Capítulo 9
- Não se aproxime demais dos cavalos - Zanaide avisou. - São muito perigosos.
Sem dar-lhe atenção, Daniel1e continuou caminhando, passando de estábulo para estábulo, encantada com a beleza das éguas árabes de puro-sangue. Cavalariços ocupavam-se com suas tarefas e de vez em quando observavam-na com discrição. Só depois de insistir muito com o secretário de Jourdan foi que ela havia conseguido permissão para visitar os estábulos. Mesmo assim duvidava que a autorização tivesse partido do próprio Jourdan.
Uma dor aguda parecia penetrar-lhe o coração: Não tinha a menor idéia de onde ele estaria. Havia desaparecido desde a manhã seguinte à noite em que se encontraram no quarto da torre. E pensar que sua ausência agora lhe fazia tanta falta!
O secretário tinha sido gentil, embora firme, afastando qualquer possibilidade de emprestar-lhe um carro. Sem dúvida, seguia instruções de Jourdan, que não desejava que ela saísse do castelo. Mas daria um jeito de ir embora dali antes da volta dele. Não conseguiria tomar a vê-lo sem se deixar trair pelo amor que sentia.
O castelo ficava muito diferente sem Jourdan, e ansiava por tê-lo por perto, ouVir sua voz austera e ver aquele sorriso irônico. Nunca pôde imaginar que sentiria aquilo por alguém e com tal intensidade. Ainda mais que Jourdan não a desejava realmente. Tudo o que queria era o poder alcançado através do casamento, e mesmo assim tendo em vista os benefícios de seu povo. Mas com o tempo ele não se, aborreceria com um casamento completamente irreal? Com uma esposa escolhida só por ser a enteada do tio dele? O que Philippe tinha contado mesmo, a respeito de Jourdan? Que havia muitas mulheres dispostas a se atirarem aos pés dele? Agora ela sabia que isso era verdade.
Um empregado se aproximou do secretário e murmurou qualquer coisa. O secretário dirigiu-se a Danielle e desculpou-se, dizendo que precisava sair para resolver um assunto importante.
Danielle ficou sozinha e, observando os cavalariços prepararem a comida das éguas, teve uma idéia.
- Zanaide! - chamou.
A criada, que estava um pouco longe, foí até ela.
- Sim, senhora?
- Mande selarem uma égua para mim.
- Aonde vai, senhora?
- Quero passear até o oásis.
- Mas ele fica a alguns quilômetros daqui...
Sei disso, Zanaide.
- Pois não, senhora.
Embora preocupada, ela não ousou discordar de Danielle e, dirigindo-se para um jovem cavalariço, falou rapidamente em árabe. Momentos depois, o rapaz trouxe uma égua saltitante e elegante para Danielle, cujos olhos brilharam, esperançosos.
- Diga-lhe que esta serve - ela ficou com Zanaide. - E avise que volto daqui a dez minutos.
Em menos de dez minutos, Danielle vestiu suas calças de brim, surradas, e uma blusa de mangas compridas de tecido leve. Não tinha idéia de quanto precisaria cavalgar, mas com certeza iria além do oásis. Não sabia a distância entre o castelo e a cidade, mas não devia ser longa. Afinal, Jourdan não viveria num lugar tão afastado, a ponto de interferir nos negócios.
Lembrou que tinham saído da cidade pelo lado leste, e portanto, deveria tomar o lado oeste... Com mil pensamentos na cabecinha atarantada, Danielle voltou depressa para o pátio, onde o cavalariço a esperava segurando a égua.
- Vou com a senhora - ofereceu o rapaz.
- Não - respondeu, balançando a cabeça. - Quero ir sozinha. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Danielle montou. Sabia cavalgar bem, graças às aulas de equitação que teve quando era ainda uma adolescente apaixonada por pôneis. Mas, por melhores que tivessem sido essas aulas, não estava preparada para uma égua como aquela. Agora entendia o que os árabes queriam dizer ao afirmar que seus cavalos eram velozes como o vento.
A égua não resistia aos comandos de Danielle, para levá-la na direção do oásis, o que a tranqüilizava e estimulava a pôr seu plano em prática. Por um momento imaginou a reação de Jourdan ao dar pela ausência dela. Quando isso acontecesse, já estaria segura na cidade e lá exigiria que Jamaile permitisse sua volta para Londres.
Apressou a égua ignorando uma voz dentro dela que a acusava de traiçoeira; de tola, e dizia que, com o tempo, Jourdan poderia vir a amá-la. Por que ele a amaria?, perguntou-se. Apesar do sangue francês, ele era um oriental educado para possuir e dominar as mulheres... Insistir naquele casamento só a levaria à destruição! O oásis estava deserto. Ela esperava encontrar pelo menos alguns membros de tribos nômades descansando à sombra das palmeiras.
Passou o olhar pela estrada para se certificar de que tinha tomado o caminho correto. De repente a égua estancou, recusando-se a continuar. Danielle puxou as rédeas inutilmente.
- Vamos, ande! O que você tem?
Insistiu alguns minutos, não querendo bater no animal que permanecia parado, as orelhas abanando a cada comando.
Finalmente conseguiu fazer com que a égua prosseguisse. Tinha perdido muito tempo ali no oásis e quando começou a seguir pela trilha do areal, o sol pareceu descer com uma rapidez impressionante.
Em breve seria noite e ela ficaria sozinha na vastidão daquele deserto, sem esperança de encontrar outra coisa senão o vazio, a escuridão.
Um sentimento de pânico fê-la engolir em seco, ao mesmo tempo que a égua dava a impressão de andar cada vez mais lentamente, como se estivesse cansada.
As sombras da noite baixaram com rapidez, como se um manto negro e pontilhado de luzes prateadas tivesse sido atirado sobre o universo por mãos gigantescas e implacáveis.
Danielle esfregou as mãos nos braços para se esquentar, pois soprava uma brisa fria. Poderia ter se precavido contra o frio, pensou, mas na verdade àquela hora imaginava ter alcançado a cidade ou algum vilarejo próximo do castelo. Olhou o relógio e constatou que já cavalgava há quatro horas! Por isso estava exausta daquele jeito!
A noite escondeu definitivamente toda a paisagem. O alívio por estar fugindo deu lugar a um medo que lhe tomava o corpo todo tão desconfortável quanto a friagem do deserto. Até a égua parecia insegura e amedrontada. As esperanças de Danielle desaparecera mais depressa que o dia. Seu plano de fuga tinha sido mal executado e precipitado; era apenas o resultado de um impulso momentâneo. Agora via-se, sozinha no deserto, sem condição de se guiar naquela imensidão.
Lembrou das histórias de viajantes que se perdiam naquelas regiõeS inóspitas, os dedos segurando com firmeza as rédeas enquanto o medo aumentava a cada instante. Um vento gelado e forte soprou fazendo-a estremecer. Ah, como tinha sido estúpida em escapar sem considerar, todas as dificuldades, pensou, as lágrimas turvando a visão. Poderia morrer ali na vastidão do deserto onde apenas a águia conseguia sobreviver.
A égua tropeçou e cambaleou. Danielle quase caiu da sela, os arreios querendo escapar-lhe das mãos que maios sustentavam. No fundo do coração, sabia quem era a pessoa de quem necessitava naquele momento. O homem que lhe devolveria a confiança e afastaria o medo com sua simples presença. Jourdan!, suspirou, estremecendo inteira. Que ironia ela chamar por ele! O mesmo homem que a protegeria do frio, que a salvaria da solidão daquele lugar desconhecido, tinha motivado sua fuga... seu marido! As orelhas da égua moveram-se num sinal de alerta e o animal estancou. DanielIe firmou a vista e olhou para dentro da escuridão, mas não via nada. Ao imaginar que poderia estar cercada de cobras e escorpiões, encolheu o corpo e sentiu um frio subir pela espinha.
Quando decidiu que precisaria descer e conduzir a égua pelas rédeas, o animal voltou a andar, hesitando a princípio, depois com segurança ao ouvir a voz de Danielle. Pouco depois, ela resolveu não mais comandar o animal, deixando seguir seus instintos quanto à direção a tomar.
Não fazia idéia de onde poderiam estar ou para onde iam. No céu, bem no alto, erguia-se a lua com sua luz prateada e fria, que iluminava o areal, transformando as dunas num imenso mar branco e infinito.
Cansada, quase esgotada, Danielle fazia o possível para manter o equilíbrio sobre a sela. O relógio tinha parado, mas sem dúvida estava viajando há bem mais de seis horas. Pela primeira vez, tentou relaxar um pouco e pensou nas pessoas do castelo, que àquela altura estariam preocupadas com seu desaparecimento. Interrogariam o cavalariço, mas ele não teria nenhuma informação a dar-lhes a não ser que ela havia saído para um passeio até o oásis.
Danielle lembrou do grupo de resgate da criança que tinha se perdido, mas agora Jourdan nem sequer encontrava-se no castelo para organizar uma expedição de busca. O secretário não o avisaria?
Estremeceu ao imaginar a reação de Jourdan. Ficaria preocupado?
Mas que razões teria para isso? O casamento deles baseava-se apenas numa necessidade já satisfeita. Caso morresse, dificilmente o padrasto culparia o marido dela. Afinal de contas, ele estava distante e não pôde evitar a fuga.
Os músculos adormecidos e o netvosismo, combinados com o movimento monótono da égua, faziam Danielle fechar os olhos e adormecer, para em seguida despertar sobressaltada. Aos poucos, porém, já não conseguia resistir ao sono que a arrastava para o torpor. Com os olhos fechados, mas ainda consciente, parecia penetrar num mundo de sonho onde tudo ficava desfocado e vago, o que dava um certo conforto ao corpo e ao espírito.
Quando alcançou o oásis, suas pálpebras estavam fechadas, o corpo delgado debruçado sobre o pescoço do animal. A égua continuava avançando, bufando levemente e arqueando o pescoço, como se quisesse chamar-lhe a atenção para o ambiente. Danielle permanecia adormecida.
Mas de alguma maneira o inconsciente dela foi alertado para uma sombra em meio à escuridão. Abriu os olhos de repente, os sentídos de prontidão. As rédeas haviam escorregado de suas mãos e arrastavam-se na areia. O olhar de Danielle percorreu o oásis para descobrir o que a tinha despertado. Não viu nada, mas sentia que não estava sozinha...
A égua parecia querer empinar, cavalgando com nervosismo, esperando ordens de Daniel1e. Mas ela, dominada pelo medo, não pôde controlá-la, desmontando imediatamente ao reconhecer o lugar. Estava num oásis próximo do castelo! Sentia-se aliviada por ter chegado até ali, mas ao mesmo tempo alarmada com a presença de um vulto que parecia avançar para ela, saindo da escuridão. Sentiu vontade de gritar, desesperada pelo ato impensado que não havia dado certo e por causa do cansaço da égua! O vulto usava tr~jes de montaria, o manto' negro e pesado agitando-se à medida que soprava uma brisa gelada. A égua correu prontamente na direção dele.
Com os nêrvos à flor da pele, Danielle finalmente reconheceu as feições daquele homem. Entendia agora por que a égua tinha se aproximado dele tão depressa!
- Jourdan... pensei que não estivesse no castelo. - Ele continuou em silêncio, acariciando o pescoço da égua. - Como foi que...
Interrompeu-se, imaginando o quanto os dois eram tolos, e imaturos.
Jourdan devia pensar assim também, disse para si mesma, observando-lhe as linhas endurecidas da boca, o olhar frio fixo no seu rosto.
- Como foi que a encontrei? - completou ele. - Achei que Zara tivesse a cabeça no lugar, porque você não tem, naturalmente.
Ela voltou para cá por causa da água... sem o faro esses animais morreriam no deserto.
Danielle ficou atônita, sem saber o que dizer.
- Quer dizer que a nossa vida será assim, mignonne? - Jourdan continuou. - Toda vez que eu lhe voltar as costas tentará fugir de mim?
- Não sou propriedade sua, Jourdan - Danielle replicou. - Você me enganou, forçou-me a um casamento que eu não queria.
Como pode me culpar por tentar fugir?
- Fugir do quê? Por que tudo isso? Você tem coragem de negar que no casamento que tanto repudia viveu momentos de incrível prazer? Um prazer que não conhecia até então?
Ela nada respondeu, mas deixou-se trair, o rosto ardendo ao reconhecer a verdade que ele acabava de dizer. Jourdan sabia quais eram seus pontos fracos e como manipulá-los! Era absurdo tentar convencer-se de que o odiava; era mais absurdo ainda lutar contra o destino que os tinha aproximado e unido. Pela primeira vez desejou ter aquela postura de submissão própria das moças árabes, aquela capacidade de sorrir e dizer com doçura: é a vontade de Alá!
- Venha comigo... você está dormindo em pé - Jourdan falou com rispidez, uma das mãos segurando-lhe o braço e a outra, as rédeas do animal. Danielle esperava que ele a levasse até um jipe, ou coisa assim, mas para sua surpresa Jourdan a conduziu até umas palmeiras, onde o cavalo dele estava apeado.
Zara relinchou de contentamento e Jourdan sorriu pela primeira vez.
- Está vendo, ma petite? Zara não é como você. Ficou felicíssima com a presença de seu companheiro!
- Pare com isso, Jourdan!
- Não seja ingrata! Não vai me agradecer por resgatá-la?
- Eu não estava perdida. Você é que pensou isso. Deve ter se divertido muito imaginando meus medos, sabendo o tempo todo que Zara iria me trazer de volta.
- E por acaso você se preocupou com as pessoas que deixou por aqui? Zanaide ficou fora de si, o cavalariço que selou a égua não sabia o que fazer, andando de um lado para o outro desnorteado... Compreendo que queria me humilhar, e que não poupou esforços para conseguir seu intento. Mas Zanaide e o rapaz...
O olhar de Jourdan feriu-a mais que qualquer palavra de desdém.
Por um momento Danielle quis dizer a ele o quanto estava errado.
Ela nunca tinha pensado em humilhá-lo...
- Você está cansada - repetiu ele com firmeza. - Zanaide é uma criatura muito bondosa e pediu-me para não castigá-la pelo que fez...
- Castigar-me?
- Sim... mas não vejo necessidade...
- Não?
- Você vê?
Danielle balançou a cabeça negativamente, sem responder.
Jourdan tinha toda a razão, refletiu. O fato de perder-se no deserto tinha sido o maior castigo que poderia receber!
- Esta noite você não volta para o castelo... - Ele decidiu.
- Mas precisamos voltar.
- É melhor ficarmos aqui no oásis, por dois motivos: você e Zara descansarão para recobrarem as forças, e meus criados terão todas as razões para acharem que a puni de acordo com os direitos dos homens árabes. - Danielle arregalou os olhos. - Naturalmente você não vai concordar comigo, mas as mulheres ficam uma seda depois que levam uma boa surra de seus maridos...
Ela recUou, receando que ele lhe pusesse a mão.
- Não tenha medo - ele disse, sorrindo. - Nunca bati numa mulher até hoje. Mas você me provocou tanto, que bem merecia isso...
- Existem outras maneiras de punição entre um homem e uma mulher... - Danielle sussurrou, quase sem forças para falar. Mas ele a escutou com clareza e segurou-lhe os braços, apertando-os com amargura. Em vez de sacudi-la com violência, como pareceu querer fazer, soltou-a e voltou-se para a égua, agarrando firme nas rédeas.
Jourdan estendeu um saco de dormir sobre a areia, debaixo das palmeiras, enquanto ela o observava distraída.
- Lamento, Danielle - ele murmurou com frieza -, mas vamos ter de dormir juntos...
Essas palavras cortaram o devaneio de Danielle, que ainda nã, tinha pensado sobre a angústia que seria passar toda uma noite e estreita intimidade com Jourdan.
- Tem certeza que não dá para voltarmos ao castelo? Faltam apenas alguns poutos quilômetros e, além disso, gostatia de tomar
um banho... Estou suja de areia dos pés à cabeça...
- Se é um banho que quer, posso providenciar um. - Ele apontou o oásis. - Não precisa ter medo, porque estamos absolutamente
sozinhos.
Mas então ele não percebe que é por isso mesmo que estou tom medo? Danielle se perguntou, passando a língua pelos lábios ressequidos, sem notar o olhar provocativo de Jourdan.
- Não, não... deixe pra lá...
Joutdan riu e insistiu.
- Por que está com medo?
- Medo? Eu?
- Se quer saber, a mera visão de seu corpo nu, envolto na escuridão, não me levará a fazer nenhuma loucura...
- Isso nem me passou pela cabeça...
- Tem muito que aprender sobre os homens, mignonne. Nada acaba com o desejo de um homem tão depressa quanto a indiferença de uma mulher...
Envergonhada, Danielle desviou o olhar. Não havia necessidade de Jourdan sugerir que tinham feito amor simplesmente para confirmar que aquele casamento não podia ser ignorado... Ela sabia, e muito bem, assim como sentia que bastava olhá-lo para seu coração disparar, para o corpo estremecer de desejo, a ponto de mal poder respirar...
- Vá ver como a água do oásis é quente - ele continuou, com calma. - Vim para cá pensando em nadar, por isso trouxe uma toalha... que lhe ofereço...
Nadar! Danielle arriscou um olhar para o corpo atlético do marido, que a encarava com insistência. Então ele tinha o hábito de ir sempre ao oásis nadar?
- DanielIe, pare com esse medo! - ele brincou. Ela baixou o olhar, corando. - Fique tranqüila porque nem vou chegar perto...-
Confesso. que, em circunstâncias diferentes, não há nada mais excitante que o toque da água na pele nua, ou fazer amor debaixo de um céu estrelado em meio ao deserto e no silêncio da noite. É como se encontrássemos o Paraíso aqui na Terra.
Atônita com as palavras dele, Danielle desviou o olhar para o oásis, passando a mão na pele para tirar os pequeninos grãos de areia.
Disfarçadamente, deu um sorrizinho baixando o rosto.
De repente sentiu o desejo de entrar na água, como que para comprovar a afirmação de Jourdan... Ele afastou-se dela para acender uma fogueira com folhagens secas e gravetos, que provavelmente tinha trazido consigo.
- Sabe, DanÍelle, pareceu-me mais sensato esperar por você e Zara em vez de ir ao seu encalço - Jourdan falou de repente.- O deserto é muito vasto e eu tinha certeza de que, cedo ou tarde, nossa boa égua a traria até aqui.
Jourdan lançou um olhar para o fogo que começava a se avivar e estendeu os braços.
- EstamOs num lugar um tanto primitivo, é verdade, mas apesar disso esse nosso cantinho me parece confortável... Os homens buscam um pouco de conforto até mesmo no deserto, e o fogo é o que há de melhor para se aquecerem. - Olhou-a bem nos olhos, suspirou e continuou: - Depois que se banhar, tomaremos café e comeremos alguma coisa.
- Sabe, quando eu era menino passei muitas noites aqui e em outras partes menos agradáveis do deserto... - Jourdan contou. - Meu tio, xeque Hassan, é um sábio, como poucos! Trazia-me para conviver com os membros de algumas tribos durante as férias da escola pública da Inglaterra. Então pude aprender com eles o que nenhum livro, nenhuma escola conseguiria me ensinar. No começo, via tudo como um menino maravilhado, mas à medida que fui crescendo, compreendi a liberdade que a vida nômade oferecia, percebi sua pobreza e seus perigos. Finalmente conheci bem nossa gente, pois esses homens do deserto também pertencem a Qu'Har, e têm a mesma importância daqueles que enriqueceram a região com a produção do perróleo e com a tecnologia moderna... Esses homens, DanieUe, não exigem nada da vida, e esperam conservar apenas o direito de viver. Dinheiro, posição, propriedades... nada disso tem o peso da liberdade adquirida por eles...
Danielle ouviu-o com atenção, surpresa por vê-lo falar tão longa e descontraidamente. Será que Jourdan não invejava a vida daqueles homens do deserto, perguntou-se, já que não tinham responsabilidade de espécie alguma, a não ser pelas suas próprias vidas?
Conversando com Zanaide, já havia aprendido muitas coisas que não sabia. Sem Jourdan, sua energia e sabedoria, o país se dividiria e ficaria à mercê da inveja, da cobiça, das rivalidades destrutivas. Agora compreendia a extensão e importância para Jourdan daquele casamento realizado às pressas, para garantir sua permanência naquele lugar. Ela fora egoísta ao desprezar os nobres intentos do marido!
Talvez devesse dizer a ele tudo o que pensava, como encarava, aquela situação, naquela cultura que pouco tinha a ver com a suâ. Só assim, quem sabe, conseguisse partir livre e com o consentimento dele! Afinal, Jourdan não era um homem cruel! Estava certa de suas boas intenções e de seus sentimentos.
Mas aquele não era o momento propício para uma conversa desse tipo, ponderou. No dia seguinte talvez criasse coragem e então deixaria claro o que sentia em meio a toda confusão. Além disso, estava abatida pelo cansaço, perturbada até a alma com aquela presença masculina, desejando, no íntimo, ser abraçada, beijada, amada, possuída com avidez, o que anularia qualquer vontade se ver livre de novo.
Suspirou e interrompeu o fluxo de pensamentos que começava a se misturar com sentimentos que temia. Foi caminhando devagar em direção ao oásis e parou. Voltou-se e viu que Jourdan continuava ocupado com o fogo, aparentemente ignorando sua presença.
Finalmente decidiu tirar as roupas, sacudindo a areia. Sem esperar mais nenhum minuto, entrou na água.
Como Jourdan tinha dito, a água estava morna e parecia acariciarlhe a pele delicada. Relaxou o corpo e, boiando, ficou a contemplar as estrelas trêmulas contra o negro infinito do céu.
No dia seguinte seria obrigada a admitir que Jourdan não a amava de verdade, porém naquela noite... naquela noite não hesitaria em acreditar no amor que poderia ultrapassar o mero desejo carnal...
Não se importaria com o fingimento, com a mentira...
Foi então que sentiu um toque leve nos ombros. Só podia ser Jourdan, pensou, que não cumpria com a palavra de não chegar perto.
Mas quando se voltou constatou que continuava sozinha e, no entanto, ainda sentia o mesmo toque, agora nas pernas e coxas.
Arrepiou-se de medo e gritou, cortando o silêncio da noite.
Jourdan correu para socorrê-la e viu-a em pânico.
- O que é, Danielle?
- Alguma coisa... está se colando ao meu corpo, jourdan!
- O quê?
- Não sei, parece que está em toda parte...
Jourdan entrou na água e segurou-lhe os braços trêmulos.
- Calminha...
- Estou com medo!
- Estique o corpo e bóie outra vez!
Ela obedeceu, enquanto ele deslizava as mãos pelo corpo dela, por baixo da água.
- Jourdan! Está aí! Estou sentindo!
- Não se preocupe - disse, tranqüilo, erguendo as mãos.- Vê? é só um pedaço de erva daninha...
- Está brincando!
Deve ter se enroscado noS seus pés, quando você entrou na água.
- Não sou mesmo uma boba? - Ele sorriu, compreensivo. - Desculpe, sim?
Danielle tentou se desvencilhar das mãos de Jourdan, mas, para seu espanto, ele não a soltava.
- Jourdan...
Ele a abraçou e Danielle, quando percebeu, estava sobre ele.
- Sim? Eu a desculpo, não se preocupe...
- Deixe-me tomar banho...
- Sabe o que estou pensando neste exato instante?
- Não...
- Que de fato nosso casamento é a vontade de Alá, não apenas resultado da minha vontade pessoal...
- Por que está dizendo isso? Como sabe?
- Porque a todo momento ele não perde a oportunidade de me mostrar que seu corpo é de uma perfeiçao estonteante. Como agora... mergulhado nesta água iluminada pelo luar, tremendo entre minhas mãos. Não sente o mesmo que estou sentindo?
Ela sentia, e por isso tremia daquele jeito, o corpo solicitando desesperadamente ser tomado e envolvido pelo dele. Ah, como queria ser possuída!
Sem perda de tempo, os braços dele se fecharam em torno dela.
Os lábios de Danielle se abriram para corresponder ao beijo, vagarosa e intensamente, como se ambos penetrassem num universo que há muito queria explorar. O tempo parecia ter parado. Danielle não tinha noção de nada, a não ser de Jourdan. Como um choque rápido, sentiu a areia macia sob os pés, mas Jourdan ainda a suspendia nos braçoS e começava a levá-la para junto da fogueira, que agora ardia como seus corpos.
Ele a deitou com cuidado as gotas de água escorrendo rápidas pelo corpo molhado e avermelhado pela luz do fogo. Sem se conter, Danielle olhou bem as linhas esculturais do corpo dele, com a respiração ofegante, num misto de medo e de desejo. Ele parecia uma escultura grega. Ombros largos, tronco musculoso, ainda masi sensual porque estava molhado, com gotas d'água descendo velozes como setas e riscando desenhos variados na pele bronzeada. As coxas vigorosas tocavam-na enquanto Jourdanse debruçava sobre ela, decidido a não abandoná-la.
Danielle o acariciou com mãos tensas e nervosas, fazendo com que ele também a tocasse e juntassem os corpos frementes de desejo. Os lábios dele exploravam-lhe com doçura as linhas do rosto. Os olhos dela suplicavam-lhe que a beijasse, que apagasse o menor sinal de razão, de medo; imploravam-lhe que não a deixasse escapar; que lhe desse uns breves momentos de felicidade amarga e doce ao mesmo tempo!
Como se o toque dos lábios dele lhe tirassem todas as forças para resistir, Daniel1e respondeu com abandono apaixonado e reconheceu em Jourdan os ecos da mesma urgência. Ele sussurrou algumas palavras em francês como num gemido, enquanto aquecida pelo corpo potente, ela sentiu-se derreter sob a pressão dos músculos inquietos.
Ofegantes, seus corpos falavam uma linguagem primitiva, so compreensível pelos sentidos.
Jourdan acariciou-lhe os seios, beijou-os, sondando-os demoradamente, enquanto Danielle agarrando-lhe a cabeça com as mãos, gemia febril como que exigindo a fusão dos corpos. De vez em quando chegavam-lhe as palavras distantes de Jourdan, palavras que se misturavam a grunhidos e estremecimentos. Ela não estava apta para entender nada; ansiosa, deslizava as mãos pelos ombros tensos, os sentidos incendiados pelas carícias intermináveis e crescentes que ele lhe fazia nos quadris, as coxas entrelaçadas como se nada pudesse detê-los ou separá-los!
Danielle exultava de contentamento ao descobrir que até mesmo um homem como Jourdan podia se render às suas carícias. E seu próprio corpo também parecia gritar, desmanchar-se a cada beijo dele.
Então suas pernas se abriram para recebê-lo, numa urgência tão grande que só os excitava mais e mais.
Num gemido, abraçaram-se com força, as peles úmidas de suor, os lábios unidos num beijo devastador. A partir de então Danielle perdeu toda a noção de equilíbrio, toda a noção de limites! Ambos explodiram juntos num prazer incontrolável e selvagem, cedendo a uma força natural que os fazia esquecer do resto do mundo!
Como um mar que se acalma após uma tempestade, permaneceram abraçados, quietos e calados por alguns minutos, apenas sentindo-se plenos no paraíso terrestre.
- Quanta paixão escondida debaixo daquela capa de indiferença - Jourdan murmurou, a boca entre os cabelos molhados dela, os dedos acariciando-lhe os lábios.
Ela entreabriu a boca e fez menção de dizer alguma coisa.
- Não, não... não diga que não sentiu prazer algum, não diga que me odeia - continuou ele. - Não minta, Danielle... Seja sincera e admita a alegria que demos aos nossos corpos, o prazer que nossos corpos nos deram. Confesso que nunca vi tanta sensualidade em nenhuma outra mulher...
Deslizou a mão pelas pernas delgadas e relaxadas, até descansar sobre a coxa dela. Danielle compreendeu, sem que Jourdan precisasse dizer, que o desejo dele ainda não tinha sido aplacado. Algo dentro dela concordou com essa descoberta e os corpos se aproximaram novamente.
Sensualidade, Danielle repetiu para si mesma. Então ele achava que ela dava importância tão somente ao prazer? Ele não percebia os seus verdadeiros sentimentos? Como era possível pensar que ela havia agido movida apenas pela paixão?
Jourdan puxou-a para si, murmurando palavras carinhosas nos ouvidos dela e procurando-lhe os lábios. Mais uma vez o corpo de Danielle estava trêmulo, a pele eriçada, sensualmente iluminada pela luz do fogo.
- Olhe só o que está fazendo comigo, mígnonne... - Abraçou-a tão fortemente que Danielle sentiu o tremor do corpo dele, o coração batendo acelerado, os músculos tensos. - Por esta noite vamos esquecer as razões que nos levaram ao casamento... Tentemos viver estes momentos, atentos apenas à vontade de nossos corpos...
DanielIe sentiu-o vibrar mais uma vez, sentiu a fraqueza que a obrigava a se entregar, sentiu o amor que parecia transbordar do próprio coração. Como um suspiro, abandonou toda cautela, toda mágoa.
Deu-se inteira aos apelos que nunca mais podiam ser negados e disse para si mesma que, fosse qual fosse o futuro, ao menos teria vivido aqueles momentos em toda a sua plenitude.
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