Ressentimentos e Revelações
Quando James abriu os olhos novamente, não deteve um sorriso bobo, que brotou dos seus lábios, assim que viu o rosto de Lily se afastando do dele. Lily também tinha um belo sorriso estampado na face. Aquele beijo era algo muito, muito esperado e desejado por ambos. Contudo, a expressão dele de repente se tornou dura, como se o rapaz acabasse de lembrar de algo muito ruim.
- Ah droga! – ele resmungou, fechando os olhos. – Droga!
- Que foi? – Lily perguntou, confusa.
- Eu estou sonhando, isso é uma droga de um sonho! – respondeu ele, tampando os olhos com as mãos. Depois ficou murmurando baixinho. – Eu não quero acordar, por favor, por favor...!
A menina soltou uma gargalhada alta, lembrou-se inclusive que devia ponderar o tom de voz, pois ainda era madrugada e nem todos os alunos da Grifinória tiraram a noite para ter pesadelos. James destampou os olhos e a encarou, arregalando os olhos.
- Espera...? – ele fez uma pausa para olhar em volta. – Se isso é meu sonho, o que você está fazendo aí rindo de mim?
- James, isso não é um sonho! – ela continuou rindo, de forma mais contida agora, e começou a sacudi-lo pelos ombros. – Olha, você está acordado!
Ela ainda o ficou chacoalhando por algum tempo, se divertindo com isso inclusive, até que ele entendesse que estava bem acordado, tanto que a abraçou pela cintura, suspendendo-a no ar e rodando com ela, como se fosse uma boneca, tamanha facilidade com a qual o fizera.
- É, tem razão, não é um sonho, é bem melhor que isso – James falou, parando de rodar e recolocando Lily no chão.
O rapaz pegou a mão da garota, entrelaçando os dedos nos dela. Lily olhou primeiro para as mãos de ambos unidas, depois ergueu os olhos para olhá-lo, ele ainda estava sem óculos e podia ver assim a cor dos olhos, aquele castanho que ia mudando de cor do centro até a borda. Ficaram se olhando por um bom período, como se nunca tivessem se visto antes. Embora James estivesse parcialmente cego sem seus olhos de vidro, Lily agora parecia ainda mais linda, como se isso fosse possível. Olhando para aquele rosto bonito e ligeiramente embaçado pela miopia, ele pensava em sua sorte. Quando quase tinha perdido suas esperanças de tê-la por namorada, ela viera até ele com toda aquela doçura que o encantara desde o primeiro momento, com toda sua delicadeza e sua capacidade de perdoar atos idiotas e tirar até do biltre mais estúpido um príncipe encantado. Lily, sem sombra de dúvidas, era a única garota que realmente valia à pena. E dessa vez, ele ia fazer por onde, nunca a decepcionaria novamente. Nunca, prometera a si mesmo, nunca mais perderia Lily por ser um inconsequente imbecil.
Lily, perdida entre seus pensamentos e o sorriso de James, meditava como pôde ter sido tão mentirosa para si mesmo, por que perdera tanto tempo se fazendo de difícil, quando tudo o que mais queria era ter feito aquilo que acabara de fazer, demonstrar da forma mais simples o quanto gostava dele? Tudo bem que James era um bobo às vezes, mas o amor não dita regras, não exige mudanças de comportamento, não descreve a pessoa ideal. O amor apenas acontece. Ela tinha certeza que James também não escolhera por livre e espontânea vontade amá-la, foi algo que aconteceu. Tão simples que tinha ser complicado, para poder-se depois dizer “eu não entendo o amor”.
E aconteceu que ela estava apaixonada por ele, ele estava por ela. Aconteceu assim, assim seria. Se ela tivesse escutado o discurso sobre almas gêmeas e partes que se completam que Alice fizera a Dorcas, ela estaria tendo a comprovação científica de que aquilo tudo, por mais louco que parecesse, era a mais pura verdade. James era sua parte que faltava. Disso ela teve certeza, pois depois daquele beijo, uma felicidade estranha, quase uma euforia, havia nascido nela, algo que nunca sentira. Uma sensação de plenitude.
- Eu nunca mais vou te perder – James sussurrou, colando sua testa na dela, sem desenlaçar suas mãos.
- Você não vai me perder – ela afirmou, fechando os olhos. – Eu demorei muito tempo sendo orgulhosa, não vou cometer o mesmo erro duas vezes.
Riram novamente um para o outro – talvez o amor deixasse mesmo as pessoas meio bobas – e voltaram a se beijar. Pela janela imensa do Salão Comunal, os primeiros raios do amanhecer já podiam ser percebidos. Como o tempo passara rápido, estando com aqueles que se amavam.
Uma menina de cabelos negros e bochechas bem rosadas parecia incomodada com algo, olhando para sua companheira sentada ao seu lado, na mesa bronze e azul da Corvinal. Ela remexia na comida em seu prato, incapaz até de comer algo.
- Rachel, por favor, fala comigo! – por fim a garota falou, num tom agoniado.
Rachel Clearwater levantou os olhos para sua amiga, talvez a única amiga de verdade que tinha em Hogwarts, Hestia Jones. Hestia tinha um rosto bondoso, os olhos grandes e escuros que davam a ela uma expressão quase infantil e tão delicada e era quase impossível deixá-la magoar. Para quem não a conhecesse, pensaria ser uma coitadinha, mas era uma garota tão determinada e forte que fazia mesmo valer aquela frase “as aparências enganam”.
- Desculpa, Hestia – Rachel murmurou, baixando novamente os olhos. – Eu tenho sido uma péssima amiga, não é?
- Não, não é essa a questão! E que você está guardando suas dores para si mesma! Poxa, Rachel, eu sou sua amiga desde o primeiro ano, eu esperava que você contasse comigo para desabafar!
Rachel suspirou e a outra aguardou pacientemente. Depois, a outra menina revirou os olhos verdes e balançou a cabeça.
- Não quero falar sobre mim, Hestia – a amiga ia contestar, mas Rachel continuou. – Sério, não quero falar sobre isso agora, eu juro que vou desabafar com você quando necessitar, mas não quero te fazer infeliz.
- Você me faz infeliz quando me ignora! – Hestia acusou, fazendo biquinho. – Me sinto uma meleca de Trasgo, oh!
Rachel deu um leve sorriso. Já era alguma coisa, pensou Hestia.
- Eu adoro você, Tia – Rachel falou, pegando a mão da amiga.
Hestia deu um sorriso de criança.
- Imagina se me odiasse, me mandaria para a fogueira, não é?
As duas riram um pouco. Rachel agradeceu mentalmente por ter alguém que realmente se preocupasse com ela. Nos últimos dias, parecia que ninguém no mundo se importava realmente com ela, somente Hestia e Edgar...
Pensando em Edgar Bones, Rachel olhou diretamente para a mesa da Lufa-Lufa.
Lá estava ele, Edgar, tão bonito como sempre, juntamente com sua irmã e amigos. Só tinha algo diferente de sempre nele: ele não sorria.
- Eddie? – Amelia Bones cutucou o braço do irmão.
Amelia era uma bela jovem de cabelos escuros e olhos verdes-musgo, um ano mais nova que seu irmão, Edgar. Era gentil e sorridente como o rapaz, porém tinha mais senso de humor que ele. Era muito interessante o relacionamento fraternal de ambos, Edgar sempre comprava a briga da irmã e vice-versa. Mesmo quando brigavam, só era para que dentro de alguns minutos um se jogar nos braços do outro implorando por perdão e, então, tudo ficava bem novamente.
- Eddie, irmão, você está legal? – insistiu ela.
Edgar Bones tinha o cotovelo apoiado na mesa, e a cabeça apoiada na mão. Olhava para o nada e ainda não tinha comido nada do seu café da manhã. Quando a irmã o chamou a atenção, ele levou um leve susto. Amelia e um outro rapaz mais próximo deles se entreolharam, confusos. Edgar estava muito estranho nesses dias.
- Qual foi, Eddie? – um garoto de sorriso espontâneo e cabelos loiros-mel perguntou, confuso.
- Nada não, Ben. Só estava aqui pensando... – Edgar falou pausadamente.
- Você tem pensado muito nesses dias, Eddie, cuidado para não ter uma diarréia mental – Amelia provocou e Benjamin Fenwick caiu no riso.
Benjamin Fenwick, o sempre tão alegre e bondoso rapaz, era um dos melhores amigos de Edgar Bones. Tinha olhos num tom azul celeste brilhante e seu sorriso aumentava consideravelmente sua beleza. Sua risada era contagiante juntamente com a de Amelia, mas, de repente, ele parou de sorrir, quando pegou o amigo o encarando seriamente. As bochechas de Benjamin ficaram rubras e ele baixou os olhos, envergonhado. Amelia também parou de rir no ato, observando os dois.
- Sinto muito, Eddie – disse ele, brincando com o garfo para desviar os olhos dos de Edgar. – Sei que Edward era seu amigo, não deveríamos fazer piadas com você.
- É isso mesmo, desculpa, irmão – Amelia acariciou os cabelos de Edgar, estalando a língua no céu da boca, num lamento.
- Tudo bem, eu que peço desculpas pela minha falta de humor – o rapaz suspirou, olhando para a irmã e depois para o amigo. – Mas sabem, eu estou tão... tão... – ele parecia angustiado, procurando uma palavra que lhe faltava. – Eu me sinto tão culpado! Edward se foi sem que eu pudesse me desculpar com ele pelo que fiz!
Amelia e Benjamin se entreolharam confusos, enquanto Edgar levava suas mãos à nuca, empurrando a cabeça para encarar a mesa.
- O que você fez a ele? – a irmã perguntou.
Edgar levantou a cabeça e novamente suspirou profundamente. Desde as férias vinha guardando aquele acontecimento para ele, mas agora, sem Edward, nada tinha muita importância. Mas não era um momento muito propício para contar a eles toda a situação, então ele resumiu, sem que isso o fizesse menos feliz por poder desabafar com alguém.
- Edward e eu brigamos feio na Copa de Quadribol, e desde então não nos falamos mais – Edgar falou, encarando suas mãos sobre a mesa. – Eu fui bastante orgulhoso por considerar que eu estava com a razão e, por isso, estava levando tudo numa boa. Mas estava disposto a encontrar-me com ele no recesso de Natal para fazermos as pazes. Eu gostava muito dele para ficar brigado dessa forma.
Os dois jovens ouvintes estavam perplexos.
- Mas, Eddie? – Amelia balançou a cabeça, tentando entender. – Você não comentou nada sobre isso! Por quê? E, nossa, vocês sempre foram como irmãos, o que os fez brigar assim tão...
- Mia, não agora – Edgar ergueu a mão, pedindo tempo e fazendo uma careta. – Eu prometo contar tudo, mas não aqui. É uma longa história.
Amelia assentiu com a cabeça e os três tomaram o assunto por encerrado. Num dado momento, Edgar resolveu quebrar o silêncio.
- E então, já tem companhia para o baile, Ben?
- Ah, sim! – Benjamin respondeu empolgado, como se quisesse mesmo que alguém o perguntasse. – Adivinha? Hestia aceitou ir ao baile comigo!
Amelia abafou um risinho.
- Como se ela não fosse aceitar... – comentou maldosamente.
- E você, Eddie? Vai com quem afinal? – Benjamin quis saber, sorridente. – Meadowes? Vance? Clearwater...?
O último nome fez o coração de Edgar se chocar contra as costelas de modo doloroso. Ele encarou o amigo meio tenso. Depois, tratou de aliviar a sua expressão para privar-se de outra declaração constrangedora.
- Não, eu não vou mais ao baile nenhum. Não tenho clima para isso.
- Que pena – o amigo lamentou, mas não disse mais nada.
Edgar Bones dessa vez não tentou quebrar o silêncio. Era melhor assim mesmo, teria tempo para pensar sobre seus assuntos. Ele sabia que não havia nada que o tempo não curasse, mas ainda doía, estava muito recente. Acabara de perder um amigo muito querido, sem ter oportunidade de se acertar com ele e parte dessa dor ainda estava ali, tão perto dele.
Ele rolou seus olhos até a mesa da Corvinal e de relance, viu que Rachel Clearwater também o olhava. Os olhos verdes se desviaram do dele, num ato de constrangimento.
Na mesa da Grifinória, James e Lily estavam estranhamente cansados, porém felizes, todos perceberam porque era algo bem nítido. Os dois tinham uma expressão cansada, olheiras e olhos avermelhados, mas também tinham um sorriso quase débil no rosto.
Embora tivessem combinado entre si de não comentarem nada com ninguém até o baile sobre o surpreendente namoro muito aguardado, era quase impossível esconderem que estavam felizes.
Quem não parecia nada feliz, entretanto, era Alice Prewett. Ela olhava para Frank com uma expressão ressentida. O namorado, por seu lado, não entedia nada. Ele então passou seu braço pelos ombros dela, se aproximando na cadeira.
- Amor, o que há com você? – perguntou ele.
Alice respirou fundo e o encarou.
- Você já terminou o seu café? – ela disse.
Frank meneou a cabeça, dizendo que sim, parcialmente assustado.
- Vem comigo então.
A garota levantou-se, pedindo licença aos mais próximos dela. Frank fez o mesmo e a seguiu. Ela parou no meio de um corredor deserto naquele horário, já que todos os alunos estavam no Salão Principal desfrutando do café da manhã. Quando pararam, Alice olhou para o namorado com um quê de chateação no olhar.
- Quando você ia me contar o que planeja? – ela perguntou.
O rapaz enrugou a testa e deixou o queixo cair.
- Mas como você...?
- Não interessa como eu sei – Alice fez um sinal com a mão pacientemente. – Me diga, Frank, quando você ia me contar? Quando terminássemos a escola?
- Não! Alice eu juro que eu ia te contar em breve, assim que eu decidisse também o que era melhor a fazer! – ele gemeu e agarrou os cabelos com força, mostrando seu estado de irritação. – Eu só não quero te magoar!
- Frank, eu não ia me magoar se você fosse sincero comigo.
- Não, com isso não, mas o que você faria se eu te dissesse que pretendo me unir a Ordem de Fênix, como seus primos, assim que terminasse a escola?
Alice deu de ombros.
- Eu te diria que também vou me unir, junto com você, oras.
Com aquela revelação, Frank sentiu seu coração sendo quebrado como uma vidraça atingida por uma pedra pesada.
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