Capítulo 10
Danielle acordou nos braços de Jourdan. Antes de fazer qualque movimento, ele abriu os olhos e ela sentiu por um instante, que seu amor não era ignorado.
- Bom dia - Jourdan disse, beijando-a com carinho no rosto.
- Bom dia - respondeu, com ternura.
- Nosso casamento começou ontem à noite - ele falou, par surpresa dela. - Não há mais por que fugir, chérie...
No fundo do seu ser, Danielle sabia que não poderia fugir nunca mais àquela verdade. Jourdan era seu marido, desejava-a, e bastava aceitar isso. O que tinham experimentado juntos ultrapassava todas as aventuras de Jourdan.
- Vamos levantar? Temos de chegar ao castelo antes que meus súditos se organizem e saiam à nossa procura. Seria um vexame se descobrissem a maneira como puni minha esposa rebelde...
Danielle sorriu com meiguice, concordando com a sugestão marota de Jourdan.
- Já imaginou? Nunca mais teriam confiança em mim e me considerariam um líder indigno desse nome - ele brincou. - E culpariam exclusivamente você, que me roubou toda a energia... Cá para nós, eles estariam com toda a razão.
Antes que ela pudesse responder, Jourdan levantou-se e foi até o oásis, o sol cintilando na pele bronzeada.
Voltou meia hora depois e agachou-se ao lado de Danielle, que continuava deitada no saco de dormir. Fitou-o com uma expressão de paz absoluta e viu o sorriso nascer nos lábios dele.
- Vamos, preguiçosa, de pé! - Ela não se moveu, acompanhando o olhar rápido dele sobre seu corpo. - Você assim está uma visão tentadora! Prefere que eu volte a me deitar?
Com o coração disparado, Danielle obedeceu-o, deixando o saco de dormir. Qual teria sido a reação dele, se não o tivesse acatado?, perguntou-se. Uma mistura de dor e prazer percorreu-lhe o corpo ao se lembrar dos bons momentos que tinham vivido juntos, mas Jourdan já não lhe dava atenção, preocupado em desmanchar os vestígios da fogueira da noite passada.
Restava-lhe ficar sozinha com suas lembranças, enquanto se lavava nas águas do oásis.
Quando voltou, Jourdan estendeu-lhe uma caneca de café, ainda quente, da garrafa térmica que tinha trazido consigo, e beberam em silêncio. A angústia que assombrava Danielle desde o primeiro dia do casamento ia desaparecendo à medida que começava a viver despreocupada o calor da manhã, e reconhecia o prazer da companhia do marido.
Esse momento de comunicação silenciosa e confortadora durou pouco. Tão logo terminou de beber o café, Jourdan se afastou e foi até o lugar onde estavam os animais. Danielle ouviu-o saudá-los e escutou um relinchar de contentamento, como se pudessem compreender a linguagem humana. Concluiu que, assim como a vida do palácio crescia e se desenvolvia em torno daquele homem capaz de se entender com todas as formas de natureza, sem ele a partir dali sua existência dificilmente teria sentido.
A volta foi lenta, Jourdan chamando a atenção de Danielle para alguns lugares por onde passavam, mostrando-lhe a antiga rota do comércio usada pelas caravanas que vendiam seda e que iam da China à Pérsia. Danielle ouvia-o com interesse, ansiosa por não desperdiçar os poucos momentos que teriam juntos naquela região.
A hostilidade que havia entre os dois parecia ter desaparecido no calor de suas paixões, e se o tipo de relacionamento que mantinham naquele instante não era o ideal, Danielle o preferia mil vezes à raiva e à indiferença. Quando chegaram perto do castelo, Danielle pressentiu que a felicidade, muito frágil, estava evaporando. Jourdan era um homem de sérias responsabilidades, e ela, como mulher de um árabe importante, deveria colocar-se ao lado, partilhando dos momentos tristes e alegrias da vida dele.
Por alguns instantes, quis voltar atrás no tempo; desejou que pudes sem perpetuar os momentos mágicos daquela manhã; ansiou pela inexistência de deveres, obrigações ou responsabilidades que os separassem.
Mas estava pensando como uma adolescente novamente, refletiu, enquanto Zara andava com lentidão. Jourdan, percebendo isso, viu-se forçado a parar e esperar que ela o alcançasse.
Tanto o cavalo quanto o homem esbelto e decidido que o montava pareciam demonstrar respeito pela sua natureza feminina, Danielle, pensou, pois sem dúvida, se não estivesse ali, Jourdan estaria galopando livre e selvagem.
O castelo projetava sombras enormes sobre o deserto. O coração de Danielle batia forte e uma lágrima pareceu querer saltar dos olhos entristecidos. Não conseguia se livrar das boas lembranças. Naquela noite tinha estado pela primeira vez nos braços de seu marido. Lamentava terem de voltar, porque sabia que ele também voltaria para a vida rígida do castelo e só quando se lembrasse da existência dela lhe faria uma visita.
A corrente de pensamentos se intensificava à medida que se aproximavam do castelo. Alguém os observava há algum tempo, porque, ao chegarem, os portões foram abertos com rapidez.
No pátio externo, ela viu um jipe todo empoeirado. A expressão de estranhamento de Jourdan veio reforçar os pressentimentos amargos de Danielle. A mágica daqueles momentos no deserto não era forte o suficiente para unir os espaços que se abriam entre eles.
Decidida a não deixá-lo perceber a angústia que queria dominá-la, entrou no pátio forçando um sorriso. Mas lá, no fundo do coração uma dor quase lhe rasgava o peito.
Quando viu Zanaide correndo ao seu encontro, sentiu uma sensação de culpa por ter lhe causado tanta preocupação. Mas esqueceu um pouco de Zanaide quando, de repente, dois braços pegaram-na pela cintura para ajudá-la a descer.
Nisso, ouviu a voz familiar de Philippe Sancerre.
- Danielle, petite, que história é essa de casamento? Se queria um marido, por que não me esperou?
Sem tempo de esboçar uma reação, Philippe beijou-a na boca, maldade estampada nos olhos.
Jourdan aproximou-se dos dois, o olhar frio, fixado em Philippe.
- Isso é privilégio de um velho amigo, mon ami - continuou o francês. - E aposto que você não censuraria este tipo de gesto carinhoso. Mesmo porque, tem de admitir que roubou essa jóia bem debaixo do meu nariz!
Embora falasse com suavidade, Danielle sentiu que por trás daquelas palavras Philippe alimentava um ressentimento em relação à Jourdan, que, naquele momento, a olhava com frieza, quase fazendo-a desejar voltar imediatamente para a solidão e quietude do deserto.
Oh, não!, exclamou para si mesma. Philippe não significava nada para ela. Apenas Jourdan era capaz de dar vida ao seu coração! Mas, sem dizer nada, ele lhe dava as costas e se afastava.
Philippe ainda a segurava, apertando-lhe os braços, impedindo-a de ir atrás do marido.
Depois de passar umas instruções ao secretário que o aguardava, Jourdan voltou-se para Philippe, o rosto endurecido.
- A que devo a honra da sua visita, Philippe? Sei que. o deserto nunca esteve entre as suas paixões!
- Tem toda razão, Jourdan. O deserto, não. Mas é diferente, quando se trata de sua bela mulher... digo, esposa...
Danielle corou. Olhou rapidamente para Jourdan, imaginando o que estaria pensando a respeito da sugestão de que ela e Philippe tinham sido amantes.
- Mas não vim a Qu'Har por vontade própria - explicou Philippe. - Catherine me deu a sugestão. Ela achou que você não se irritaria com a presença dela aqui. Ah! Claro! não estávamos sabendo do casamento - acrescentou, lançando um olhar para Danielle. - Foi uma decisão repentina, pelo que vejo. Não é mesmo, ma petite? Ou simplesmente foi mais fácil ceder à pressão de seus pais? Pelo que sei, Hassan, seu padrasto, tem um grande poder de persuasão!
Fez uma pausa e o silêncio caiu sobre eles, enquanto trocavam olhares fulminantes.
- Jourdan, você é um homem de muita sorte - Philippe completou. - Arranjou uma esposa rica e bela... Seu tio soube fazer a escolha certa!
Philippe tomou a mão de Danielle num gesto mais íntimo do que a relação entre eles permitia.
- Coitadinha - murmurou com suavidade, mas suficientemente alto para que Jourdan o ouvisse. - Vendida para o matrimônio como uma escrava em exposição no mercado! Agora me arrependo de não ter aceito o que você me ofereceu generosamente na última vez em que estivemos juntos. Deveria ter ouvido mais seus sentimentos e menos a voz da cautela. Poderia não ter dado tanta importância a fato da minha família ter dependido de seu padrasto. Hoje eu seria seu marido. Ah, ali vem minha irmã - acrescentou, antes que Danielle tivesse tempo de negar as insinuações odiosas.
Danielle não ousou olhar mais para Jourdan. Que estaria pensando?
Só podia haver uma interpretação daquelas palavras calculadas, ditas à queima-roupa por Philippe. Mesmo que as ignorasse, jamais teria condições de convencer Jourdan de que se tratava de mentiras; jamais conseguiria explicar que ela e Philippe não foram amantes. Como aquele homem era esperto, pensou com amargura. Se ao menos não a tivesse comprometido daquela forma, se se contentasse em apenas expressar o próprio desejo de ser amante dela, Jourdan com certeza não acreditaria em nada. Mas esforçava-se por contaminar o espírito de seu marido, procurando semear o desentendimento entre eles, fazendo-o crer que estava com uma mulher sedenta, capaz de entregar-se ao menor aceno de um homem.
Magoada e ferida, dirigiu-se a Jourdan e parou, pálida e espantada com o que viu: uma mulher de cabelos escuros abraçava-o e o beijava.
- Catherine adora Jourdan - disse Philippe. - Sabe, chérie, minha família não vai gostar de saber que você está casada com ele.
Mamãe e Catherine tinham a esperança de que ela se tornasse a esposa dele.
- Catherine? - Danielle obserVou a mulher, que continuava abraçando Jourdan, os lábios colados nos dele. - Mas... Pensei que sua mãe havia dito que Catherine ainda não estava preparada para o casamento...
Danielle mordeu os lábios ao se lembrar, em detalhes, do que madame Sancerre tinha falado a respeito da filha. Seria mesmo impossível que ela não se adaptasse àquela vida como esposa de Jourdan?
- Não estava preparada para nenhum casamento - concordou Philippe -, mas a união com Jourdan é outra coisa, não é, ma chérie?
Olhou fixamente para o rosto pálido de Danielle, que não soube como se defender.
Catherine tinha insistido para que ele a levasse até Qu'Har, na esperança de que perto de Jourdan surgisse uma oportunidade de maior aproximação entre eles. Isso acontecendo, Philippe seria recompensado de alguma forma. Até aquele momento não tinha desistido da idéia de casar com Danielle, o que, inevitavelmente, ficaria para o futuro. No momento, porém, precisava de dinheiro, já que estava endividado por causa dos jogos. Jourdan, na verdade, estava casado, mas se Catherine insistisse, e tivesse sorte, poderia conquistá-lo. E parecia óbvio que não pouparia esforços para isso...
Philippe havia dito a Catherine que era tolice pensar que conquistaria Jourdan apenas pela atração física, mas não pôde fazê-la voltar atrás. Ela, por sua vez, lembrou ao irmão que eles pertenciam a uma família tradicional e importante e que tinha recursos que poderiam ser usados para fazer Jourdan tomar conhecimento dela. A partir disso, não precisavam mais se explicar. Irmã e irmão compreenderam-se perfeitamente, e Philippe também estava ciente de que a mãe deles, embora não aprovasse a conduta de Catherine, ignorava quaisquer deslealdades que visassem a um casamento vantajosO.
Quando Philippe perguntou a Catherine como faria para viver debaixo das normas e restrições da vida de Qu'Har, ela riu gostosamente. Segundo ela, não tinha intenção de morar num lugar como aquele. Afinal de contas, Jourdan também era francês. Era evidente que se mudariam para Paris!
Philippe pensava tudo isso naquele momento, enquanto observava a irmã de olhos fixos em Jourdan, os lábios entreabertos com sensualidade. Olhou então para Danielle e compreêndeu o que ela estava sentindo. Mas então aquela bobinha tinha se apaixonado pelo marido arrogante? Tanto melhor! Todo mundo sabe que as pessoas apaixonadas estão sempre dispostas a fazer grandes sacrifícios em nome do objeto de seu afeto. A partir daí, começou a arquitetar um plano...
Quem sabe a vinda a Qu'Har não se revelaria mais frutífera do que tinha imaginado? Olhou para Jourdan, recordando que haviam sido colegas de escola, lembrando da rivalidade que existia entre ambos e da superioridade de Jourdan em várias áreas do conhecimento. Que prazer conseguir arrancar dele o troféu que ele exibia com tanta glória!
O casamento de Danielle e Jourdan, que significou, a princípio, a frustração de todos os seus desejos e de sua irmã em relação a um futuro tranqüilo, poderia, ainda ser destruído pela ambição de ambos.
E depois, o casalzinho recém-unido, ao se separar, precisaria de ombros amigos onde pudesse curar as dores de um consórcio mal sucedido. Os pensamentos de Philippe se revelavam maquiavélicos.
Sorrindo, puxou a mão de Danielle e fê-la voltar-se para Jourdan e Catherine.
- Está vendo só, Danielle? éatherine está apaixonada pelo seu marido. De fato...
Parou de falar de repente, como se não tivesse muita certeza de continuar. Mas Danielle sentia uma pressão tão grande no coração que nada mais poderia magoá-la. Philippe, como lendo os pensamentos dela, decidiu prosseguir:
- De fato meus pais e eu acreditamos que ele despertou nela os sentimentos que pareciam adormecidos há tanto tempo, do contrário não permitiriam que ela viajasse para tão longe. Eles acham que Jourdan e Catherine poderão se dar muito bem, como constataram em Paris na última vez em que ele esteve por lá, Jourdan não falou com papai, mas Catherine não tinha dúvidas sobre o que sentia, e quando finalmente foi convidada para vir até aqui...
- Jourdan convidou vocês?
Danielle olhou firme para Philippe. Incomodado, ele deu de ombros.
- DanielIe, você acha que minha irmã viria até aqui sem convidada? Com o canto dos olhos, Danielle viu Catherine afastar-se dos braços de Jourdan. Ainda segurando a mão dele, como se aquele contato lhe desse mais forças, ela dirigiu-se a Danielle, desculpando-se.
- Sabe, Danielle, eu e Jourdan... - Não pôde continuar. Mas não era preciso: através dos olhos da moça, Danielle entendeu o que queria dizer. Um calafrio lhe percorreu a espinha, o medo a fez suar frio. Então, Catherine Sancerre amava Jourdan. Ele a havia convidado a ir até Qu'Rar, mesmo sabendo que estavam casadoS? Mas claro, pensou Danielle. Não é a mim que ele ama. Jourdan ama Catherine!
Muito bem! Nesse caso ele jamais desconfiará dos meus verdadeiros sentimentos! Abriu um sorriso fingindo que aquilo não significava absolutamente nada e estendeu a mão para tocar o braço de Philippe.
Imitava Catherine, como se amasse Philippe há muito tempo e tivesse chegado o momento oportuno de demonstrar isso.
- Não precisa se desculpar, Catherine - disse com alegria fingida.- Na verdade acho maravilhoso ter vocês dois aqui conosco...
Catherine gargalhou, quebrando o silêncio repentino.
- Oh, Jourdan, sua esposa não é nada romântica! Confesso que, se fosse recém-casada com você não iria permitir a presença de ninguém ao nosso lado...
- DanielIe é inglesa, Catherine - Jourdan observou com secura.
- Os ingleses encaram as coisas de uma maneira diferente. Na verdade, ela parece ter gostado de rever seu irmão.
Os olhos dele pousaram na mão que Danielle havia colocado no braço de Philippe. Mas ela não a retirou e, em vez disso, ergueu a cabeça e enfrentou-o com ar de desafio.
- Tome cuidado, chéri - disse Catherine. - Meu irmão é capaz de roubar sua esposa. Sabe de uma coisa? - perguntou, mudando o tom de voz. - Não viajei todo esse tempo para chegar e ficar parada num pátio empoeirado. Será que não podemos entrar?
Lembrando tardiamente de seus deveres de anfitriã, Danielle chámou Zanaide e pediu-lhe que mostrasse às visitas o salão principal e ordenasse às criadas que arrumassem os aposentos.
- Antes de sentar em qualquer lugar, gostaria de tomar um bom banho. Estou com areia dos pés à cabeça e minha pele, tão fina, ficou irritada. Você não a reconheceria, chérie - Catherine disse sedutora para Jourdan.
Danielle ouviu o comentário com clareza e sentiu o rosto ficar em brasa. Mas preferiu permanecer calada. Já bastava ter de enfrentar aquela situação odiosa! Como poderia competir com uma garota tãO sofisticada como Catherine? Sem dúvida, Jourdan não teria a menor necessidade de ensinar a ela como fazer amar.
- Danielle poderá levá-la até o banheiro - Jourdan sugeriu, olhando para ela de uma maneira que lhe tirava todas as chances de se recusar a obedecê-lo.
Enquanto Danielle acompanhava Catherine até o banheiro, ambas ficaram em silêncio.
Danielle abriu a porta e afastou-se para dar passagem à visitante.
Catherine estudou o aposento com frieza e finalmente se demorou na frente da cama que, era evidente, ninguém tinha utilizado.
- Pobre Danielle - murmurou com falsa piedade. - Casada com um homem que não a desej. Por que não tentou persuadir o xeque Hássan a deixá-la casar com Philippe? Ele pelo menos se preocupa com você, enquanto seu marido... está habituado com mulheres, chérie, não com mocinhas problemáticas. Estar com Jourdan é compartilhar o máximo de prazer, de experiências! Como você sabe, quanto mais alto se chega, maior é o tombo. Não é isso que diz O ditado? Ele não lhe falou sobre mim? Sobre nossOS planos? Quando estivemos em Paris nos aproximamos tanto...
Danielle, para sua surpresa, encontrou forças para responder.
- Muitas mulheres acharam que estavam bem próximas de m marido...
Catherine replicou imediata e impiedosamente.
- Você está querendo dizer que muitas mulheres foram amante, dele! Mas com a gente foi diferente. Jourdan sabe reconhecer a importância e a projeção da minha família. Ele jamais me insultaria oferecendo outra coisa senão o casamento. E teria casado comigo se seu padrasto não a tivesse imposto abertamente a ele. É mesmo sei tudo a respeito disso...
Realmente, Philippe tinha mencionado essa possibilidade, DanielIe se lembrou, constrangida. Mas agora era tarde demais. O que poderia fazer? Como lidaria com a irmã de Philippe? Catherine era uma mulher prática. Desejava casar por dinheiro, mas com Jourdan obteria tanto a riqueza quanto o prazer sexual. Durante anos tentou atraí-lo nesse sentido, com esperança de usar o senso inato de responsabilidade e honra de Jourdan para forçá-lo a uma situação de que não se livraria sem casamento. A informação de que o xeque Rassan queria casar Danielle com Jourdan soou para ela como um choque. Jourdan era metade francês e exigia de uma mulher mais que obediência passiva. Mas DanielIe era diferente. A notícia de que ela já estava em Qu'Rar visitando a família de Hassan estimulou-a a tomar uma decisão. Imaginou então que aproveitaria sua estada em Qu'Rar para conquistá-lo e atraí-lo para o casamento.
E quando soube que DanielIe já havia casado com Jourdan, recebeu um novo e mais poderoso choque.
Catherine estreitava os olhos ao examinar o quarto. Como Jourdan tinha podido casar com uma garota tão tola quanto Danielle?, perguntou-se. Estudou a figura delgada da inglesa e lançou um novo olhar para a cama.
- Jourdan não divide o quarto com você!
Era uma afirmação e não uma pergunta. Mais uma vez Danielle viu-se com forças para retrucar.
- Nem sempre... às vezes vou para o quarto dele.
Os olhos azuis-claros de Catherine irradiaram despeito.
- Então... vocês dormiram juntos na mesma cama... Mas isso não quer dizer muita coisa, petite - disse com ar de provocação. Jourdan é antes de mais nada um homem de verdade. E é assim que ele se comporta quando não dispõe de algo mais agradável e apropriado para satisfazê-lo.
Danielle, parada no meio do quarto, enrijeceu o corpo.
- Ora, vamos, você não é tão ingênua assim, a ponto de acreditar que existe outro motivo para ele estar com você. - Catherine continuou. - Sua bobinha! Jourdan é procurado por algumas dàs mulheres mais desejáveis de todo o inundo...
- Você, inclusive?
Danielle arrependeu-se de ter falado com tanta ironia, mas era tarde para voltar atrás. O pior é que tinha dado a Catherine a oportunidade que ela tanto esperava.
- Comigo é um pouco diferente... Jourdan sabe que eu jamais me tornaria amante dele. Casando comigo, estaria se ligando a uma das famílias mais respeitáveis da França... Uma perspectiva compensadora, não acha, para quem veio de uma mulher que praticamente vivia nas sarjetas de Paris?
- E você se daria por satisfeita com isso?
Danielle tencionava desarmar Catherine, porém a garota mostrava-se mais firme que ela.
- Eu disse isso? - perguntou, dando de ombros. - Jourdan me ama, Danielle. Sei disso. O convite para eu vir até aqui é apenas uma confirmação do amor que ele deseja consolidar através da nossa união.
- Ele já está casado comigo, Catheriné!
Ela sorriu com indiferença.
- Um casamento realizado por conveniência e arranjado pbr seu padrasto. Mas logo depois que você lhe der um filho que o suceda, ele lhe pedirá o divórcio.
Catherine falou com tanta certeza que Danielle sentiu-se embaraçada, sem palavras para responder.
- Você fica olhando desse jeito para mim - continuou Catherine, percebendo a vantagem que tinha sobre Danielle. - Mas já sabia disso, não sabia? O xeque atual tem filhos, é verdade, mas nenhum deles possui a sabedoria e a habilidade de Jourdan. Além disso, cabe a Hassan decidir quem deverá governar Qu'Har. Parece-me natural que escolha Jourdan, principalmente, se ele tiver um filho para substituí-lo. Um filho cuja mãe é a própria filha de Hassan.
Catherine falava com uma lógica tão incontestável, que Danielle não entendia por que não tinha percebido tudo aquilo antes. Naturalmente Hassan exultaria se ela desse um filho a Jourdan. Como tinha sido estúpida! O casamento não seria anulado, segundo Jourdan, mas ele não havia mencionado essa outra razão por querer fazer amor com ela.
O quarto começou a girar em torno dela e imediatamente procu a cama para sentar-se. Era bem possível que naquele exato momento carregasse o filho de Jourdan! Sentiu-se tonta só de -pensar nisso! A culpa era toda dela; quem mais poderia culpar? Ela mesma tinha se iludido, achando que o casamento um dia se tornaria uma uniã espontânea. Jourdan nunca havia falado no assunto da separação dos dois. E agora acabava de saber que ele pensava em pedir o divórcio e substituí-la por Catherine... assim que o filho nascesse. Com esse filho, ele poderia contar com o apoio do xeque Hassan, e garantiria até mesmo a presença do filho no reinado independentemente da vontade dela!
- Se você tivesse um pouco de orgulho, abandonaria Qu'Bar, depressinha - continuou Catherine. Ou está tão apaixonada que irá se submeter a todas as vontades de Jourdan? Ele deve se divertir muito com você, principalmente porque sabe que não ignora os propósitos e os desejos dele! Eu não suportaria um homem que fizesse amor comigo e ao mesmo tempo pensasse em outra mulher.
Não me sentiria muito bem se soubesse que ele me desejava apenas para gerar um filho! - Catherine sorriu, mostrando crueldade. - Não disse que você tinha voado alto demais, Danielle? Retirou-se em seguida e deixou Danielle sozinha, o olhar fixo vazio.
DanieIle evitou encontrar-se com Jourdan o resto do dia, mas à noite não foi fácil escapar e ela viu-se forçada a tolerar os olhares furtivos de Catherine sobre Jourdan durante o jantar. Philippe, por sua vez, olhava-a com simpatia e falou que teria sido melhor se Jourdan e Catherine jantassem sozinhos, pois estava claro que desejava matar a saudade.
Depois do jantar, Catherine insistiu em ouvir umas fitas que tinha trazido de Paris.
- Lembra que dançamos essa música na última vez que você me convidou para sair? - perguntou a Jourdan, ao som de unia música romântica e sensual. Philippe e Danielle praticamente não existiam para ela, e Danielle não se surpreendeu quando o marido e Catherine se retiraram, indo em direção ao quarto da torre.
Jourdan não tinha lhe dirigido a atenção desde a chegada dos visitantes. Ela se sentia mal, incapaz de pronunciar qualquer coisa, coerente, dominada por intenso nervosismo.
Ao voltarem da torre, o marido a convidou para dançar, o que Danielle recusou por pressentir no gesto um mero dever de cavalheirismo.
Danielle sentiu-se aliviada quando Philippe interveio, sugerindo que ela lhe mostrasse o pátio.
Ficaram fora por uma meia hora, até que Philippe pediu para voltarem. O salão estava na penumbra, não havia mais música. Ao entrarem, Philippe estendeu a mão para acender a luz. Danielle engoliu em seco quando a luz iluminou todo o salão e revelou o casal abraçado.
Jourdan reagiu, desvencilhando-se dos braços de Catherine, e Danielle agradeceu a Philippe, que agiu com rapidez, abraçando-a.
- Desculpem-nos - disse philippe.
Danielle encontrou consolo nos braços de Philippe, que a levou dali. Não hesitou em permitir que ele a conduzisse até a porta do quarto. Abrindo-a, tomou-a nos braços e a carregou para dentro. Depois a beijou.
Ela não sentiu nada. Nenhum prazer, nenhum estremecimento. Estava esgotada, incapaz de se importar com qualquer coisa. A dor de saber que Jourdan estava lá embaixo com Catherine era forte demais!
Philippe desprendeu os lábios dos dela, fitou-a e murmurou qualquer coisa incompreensível. Danielle abriu os olhos a tempo de ver a figura alta do marido no limiar da porta.
- Mas que inoportuno! - mumurou Philippe. -Não se preocupe, petite. Teremos outras oportunidades.
- Passou-se uma semana. Danielle viu Jourdan muito pouco, assim como Catherine. Estavam sempre juntos, cavalgando, caçando, rindo.
Por causa disso Danielle foi ficando pálida e magra, deixando Zanaide preocupada. Philippe passava uma boa parte do tempo na companhia dela.
Certa tarde, Jourdan levou Catherine até a cidade simplesmente porque ela insistia em respirar o ar da civilização. Philippe encontrou Danielle sentada no pátio, fitando o horizonte, inexpressiva.
- Danielle, você precisa ir embora daqui - ele observou de repente. - Está se destruindo a troco de quê? Você não é cega. Sabe muito bem o que há entre Jourdan e Catherine.
Tomou a mão dela e deu uma batidinha de leve com os dedos.
- Sei que o ama, petite, mas onde está seu orgulho? Tem forças para suportar mais ainda? Você se transformou na sombra da garota que eu conheci. Desde que cheguei não a vejo sorrir. Vá Danielle, antes que ele a destrua por completo...
Philippe falava a verdade, Danielle pensou. E as palavras de Catherine também ecoavam ainda dentro dela. Onde estava seu amor próprio? Ficaria ali até nascer o filho de Jourdan? O filho que o pai acabaria lhe roubando? E ela? Ele a libertaria para que procurasse viver com quem quisesse? Se realmente amava Jourdan, queria fazer a felicidade dele antes de mais nada, e restava-lhe aceitar que ele já tinha encontrado a paz junto de Catherine. Que ela não gostasse da francesinha era uma coisa. Mas ele parecia atraído por ela de verdade!
- Se pudesse, eu iria embora - respondeu e Philippe. - Porém não posso.
- Se você realmente quer ir, eu a ajudarei. O jipe está aí. Posso levá-la a Qu'Rar, ou, se preferir, atravessamos a fronteira até o Kuwait, onde pegará um avião para Londres.
- Não tenho dinheiro. Eu...
- Não se preocupe com isso. Eu lhe empresto o quanto for necessário. E Danielle... Não pense que estou fazendo isso por puro altruísmo... - Tocou os lábios dela com dedos delicados. - Um dia, quando a dor que está sentindo passar, espero que se lembre que eu existo e permita que seja o marido que tanto você merece ter...
- Oh, Philippe, eu...
- Não diga nada, por enquanto... É que me ocorreu que será melhor Jourdan não suspeitar que existe alguma coisa entre nós...
Assim ele não a procurará para trazê-la de volta, para forçá-la a dar-lhe um filho...
Danielle não teve forças para protestar. Estava certa de que em nenhum momento Jourdan acreditaria que ela amava Philippe. Mas em nome do seu orgulho concordou com ele, estremecendo ao pensar que Jourdan poderia sair à procura dela, arrastá-la de volta para a humilhação que tinha experimentado desde o momento em que descobriu que ele amava Catherine. Talvez até devesse explicar tudo ao padrasto e convencê-lo de que Jourdim ainda merecia dirigir a companhia de petróleo. Sem dúvida era o que ele mais desejava e ela não queria privá-lo de seus direitos.
Philippe imediatamente cuidou dos preparativos para a viagem de Daniel1e. Jourdan e Catherine andariam a cavalo na manhã seguinte, aproveitariam a ocasião para partir. Não tinham nada para levar, com sorte chegariam no Kuwait ao anoitecer. Philippe contava com muitos cheques de viagem e, caso precisasse, sacaria da conta do pai.
- Pense bem - ele falou, tentando confortar Danielle. - Dentro de dois dias você estará em casa.
Em casa!, Danielle exclamou, girando a cabeça e olhando à distância. Mas então Philippe não era capaz de compreender que sem Jourdan nenhum lugar poderia ser sua casa? Ele era sua vida! Seu mundo! E Jourdan, no entanto, não a amava!
A manhã parecia igual a tantas outras! O sol brilhava num céu limpo e claro. Danielle ouviu Catherine e Jourdan partindo. Terminou de se vestir com rapidez e correu para a janela. Procurou desesperada gravar a última visão de Jourdan. Por um segundo teve o impulso de descer, correr atrás dele, abraçá-lo e pedir que a amasse.
Que absurdo! O impulso morreu em seguida. Em nome de Jourdan, em nome dela, o melhor seria mesmo partir.
Saíram meia hora depois dos dois. Danielle prestou atenção nas instruções de Philippe. Entraram no jipe e, antes de dar a partida, ele a beijou de leve nos lábios. Danielle tinha deixado um bilhete para Zanaide, agradecendo-a por tanta dedicação. Mas não escreveu uma palavra para Jourdan. O próprio Philippe explicaria tudo mais tarde, depois que ela estivesse segura dentro do avião.
Danielle sabia que as explicações seriam necessárias. No entanto, Jourdan com certeza tiraria suas próprias conclusões e ficaria agradecido pela oportunidade de reconquistar a liberdade de poder casar com a mulher a quem realmente amava.
A caminho do Kuwait, Philippe explicou que não estava tomando a estrada que levava a Qu'Rar, mas uma que ia na direção oposta.
- MaS então vamos ter que atravessar o deserto? - perguntou Danielle, apreensiva.
- Não se preocupe. Quando menino, conheci Qu'Har e me familiarizei com o deserto. Dentro de umas duas horas chegaremos na fronteira.
Quatro horas mais tarde, Philippe viu-se obrigado a reconhecer que tinha sido demasiado otimista. O calor havia aumentado e Danielle começava a sentir-se mal, prestes a desmaiar. E não aparecia nem sinal da fronteira do Kuwait.
- Acho que na última bifurcação tomei a estrada errada - admitiu Philippe. Ele franziu a testa ao bater o olho no mostrador da gasolina. - Vamos ter que voltar.
- Não seria melhor ficarmos aqui descansando um pouco? - sugeriu Danielle com timidez. Começava a sentir uma leve dor de cabeça.
-Com este sol? Impossível! Se a gente não continuar o carro vai esquentar demais. Meu Deus, que calor! - ele queixou-se.
Danielle viu que Philippe na verdade não conhecia aquele caminho. Percebeu que, de fato, não era a pessoa ideal para se desembaraçar numa situação crítica. Lamentava a todo instante o ambiente, o calor, a idiotice de não haver sinalização funcional ao longo da estrada, e DanielIe, com a cabeça latejando, procurava permanecer calada.
Certa vez Jourdan tinha lhe dito que aquelas estradas ficavam obstruídas com facilidade pelas tempestades de areia. Philippe agora se comportava como uma criança mimada, não como um adulto. Além disso, havia a possibilidade de se perderem por completo.
O jipe andou aos trancos, pendendo para um lado. Philippe praguejou, golpeou a lataria do veículo, mostrando-se visivelmente irritado, para não dizer desesperado. Desceu do jipe e voltou poucos segundos depois, um sorriso amarelo nos lábios.
- Um pneu está furado.
Danielle limitou-se a olhá-lo, sem compreender o risco que estavam correndo.
- Quer que eu ajude a trocar?
- Não temos outro pneu!
Passado algum tempo, Danielle percebeu que pela primeira vez não sentia medo. Sem pneu sobressalente não poderiam ir a lugar algum com o jipe. Não sabiam onde estavam e ela imaginava que, se dali a algumas horas não fossem localizados, provavelmente morreriam.
Uma vez conhecida a gravidade da situação, uma estranha sensação de calma tomou conta dela. Philippe continuava amaldiçoando as imposições do destino, chegando a culpá-la por convencê-lo a ir para o Kuwait. Com uma clareza nunca vista, ela percebeu que Philippe era inseguro e imaturo, sempre precisando encontrar alguém para responsabilizar por suas próprias faltas. Jourdan, até aquele momento, não tinha passado de um bode-expiatório... Jourdan, que era tudo o que Philippe não era.
Como uma mãe que tem de lidar com uma criança histérica, DanielIe procurou tranqüilizá-lo, dizendo que logo receberiam ajuda. Era impossível que alguém passasse por ali e os encontrasse. No entanto Philippe deixou-se levar por ela a ponto de acreditar que certamente acabariam sendp localizados.
Danielle começou a sentir-se mal, mas diante da impaciência de Philippe, que subia e descia do jipe, andando de um lado para o outro, preferiu não dizer nada.
- Bom, não quero morrer aqui - disse Philippe. - Danielle continuou em silêncio. - Já que não pode ter Jourdan, para você tanto faz morrer aqui, não é mesmo? - Danielle parecia não ouvi-lo.
- Mas que maçada! Eu e você bem que podíamos estar juntos, Danielle, divertindo-nos por aí. Eu não posso permitir que morra... Você é minha apólice de seguro, que me pagará dividendos tão logo saiamos dessa encrenca. Imagino que o xeque Hassan ficará felicíssimo com o homem que salvar a vida preciosa de sua filha, não acha?
Seria inútil Danielle argumentar que o melhor era permanecer ali mesmo ou que o jipe era o sinal mais visível à distância. Philippe insistiu e assim, com relutância, Danielle desceu do carro e, obediente caminhou ao lado dele debaixo do sol abrasador.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!