A ignorada
As quatro garotas voltaram a deitar, mas não antes de Emmeline dar seu sermão básico sobre como ela “nunca era compreendida” e como “seu ponto de vista nunca era aceito”.
Era muito comum isso, Emmeline Vance sempre dava um jeito de se explicar, e odiava quando era impedida de fazê-lo. Por sorte (ou azar, se considerar o lado dela) Lily, Dorcas e Marlene já estavam acostumadas e sempre a deixavam desabafar, só para que ela sentir-se melhor. Por fim, as três pediam desculpas e elas se abraçavam e tudo voltava a ser como antes.
Contudo, Lily e Marlene não pareciam ter mais sono. Se houvesse algum legilimente no recinto, saberia que Marlene não parava de pensar em Sirius e Lily, em James.
“Ele me beijou...” pensava ela “Se ele fez isso, é porque gosta de mim também...”.
A morena tentava se autoconvencer que a recíproca era verdadeira. “Ele só te beijou porque é um cachorro...” lembrou-se do que Dorcas falara e seus olhos se encheram de lágrimas.
Marlene detestava a sinceridade desmedida da amiga. Dorcas era sincera ao extremo e ela era por demais sensível para receber críticas tão duras, por mais que soubesse que a garota só o fazia para seu próprio bem.
“Ah... Black... Por que é tão lindo? Por que eu tenho que gostar de você?” Ela virava de um lado para outro na cama, até que percebeu que não era a única com problemas para dormir.
Lily estava afundando pesadamente a testa no travesseiro, como se tentasse parar seus pensamentos. “Ele falou com todas, menos comigo! Quem ele pensa que é para me ignorar?” Pensava a ruiva. Estava acostumada a sempre ser abordada por James logo no primeiro dia de aula, ou melhor, logo na entrada do Expresso de Hogwarts, e agora, ele a ignorara. “Biltre estúpido e arrogante! Egocêntrico, nojentinho... Ah... Mas tão... Tão... Lindo... Fofo...”.
E mais uma vez ela batia a cabeça contra o travesseiro. Como assim? Estava ficando louca ou pensava em James Potter mais do que como um irritante pretendente?
- Lily... – Marlene sussurrou, erguendo a cabeça parcialmente. Os olhos cintilaram de curiosodade. – Você está bem?
- Estou ótima... – havia um traço de deboche na voz de Lily.
- Não parece...
- Mas estou... – A ruiva disse, olhando para a amiga com raiva. – Por que ainda não dormiu, heim?
- Não consigo... – A morena deixou uma lágrima rolar por sua bochecha.
- Não? – Lily levantou a cabeça, desfazendo a carranca e encarando a amiga, preocupada.
- Não... – Ela reafirmou – Estou angustiada...
- Quer conversar?
- Acho que sim... Não vou te atrapalhar o sono?
- Não... Emme já fez isso tão bem que nem com poção de sono profundo eu conseguiria dormir – Lily rodou o corpo, se sentando na cama. - Vamos descer para o Salão Comunal?
Lily e Marlene levantaram-se cuidadosamente para não acordarem Dorcas e Emmeline, mesmo que parecessem estar em seu oitavo sono. Desceram as escadas com passos leves e sentara-se próximo à lareira, que crepitava fracamente. Marlene mordia os lábios, como se estivesse nervosa, e Lily batia com a mão na coxa, demonstrando estar tão tensa quanto a amiga.
- Lily... – Marlene começou, olhando para um ponto fixo, sem encarar a amiga e ainda com olhos lacrimejantes. – Eu acho que amo o Sirius... Sei lá! Eu não paro de pensar nele, aquele beijo que demos foi tão especial para mim, como se fosse meu primeiro beijo, e agora, eu sei que ele não vale nada, mas eu não consigo tirá-lo de mim! O que eu faço, amiga?
- Hã? – Lily parecia não ter ouvido nada.
- Você não me ouviu? – Ela olhou para a amiga indignada.
- Ah... Lene... – Lily ficou corada, assumindo sua gafe. – Desculpa! Er... Eu tenho que te contar uma coisa... Mas Dorcas e Emme não podem saber... Eu ando pensando sobre o Potter...
- O quê? – Marlene arregalou os olhos, estarrecida.
- Nada de mais... – Lily tentou não se entregar. – Tipo... O que você acha dele?
- Eu? Ele é menos bonito que o Sirius.
- Ai, céus... – Lily revirou os olhos - Fora isso....
- Ele é popular, engraçado, simpático...
- Simpático? – a ruiva contestou – Ele é um biltre estúpido e insuportável!
- Você pediu a minha opinião, não foi? – Marlene falou pausadamente, pousando sua mão em seu peito, como se frisasse o “eu” da coisa. – Eu o acho simpático, ele sempre foi simpático comigo...
- Está bem, continua...
- É um ótimo apanhador... A Grifinória tem vencido por causa dele, você sabe, não? Ah, eu não esqueço aquele jogão do quinto ano... – Marlene tinha brilho nos olhos. – Sirius fez tantos gols e James ainda pegou o pomo... Nossa, como Sirius é ótimo artilheiro... Ele faz o Salto de D'Orazio mais perfeito do mundo, e com categoria e beleza e...
- Lene... Terra chama... – Lily se afundou na poltrona, estalando os dedos.
- Oops, desculpa... Então... Tipo... Você gosta do James.
- Epa! Eu não disse isso!
- Ah... Não? Engraçado, eu acho que você disse sim...
- Não disse! Eu disse que tenho pensado sobre ele... – Os olhos verdes de Lily saltavam de frustração. De repente, ela balançou a cabeça e lançou a mão para frente. Marlene acompanhou tudo com uma sobrancelha erguida. – Quer saber? Esquece! Finge que eu não disse nada! Vamos tentar dormir, temos aula de poções no primeiro tempo e...
- Ei! – Marlene fez cara de brava – E quanto a mim? O que eu faço com Sirius?
- Como? – Lily fez cara de “acho que perdi alguma coisa” – Ah, esquece ele, Lene. Você é linda e consegue outro cachorro... digo, outro cara melhor.
A menina morena separou os lábios e esqueceu-se de como fechava a boca. Olhava para Lily como se fosse uma aparição fantasmagórica. Seis anos de amizade para isso.
- Nossa, Lily... eu realmente esperava mais compreensão de vo...
Mas Marlene não terminou de falar. Ouviu um ruído de porta abrindo. Ela e Lily olharam imediatamente para a entrada da Sala Comunal e deram de cara com Sirius entrando. Ele, que não esperava vê-las ali, arregalou os olhos claros, nitidamente contrariado. Marlene, por sua vez, ruborizou-se na hora. Lily olhou de um para o outro, com cara de paisagem. Parou os olhos sob o antebraço de Sirius, e viu que estava sangrando.
- O que houve com seu braço? – ela apontou para o braço direito do garoto.
- Na... Nada... – ele tampou o ferimento com a outra mão. – Er... Arte... Só isso... Então... – ele tentou desconversar, se aproximando da escada. - Problemas para dormir, garotas? Ansiosas pelo primeiro dia do sétimo ano...? – ele tentava sorrir, mas evitava o olhar de Marlene.
- Sirius, isso parece grave! – Lily não desistiu. Os olhos saltavam das órbitas ao ver tanto sangue sujando a roupa do rapaz e a palidez doentia do rosto do garoto, sempre tão corado e cheio de vida. – Vamos cuidar desse ferimento...
- Eu já disse, não se preocupe... Eu só... Er... Me arranhei? – Ele falou incerto.
- Pode infeccionar, inflamar... Vamos, não seja teimoso! Eu cuido disso para você...
- Não precisa, sério! – Sirius estava ficando sem graça. Marlene estava estática e muda.
- Oras, deixa de ser orgulhoso! Eu sei curativos trouxas que são ótimos e indolores... E mais, talvez “episkey” resolva...
- Meu... – Sirius olhou do braço para Lily. – Não foi nada! E tem mais, já tentei Episkey, estava bem pior... – e ao dizer isso, deu um guincho como se tivesse falado demais.
- Pior? Então foi mais grave que...
- Six! – James rompia Salão adentro correndo, estava pálido e seus lábios estavam ligeiramente azulados. – Como está o... – e deu de cara com as meninas, parando na hora de falar e tentando se recompor. – Uau, mas já conseguiu duas enfermeiras? Você é bom nisso, não? Eu não sei porque ainda me preocupo com você... – O garoto riu, embora estivesse disfarçando o susto de encontrar com as meninas.
- Ah... Lily me ofereceu ajuda... mas não precisa, diz pra ela... – Sirius lançava a James um olhar tão fulminante que até Lily entendeu a mensagem subliminar em seus olhos.
- OK, façam o que quiser... – Lily deu com os ombros. – Contudo... Quero saber, o que estavam fazendo fora do Salão Comunal a essa hora? Aliás... Já amanheceu? – ela olhou para James, com cara de indagação.
- Não sei, tenho cara de Big-Ben, Evans? – James falou sério. Sirius deixou o queixo cair e Marlene, que até agora estivera só em corpo presente na cena, virou os dois olhos amendoados para o lado de James. – Se quiser saber as horas, veja no relógio... Aquele troço de madeira que parece um armário, com pêndulos, números e dois ponterinhos que rodam, sabe? E tem mais, onde estávamos não é da sua conta...
Lily demorou alguns segundos para digerir a resposta malcriada de James. Parecia ter acabado de ser arranhada pelo seu gatinho de estimação, tamanha a decepção em seus olhos.
- Mas como é ignorante! – Lily sentiu as bochechas arderem de raiva. – É da minha conta, sim! Eu sou monitora e...
- E eu com isso? – James cruzou os braços.
- Como assim? – Lily deixou os ombros caírem, perplexa com o comportamento. – Eu posso aplicar uma suspensão em vocês dois... Ou quatro... Onde estão Petter e Remus?
- Provavelmente dormindo, não? – Sirius falou antes de uma nova patada de James.
- Eu não sou idiota, Black! Eu sei que eles saíram com vocês!
- E como sabe, Evans? Anda nos espionando? Aposto que aprendeu com o Ranhoso... E faça esse favor, nos aplique uma detenção... Nem ligo, mais uma, menos uma... – James virou o rosto e caminhou até a escada – Vem, Sirius, vamos enfaixar isso e tentar cochilar até a primeira aula...
- Eu não terminei de falar, Potter! – A ruiva virou-se furiosa. – Não me ignore! Volte aqui!
Mas James a ignorou. Subiu as escadas sem pressa, deixando Lily com os batimentos cardíacos a mil. Sirius, que não sabia o que fazer ou como agir, olhou de relance para Marlene, mas a menina ao ver seus olhos, virou o rosto, constrangida. Então, o garoto resolveu seguir o amigo.
- Er... Então... Tipo... – Ele gaguejava um pouco. – Boa... Noite... Madrugada... Ou bom dia, sei lá... – e saiu correndo escadas acima.
- Como ele ousa! Como! COMO! – Lily estava a ponto de chorar. – É um trasgo! Ai, que ódio do Potter!
- Vamos... – Marlene pegou Lily pelo braço. – Vamos... Subir?
- Viu como ele me tratou? Como se eu fosse uma qualquer?
- Ele te tratou como você o trata... Desculpe a franqueza, Lily...
- QUÊ?
- Ai... Esquece... – Marlene balançou a cabeça e puxou a amiga para as escadas – Vem, vamos...
As duas foram subindo lentamente. Lily bufava de raiva, Marlene não entedia nada. Sempre fora o contrário, Lily sempre destratou James, mas ele nunca pareceu ofendido com tal coisa. Pelo contrário, ironizava a situação sempre e nunca se deixara abater. Mas... James Potter destratando Lily Evans, era novidade! E que novidade. Vai ver, Emmeline estava certa, o sétimo ano preparava algumas novidades inacreditáveis.
Ao chegarem no dormitório feminino, a ruiva jogou-se na cama, abafando um grito de fúria com o travesseiro. Marlene a mirava como se ela fosse anormal.
- Está vendo por que eu odeio James Potter, Lene? Preciso dizer mais alguma coisa?
- Não... Não... – Marlene não queria prolongar a história.
- Grosso, nojento, dissimulado, arrogante!
- É... Vamos... Dormir?
- Impossível!
- Ao menos... Tente...
Mas já era bastante tarde para dormir, e cedo demais para a aula. Assim, Marlene se deitou em sua cama, olhando para o teto. Pensava, pra variar, em Sirius. Aquele ferimento... Ela nem disse uma palavra sequer...
“Eu sou uma idiota! Ai, Marlene McKinnon, você é uma fracassada!” ela pensava, enquanto virava-se de bruços, abraçando o travesseiro e chorando copiosamente.
Lily, por sua vez, pensava na agressividade de James e no que Marlene dissera. “Ele te tratou como você o trata...” Ela parou para pensar em suas atitudes. Será que realmente era tão estúpida com James como ele fora com ela? “Mas ele merece! É um aloprado!” Tentava amenizar sua culpa, mas tinha o coração apertado.
Enquanto isso... No dormitório masculino.
- Jay... Você tem problemas... Sérios... É louco!
- Six, você precisou de 6 anos para perceber isso? – James riu, enquanto olhava o ferimento do braço de Sirius. – Nossa, isso está mais feio que um trasgo fazendo careta.
- O que foi aquilo?
- Ué, uma patada de lobisomem jogando um cachorrinho preto longe, não?
- Não, palhaço! – Sirius deu um tapa na nuca de James com o braço ileso. – Você e a Evans!
- Mais um tapa desses e além da patada de lobisomem vai rolar também um coice de cervo... – James piscou para o amigo enquanto conjurava alguns feitiços de cura. – Ah... Nada não, eu só estou praticando uma técnica chamada psicologia reversa.
- Psicologia reversa? – Sirius repetiu pausadamente, não acreditando naquilo. – Putz... não sei como você faz isso, mas ainda me surpreende depois de tanto tempo.
- Eu sei, sou o máximo, não? – James balançava a varinha entre os dedos – Olha, seu braço está tipo... Muito melhor! Nem dá pra saber que teve problemas...
- Ah, valeu... – Ele olhou para seu próprio braço. O ferimento antes horrível agora se limitava a arranhões largos, porém cicatrizados. – Então, em que consiste essa tal “psicologia reversa”, posso saber?
- Não... Não agora... Aguarde e observe.
- Ai, quero só ver... – Sirius pendeu a cabeça e deu um sorrisinho jocoso.
- E verá! E quanto a você e a McKinnon?
- Eu... – Sirius tremeu por dentro – Eu e... a... Lene...?
- Tem outra McKinnon em Hogwarts? A não ser que você se agrade de garotos, claro... Aí tem o irmão dela.
- O veado aqui não sou eu...
- A melhor defesa é o ataque, não? – James começou a rir, mas Sirius permaneceu sério. – Você e ela... Como vão ficar?
- Não vamos, Jay...
- Você é um idiota, Six. Vai esnobá-la? Ela é uma garota incrível...
- Você acha? Eu... Eu sei, mas... Ela não... Me atrai...
- Fala sério, Six! Marlene é maior gostosa! Se eu não fosse caído por aquela chata da Evans...
- Eu não digo nesse sentido... Ela realmente é linda, mas... Não sirvo para ela... Eu sou... Ah... Sei lá, eu não sou para ela!
- Eu acho que tem outro motivo, mas se você não quer me falar, Sirius Black... – James fez ar de deboche. – Tudo bem... eu espero você sentir vontade de desabafar...
- O que você está insinuando? – Sirius sentiu o coração disparar.
- Nada... Bom cochilo, Almofadinhas... – James pulou em sua cama, rindo baixinho.
Sirius deitou-se lentamente, com a cabeça cheia de pensamentos. Pensava em Marlene, realmente... Era uma garota incrível: doce, linda, inteligente, meiga... Mas...
“Droga, eu nunca gosto das certinhas... Eu acho que é má índole mesmo... Sangue Black corre nas minhas veias, não? Que inferno...”
Ele se torturava ao pensar que estava dispensando uma garota tão formidável quanto Marlene. “Se eu ficar com ela... Estarei me enganando... Enganando a ela e... Oras... Eu vou morrer solteiro, vou guardar isso para meu próximo trabalho de adivinhação!” Ele amarrou a cara, sozinho, e tentou não pensar em mais nada até que fosse hora de levantar e encarar o primeiro dia de aula do último ano de Hogwarts.
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