Capítulo 11 - Fim
Danielle sentia-se sem forças para continuar. Não sabia ao certo a distância que haviam percorrido e por quanto tempo. Parecia uma eternidade. Uma ou duas vezes queixava-se da falta de um chapéu e sugeria que voltassem ao jipe. Philippe, porém, opunha-se à idéia.
A certa altura, Danielle cambaleou e caiu sobre a areia, os pés enterrados até os tornozelos. Philippe prosseguiu um pouco mais adiante, sentiu a falta dela e voltou correndo para ajudá-la.
- Quer fazer o favor de ficar sempre do meu lado?
Danielle pressentia que caminhavam por uma mesma trilha interminável. Philippe era moreno, habituado ao sol, mas o rosto dela ardia como fogo, a cabeça doendo e latejando forte a cada passo dado.
A água tinha acabado horas antes. Lembrou da água fresca do oásis, passando a língua nos lábios ressequidos. Pensou também nas chuvas finas de Londres, e de repente o perfil de Philippe foi desaparecendo, evaporando, até parecer cair num mundo constituído de alucinações e miragens.
Numa dessas miragens viu-se deitada num sofá: Jourdan caminhava na direção dela. Mas não era Jourdan. Era Philippe, o rosto contorcido pela raiva, enquanto a sacudia e exigia que se pusesse de pé.
- Está bem! Fique aí, então! - ele gritou. - Eu estaria muito melhor sem você!
Danielle alegrou-se ao vê-lo prosseguir sozinho. Pelo menos não precisava ficar ouvindo os lamentos e as agressões dele. Era relaxante permanecer deitada ali, mas a pele ardia no contato com a areia.
Aquilo tudo não era sonho, pensou, embora parecesse. Estava numa praia, deitada ao sol, e à distância ouvia o barulho das ondas do mar. E então as ondas foram ficando cada vez mais altas, o ruído mais forte. De repente, uma rajada de vento bateu na areia, que, entrando nos seus olhos deixou-a sem visão.
Philippe devia estar voltando, porque ouvia a voz dele, a voz aguda e nervosa protestando, enquanto uma outra pessoa falava com tal desdém que chegou a amedrontá-la.
-Danielle, Danielle! Está me ouvindo?
Ela murmurou umas palavras incompreensíveis e a voz se afastou.
Não queria ser incomodada. Instintivamente, sentia que responder à voz seria abrir a porta para uma dor profunda, e ela tinha sofrido muito.
- Ela não está bem, vou carregá-la - ouviu a voz grave dizer.
- Está muito queimada... Ainda pego esse Sancerre!
Percebeu movimentos, sentiu calor, mas não era nada relacionado com o calor do sol. Por instinto de sobrevivência, ela lutava contra a lassidão do corpo, pressentindo um perigo muito maior do que aquele provocado pelo sol:
- Está tudo bem, mignonne - afirmou a voz, firme e segura.- Sei como se sente, mas o que interessa agora é que está voltando para o castelo.
Mignonne. As comportas de sua memória se abriram ao som mágico dessa palavra. Danielle levantou as pálpebras com dificuldade, para ver o rosto daquele homem que a carregava nos braços.
Parecia diferente da última vez que o viu. Seus traços tinham-se tornado mais duros, acentuando a arrogância e... sim, era ele, constatou com temor. Como devia estar satisfeito de saber que, longe de ter se livrado dele, ela novamente era resgatada e salva!
- Não queira falar - ele aconselhou. - Sua pele está muito queimada e precisamos levá-la de volta para o castelo o mais depressa possível. Mas que idéia fugir assim. Sei como se sente em relação a mim; porém não precisava chegar a esse ponto...
Quis continuar, mas parou, refletindo evidentemente sobre o que iria falar; Daniel1e resmungou alguma coisa, intuindo o que passava nos pensamentos dele.
- Ir embora me pareceu a melhor solução. Queria evitar que nós dois sofrêssemos.
Não tinha mais motivos para continuar fingindo. Ele garantia que sabia dos sentimentos dela. Para que continuar escondendo a verdade? O importante era pensar apenas naquele instante. Ele estava ali.
E ela. nos seus braços.
- E você achou qúe esse era o melhor jeito? Escolher uma espécie de morte, para fugir de mim? - Jourdan quis saber.
- Philippe disse que conhecia o caminho. Nada disso teria acontecido se o pneu não furasse.
DanielIe tentava defender Philippe. Decidiu não acusá-lo por tê-la abandonado ao calor tórrido do deserto... Agora que voltava à lucidez, compreendia que ele realmente a havia largado sozinha. Jourdan a interrompeu, impedindo-a de se explicar.
- Oh, sim... Sancerre é famoso por suas idéias brilhantes! - concordou com ironia. - Imagino que também elaborou uma série de justificativas por tê-la deixado no meio do cáminho.
- Não fez de propósito - ela protestou, mas a expressão do rdsto de Jourdan a desencorajou a prosseguir.
A frente deles havia um helicóptero que, agora ela entendia, era o causador dos barulhos das ondas do mar que pensou ter ouvido. Jourdan acomodou-a dentro dele, ajeitando-lhe a cabeça confortavelmente sobre o peito.
- Mas, e Philippe? - A medida que o helicóptero decolava, Danielle mais uma vez tentava protegê-lo.
- Ele está com meu secretário, perto do jipe. Quando consertarem o pneu furado, Sancerre será levado para o Kuwait, já que esta era a intenção dele. Por nada deste mundo ele entrará na minha casa de novo. Eu já estou farto de convidados!
A volta ao castelo transcorreu em silêncio. Quando o helicóptero desceu já era noite e Danielle ouviu as poucas palavras que Jourdan trocou com o piloto. O helicóptero pertencia à companhia de petróleo e tinha sido requisitado por Jourdan quando soube do desaparecimento de Danielle e de Philippe, Ignorando as queixas da esposa, Jourdan levou-a direto para o quarto da torre, onde Zanaide ficou algum tempo, assistindo-o, e depois desceu a pedido dele.
- A queimadura da pele está feia - disse Jourdan. - O piloto foi buscar um médico. Zanaide nos ajudará no que for preciso, enquanto isso.
Danielle tentou dizer qualquer coisa, enquanto ele andava até a porta.
- O que você deseja?
- Você... - Uma lágrima solitária escorreu lentamente pelo seu rosto corado.
- Danielle...
Ele não chegou a completar a frase, porque de repente a porta se abriu e Catherine entrou, vestida com um modelo parisiense.
- Jourdan, onde está Philippe? - perguntou, mal notando apresença de Danielle.
- Seu irmão a esta altura deve estar chegando no Kuwait - ele explicou com frieza. - Com dois dos seus homens para garantir a partida dele.
Catherine meditou durante alguns segundos e gargalhou, lançando um olhar de indiferença para Danielle. Depois aproximou-se vagarosamente de Jourdan para tocar-lhe o braço.
- Querido, acha que era realmente necessário? Pobre Philippe! Ele não foi o único culpado, tenho certeza disso. Existem dois culpados, como sabe...
- Não é porque ele tentou fugir com a minha esposa que não o quero debaixo do meu teto por mais uma noite... Mas porque impiedosamente abandonou-a à própria sorte...
- Ora, querido - Catherine replicou, lançando um olhar ferino para Danielle. - Tem certeza de que lhe contaram a versão correta dos fatos? Não teria sido Danielle quem se recusou a acompanhá-lo? Afinal, ao renunciar a posição de esposa, estava correndo um grande risco... Você é um homem muito rico, enquanto o pobre Philippe...
Não é nada disso, Danielle quis falar, mas não teve forças para soltar a voz. Desejava explicar que só tinha ido com Philippe pata dar liberdade a Jourdan. Porém o cansaço, a pele que ardia, eram mais poderosos do que qualquer vontade. O corpo dela pedia paz.
- Mais tarde continuaremos essa conversa. - Danielle ouviu Jourdan falar com Catherine numa voz baixa, sem dúvida ansioso por encerrar aquele confronto e mostrar à garota francesa que seu amor por ela não tinhà se alterado.
Pouco depois, o médico chegou e a examinou. A pele, muito delicada estava queimada com gravidade. Aplicou uma loção refrescante no rosto e nos braços, aliviando a intensidade da dor.
- O que é isso, doutor? -Ela quis saber.
- Um ungüento novo e realmente milagroso - ele esclareceu, sorrindo.- Trata-se de um simples anestésico.
Zanaide encarregou-se de aplicar a pomada quantas vezes fosse necessário, além de dar a Danielle um sonífero para garantir um descanso tranqüilo.
- Você é uma mulher de sorte - garantiu o médico. - Não fosse a ajuda de Jourdan, teria se desidratado e estaria correndo sério risco de vida.
Danielle agradeceu-lhe pela ajuda e bebeu o líquido amargo que ele lhe passou antes de ir embora. Não sabia o que era, mas aos poucos os olhos foram se fechando e daí em diante não viu mais nada.
Quando voltou a abri-los, o quarto mergulhava na penumbra e por um momento entrou em pânico, sem saber onde estava e o que fazia. Um vulto aproximou-se do pé da cama, fazendo-a emitir um grito.
- Não, não, não sou Philippe. Sancerre, a esta altura, deve estar a caminho de Paris. Se não me quiser aqui no quarto, mignonne, procure se lembrar de que sou seu marido. De que você ainda é minha mulher...
- Foi apenas um casamento de conveniência - Danielle protestou com amargura. - Um casamento que...
- Não falaremos nisso, agora - ele cortou, com firmeza. - Quando estiver recuperada, então sim conversaremos sobre o casamento e sobre o nosso futuro.
Danielle quis ter forças para dizer que não precisava da companhia dele, que ele estava livre para ficar com Catherine. Mas no fundo sabia que desejava demais a presença de Jourdan... Acabou por aceitar o conforto e o falso senso de intimidade que de lhe dava. Aquela noite era dela, e a guardaria na memória com todo carinho.
Três dias depois, DanieIle recebeu autorização para sair da cama e ir até o pátio interno, quando o sol estivesse fraco. Zanaide a acompanhou e depois se retirou para buscar um suco de frutas refrescante.
Estava sozinha quando ouviu o barulho dos saltos dos sapatos de Catherine batendo sobre as pedras. Não precisou virar o rosto para ter certeza de que era ela. Catherine aproximou-se e sentou-se ao seu lado no banco.
- Sei que você está bem - começou. - Até onde pretende ir com essa farsa? Jourdan e eu reconhecemos que você já está melhor, todavia insiste em continuar aqui. Por quê? Tem esperança de convencer seu marido a sustentar o casamento por compaixão? Naturalmente, não ignora que ele não a ama.
DanielIe permaneceu calada, quase sem forças para ouvi-la. Mas as palavras de Catherine tinham ido direto ao seu coração.
- O que está esperando? - a francesa insistiu. - Que Jourdan lhe peça para ir embora? Não tem amor-próprio?
Danielle ouviu o farfalhar do tecido do vestido que Catherine usava. Zanaide voltou, ao mesmo tempo queCatherine retirava-se. As palavras cruéis dela ainda ecoavam nos seus ouvidos. Que estava esperando? Que Jourdan voltasse a amá-la?
Ele sabia como ela se sentia, e provavelmente tinha pena dela.
Mordeu os lábios recusando-se a chorar. Catherine estava com a razão; não possuía mais amor-próprio.
Na manhã seguinte, quando Zanaide ihe trouxe o café, decidiu que partiria naquele mesmo dia, mas não usaria a mesma tática anterior.
Falaria com Jourdan sobre a decisão e lhe desejaria felicidades.
- Zanaide, por favor, gostaria que avisasse Jourdan que desejo vê-lo.
Passou o dia na expectativa de encontrá-lo, olhando fixamente para a porta, preparando-se para o momento em que ouviria a batida e ela se abriria. Ainda não era noite e Zanaide ajudou-a a se vestir com um cáftã de seda leve, acompanhando-a depois até o pátio. Foi então que viu o marido.
- Zanaide disse que você queria conversar comigo - ele começou, andando na direção dela.
Danielle estava sentada nas pedras que contornavam a fonte e desejou no íntimo que ele se sentasse ao lado, em vez de ficar de pé, olhando-a de cima. Agora que tinha chegado o momento, encontrava uma dificuldade incrível para ordenar seus pensamentos e expressá-los com clareza. Detestaria cair na auto-piedade e silenciosamente pediu a Jourdan para não mandá-la embora.
- O que é? - ele insistiu.
Ali estava a oportunidade para começar a falar. Suspirou fundo e reuniu toda a coragem que pôde.
- É sobre nosso casamento, Jourdan. Não há necessidade de fingirmos um ao outro. Foi um equívoco...
Mergulhado na penumbra do jardim, o rosto dele foi endurecendo aos poucos, os músculos tensos, como que para impedi-la de pronunciar toda a verdade.
- Também tenho pensado no nosso casamento... Eu esperava que.,. - Interrompeu-se, hesitando em continuar. - Não tem importância. Nosso casamento talvez possa ser anulado, desde que você declare que nunca nos tomamos marido e mulher. Não pretendo me pôr no seu caminho. Afinal de contas, foi uma coisa que você nunca desejou... Anular o casamento seria mais aceitável para os Sancerre...
Danielle o olhou através de uma névoa de sofrimento, Jourdan estava sugerindo que ela mentisse? Que fingisse que nunca tinham feito amor? Um sentimento de terror foi crescendo dentro dela. Levantou-se, sem saber o que fazer, uma voz dentro dela dizendo que se ele se encarregasse de tudo, ela partiria o mais depressa possível.
Durante o jantar, temeu que Catherine a desafiasse com olhares, mas em vez disso ela permaneceu tristonha e preocupada. Só mais tarde entendeu o comportamento da francesa, quando soube que Catherine voltaria para Paris naquela noite mesmo.
- Não pense que só por causa disso Jourdan passou a gostar de você - ela observou, entredentes. - Voltarei aqui. Esteja certa.
Sem dúvida, Catherine voltará, Danielle pensou. Jourdan provavelmente lhe pediu que partisse pensando no próprio bem dela. Assim não se envolveria com todo o processo de anulação do casamento.
Voltou para o quarto, despiu-se com rapidez, e dispensou Zanaide que a olhava entre penalizada e curiosa. Como a criada se comportaria com Catherine? Elas tinham se tomado amigas e com certeza sentiria falta de Danielle. As malas já estavam prontas e Zanaide claramente discordava da sua decisão de ir embora. Dormir seria a melhor maneira de não pensar em mais nada, e principalmente naquela noite Danielle precisava de um bom descanso. Afinal, percebendo que seus pensamentos a impediriam de pegar no sono, saiu da cama e vestiu o roupão de seda que Zanaide tinha colocado ao pé da cama. Os comprimidos para dormir estavam no quarto da torre, e a ajudariam a relaxar. Decidiu ir pegá-los.
As pedras da escada estavam frias para seus pés descalços, e tarde demais constatou que deveria ter colocado os chinelos. A porta do quarto cedeu à leve pressão de seus dedos. A luz prateada da Lua dava uma cor pálida à seda do roupão, através do qual se adivinhavam as formas do seu corpo que, para o homem que se sentava ao lado da janela, se mostravam claramente.
- Jourdan!
Sem pensar, soltou a porta, os olhos caindo sobre o divã onde esperava encontrar Catherine, mesmo sabendo que a francesinha já tinha deixado o castelo. Mas então Jourdan não a tinha acompanhado? Jourdan levantou com o roupão abrindo-se à altura do peito e mostrando o tórax forte e coberto de pêlos. O coração de Danielle disparou, fazendo-a desviar o olhar.
- Não consigo dormir - explicou, meio sem jeito. - Vim buscar minhas pílulaS.
Jourdan estava tão próximo, que era possível sentir o calor que emanava do corpo dele. As pernas de Danielle repentinamente recusaram-se a ficar de pé. Cambaleou em direção ao divã onde ele estava sentado, deslocando uma fotografia.
- Droga! - Jourdan praguejou.
Danielle estremeceu. Instintivamente abaixo-se para apanhar o retrato. Um raio de luar iluminou francamente a foto. Com os olhos bem abertos, ficou olhando, admirada.
- Agora você já sabe - Jourdan falou, arrancando-Ihe a fotografia das mãos. - Eu estava em Qu'Rar quando fiquei sabendo do casamento de titio com sua mãe. Fui à Inglaterra tentar dissuadi-lo dessa idéia estúpida, mas em vez disso me apaixonei por uma criança...
- Não estou entendendo... - sussurrou Danielle. - Essa fotografia... é minha... Lembro de tê-la tirado. Meu padrasto...
- ... bateu a meu pedido - completou Jourdan com secura. Você tinha então quinze anos de idade, era uma adolescente se transformando em mulher. Eu disse para mim mesmo que estava ficando louco, por me apaixonar por uma criança, mas não adiantou... Era uma idéia obsessiva e Hassan, naturalmente, fez muito pouco para me desencorajar.
- O que... o que você está querendo dizer?
Jourdan aproximou-se ainda mais, agarrou-a pelo braço e ajoelhou-se, o rosto convertido numa máscara de dor de auto-desprezo.
- Garota cruel! Que está fazendo comigo? Sabe o que sinto por você... Não queria... queria esperar... Precisava dar-lhe tempo para se acostumar comigo, para sentir algo por mim, mas Sancerre forçou a situação... Ele me conhecia muito bem...
- Philippe? Mas...
- Você o ama, sei muito bem. E se soubesse que estive perto de matá-lo por isso! O ciúme é um sentimento muito poderoso! Assim como é o amor! Deus sabe o quanto quis apaziguar esse amor em mim. Você tinha quinze anos, meu Deus! Eu já era um homem, mas a desejava... Como se eu imaginasse no que você se transformaria,quis a mulher que você acabaria sendo um dia... Hassan me compreendeu. Até me encorajou. Ele a ama e achou que essa seria a ma neira mais segura de garantir o seu futuro e de Qu'Har. Não tive menor intenção de fazê-lo mudar de idéia. Eu a desejava loucamente. Disse a mim mesmo que, tão logo nos casássemos, despertaria algu sentimento puro em seu coração; eu poderia ensiná-la a me amar. Então Hassan me contou que você tinha recusado meu pedido. Não queria nem mesmo pensar na possibilidade de casar comigo!
- Ele falou que você queria Sancerre - Jourdan continuou, depois de uns momentos -, não sei como não enlouqueci completamente com a notícia. Quando descobri através de Hassan que você vinha para Qu'Har, deixei Paris logo que pude. Jamaile sabia como eu estava apaixonado... ajudou-me... Eu a queria,tanto, Danielle! Eu, como um cego imbecil, acreditei que poderia fazer com que aprendesse a gostar de mim. Em vez disso, roubei-lhe o direito de amar quem quisesse. Não posso dizer que aprovo sua escolha, mas...
- Não pode?
Danielle deliciava-se com a sensação maravilhosa que experimentava. Tinha certeza absoluta de que não estava dormindo nem sonhando. Não acreditava, porém, que aquele que falava era Jourdan, que, emocionado, confessava seu amor por ela. Um amor que vinha desde a infância... Sim, aquele homem suplicante era o verdadeiro Jourdan!
- Não brinque comigo - ele pediu. - Não, não a culpo por querer se vingar de mim. Catherine me falou a respeito desse seu sentimento... falou-me sobre como você e Philippe planejaram fugir...
Como Philippe e a irmã tinham sido espertos! Danielle pensou. Distorceram os fatos até que ambos, ela e Jourdan, ficassem convencidos de que a mentira era a verdade.
- Catherine me disse que você queria casar com ela - Danielle observou com cautela, agora duvidando que tudo isto pudesse estar acontecendo.
Jourdan fez um gesto de desdém.
- Nunca! -Calou-se e ergueu-se em seguida. - Onde estão suas pílulas? Pegue e vá dormir. Meia-noite nunca foi uma hora boa para confidências, Danielle, porque, inevitavelmente, as emoções crescem ao máximo, explodem, e levam a outras coisas... coisas que à luz do dia nós dois lamentaremos. Como me julgo um ser humano, e não um animal governado por instintos, é bom que você se vá...
- Você me ama de verdade? - interrompeu-o.
- Droga! Claro que a amo! - ele explodiu, num tom de voz nada romântico, - Agora, caia fora daqui e esqueça tudo sobre minhas boas intenções.
Deu as costas para Danielle, que não fez nenhuma menção de sair nem de apanhar o vidro de comprimidos colocado junto à janela. Ela podia sentir a tensão do corpo dele, como se ele esperasse por uma decisão dela para se retirar de uma vez por todas.
- Daniele! - Era mais um lamento que uma ordem. Ele então se voltou e os olhares se encontraram. - Aviso-a pela última vez...
saia já daqui, ou terá de enfrentar as conseqüências!
Teimosamente, ela não se moveu. Soltando um gemido, praguejando, Jourdan aproximoU-se dela, desejando aplacar a sede de amar.
- Você quis assim! - ele avisou. Abraçou-a com força, a respiração ofegante. - Mas por que se comporta désse jeito? Para se punir? Ou será que seu coraçãozinho deseja me dar uma última doce lembrança?
Ergueu-a do chão e a carregou para o divã, os dedos trêmulos pressionando o corpo frágil e macio, desnudando-o para saciar a curiosidade dos olhos.
- Não vai me beijar? - Danielle perguntou com ar inocente.
Os olhos dele brilharam debaixo das sobrancelhas espessas. Os corpos se colaram ardentes, quando finalmente ele arrancou o roupão.
- Danielle!
Era a súplica sussurrada de um homem consciente de que tinha atingido o limite da resistência e que nada poderia impedi-lo de ir adiante. Danielle sentiu a agonia dele comO se fosse a sua, perdendo o controle de si mesma ao abraçá-lo, os corpos vibrando no calor enlouquecedor do contato.
- Faça amor comigo, Jourdan! - implorou, os lábios tocando os dele, o corpo trêmulo. - por favor, ame-me do jeito que eu o amo.
Descontroladas, suas bocas se tocaram como se fossem se devorar, degustando a doçura, sentindo a paixão subindo pelos seus corpoS.
Ele explorou cada parte da pele dela, cultuando-a com os dedos, com os olhos, com os lábios. Ela éntão respondeu da mesma maneira livre e apaixonada, ambos levados pela necessidade de saciar uma sede imensa, que parecia queimá-los por dentro.
O grito vitorioso de Jourdan no momento culminante da posse lembrou a Danielle a primeira vez em que se amaram. Ao ouvi-lo, ela se abandonou por completo aos desejos dele.
Mais tarde, ambos envoltos por um halo de paz, a cabeça de Jourdan descansando sobre o peito de Danielle, a ponta da língua dele brincando maciamente com a pele, ele disse...
- Sua bruxinha... Você se divertia me atormentando, não é verdade? Fazendo com que me separasse de você sem necessidade.
- Porque eu não podia acreditar que era verdade - retrucou Danielle, um pouco indignada. - Achava que você amava Catherine.
Ela disse que você a adorava. E falou que sabia como eu me sentia... Para mim, isso significava que você percebia meu amor e que sentia somente pena de mim...
- Na verdade, eu queria dizer que sabia do seu amor por Sancerre, Danielle! Para duas pessoas inteligentes como nós, não acha que fizemos um bocado de confusão?
- Oh, Jourdan...
- Oh, Jourdan, o quê? - ele brincou, imitando-a com meiguice.
- Nada. É que... Oh, Jourdan... estou tão feliz porque descobrimos a verdade antes que fosse tarde demais. Imagine se eu não tivesse vindo até aqui esta noite. Nós nos separaríamos e jamais teríamos chegado a conhecer nossos sentimentos mais profundos...
- Talvez não, quem sabe! Duvido que a teria deixado ir embora, se viesse se despedir de mim...
- Hassan ficará surpreso... Ele me disse que Philippe exagerou o seu passado de aventuras com mulheres e que eu não devia prestar muita atenção àquelas histórias...
- Bem, no fundo, no fundo, existe algum fundamento. Mas eu nunca cheguei a amar ninguém, a não ser... às vezes cheguei a acreditar que o melhor seria apagar você da minha memória, e foi isso o que procurei fazer o tempo todo. Mas sempre fracassei.
O passado agora não existe, pensou Danielle. Ela erá uma criança, ele um homem. Jourdan não poderia mesmo ter lhe sido fiel.
- Nós vamos ficar conversando a noite toda? - ela perguntou com impaciência, os olhos arregalados como uma adolescente absolutamente ingênua.
- Você tem alguma outra sugestão? - Entreolharam-se alguns segundos, sorrindo com aquelas palavras bem-humoradas e provocativas. - Louvemos a Alá, Danielle, que me deu aquilo que mais ambicionava; uma jóia que guardarei com carinho para todo o sempre, longe dos olhos invejosos de Sancerre.
A resposta de Danielle desapareceu sob o beijo apaixonado de Jourdan. E os dois amantes giraram num redemoinho de emoções onde nada existia, a não ser o amor.
Fim
N.A.: Se gostaram do romance, por favor deixem comentários. bjs Andy.
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