CAPÍTULO V
Nas semanas seguintes, Fenny foi se acostumando à rotina do castelo do topo da co¬lina. Sentia-se cada vez mais encantada pela ilha, onde o tempo era sempre maravilhoso, e pelas águas incrivelmente azuis do Egeu, que renovavam as esperanças nos corações das pessoas desesperadas.
Descobriu que Lion era um trabalhador incansável, sain¬do algumas manhãs no helicóptero e não voltando durante vários dias, Suas inúmeras atividades o mantinham ocupado em Atenas e Chipre e, de vez em quando, em Istambul.
Zonar viajava quase sempre com ele, e a responsabilidade da casa ficava nas mãos competentes de Demetre.
Ele parecia continuar não aceitando Fenny, mas sua esposa, uma mulher muito bonita e fútil, encontrou na nova cunhada uma fonte de curiosidade. Adelina não lhe ofereceu exatamente amizade, mas mostrou-se mais sociável do que o marido. Es¬tavam casados há quase cinco anos e não tinham filhos. Ade¬lina confessou a Fenny que não tinha muita paciência com crianças e não lhe interessava ter filhos, e Demetre estava muito apaixonado por ela para insistir em seus direitos gregos. — Esse negócio de ter um bando de filhos já está ultra¬passado — disse ela, com sua voz lânguida. — Acaba com o corpo das mulheres e com o interesse sexual. Acredite-me: os homens gregos dedicam toda a sua atenção às crianças. Fenny simplesmente sorriu. Adelina seria a última pessoa do mundo a quem ela confiaria seus temores e segredos.
O filhinho de Zonar era um encanto de garoto, mas a babá mostrou-se possessiva e até mesmo um pouco rude com Fenny. Era bem jovem e ocorreu a Fenny que ela devia estar apaixonada pelo atraente Zonar.
A vida no Castelo Azul oferecia-lhe mais um desafio do que um contentamento, mas Fenny não se importava com isso. Decidira não se deixar mais abater pela falta de amor de Lion. Havia sempre a possibilidade remota de que ele viesse a tratá-la com um pouco mais de carinho ou, quem sabe, até gostar dela. Era uma tênue esperança, mas Fenny se agarrava a ela; do contrário, não lhe restaria nada e o futuro seria um abismo profundo e negro.
No castelo, despertou para a beleza selvagem da paisagem, o aroma dos limoeiros nos verdes pomares exuberantes, o bri¬lho e o calor do sol. Mas, para perturbar tudo isso, havia sempre o barulho do helicóptero subindo no céu azul, levando Lion, que a deixava sozinha sem ao menos dizer adeus.
Depois daquela noite, ele nunca mais se mostrara deli¬cado. Entrava e saía do quarto dela quando bem entendia. — Você é minha esposa — disse com firmeza. — Não pretendo tratá-la como um ícone sagrado, que é beijado rapidamente e colocado de volta em seu branco nicho frio. Você é uma mulher e vai aprender a me satisfazer, quer queira, quer não.
Depois de sete semanas no Castelo Azul, Fenny ficou sabendo que ia ter um bebê, mas não contou nada a Lion. Decidiu es¬conder de todos a novidade, guardando o segredo só para ela. Agarrava-se desesperadamente à fraca esperança de que um dia ele pudesse perdoá-la e mantê-la ali com ele. E, por amor àquela pequenina vida que estava crescendo em seu corpo ma¬gro, tentava absorver tudo que podia de beleza da ilha.
Logo descobriu por que chamavam o lugar de Petaloudes. Os galhos das árvores estavam sempre cobertos por grandes borboletas, suas asas se agitando como renda. Sempre que pos¬sível, Fenny saía em longos passeios. Seu refúgio preferido era o yali, uma casa de verão na praia, de estilo turco, mobiliada com pequenas mesas e um divã com um grande almofadão. Um tapete trançado cobria o chão. Havia conforto e solidão ali. Fenny gostava de ir lá quando Lion estava fora, para ouvir discos e ler revistas inglesas que ele comprava para ela no continente. Sempre ficava até o escurecer, e costu¬mava nadar quando o sol se punha.
Enquanto nadava, pensava em Afrodite, que renovava a sua castidade no oceano. Se isto fosse possível para uma mulher que sabia que em seu corpo crescia um bebê de seu amante... Pensava sempre em Lion como amante, porque ele nunca se comportava como marido. Nunca discutia seus negócios com ela, muito menos os planos para o futuro. Ao contrário, deixava claro que não tinham futuro algum, zombando dela, depois de fazerem amor.
— Vou sentir falta disso, minha pequena impostora, quando mandar você embora... para enganar outro homem rico.
Ela não discutia nem protestava, não adiantava nada. Ele jamais ouviria as suas lamúrias e, se ouvisse, não daria a menor atenção. Preferia ficar calada, remoendo sozinha as suas tristezas.
Ele vinha, ficava um pouco com ela e depois partia para a outra vida, a vida de negócios da cidade grande, onde provavelmente havia uma outra mulher, que devia saber mais de sua vida do que Fenny.
Por ora, nadar naquela água deliciosa, naquele mar divino e banhado pelo luar e pela luz das estrelas já era um alívio muito grande para a dor que sentia e que algumas vezes se tornava uma verdadeira agonia. Então ouviu o barulho do he¬licóptero seguindo em direção ao planalto, onde as luzes em terra estavam sempre acesas, como se o esperassem. O aparelho sobrevoou o mar, fazendo círculos, até descer lentamente.
Fenny, que estava boiando, teve um sobressalto. Não es¬perava que Lion voltasse tão cedo, porque Zonar tinha dito que iriam a uma conferência em Chipre.
Embora sentisse um desejo irresistível de ir ao encontro de Lion, ficou na água e disse a si mesma que ele não queria vê-la correndo para seus braços como toda esposa apaixonada faria. Não ficava bem para ela mostrar-lhe o que sentia.
Fenny estava sentada sozinha na praia deserta, mãos cruzadas sobre os joelhos, olhando para o mar, quando ouviu pedras rolando nos rochedos. Imediatamente percebeu que alguém descia pelo atalho, em direção à praia. Seu coração bateu descompassado na esperança de que fosse Lion, pro¬curando por ela.
— Kalispera, kyria — disse uma profunda voz masculina.
Só que não era Lion quem vinha em sua direção. O desa¬pontamento foi tão grande que Fenny enterrou as unhas nas palmas das mãos. Mas sorria, amigável, ao se voltar para Zonar.
— Boa noite, cunhado. Voltou cedo. Deixou meu marido trabalhando?
Esperava que Zonar lhe retribuísse o sorriso e dissesse alguma coisa agradável. Em vez disso, ele ficou olhando para ela com uma austeridade incomum naquele rosto sim¬pático. Fenny pressentiu que algo ruim tinha acontecido.
— O que foi? — Levantou-se rapidamente e agarrou o braço dele. — Aconteceu alguma coisa com Lion? Diga logo, ou acabo ficando maluca!
— Preocupada? — Arqueou as sobrancelhas escuras, fi¬cando muito parecido com Lion. — Você morreria se o per¬desse, não é mesmo?
— Por Deus, sim! — Sacudiu o braço do cunhado. — Não se comporte como ele! Não me atormente! Por que você voltou tão depressa?
— Houve um acidente. Pelo amor de Deus, não há ne¬cessidade de ficar tão apavorada!
Mas era tarde: a cabeça de Fenny girou, e Zonar teve que carregá-la nos braços até o yali. Empurrou a porta com os ombros e carregou-a para o divã, com um carinho que Lion nunca havia demonstrado. Tirou o cabelo dela do rosto pálido e se ajoelhou a seu lado,
— Um acidente? — ela murmurou. — Lion foi ferido?
— Foi, mas fique calma. Ele é tão forte como um verda¬deiro grego deve ser, e a explosão só o feriu de leve. O médico teve que extrair pedaços de vidros de seu braço e das costas. Eu estava almoçando com... certa pessoa; por¬tanto, não estava no prédio da administração, quando a bomba explodiu. Até que Lion teve sorte, porque alguns dos outros homens foram mortos ou ficaram mutilados.
— Oh, Deus! Por que essas coisas têm que acontecer? Por que as pessoas não se comportam como gente civilizada? É vandalismo ficar atirando bombas por aí, torturando um ao outro por causa de divergências políticas. Preciso ir ficar com ele. Tenho certeza de que está precisando de mim.
— Ele está bem, acredite. Nós o trouxemos de volta e agora está descansando no quarto. Os médicos aplicaram uma injeção que o fará dormir bastante: vai descansar bem e não sentirá mais nada depois.
— Eu devia ir vê-lo, para ter certeza. — Tentou se le¬vantar, mas Zonar impediu, sorrindo.
— Ele está inteirinho, posso garantir, Fenella. Amanhã estará se sentindo melhor, embora com dor de cabeça e com o braço enfaixado. Aí então, você poderá brincar de enfermeira e insistir para que ele siga o conselho do médico para repousar durante uma semana. Por Deus, que outro homem deixaria uma mulher maravilhosa completamente só numa ilha como esta, nadando no Egeu? Você não merecia essa má sorte!
— É o meu destino, e não estou me queixando — disse ela. Mas seus lábios tremeram enquanto falava e seus cílios baixaram para esconder o desespero. — Fico muito feliz por Lion não ter se ferido gravemente. Você está me dizendo a verdade, Zonar? Ele está mesmo bem, apesar dos ferimentos?
— Eu nunca mentiria para você. — Zonar segurou as mãos dela e roçou os lábios na ponta de seus dedos. — Sabe, de um certo modo, o meu irmão trabalhador merece você; mas, por outro lado, não. Ele não devia deixá-la abandonada.
— Oh, mas ele não me deixa totalmente abandonada. O que acontece é que precisa mais do trabalho do que de mim. Eu sirvo para uma finalidade e aceito que ele não sinta a felicidade completa a meu lado. Não sou a mulher que ele ama, e isso faz muita diferença, você sabe. Eu não gostaria que ele fingisse que sente algum afeto por mim. Não faz parte do caráter de Lion: ele é muito franco, diz tudo o que pensa. E tem todo o direito, porque o que eu fiz foi uma coisa im¬perdoável, e agora é muito tarde para tentar remediar.
— Você quer dizer que ele é brutalmente honesto!
— Eu... eu não gosto dessa palavra...
— Não? — Zonar franziu a testa. — Kyria, eu conheço Lion há muito mais tempo do que você e sei como pode ser desumano, quando alguém faz um jogo que ele julga sujo. Principalmente quando ele é o enganado.
— O jogo que eu fiz foi sujo. Não espero que Lion me trate com amor, com carinho.
— Não gosto do jeito como trata você, é muito cruel. — Seus olhos passearam pelo corpo magro de Fenny, naquele minúsculo traje de banho. — Você precisa ser amada de verdade, não apenas usada por ele para satisfazê-lo. Meu irmão não pode fazer uma coisa dessas. Você tem muito mais a oferecer, além de seu belo corpo, cheio de curvas.
— Zonar, por favor, não diga essas coisas!
— Já estava na hora de alguém dizer.
— Você está se aproveitando do estado dele, e isso não é muito bonito, ainda mais sendo irmão de Lion. Agora, preciso ir vê-lo!
— Não. Ainda não. — Forçou-a a se sentar novamente.
— Você vai ter que ouvir, e fique sabendo que é mil vezes melhor do que aquela sua prima exibicionista. Ela me paquerou, sabia? Deu em cima de mim, pelas costas de Lion! Tive vontade de lhe dar uns tapas, e seria bem merecido!
— Ele a ama, e não há lógica no amor. Nunca haverá. Deixe que eu vá agora, Zonar, antes que nós dois digamos coisas de que possamos nos arrepender mais tarde.
— Eu nunca me arrependeria de falar com você... de conhecê-la, Fenella. — Segurou as mãos dela. — Você é a mulher mais fascinante que já conheci. Está jogando fora a sua vida ao lado de um homem que pensa primeiro nos negócios e, por último, na mulher que o ama. Ainda não posso acreditar que existam homens desse tipo, têm tudo do bom e do melhor e ainda querem mais, esquecendo-se de uma mulher maravilhosa como você.
Olhou o corpo de Fenny e um brilho estranho apareceu em seus olhos.
— Fenny, você me olha como se fosse divinamente pura. No entanto, é esperta e cheia de truques. Acho isso fascinante.
— Não sou o tipo de garota esperta que você imagina! — Fenny arrancou as mãos das de Zonar e seus olhos o fuzilaram. — Você fala do seu respeito por Lion e, ao mesmo tempo, me diz essas coisas. Estou chocada e desapontada.
— Chocada? — Ele deu uma gargalhada. — Só porque eu a acho charmosa e porque gostaria de fazê-la feliz?
— Já sou bem mais feliz do que mereço.
— Acha mesmo? — Zonar balançou a cabeça, incrédulo.— Tenho observado você algumas vezes. Principalmente aqui na praia, sozinha, brincando feito criança desprotegida, fazendo castelos. Quase não consigo me controlar. Meu ir¬mão a deixa muito sozinha. O que você tem é uma escra¬vização, não um casamento!
— É problema meu, Zonar, e você não tem o direito de ficar se metendo.
— Gosto de você e isso me dá o direito. — Inclinou-se sobre ela e Fenny olhou o rosto bronzeado pelo sol, forte e emocionado, com lábios sensuais e queixo quadrado. Não podia negar que era um homem perigosamente atraente.
Ficou nervosa por estar sozinha na casa de verão com ele, sabendo que a raça dos Mavrakis era terrível.
— Como cada dia morre nos braços da noite, cada mulher também devia viver nos braços de alguém que realmente gostasse dela — ele murmurou.
— Posso sobreviver sem uma lígação perigosa — Fenny respondeu. — Lion mataria você, se soubesse que... que esta falando desse jeito com a esposa dele.
— Sem dúvida alguma. E não seria a primeira vez que ele iria me dar uns bofetões. Ou você acha que fui um jovem fácil de educar e criar?
Ela sorriu, de má vontade.
— Você tem um pouco do diabo, Zonar. Gosto muito de você e odiaria se alguma coisa estragasse a nossa amizade. Tenho certeza de que não quer ter um caso comigo, e que apenas se sente obrigado a tentar com todas as mulheres que encontra.
— Você está sendo cínica. Sabe muito bem que eu a acho linda e tranquila, como um oásis no meio do deserto. Since¬ramente, invejo Lion. E ainda mais, se você o ama de verdade!
— Eu o amo. — As palavras saíram de seu coração. — E acredito que sempre amarei, pois o que sinto é muito forte e não acaba do dia para a noite.
— Apesar do modo como ele a trata? — Zonar franziu a testa, e mais uma vez sua semelhança com Lion era bem visível. — Lion pode ser bruto de muitas formas e com muitas pessoas, porque só Demetre e eu tivemos a sorte de receber uma boa educação. Foi ele quem nos transformou de simples garotos de rua em dois homens finos, dois ca¬valheiros. Lion trabalhava nas pedreiras de mármore, as mesmas que agora lhe pertencem, e ajudou a construir os caíques que transportam as mercadorias dele para centenas de portos estrangeiros. Deus lhe deu resistência física e perspicácia nos negócios, e acho que os grandes negócios são a única coisa com que se preocupa. Tenho certeza de que admira mais um livro de contas do que as formas do corpo de uma mulher. E você diz que o ama!
— Você deve muito a ele, Zonar. Não devia se esquecer de tudo o que fez por vocês.
— Não esqueço. Ele é um grande homem: cheio de qua¬lidades, enérgico. Eu mataria por ele.
Fenny mordeu o lábio.
— Você gostaria de fazer amor comigo, sendo a esposa dele?
— E ser maldito por isto? Para um grego, a esposa do irmão deve ser sagrada. — Deu um sorriso cínico. — Mas estou apai¬xonado por você e não consigo me controlar. O que posso fazer, se a única coisa que quero é juntar minha alma à sua?
— Não! Por favor!
— Oh, Fenella, não há nada mais desesperador do que uma mulher bonita apaixonada por outro homem.
— Você é incorrigível.
Conseguiu livrar-se dele e escapou do yali, correndo para o atalho que levava ao castelo. Zonar desceu os degraus logo atrás dela, alto e elegante, mas sem a mesma força que diferenciava Lion de todos os outros homens.
Lion... ferido por uma bomba. Fenny queria correr para o lado dele e atirar-se em seus braços. Sentiu o desejo primitivo percorrer-lhe as veias e percebeu que já não era a tímida garota inglesa de outros tempos. Alguma coisa da personali¬dade pagã do marido se apossara dela. Apesar de separados fisicamente no futuro, estaria sempre ligada a Lion.
Quando ela e Zonar alcançaram o topo da colina, pararam alguns instantes, olhando para baixo, para o reflexo das estrelas no mar. Foi só então que Fenny lembrou que tinha deixado o vestido na casa de verão e ainda estava descalça, usando biquini. Enfiou os dedos na terra e desejou estar plantada ali tão firmemente quanto as figueiras ou uma das antigas oliveiras cujas raízes se estendiam até as pedras.
— Acho seu país fascinante — disse a Zonar.
— O povo também? A família Mavrakis em particular?
— Uma família arrogante. — Ela sorriu. — Onipotente e orgulhosa.
— Temos motivos para isso. Ir da sarjeta para uma mansão significa uma grande proeza. Olhando para nós agora, quem é que diria que não fazemos parte da aristocracia grega?
— Realmente, não. — Olhou para Zonar, que parecia um deus grego, mas vestia um moderno calção de banho e uma camisa marrom, dasabotoada. — Na Grécia, são apenas as roupas que separam os reis dos mendigos, não é? Vocês são um povo muito bonito.
— Obrigado. — Ele pareceu um tanto sem graça por um momento, como se o que ela dissera tivesse abalado um pouco a sua segurança. — Eu gosto de você, também.
— Zonar, não me entenda mal. — Continuou a andar e ele a acompanhou, rindo. — Eu o acho um homem bonito, mas isso não quer dizer que você abale a minha estrutura.
— Isso é coisa só para Lion, não é?
— Há necessidade de amor, e você sabe disso!
— Eu amava muito minha esposa, Fenella, mas não posso fazer amor com uma morta. Acha que devia usar luto? Não é preciso vestir roupas negras para mostrar que se amava uma pessoa.
— Você podia encontrar uma boa moça e casar. Alekos precisa de uma mãe.
— Todas as boas garotas já estão casadas com maridos brutos. Por que isso? Vivo me perguntando se a bondade é atraída pela maldade. Você me acharia um amante atencioso e apaixonado.
— Verdade? Você guarda os seus diplomas pendurados na parede do quarto, mostrando o carimbo da aprovação feminina?
— Por que não vai até lá e tira a prova?
Agora, já estavam no jardim de pedras que ficava na divisa dos pomares, onde havia ruínas do que provavelmente fora um templo pagão.
— Zonar, prometa uma coisa.
— Você terá tudo o que quiser de mim, Fenella.
— Quero a sua promessa sincera de que vai me tratar apenas como uma amiga e como sua cunhada, esposa de seu irmão mais velho, que fez tudo para que você tivesse uma vida melhor do que a dele. Chega de tentar flertar comigo, está bem?
— Porque você acha isso repelente, ou porque acha perigoso?
— Você sabe que é perigoso. Eu pertenço a seu irmão.
— Da ponta do cabelo até as solas dos pés, minha cunhada?
— Sim.
— Continue assim, e acabará se tornando mamãe. O coração dela bateu apressado.
— Você acha?
— É o que acontece quando uma garota se casa com um grego. É isso o que você realmente quer, acima de tudo?
Oh, não! Não, acima de tudo! Como poderia querer uma criança que seria a sua separação de Lion? Mas o bebê estava lá e podia senti-lo crescendo dia a dia, sangue de seu sangue, carne de sua carne; e a única lembrança de Lion, se resolvesse abandoná-lo antes do nascimento da criança.
— Venha, pequena solitária, deixe-me acompanhá-la ao castelo.
Gentilmente, Zonar pegou-a pelo braço, e ela não tentou se libertar. Acima de tudo, Lion tinha conseguido fazer dos irmãos dois cavalheiros, e eles sabiam muito bem que Lion os mataria, se um dia traíssem a sua confiança.
— Para um grego — ele disse —, um filho é a luz da vida. Aposto que, se der um filho a Lion, ele vai esquecer que você fez um jogo sujo com ele. Se é isso o que você quer.
Esquecer? Fenny tremia quando chegaram ao hall do cas¬telo, onde a grande lanterna brilhava, iluminando as pare¬des brancas e as arcadas.
— Corra e tire esse minúsculo biquini. Vá! Depressa!
Zonar a observou, enquanto ela subia os degraus. De repente Fenny parou, voltou-se para ele e sorriu, grata.
— Você faz bem ao meu moral — gritou.
— Mas não ao resto, hein?
Nenhum dos dois percebeu a babá parada atrás de um dos quartos, usando um vestido negro de gola branca.
— Senhor!
Sua voz assustou-os e fez com que se sentissem quase culpados. Olharam para a moça, que se aproximou.
— Queria falar com o senhor a respeito de Alekos — ela disse, ignorando Fenny. — Ele não tem comido muito bem. Pode ser por causa do calor. Mas, por outro lado...
— Por outro lado? — Zonar olhou-a, irritado. — É você quem deve saber tudo sobre a criança. Foi exatamente por isso que foi contratada e nós lhe pagamos um bom ordenado: para que ele esteja sempre muito bem cuidado.
— Sim, senhor. — A babá ficou tensa e dirigiu o olhar para onde estava Fenny. — Eu conheço o meu lugar nesta casa.
Com aquelas palavras, a moça se retirou, e ocorreu a Fenny que a babá não gostava dela e que tinha interpretado mal o sorriso inocente que os dois haviam trocado. Zonar era um viúvo muito bonito e jovem, cujos olhos pareciam passar pela babá sem perceber que ela estava apaixonada por ele.
Os homens podiam ser cruéis e Fenny sabia disso, pois passava por uma experiência assim; mas algumas mulheres conseguiam ser ainda mais diabólicas e capazes de fazer coisas terríveis quando queriam prejudicar os outros. Apertou a ba¬laustrada de ferro da escada e sentiu um arrepio na espinha.
— Ande logo — Zonar disse. — Vá correndo para os braços de seu marido.
Quando Fenny chegou ao quarto de Lion, ficou surpresa de encontrar a porta entreaberta. Entrou depressa e, de repente, parou. Kassandra estava em pé, ao lado da grande cama, olhando fixamente para o rosto moreno e adormecido nos travesseiros brancos.
— O que você está fazendo?
A mulher se voltou lentamente e seu rosto pareceu ainda mais cigano e místico do que nunca: o nariz aquilino, o cabelo negro-azulado, a pele escura. Uma mulher alta e estranha, que Fenny sabia que caminhava durante a noite, falando sozinha. Era ela que, algumas vezes, tocava bandolim. Lion contara que tinha sido torturada durante a guerra por levar comida e in¬formações para a resistência que se escondia nas colinas.
— O patrão está bem.
Fenny caminhou de mansinho para perto da cama e olhou para Lion com olhos ansiosos. Jamais o vira daquele jeito, dormindo tão profundamente, o cabelo grosso caído sobre os travesseiros. Tinha uma expressão tão cansada! Um dos braços estava para fora da coberta e enfaixado do pulso ao cotovelo.
— Oh, Lion! — Fenny acariciou o cabelo dele carinhosa¬mente, mas ele não se moveu. Zonar dissera que ele havia tomado um remédio para dormir profundamente, mas, de qualquer forma, ficava preocupada e assustada de vê-lo tão quieto. Logo aquele homem, sempre ativo, que não descansava nunca. Teve um sobressalto quando Kassandra tocou-a no braço e falou, em grego, que Fenny estava aprendendo com rapidez como tratar de Lion. Era um cumprimento.
— O patrão é forte. Já o vi em pior situação do que esta, na guerra. Parece que ele luta contra tudo o que existe de ruim.
— Ele está num sono tão profundo! — Fenny deu um suspiro. — Parece estar tão longe de nós. Eu o toquei e ele nem sentiu.
— Isso é bom para ele. Dorme muito pouco, pois tem que trabalhar dia e noite para ganhar o pão de cada dia para a família. Isso é porque passou fome quando criança, sabia? Passou fome como um cachorro sem dono, para que os dois irmãos mais jovens pudessem comer e sobreviver. Eu o conheço desde então. Ele me achou quase morta na estrada e, ainda menino, cuidou de mim, me deu comida do pouco que conseguia pedindo esmolas, emprestando ou roubando. Esse tipo de pessoa merece muito amor. Você o ama, não é mesmo?
Os olhos de Fenny se encheram de lágrimas e, de repente, ela caiu no choro. Sentou-se na cama ao lado de Lion e abraçou suas pernas fortes por baixo das cobertas. Chorou desesperadamente por não ser a mulher que ele queria.
Kassandra bateu de leve em seu ombro.
— Desabafe, mas não chore muito — aconselhou. — Por causa da criança.
Saiu, fechando a porta do quarto atrás de si e Fenny ficou tensa, deitada na cama, o rosto molhado de lágrimas. Então Kassandra sabia! Aquela mulher estranha tinha descoberto o seu segredo... Oh, Deus, e se ela tivesse contado a Lion?
Ajoelhou-se ao lado da cama, incapaz de desviar os olhos do rosto do marido. Nunca o tinha visto adormecido, era ainda mais bonito e não parecia tão cruel. Muito pelo con¬trário, parecia uma criança.
Mesmo quando dormia com ele, ela nunca despertou e o encontrou a seu lado. Estava sempre de pé e, na maioria das vezes, tomando café sozinho, para depois ir dar um mergulho, antes de sair para o trabalho. Como machucava saber que Lion nunca precisava de sua companhia depois de passar a maior parte da noite com ela, possuindo-a.
Mas nada disso importava. Apesar de ofendê-la e ma¬chucá-la tanto, Fenny o amava.
O quarto estava muito quieto, exceto pelo tique-taque do relógio. Levantou-se com um suspiro e, inclinando-se, roçou com os lábios a face dele. Lion se mexeu um pouco. Com o coração disparado, Fenny se afastou depressa da cama. Será que ele ia acordar e encontrá-la ali, feito uma idiota apai¬xonada? Mas Lion apenas mudou de posição na cama e caiu no mesmo sono profundo de alguns minutos antes. Res¬pirou, aliviada, dirigindo-se para o seu quarto.
Sua jovem criada estava lá, dobrando a camisola para ela. Pela porta do banheiro vinha um aroma de eucalipto, do banho que a criada estava preparando. Fenny sorriu para a garota.
— Estive com o meu marido alguns minutos — disse, falando inglês, pois a moça entendia. Chamava-se Anne e era muito discreta e cheia de dignidade.
Quando Lion insistiu para que tivesse uma criada, Fenny ficou feliz por ele não ter escolhido alguma criatura petulante que esperasse que seu comportamento fosse como o de Adelina, que só se preocupava em andar na moda. Fenny gostava de roupas boas, mas nunca se interessara demais por maquilagem e penteados. Preferia andar o mais natural possível.
— A senhora vai se vestir para o jantar? — perguntou Anne, virando-se do enorme armário onde os vestidos de Fenny estavam pendurados. Ou melhor: os vestidos que de¬viam ter sido de Penela.
— Não, vou fazer a refeição na moussandra. Não conse¬guiria encarar um jantar formal com a família reunida.
— Claro que não. — A garota turca sorriu e tirou do guarda-roupa um caftã de seda. — Foi uma graça divina o senhor não ter ficado gravemente ferido, mas é uma tristeza saber que nosso povo não pode viver em harmonia.
— Harmonia — Fenny repetiu, devagar. — Até agora, não entendi o que Lion estava fazendo no prédio da admi¬nistração, em Chipre. Por acaso você não ouviu algum co¬mentário na casa?
Se a garota estava surpresa por Fenny não saber dos assuntos confidenciais do marido, não demonstrou.
— Ouvi, sim, patroa. Disseram que ele havia sido eleito para um cargo muito importante em Chipre. Nosso povo confia muito nele, até mais do que nos políticos. Ele tem uma ótima reputação, todos achamos que é muito leal e justo.
— Então, foi isso — Fenny murmurou, indo para o ba¬nheiro, acompanhada por Anne. — Eu devia ter imaginado. Você acha que ele tem ambições políticas?
— Quem é que pode saber a respeito dos homens? — Anne sorriu e pegou o biquini das mãos de Fenny, enquanto ela entrava na banheira de mármore preto. — Eles insistem que nós, mulheres, somos um mistério, mas é sempre o contrário. Os homens nunca acreditarão verdadeiramente que as mu¬lheres têm tanta cabeça quanto eles. Preferem mantê-las no harém, e, de muitas formas, isso tem um certo encanto.
— É, tem mesmo. — Fenny afundou na banheira cheia de água com aroma de eucalipto. — As mulheres não gostam de encarar o lado ruim da vida, mas é impossível fugir dele. Todos aqui me julgam uma escrava-amante do senhor, não é?
— E se importa com o que podem pensar? — A garota ensaboou as costas e os ombros de Fenny com as mãos magras que pareciam muito escuras em contraste com a pele clara da patroa. — Ele é considerado mais do que um homem, e hoje à noite o povo de Petaloudes vai beijar os ícones e agradecer por ele ter escapado da bomba.
— Vão mesmo fazer isso? — Fenny estava muito comovida com aquela idéia. — Lion é assim tão importante para eles?
— Dependem dele para viver, senhora.
Anne despejou na água um óleo aromático de um pequeno vidro e esfregou na pele de Fenny. Era agradável alguém tomar conta dela, e era um prazer a mais saber que Lion dormia são e salvo no outro quarto.
— Diga, Anne: como é que alguém pede uma graça como um morador da ilha? O que eu tenho que fazer?
— Levar para a capela alguma coisa de ouro ou de prata que tenha muito valor para a senhora e oferecer.
— Isso prova que as coisas materiais do mundo não têm tanto valor como o amor?
— Isso mesmo. — Anne pegou uma grande toalha de banho felpuda e enrolou Fenny, quando ela saiu da banheira.
— A capela fica do lado da colina, acima do povoado, não é?
— Sim. Mas não vai lá hoje à noite, vai? Seu marido ficaria descontente...
— Não, irei amanhã de manhã. Vou cedo, no carro pe¬queno. — Enquanto vestia o caftã, Fenny passava em revista mentalmente o que tinha de ouro ou prata. Tudo o que possuía de valor era o colar que Lion lhe dera na noite de núpcias... e o bracelete com Afrodite, de ouro, que colocara em seu pulso na manhã seguinte.
Teria que dar o bracelete, porque as pérolas não significa¬vam nada para ela. Nunca as usara. Ficavam sempre no estojo de veludo escuro... as pérolas de Penela. Mas o bracelete — um estremecimento de dor passou por seu rosto —, o bracelete que ela amava e usava sempre à noite...
— A oferenda tem que ter valor pessoal? — perguntou para Anne, que agora estava atrás dela, penteando o seu cabelo. — Precisa ser alguma coisa que eu goste muito de usar?
— Não acho que deva se preocupar tanto com esse as¬sunto. — A criada sorriu. — Quanto maior o valor da coisa oferecida, melhor proveito fará o bom padre com o dinheiro que conseguir com a venda.
— É um alívio você dizer isso, e é claro que tem razão. Minhas pérolas serão uma oferenda muito valiosa e prática.
Fenny não hesitaria um segundo em dar as pérolas, pois não tinham o mesmo valor afetivo que o bracelete. Este, sim, talvez um dia fosse tudo o que lhe restasse de Lion. Nunca amaria outro homem.
— Obrigada, Anne. Agora pode me deixar sozinha, vou jantar lá fora.
A jovem criada saiu, fechando a porta sem fazer barulho.
Fenny abriu a gaveta da penteadeira e pegou o bracelete com o desenho de Afrodite. Colocou-o no braço, sentindo que o contato da jóia era quase como dedos carinhosos sobre sua pele.
— Oh, Deus!
Escondeu o rosto entre as mãos, pois, de repente, o futuro lhe veio à cabeça. Não era como Penela ou qualquer outra garota que conhecera. Nunca conseguiria amar outro homem daquele jeito novamente, e não havia nenhuma esperança de felicidade para ela.
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