar comigo mesma em voz alta; sabe como é, para ter certeza de que vou ouvir mesmo.
— Ele pode ser legal, mas na verdade só é o vizinho, e isso é tudo. — Prossigo. — E, de todo modo, você está fabulosa!
Não me sinto assim tão fabulosa. De repente, minha camiseta preta faz com que eu pareça uma garota indie dos anos 90. Por que eu não peguei alguma coisa emprestada na Tina T quando tive a oportunidade?
Coloco um pouco de água na nuca e treino uma risada na frente do espelho. Merda: fico parecendo um cavalo quando rio assim. Certo, cabeça abaixada, mão na frente da boca... isso, assim é bem melhor.
Mas ainda não estou bem pronta para sair. Por alguma razão, estou com um friozinho na barriga. Acho que já faz alguns anos que eu não fico solteira, e é um tanto assustador ir paquerar um desconhecido completo. Respiro fundo e digo a mim mesma que vai ficar tudo bem. Afinal de contas, as pessoas fazem isso o tempo todo. Aposto que Dorcas não ficaria escondida no banheiro a noite toda, tentando reunir coragem para voltar. E o que ela tem que eu não tenho? (Quer dizer, além do dinheiro, da carteirinha do Soho House e dos milhões de pessoas que não param de ligar nem de escrever para ela?) Nada, eis o quê.
Começa a tocar Michael Jackson nos alto-falantes e eu me pego sacudindo o corpo um pouco, mexendo o quadril no ritmo da música. Se está tocando "Can't Stop (Till You get Enough)", então este lugar não pode ser ruim. Parece que é um bom presságio: esta noite vai ser minha.
— Oh, yeah — canto com a música e dou uma voltinha que termina com um sorriso vencedor para o espelho. Estou pronta para sair. — Tenha pensamentos animados.
— Digo com os dentes cerrados. — Tenha pensamentos sexy. Tenha pensamentos...
Sou interrompida pelo barulho de alguém que se coloca atrás de mim. O que é estranho, porque ninguém entrou desde que eu entrei, então, de onde veio essa pessoa? Olho no espelho para ver quem é e fico paralisada. Ai. Meu. Deus. É Sirius. Ele está aqui. Ele está aqui comigo, e deve ter ouvido tudo o que eu disse...
Tento dar um sorriso desencanado, mas não adianta. Meu rosto todo está contorcido e completamente vermelho.
— Eu, hum, achei que este era o banheiro feminino!— consigo dizer com a voz esganiçada.
— E, bom, é unissex — Sirius responde devagar.
— Unissex! Igual a Ali McBeal.
Pare de falar, ordeno a mim mesma. Assim, só vai piorar tudo.
— Hum, é, acho que sim. Eu, pessoalmente, não assisto.
— Não, muito bem. Então, hum, tudo bem com você?
— Nada mal. E você?
— Ah, sabe como é.
— É, eu sei. Sei mesmo. — Tenho certeza de que Sirius deu um sorrisinho sarcástico ao fazer seu último comentário. Ai, meu Deus. Ele me viu dançando, ouviu cada palavra que eu disse e vai contar para todo mundo. Eu poderia morrer que não faria a menor diferença.
— Eu não costumo falar sozinha no banheiro, sabe como é — digo em tom de súplica. — Mas não tinha percebido que tinha alguém aqui.
— Eu costumo cantar, então não me preocuparia com isso — Sirius responde, sorrindo, e dá uma piscadela quando sai pela porta.
Meu coração bate rápido e meu rosto está todo corado. Por que eu não fiquei com a minha boca grande fechada? E por que eu tive de dizer "o vizinho"? Sirius mora no andar acima de mim. Ele vai saber exatamente de quem eu estava falando e, em vez de me ver como uma candidata a namorada sofisticada e sensual, vai ficar pensando que eu sou uma louca que anda pela rua com seus pertences em um carrinho de compras velho e que avisa às pessoas para tomar cuidado com os Idos de Março ou algo assim. Chorando por dentro, eu me arrasto para fora do banheiro e de volta à mesa, com a esperança inútil de não precisar mais ver Sirius pelo restante da noite. E de que talvez ele se mude do prédio amanhã.
Mas, com a sorte que eu tenho, Sirius está sentado com Narcissa e Arabella, com mais um cara que eu reconheço vagamente como amigo de Sirius; acho que já o vi subindo para o apartamento dele. Tento parecer o mais normal possível quando ele é apresentado para mim. O nome dele é Remus. Acontece que trabalha na Joseph.
— Eu já vi você na escada, não é mesmo? — pergunta para mim. — No prédio do Sirius?
— Já. — Por favor, vê se me engole, imploro para o chão. Por favor, permita que eu acorde e descubra que foi tudo um sonho.
— Quer beber alguma coisa? — Remus pergunta e eu assinto com a cabeça, agradecida.
Bem que um gole de água me faria bem agora, a vodca está subindo. Mas isso não é necessariamente algo ruim. Até onde eu sei, ninguém está rindo da minha cara, então não tem como Sirius já ter contado para todo mundo... por enquanto. Nesse ínterim, acho que uma bebida pode me ajudar a esquecer como estou envergonhada.
Mas, em vez de ir até o bar, Remus tira uma garrafa de vodca do bolso do casaco e enche meu copo.
— Saúde! — ele diz, sorrindo, e eu tomo um gole.
Reparo que Narcissa sai de fininho na direção de Lucius e tomo mais um gole de vodca. Uma música da Motown dos anos 1960 está saindo de um alto-falante bem em cima de nós, e olho ao redor para pensar em algo a dizer a Remus.
— Você mora por aqui? — pergunto depois de um tempinho.
— O quê? — Remus pergunta, já que não consegue me escutar por causa da música.
— Você. Mora. Aqui. Perto — grito no ouvido dele. Ele assente com a cabeça e meio que sorri.
Ai, meu Deus, ele está entediado. Está entediado porque eu não tenho idéia de que conversa puxar com ele. Mas por que eu teria? Sou uma louca que conversa com o próprio reflexo. Não pela primeira vez nesta noite, penso que gostaria de ser mais desencanada. As conversas de Narcissa e Arabella são tão diferentes das conversas que eu tenho com Marlene (elas só conversam sobre "blablá lista de convidados" ou "blablá uma banda bacana de que eu nunca ouvi falar". E como aprender uma língua nova, e eu nem tenho um dicionário).
Arabella chega e se senta no colo de Remus, enquanto eu fico olhando com inveja, apesar de me sentir aliviada por ela ter criado uma distração.
— Mais vodca? — Remus pergunta. Faço menção de erguer a mão como quem diz "não, já bebi demais", mas mudo de idéia. Que se foda, por que eu sempre preciso obedecer as regras? Durante cinco anos, fui sempre aquela que ficou sóbria, que levei Pete para casa e ignorei todas as mulheres por quem ele ficou babando. Talvez esteja na hora de eu me soltar um pouco.
Arabella não está recusando, não é mesmo? E aposto que Dorcas também não recusaria.
Sorrio para Remus e entro no modo Dorcas.
— Adoraria mais um pouco, obrigada — respondo, com um sorriso aberto. — Que idéia fabulosa!
Ele corresponde o sorriso, Arabella lhe dá um beijinho na testa e se levanta para dançar com um cara de terno risca-de-giz agarradinho e tênis Adidas.
— Adivinha quem foi à nossa loja hoje? — ele pergunta, em tom conspiratório.
Minha resposta é olhar para ele com as sobrancelhas arqueadas.
— A Kate Moss! — ele diz, todo radiante. — Lá estava ela, bem na minha frente.
— Não acredito! — engulo em seco. — Ela estava maravilhosa?
— O que você acha? — ele responde, arqueando as sobrancelhas.
Finjo suspirar, então conto sobre a atriz para quem vendi o vestido Missoni e ele solta risadas histéricas quando falo da irmã mais gorda que comprou o mesmo vestido e ficou horrorosa com ele. Está vendo, digo a mim mesma. Não é assim tão ruim vender roupas inadequadas a alguém: é engraçado. E, além do mais, eu estou me divertindo. Talvez não seja uma língua assim tão diferente, afinal de contas.
Remus grita tão alto no meu ouvido que chega a fazer cócegas e, quando sugere que passemos à pista de dança, concordo cheia de entusiasmo. Posso estar um pouquinho bêbada, mas o incidente com Sirius parece uma lembrança distante, e isso, nos meus cálculos, é uma coisa muito boa, que deve ser incentivada.
O lugar agora está tão lotado que é impossível fazer qualquer coisa além de balançar o corpo um pouco ao ritmo da música. Remus coloca os braços em volta da minha cintura e tenta meio que sambar, mas esbarramos em pessoas demais, então paramos depois de alguns minutos. Fico me perguntando internamente onde Sirius se enfiou, mas não o vejo em lugar algum, e logo Remus e eu estamos dançando ao redor um do outro, balançando o quadril e erguendo as mãos para cima. Depois de um tempinho, Narcissa reaparece e se junta a nós na pista de dança.
Estou em êxtase. Era com isso que eu sonhava quando estava lá em Bath. Estou aqui com meus novos amigos de Londres, em um bar bacana de Notthing Hill. E estou dançando com o amigo de Sirius. Que é quase tão bonito quanto ele. Seria demais se Pete estivesse aqui agora... eu adoraria ver a cara dele. Ha!
Também estou um pouco bêbada. Talvez um pouco bêbada demais. Dirijo-me para o banco, passando por Narcissa, que está dançando com os braços em volta de Lucius. Remus continua dançando pela pista sozinho, derrubando bebida de todo mundo.
Sento-me, fecho os olhos e volto a abrir quando sinto que o bar começa a girar. Meu Deus, eu bebi mais do que pensava. Teve a primeira vodca com tônica, depois a dupla que Arabella trouxe; daí teve a garrafa de vodca que Michael tirou do bolso e virou nos copos...
Sobressaltada, sinto que pode ser que eu vomite. Quer dizer, não estou dizendo que é certeza, mas já aconteceu. E não vai ter como eu deixar que alguém me veja. Não aqui. Não na frente dos meus amigos.
Vou cambaleando até Narcissa.
— Cissy, Lucius, estou indo para casa — falo enrolando a língua. — Preciso acordar cedo amanhã.
— Tudo bem, querida, a gente se vê mais tarde — Narcissa responde com um sorriso e me dá um beijo na bochecha. — Comporte-se!
Procuro Arabella para me despedir e não a vejo em lugar algum, então subo a escada na direção do segurança. Quando vou me aproximando da porta, ouço risadas.
— No banheiro? Está falando sério?
— Total. Eu vi tudo!
— Que maravilha, cara. Vamos ter de colocar um circuito fechado de TV lá. Vai ser o máximo!
Sirius, Arabella e o segurança estão parados no topo da escada e, para meu terror, percebo que devem estar falando de mim. Então, Sirius contou tudo a eles, e estão achando que é hilário, não é mesmo?
Quando apareço no topo da escada, rapidamente param de falar. Arabella olha para mim e estou certa de que vejo pena em seu rosto.
— Tudo bem com você, Lily?
— Tudo. Estou bem. Vou para casa — consigo dizer.
Sinto meu estômago borbulhando e acho que não tenho muito tempo antes de colocar tudo para fora. Esse é o problema de ser a parte do casal que nunca fica bêbada, penso com meus botões, então sorrio por ter a idéia de que consigo culpar Pete até por estar bêbada. Ai, meu Deus, por que eu não parei depois da vodca dupla?
— Quer que eu chame um táxi? — o segurança pergunta. Não acredito que ele pode fingir tanta preocupação Agora mesmo tinha sugerido colocar um circuito interno de TV para me ver em uma tela fazendo papel de boba, dançando e conversando com meu reflexo no espelho.
Não. Minha. Casa. Fica. Perto. — Entre cada palavra engulo com fúria. Meus olhos têm dificuldade em focalizar as imagens.
— Vá com ela, Sirius — Arabella sugere, mas eu sacudo cabeça... só vou perceber tarde demais que isso não é nada bom quando se está prestes a vomitar. Não mesmo.
Dou uma espécie de aceno e saio andando pela rua, fazendo o maior esforço possível para caminhar em linha reta e não conseguindo, nem de longe. Então, assim que alcanço a esquina, dobro à esquerda bem rapidinho e corro até uma lata de lixo, onde vomito com violência. Agora você não está assim tão desencanada e fabulosa, não é mesmo, Lily Evans? Penso comigo mesma, triste.
Sentindo-me péssima, com os o lhos cheios de lágrimas e o nariz escorrendo, lentamente aprumo o corpo e tento encontrar meu caminho de volta para casa. Só que, alguns minutos depois, percebo que estou caminhando para o lado errado. Faço uma volta rápida de ,180 graus e, para meu pavor, vejo Arabella e Sirius parados na esquina, olhando para mim.
Devem ter visto tudo.
Humilhada, tento ignorá-los, mas eles caminham até onde eu estou e me seguram com, firmeza, um em cada braço, e me acompanham pelos cem metros que me separam do meu apartamento. Sirius abre a porta do prédio e Arabella consegue encontrar a chave da porta do apartamento na minha bolsa.
— Agora eu estou bem — consigo dizer. — Mesmo. Muito obrigada. Por favor, podem ir embora.
— Tem certeza? — Arabella pergunta.
— Tenho sim, porra — balbucio quando caio de cara na cama.
— Não fale dormindo — Sirius diz, rindo, quando fecham a porta atrás de si.
Devo ter desmaiado, porque a primeira coisa de que me lembro depois disso é de que são três da manhã e estou sedenta. Cambaleio até a cozinha e pego um copo do armário. Jogo água no rosto antes de encher o copo. Na medida em que vou engolindo o líquido, os acontecimentos da noite vão me voltando à mente e eu sinto calafrios de vergonha. Nunca mais vou poder olhar na cara das minhas colegas de trabalho nem do meu vizinho. Sou uma piada completa. Sirius acha que eu estou a fim dele, e todo mundo sabe que eu fiquei dançando no banheiro.
Ando até a sala e me sento no sofá. À minha frente está a carta de Dorcas.
—A culpa é toda sua — digo para a carta com a voz arrastada, como se fosse a própria Dorcas. — Se não fosse por você, eu não teria dançado, nem bebido...
Naturalmente, a carta não responde. Na verdade, olhando melhor agora, o esmalte vermelho se parece um pouco com. Sangue daqui. Como se eu a tivesse ferido, como se estivesse sangrando.
Eu não tinha a intenção de encher você de esmalte, sabe? — digo. — Não foi minha culpa. Mas você sabe disso, certo?
Reviro os olhos ao me dar conta do que estou fazendo. Eu me mudei para Londres para ter uma vida mais emocionante. E aqui estou eu, às três da manhã, falando com uma carta. Pedindo desculpa para ela.
Bom, que se dane. É uma carta. Só uma desgraça de uma carta. E se eu quiser abrir, vou abrir, porra.
Seguro a respiração, estico a mão na direção do envelope e passo o dedo por baixo da aba, rasgando o papel lentamente. Um certo prazer toma conta de mim, semelhante àquela sensação de quando você compra uma coisa caríssima r e vê o vendedor embalando com papel de seda. Sabe que vai se sentir mal dali a algumas horas, talvez minutos, mas no momento você se sente decadente, controlada. O som do envelope rasgando é suntuoso, faço com que o ato de abrir se estenda o máximo de tempo possível.
Seja lá o que há lá dentro, vai ser bom, dá para sentir nos ossos.
Enfio mão lá dentro e puxo uma carta. Examino-a com cuidado, então a afasto dos olhos. Por alguma razão, estou tendo dificuldade em enxergar as letras com nitidez. Ah, já lembrei. Ainda estou bêbada. Pisco algumas vezes, então começo a ler.
Cara Dorcas,
Como prometido, estou enviando os detalhes sobre James Potter. Ele preenche seus critérios: fez grande fortuna no mercado financeiro e tem interesse por terapias alternativas; também é um homem encantador, tenho certeza de que vocês vão se dar muito bem. O endereço dele está abaixo. Mas você também pode entrar em contato com ele na Administradora de Investimentos Henderson, pelo telefone 020 7556 7000.
Atenciosamente, Hestia Jones.
Sinto uma pontada de decepção. Este não é um convite para a festa de aniversário da Madonna, nem para o casamento de Giselle Bündchen. Não passa de uma carta de uma agência de encontros.
Mesmo assim, serve para mostrar que, afinal de contas, Dorcas não pode ser perfeita... Quer dizer, ela nem consegue arrumar namorado sozinha!
Saboreando a idéia maldosa de que Dorcas provavelmente não é assim tão resolvida quanto eu pensava, examino a carta com mais atenção. Que tipo de agência de namoro uma sócia do Soho House usaria? Será que eles têm celebridades na lista? Quem sabe eu possa me inscrever!
Olho detalhadamente para o endereço na parte de cima: não há sinal do nome de uma empresa, então parece que não pode ser uma agência de namoro; não com uma carta escrita à mão como esta. Então, deve ser uma apresentação feita por uma amiga ou algo assim. Leio de novo: "fez grande fortuna no mercado financeiro...". Que tipo de fortuna? É o que fico imaginando.
A parte do "interesse em terapias alternativas" também ajuda a explicar os telefonemas que tenho recebido de gente em busca de terapia de Reiki.
Também recebo ligações de gente atrás do restaurante chinês com entrega em casa, então nunca pensei muito sobre o assunto, mas imagino que Dorcas talvez seja praticante de Reiki.
Eu já fiz Reiki uma vez, em um spa novo de terapias alternativas que abriu em Bath há um ano. O pessoal da região oeste do país adora essas coisas: moramos perto de Stonehenge e dos círculos das plantações, e as pessoas acham que é tudo muito espiritual. De todo modo, uma mulher com cara de hippie simplesmente colocou as mãos bem perto do meu corpo, mas sem encostar, enquanto eu fiquei deitada em um sofá de couro. Realmente, não consegui ver qual era a serventia daquilo, mas evidentemente outras pessoas viram, porque recebeu altos elogios no jornal Bath Gazette.
Então, Dorcas é terapeuta de Reiki. Será que ela atendia aqui? Cheiro o ar para ver se consigo captar alguma energia espiritual, mas em vez disso só me sinto ainda mais tonta do que antes. Mas é estranho: eu tinha feito uma imagem de Dorcas na minha mente como uma mulher toda glamourosa... quer dizer, fale sério, o Soho House apareceu em Sex and the City, e ela janta no Nobu. Já os terapeutas de Reiki andam de chinelo e roupa roxa, não é mesmo?
Retorno à carta, imaginando como será o pretendente a namorado de Dorcas. James Potter. Mmmm. Provavelmente anda com ternos risca-de-giz e tem barriga de tanto participar de almoços de negócios.
Quando eu era pequena, meu pai costumava fazer uma brincadeira sempre que íamos ao dentista. Na sala de espera, havia um monte de revistas Country Life, daquelas que cobrem a vida no interior. A gente folheava até encontrar uma foto de alguma garota linda que tinha acabado de ficar noiva. Meu pai cobria a legenda e nós tentávamos adivinhar qual seria o nome dela. Pensando melhor, talvez não fosse a melhor brincadeira do mundo, mas eu adorava. Eu também ficava imaginando alguém que olhasse para minha fotografia e tentasse adivinhar como eu me chamo. Então, Dorcas Potter, hein? Nada mal.
Droga. Achei que a carta seria muito mais interessante do que isso.
Largo o papel e pego mais um copo de água, então retorno para o sofá, mas, antes de chegar até lá, dou uma topada com o dedão do pé. De novo. É a segunda vez em dois dias. Dói para caramba, e eu o aperto com força, xingando bem alto, até que começo a me sentir melhor.
Mas esta noite realmente se transformou em uma tremenda piada. Primeiro, eu passo a maior vergonha no Canvas. Então, finalmente abro a carta, só para descobrir que é a maior chatice, e agora ainda dei uma topada com o dedo.
Mexo o dedo do pé e, com cuidado, jogo a carta de cima do sofá para o chão, onde é seu lugar. Dorcas não tem de passar por essas coisas. Aposto que ela nunca dá topadas com o dedão do pé. E, se desse, aposto que faria um pouco de Reiki e voltaria a se sentir bem. Ela não precisa nem sair atrás dos próprios namorados... ah, não. Por que ela faria isso, se tem amigas como Hestia para apresentá-la a jovens solteiros com enormes fortunas?
Graças a Deus, eu não preciso de ajuda nenhuma para conseguir sair com alguém. Quer dizer, eu nunca pediria para minhas amigas marcarem um encontro para mim com um desconhecido qualquer. E, de qualquer modo, estou muito bem sozinha, obrigada. Bom, mais ou menos bem.
Faço uma leve careta e reflito sobre minha relação recém-terminada com Pete e sobre os acontecimentos desta noite. Então talvez eu não esteja me dando assim tão bem. Ah, dane-se, estou me dando pessimamente mal. Suponho que uma ajudinha cairia bem, afinal. Quer dizer, por que só Dorcas fica com toda a sorte?
Fico olhando para a carta durante alguns minutos, tentando fazer com que a sala pare de girar. Então, tenho uma idéia. Posso ligar para ele, não posso? Eu, Lily Evans. Quer dizer, ele não é propriedade de Dorcas, é? Só porque Hestia escreveu para Dorcas, isso não quer dizer que outra pessoa não tem o direito de entrar em contato com ele, quer? Não, é claro que não.
Pego o telefone e então volto a colocar no gancho. O que eu tenho na cabeça? De todo modo, eu não saberia o que dizer. Fico em pé para ver se, assim, eu me sinto mais decidida. Grande erro: imediatamente me sinto enjoada e sento de novo.
Então, rapidamente, antes que tenha a oportunidade de mudar de idéia de novo, teclo o número da carta.
— Se você sabe o ramal que deseja acessar, por favor, disque um.
Ramal? Ah, que merda. Não faço a menor idéia.
— Para identificação por nome, disque dois. - Isso! Digito dois.
Penso por um minuto, durante o qual fico olhando para as letras no meu telefone, então aperto cinco para P, seis para O e oito para T. Espero, nervosa. Será que eu deve-ma ter discado os três primeiros números do primeiro nome dele?
— Para Andrew Pothole, por favor, pressione um. Para Mark Pothole, por favor, pressione dois. Para James Potter, por favor pressione três. Para...
Beleza! Rapidamente pressiono três e imediatamente escuto uma voz forte e educada pedindo que eu deixe recado.
Respiro fundo.
— Você não me conhece — digo lentamente, tentando parecer sóbria e, em vez disso, parecendo um relógio falante. — Mas uma amiga em comum, Hestia Jones, sugeriu que eu ligasse. Parece que ela achou que a gente se daria bem. Então, se quiser, ligue para mim. Meu telefone é 020 7221 8790.
Ao desligar o telefone, desmaio de novo.
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