Capítulo 7 e 8
Danielle gelou quando os dedos buscaram-lhe a pele sensível. Apertou os olhos fortemente para evitar enxergar aquele tronco atraente.
A brisa da noite soprava com suavidadeJ alisando-Ihe o corpo corrio seda. O coração batia pesado pela primeira vez em toda a sua existência. A respiração ofegante de Jourdan tocou-lhe as faces. Ela virou o rosto para o outro lado de propósito, fechando os lábios para que não fosse beijada. Mas a boca de Jourdan não procurou os lábios rebeldes, e sim o colo descoberto.
Quando os dedos ágeis desprenderam o cáftã dos botões de pérola os lábios dele aproximaram-se lentamente dos seios e ali ficaram, ávidos. O coração dela pulsava sob a mão potente.
Como se compreendesse a linguagem daquele coração atormentado, Jourdan afastou-se e fitou-a em meio à penumbra do quarto. Os olhos curiosos brilhavam como os de um gato iluminados vela lua.
- Filha de Hassan - murmurou -Já não precisa ficar com medo. Escute... dê-me a mão e vamos sair para andar pelas trilhas do Jardim de Éden.
Como se estivesse em estado de transe hipnótico, Danielle estendeu a mão. Ela agia a contragosto, mas agia! Jourdan tomou-lhe a mão trêmula e colocou-a espalmada sobre o peito.
- Seus dedos pareceram se debater como as asas de um pássaro pego numa armadilha - ele comentou. - Danielle... sou igualzinho a todos os outros homens. Minha carne, meu corpo, tudo igualzinho...
Mas não... ele não era como os outros, ela pensou com desespero.
Nenhum homem tinha lhe pedido jamais que o tocasse de uma maneira tão íntima. Como poderia ela responder àquele apelo masculino vibrante e insistente? Ninguém antes a havia abraçado daquela forma, seus seios apertados contra os músculos do peito, os pêlos negros e eriçados provocando-lhe sensações estranhas, levando-a a uma fraqueza excessiva...
Quando o cáftã foi retirado por ele, que podia fazer senão protestar num sussurro? Que reação poderia ter, dominada pelos braços fortes que a tocavam mudando-lhe a posição de modo que ela ficasse iluminada pela luz prateada do luar? Ah Deus do Céu!, como Danielle tremia sob aquele olhar incansável e impaciente, debaixo daquelas mãos que não desistiam de acariciá-la!
Confusa e perturbada pelas sensações desconhecidas que despertavam as regiões mais íntimas do seu corpo, Danielle moveu-se. Ofegante, percebeu que Jourdan se desnudava lenta e nervosamente. A mesma luz prateada iluminava agora os ombros largos e o contorno tortuoso do corpo másculo. Seus olhares se encontraram e ela sentiu que queria ouvir dele alguma palavra.
- Agora é tarde, Danielle - ele murmurou num tom de voz que ela não conhecia. - Mesmo que eu mudasse de idéia neste exato momento, meu corpo não me obedeceria.
No breve silêncio que se fez Danielle pôde ouvir o, pulsar do coração de Jourdan.
- Nem posso acreditar na beleza que tenho na minha frente.- Ele continuou falando baixinho. - Seu corpo é tão delgado e maravilhoso quanto o de uma gazela que foge do caçador. É provocativo, excitante!
Jourdan lhe tocou o rosto pedindo-lhe que não o evitasse. E então percebeu que uma lágrima escorria silenciosamente pelo rosto de Danielle.
- Você chora como uma criança, assustada com o desconhecido. Mas não pode mais fugir da sua feminilidade... Precisa admitir que é uma mulher. E uma bela e atraente mulher! Oh, Danielle... perdoe-me, mas não posso deixar de provar este fruto que é só meu!
Danielle tentou falar mas a voz se perdeu no beijo urgente de Jourdan, provocando-lhe um calor interior que ameaçava deixá-ça sem sentidos.
Ninguém a tinha beijado daquela maneira, constatou em meio um delírio, enquanto as mãos dele ácariciavam-lhe as costas, moldando-lhe o corpo no dele, os lábios inquietos levando-a ao desespero completo. Não resistindo mais, Danielle ergueu os braços e tocou-lhe os ombros, hesitando entre acariciá-lo e afastá-lo, o olhar fixo no olhos dele, pedindo-lhe para não parar.
O que estava acontecendo com ela? Devia ser a droga colocada no chá, refletia um pouco estonteada. Só aquilo poderia explicar ar estranha necessidade de se entregar inteiramente aos lábios e aos braços daquele homem viril. Instintivamente abriu a boca, apoiou a cabeça nos braços de Jourdan e abandonou-se à doce exploração de seus lábios. Sentindo que ela começava a ser vencida, ele envolveu o seio dela com a mão livre, provocando sensações que alarmavam Danielle e a enlouqueciam de prazer.
Em alguma parte dentro dela, uma voz lhe dizia que mais tarde se arrependeria de entregar-se cegamente àquelas sensações deliciosas.
Mas Jourdan a abraçava com tal força, e de uma maneira tão especial que, mesmo que desejasse, não conseguiria se desvencilhar dele.
Danielle desceu as mãos pelas espáduas e tateou os músculos tensos das costas de Jourdan, gemendo baixinho enquanto ele beijava-lhe o pescoço, descia lentamente pelo colo, pelos seios, e parecia nunca mais voltar, chegando a regiões que nem em sonhos selvagens ela tinha imaginado. Aquele homem explorava toda a intimidade do corpo dela, com uma experiência fantástica!
As mãos de Danielle desceram mais e timidamente tocaram os músculos das nádegas dele. A pele de Jourdan tinha a textura do cetim, fazendo-a sentir uma força primitiva incontrolável e incompreensível. Era absolutamente necessário estreitar ainda mais seu corpo contra o dele, sua feminilidade contra a masculinidade dele, para acariciá-lo com impaciência, até provocar nele um gemido de prazer e de urgência. Os lábios dele agora exploravam-lhe os seios, rijos e excitados.
Embrenhando-se por trilhas de sensualidade nunca experimentadas, com os corpos entrelaçados e ávidos, Danielle curvou-se instintivamente sob as mãos fortes de Jourdan. Ambos estremeciam com as carícias ritmadas e crescentes. O prazer atingia um clímax que derrotava toda a razão. Restava apenas a absoluta necessidade de satisfazer o desejo que aumentava loucamente dentro deles, e ao qual deveriam obedecer.
- Oh, Danielle - Jourdan sussurrou, ofegante -, você aprendeu depressa...
Enquanto acariciava-lhe os bicos dos seios, murmurou alguma palavra em árabe que parecia um pedido, mas Danielle sentia-se embriagada por um desejo forte demais para fazer qualquer esforço de compreendê-lo.
Finalmente, confusa e atônita, Danielle viu-se invadida por uma maré de volúpia. Já era impossível voltar atrás! Quando Jourdan deslizou as mãos para os seus quadris, erguendo-a levemente e afastando as pernas dela para os lados com o calor das próprias pernas, Danielle conseguiu apenas lançar-lhe um olhar rápido e sentir uma excitação alucinante no contato íntimo com o corpo dele. Então ela se encantou com a rigidez das coxas de Jourdan, com os movimentos ritmados dele, e não conseguiu pensar em mais nada, flutuando em meio a sensações maravilhosas e desconhecidas.
O gemido agudo e breve da dor e da aflição foi abafado pela pressão dos lábios dele. Nesse momento o medo voltou a ser maior que o desejo, e o reconhecimento do que tinha acabado de acontecer tomou o lugar daquele prazer indescritível.
A droga do chá levou-me a fazer isso, Danielle pensou num desespero silencioso, procurando evitar que as lágrimas escorressem. Como odiava Jourdan!, concluiu. Odiava-o como a mais ninguém!
Tentou separar-se dele, mas ele não permitiu. O rosto de Jourdan tinha se transformado numa máscara pálida de fúria e só então ela percebeu que aquele não fora apenas um pensamento. Ela de fato havia dito que o odiava, ferindo-o mortalmente.
- Não, mignonne! - ele protestou, apertando-lhe os braços com crueldade. - Você odeia a si mesma por ter-se descoberto mulher...
- Você me iludiu com drogas no chá!
Voltou-lhe as costas e atirou-se contra o travesseiro, enquanto as mãos dele, antes carinhosas e generosas, faziam dela uma prisioneira eterna.
Jourdan tornou a abraçá-la, como que arrependido da repentina violência.
- Tire as mãos de mim!
- Danielle...
- Não me toque mais! Nunca mais!
- Pare de se, comportar como uma criança!
- Não está satisfeito com o que fez? Já não basta ter me humilhado e me machucado?
Um pesado silêncio caiu sobre ele.
De repente, sem ela mesma saber por que, sentiu uma onda de raiva e um desgosto tão forte, que não temeu mais nada. A partir d quele instante, decidiu, nem mesmo a violência irradiada pelo olhos de Jourdan a intimidaria.
Começou a lutar ferozmente com ele. Mas era uma luta inglória pois Jourdan tinha muito mais força e parecia se excitar com os movimentos que ela fazia sob seu corpo. Ele a castigava com beijos, selvagens, agora sem nenhum carinho, fazendo com que Danielle se contorcesse e gemesse de dor.
Quando a dor se transformou em prazer? Danielle não saberia responder. A princípio, ela rejeitava a pressão daquele corpo másculo, mas acabou cedendo e respondendo às sensações que a invadiam, correspondendo plenamente aos apelos selvagens.
Agora, o prazer substituía a angústia. Um prazer que a dominava, crescendo como ondas tempestuosas. Repentinamente, viu-se devorando os lábios ávidos de Jourdan, abraçando-lhe o pescoço, enquanto curvava o corpo para prolongar a corrente de prazer que ele lhe oferecia, seu coração batendo com selvageria, transmitindo uma mensagem que cada parte do corpo deles compreendia perfeitamente.
Aquela inacreditável satisfação que conheceu, então permaneceu trancada na memória de Danielle, que a refazia nas lembranças mesmo quando o corpo descansava. Jourdan experimentava o sabor das lágrimas que escorriam pelo rosto dela. E esta foi a última coisa que sentiu antes de dormir profundamente.
Era manhã.
Sonolenta, Danielle recebeu o calor dos raios de sol através dos lençóis. Espreguiçou, num movimento sedutor, sentindo o corpo tão dolorido que não pôde levantar-se com a rapidez e o ânimo habituais.
Virou-se, os olhos embaciados. Aos poucos recordou pedaços do pesadelo noturno, e se encolheu toda horrorizada. Não, não tinha sido nenhum pesadelo. Lembrava de fatos, reais, frios e cruéis.
A porta do banheiro se abriu e Jourdan entrou no quarto, uma toalha amarrada na cintura.
Danielle sentiu ódio ao ve-lo se aproximar da cama para olhá-la de perto. Teve o impulso de lhe voltar as costas, mas fez um esforço para encará-lo, os olhos repentinamente cegos de emoção.
- Então, ma chérie, não disse que cumpriria minha promessa?
Ele puxou a coberta dela, para apreciar os ombros frágeis.
- Sua promessa? Prefiro chamá-la de ameaça! - Danielle falou - recuou bruscamente quando ele tentou tocá-la. - Pelo menoS tenho direito a uma coisa, já que nosso casamento está consumado e não poderá ser anulado: não vou tolerar seu toque asqueroso!
- Asqueroso? Mas ontem não poderia ter essa opinião. Muito pelo contrário. Se minha memória não falha, você mesma acabou me pedindo para que eu finalmente a possuísse com ardor...
- Porque você me drogou. Não fosse por isso, eu jamais...
- Eu a droguei? Sua imaginação está indo longe demais, filha de Hassan. A única droga usada, se é que posso chamá-la assim, foi sua resposta selvagem à minha masculinidade.
- O chá que me deu para beber estava drogado. Era exatamente a mesma droga que Zanaide tinha me dado um pouco antes.
- Está procurando justificativas para o que fez ontem, Danielle?
- Eu só respondi à sua... solicitação porque fui obrigada.
- Obrigada mas com doçura, não é?
- É o que pensa?
- Foi o que senti! Já lhe disse: não pus droga nenhuma no chá. Não era necessário. Se quiser que eu prove o que estou afirmando...
Enquanto falava, ele levou as mãos à toalha, para tirá-la. Danielle ficou furiosa, ao mesmo tempo que encolheu o corpo, os olhos bem abertos pedindo-lhe que não fizesse aquilo.
- Pare de se comportar como criança - Jourdan observou ironicamente, inclinando-se na direção dela. - Seria um prazer dar-lhe a lição que bem merece, petite. Não me custaria muito acender a chama apaixonada que você esconde tão bem, a ponto de fazê-la sentir falta de mim a cada noite que eu precise me ausentar...
- Você é um sádico! - falou entredentes, disposta a mostrar-lhe o quanto o odiava e desprezava. Queria deixar claro que nenhuma ameaça a tornaria esposa dele, mas preferiu ser cuidadosa, pois lembrou que era praticamente uma prisioneira dentro daquele palácio e que nenhum muçulmano ajudaria uma esposa fugitiva.
Deve haver alguma maneira de me livrar desse tormento, pensou.
Se ao menos pudesse telefonar para meus pais! Bastaria um telefonema para trazê-los até Qu'Har.
- Quando seu mau humor passar, pode chamar Zanaide para ajudá-la a se vestir. Vou andar a cavalo. Se se comportar bem, num outro dia irá comigo, está bem? Primeiro, será aconselhável que nos entendamos como marido e mulher. Se nos vissem cavalgando juntos, meus homens pensariam que sou um péssimo marido.
Por mais que tentasse, Danielle não conseguiu se controlar. Com o rosto em brasa, cerrou os punhos e chorou, as lágrimas impedindo-a de ver Jourdan sair do quarto.
Quando se viu só esforçou-se para se recompor. Não gostaria que as pessoas da família comentassem que tinha andado chorando por causa dele. Não, não poderia lhe dar esse prazer!
Zanaide entrou com a bandeja do café da manhã e encontrou Danielle sentada na cama, fazendo as unhas.
- Bom dia, senhorita.
- Bom dia, Zanaide.
- Trouxe-lhe pãezinhos quentes, mel e doce, além deliciosas.
Danielle lançou um olhar para a bandeja e sentiu que não conseguiria comer nada.
- Acho que não vou querer, obrigada.
- Como não?
- Acordei indisposta, só isso. Sem apetite.
- Precisa comer para ficar bem forte. - Danielle riu.- Sem comer, seu filho nascerá fraquinho!
Um filho! O estômago de Danielle se contraiu, o rosto empalidecendo quando percebeu o sentido daquelas palavras. Meu Deus!, disse para si mesma. Não, um filho não!
Ante a insistência do olhar de Zanaide, estendeu a mão e pegou um pãozinho, fingindo comê-lo com prazer.
Precisava abandonar Qu'Har de uma vez por todas! Como poderia passar mais um dia naquele lugar infernal? Detestaria continuar ali naquele quarto, perseguida pela lembrança de seus próprios desejos.
A acompanhante ajudou-a a tomar banho, a vestir e a fazer a maquilagem. Pouco depois, tendo Zanaide como intérprete, ela desceu para conhecer outras partes. do palácio, guiada por um muçulmano alto e barbudo que, segundo Zanaide, era fiscal de Jourdan.
O palácio era enorme. Mas uma ala inteira, embora toda mobiliada, parecia abandonada.
- Por que não a utilizam? - Danielle perguntou.
- A ala é reservada aos nômades do deserto. Uma vez por ano eles aproveitam a água do oásis do castelo para os rebanhos, e então se abrigam aqui. O xeque tem feito muito pela nossa gente - Zanaide acrescentou.
Chegaram a um belo pátio interno.
- Este lugar é exclusivo do xeque - o fiscal observou.
Enquanto caminhavam tranqüilos, o homem parecia disposto a falar sobre diversos aspectos da vida do país.
- Nossos jovens costumam viajar para o exterior para estudar tecnologia, enquanto permitimos que nossas jovens estudem aqui mesmo.
- Permitimos! - Danielle repetiu com desdém.
Olhando para Zanaide, compreendeu que viviam em mundos completamente diferentes. O que Zanaide considerava um privilégio concedido por um homem bondoso e tolerante, Danielle via como um direito incontestável da mulher.
Sentiu um arrepio ao pensar no qúe seria da vida dela se não fugisse o quanto antes de Qu'Har. Lembrou das palavras de Jourdan na noite anterior: você me pertence... Seu coração ainda ardia ao refletir sobre um sentimento de posse tão forte!
Veja só este mosaico aqui no chão - Zanaide comentou com Danietle. - Não é uma gaiola linda?
Danietle observou sem maior interesse. Uma gaiola seria apenas uma gaiola, fosse a arte boa ou ruim. Aquele palácio também não passava de uma gaiola, pensou. E ela era a prisioneira! Ah, daria tudo para se ver livre o mais depressa possível!
Cobrindo os olhos para protegê-los do sol escaldante, olhou ao redor. Uma torre muito alta chamou-lhe a atenção.
- O que é aquilo?
- Ali é Q refúgio do xeque - explicou a criada, contente por alguma coisa despertar o interesse de Danielle. - Foi construída por um antepassado dele para olhar o céu e fazer previsões segundo os astros.
- Não podemos subir lá?
Não sabia o que era, mas alguma coisa a levava a querer conhecer o interior da torre.
Zanaide arregalou os olhos, chocada.
- Impossível! É o lugar privativo do xeque! Ninguém jamais entra lá, a não ser ele mesmo. Mas agora que é esposa dele, quem sabe ele a convida para participar da tranqüilidade do retiro?
- Pois é... quem sabe?!
- Ele passa horas fechado lá em cima.
- Fazendo o quê?, Danielle perguntou-se, decepcionada com o fato de que estava proibida de chegar à torre. Proibida pelo mesmo homem que insistia em tirar-lhe a liberdade!
Fazia duas semanas que Danielle estava no castelo construído no deserto. Desde a noite de casamento, Jourdan não havia mais procurado por ela. À segunda noite após a cerimônia, ela permaneceu deitada sozinha na imensa cama, alimentando um ódio sem limites.
Quando os primeiros raios do sol saíram, teve de admitir que Jourdan não lhe daria a oportunidade de mostrar que estava errado. Não, ela não teria a chance de poder recebê-lo com todo o desprezo que desejava demonstrar! Já estava completamente acordada quando a porta do quarto se abriu e um raio de sol projetou sobre sua cama a sombra de alguém alto e moreno. Entretanto, não se tratava do marido e sim da fiel ajudante, espantada com os cabelos despenteados e as olheiras fundas que rodeavam os olhos de Danielle. .
Foi Zanaide quem lhe contou que Jourdan e seus homens tinham passado a noite inteira à procura de uma criança perdida no deserto.
- A pobre criança teve sorte de o xeque Jourdan estar aqui para organizar a expedição de busca - ela explicou. - Não fosse ele, ninguém a teria encontrado. Como o calor do sol durante o dia, o vento frio da noite também pode matar.
Zanaide a informou que, no campo nômade do oásis, todos tinham celebrado o resgate da criança...
Os criados pareciam estar a par de tudo o que acontecia e Danielle corou ao pensar que também deviam saber que tinha se tomado noiva de Jourdan a contragosto. A palavra dele era lei, e por certo não deviam vê-la com bons olhos.
Restava-lhe a esperança de que os pais lhe telefonassem dos Estados Unidos. Imediatamente perceberiam que alguma coisa estava errada e correriam para Qu'Har. Em nenhum momento duvidava que o padrasto faria o possível e o impossível para anular aquele casamento, tão logo ficasse sabendo das condições em que tinha se realizado e do quanto ela havia sido desrespeitada.
À medida que os dias passavam, o calor parecia aumentar. O sol batendo implacável e um céu cujo azul feria os. olhos. Zanaide aconselhava Danielle a descansar na parte mais quente do dia, mas não era possível. Uma urgência enervante tomava conta dela, apreensiva o tempo todo com o momento decisivo que chegaria de uma hora para outra; o momento em que se veria frente a frente com o marido indesejável. Já não conseguia nem comer, tal a tensão que a envolvia, emagrecendo a olhos vistos e preocupando a bondosa Zanaide.
Certa tarde, quando o calor parecia jogá-la num forte estado depressivo, Danielle surpreendeu-se caminhando a esmo pelo pátio e, como uma sonâmbula, acabou se dirigindo para a escada que levava à torre de Jourdan.
Sabia que ele passava lá, sozinho, a maior parte das noites, conforme Zanaide tinha informado com reservas. Mas. Zanaide temia o quê, afinal? Algo que a incriminasse? Pobre moça, disse para si mesma.
O casamento já havia cumprido o seu papel e ela. Danielle, não queria nada de Jourdan. A parte na companhia pertenceria a ele e, por isso não precisaria mais dela. O objetivo de Jourdan já fora alcançado.
Danietle foi subindo cegamente os degraus da escada em espiral, não parando sequer para olhar através das janelinhas estreitas abertas na grossa parede de pedras. Fazia frio ali dentro, devido às pedras, que, segundo Zanaide, foram extraídas na época das cruzadas e utilizadas pelos muçulmanos naquela construção.
A longa escada terminou de repente em frente à porta de madeira, parecida com as que guardavam a entrada principal do castelo.
Danielle parou e ficou olhando para ela, pensando com lucidez pela primeira vez.
O que estava.fazendo ali?
Virou-se para trás e olhou para baixo, tentando lembrar o motivo que a tinha levado a subir até lá. Estava sentada num banco do pátio, observando as carpas, tão prisioneiras quanto ela, quando então sentiu vontade de vislumbrar as paisagens além das muralhas daquela prisão.
A porta da torre cedeu à pressão de suas mãos e ela entrou, ficando tão abismada com o que via, que não percebeu a porta fechar-se sozinha atrás dela. Tapetes persas adornavam o piso, faixas de seda cobriam as paredes num jogo de muitas cores que lembravam a cauda de um pavão. Nada ali era discreto: havia apenas luxo e rique;za, que deixavam Danielle boquiaberta.
A torre era circular, e nos vãos das janelas havia divãs cobertos com peles. Um telescópio chamou-lhe a atenção e foi até ele, tocando distraidamente, os olhos atraídos pelo horizonte distante.
Ah, se achasse uma maneira de sair de Qu'Har! Uma lágrima escorreu pelo rosto devagar. Uma lágrima triste e solitária que ela enxugou com impaciência. Jourdan teria se divertido muito vendo-a chorar, à beira do desespero!
Voltou-se para a porta e viu uma cama encostada junto à parede.
Então era ali que ele dormia? Reunindo as poucas forças que ainda lhe restavam, desviou os olhos da cama. Estava irritada consigo , mesma! Por que razão seu corpo tremia descontrolado, sugerindo-lhe as sensações que tanto queria esquecer? Precisava apagar a lembrança da pele macia de Jourdan! Não queria lembrar do calor, das mãos dele, da volúpia da posse! A esmagadora sensação de fraqueza que tinha experimentado diante da força dele, a excitação dos corpos, o desejo enlouquecedor do último instante que...
- Não! - gritou de repente, com uma angústia intolerável! Ela não o desejava! Ela não o amava! Havia feito tudo aquilo por causa do chá! O chá que ele drogou, embora não quisesse admitir! Só poderia ter sido isso. Como poderia explicar seu abandono total ao animal selvagem que era Jourdan? Ou haveria outra explicação? De repente sentiu um profundo cansaço, uma dor que parecia rasgar-lhe o coração, o começo de um choro que não conseguiria conter.
O que estava acontecendo com ela? Onde estava sua força de vontade? Sua independência? Deitou-se na cama estreita e fechou os olhos, querendo apenas descansar um pouco.
Um ruído de passos intrometeu-se no sonho de Danielle. Era um sonho bonito e alegre. Ela estava voltando para Londres. Tinha reencontrado os pais. Suspirou, levando as mãos ao pescoço tenso, e com uma voz fraca chamou o nome de Zanaide.
- Ao contrário da esposa, a criada não ousa invadir o ninho da águia - falou uma voz masculina. A voz fria de um homem que ela reconheceu imediatamente. - Que está fazendo aqui, petite? Jourdan quis saber.
Danielle não conseguiu abrir a boca para responder. Olhava-o aterrorizada, muda.
- Será que eu mesmo terei de tirar minhas conclusões? - ele continuou. - Por acaso não sabe que este lugar é exclusivamente meu?
Jourdan permanecia ao lado dela, em pé. Aos poucos Danielle percebeu que já estava anoitecendo e tinha esfriado. Como podia ter dormido tanto?
- Conclua o que bem entender - respOndeu, enfim. - Mas a verdade é que... - Interrompeu-se, o olhar perdido nas estrelas que piscavam, no infinito. - A verdade é que vim até aqui porque queria a liberdade. Queria enxergar o mundo lá fora...
- Danielle, você está indo longe demais... - Pegou-a pelos braços e levou-a até uma das janelas estreitas. - Olhe para onde quiser, mignonne - falou com aspereza. - Tanto faz que seus olhos contemplem a terra, o horizonte, as estrelas, ou seja lá o que for... tanto faz! Eles ainda me pertencem!...
Jourdan gargalhou, enquanto Danielle estremecia.
- Venha... - ele a puxou da cama e colocou-a na frente do telescópio. - O homem que construiu este castelo teve as pernas esmagadas por estas pedras enormes... Vivo, mas inválido, encontrou um motivo para continuar existindo ao se fechar neste observatório...
Ele a abraçou de uma maneira absolutamente impessoal, como que querendo apenas orientá-la na ,observação das estrelas.
- A liberdade é um estado de espírito, mignonne - continuou, a boca quase desaparecendo no emaranhado dos cabelos loiros. - Meu antepassado descobriu isso aqui neste lugar, observando as constelações, apesar de fisicamente ele ter sido prisioneiro da enfermidade.
Danielle ouvia-o com atenção, enquanto os olhos espantados investigavam as incontáveis luzes do espaço.
- Outros homens são prisioneiros de suas próprias emoções, porque entregam seus corações a mulheres frias e distantes como as estrelas mais remotas... - Jourdan filosofou.
- E eu sou sua prisioneira - Danielle completou, com amargura.
- Não, ma chérie. - Ele afastou o telescópio, obrigando-a a fitá-lo. - Você é prisioneira do seu próprio orgulho. Sem ele, teria de admitir que este casamento tem suas... compensações.
Jourdan sugeria muitas coisas com a afirmação que tinha acabado de fazer. Afinal, era um homem rico e poderoso, e muitas mulheres se sentiriam atraídas por essa condição. Mas, instintivamente, Danielle sabia que ele se referia à traição que ela havia cometido com o próprio corpo.
Com o rosto corado, DanielIe recuou e foi até a porta.
- Onde está indo? .
Ao ouvi-lo, deteve-se, voltou e procurou na penumbra o olhar luminoso de Jourdan.
Sem perceber como, o corpo dele estava próximo do seu, fazendo-a sentir-se encurralada entre a porta e ele. Mais uma vez o medo a assaltou.
- Quero voltar para o meu quarto - ela respondeu com firmeza.
Mas ao acabar de falar compreendeu que tinha cometido um erro.
Um sentimento de fúria pareceu surgir nos olhos escuros de Jourdan e em seguida o corpo dele tocou o dela.
- Seu quarto?
Danielle não notou o sentido ambíguo daquela pergunta e, com os nervos à flor da pele, sentiu que não era a fúria que tomava conta dele, mas o próprio desejo.
Ele está me provocando, disse para si mesma; tentando convencer-se de que nada poderia acontecer. Mas, no fundo do seu ser, sabia que talvez Jourdan quisesse repetir os momentos delirantes da primeira noite de casamento. Ele era um homem do mundo, acostumado com as mulheres do mundo, e ela...
Ardeu em chamas ao lembrar da maneira como tinha se abandonado a ele naqueles minutos finais, quando tudo pareceu deixar de existir.
- Jourdan, pare de brincar comigo! - implorou, já trêmula.
- Não estou brincando!
- Você me quer tanto quanto eu o quero...
- Não estou certo disso...
A proximidade dele a inquietava... Era impossível não sentir o odor natural daquele corpo, misturado à leve fragrância da colônia que ela usava. Recuou e encostou-se à porta. Não tinha para onde ir! Jourdan sorriu mostrando os dentes brancos, sem esconder suas intenções.
Foi então que ele ergueu uma mão e tocou-lhe o rosto.
- Por que o medo, mignonne? Você agora é minha esposa, de fato e de direito. Não lhe parece natural que um marido busque conforto nos braços sensuais de sua esposa? Não é mulher capaz de me satisfazer, Danielle?
O tom quente da voz causou arrepios por todo o corpo dela. Paralisada, limitou-se a acompanhar com o olhar os movimentos de Jourdan.
O quarto pareceu mergulhar numa escuridão ainda maior, quando ele inclinou a cabeça e, ainda segurando-lhe o queixo trêmulo, beijou-a com paixão. Dentro dela, uma onda de desejo ameaçava derrotar sua razão.
- Você é minha esposa - ele sussurrou, roçando os lábios nos dela. - Minha companheira noturna... Não gostaria de partilhar comigo do mesmo prazer que sentiu na nossa primeira noite de casados? Não é por isso que veio até o meu retiro privado? Não estava esperando por mim, Danielle?
Ela quis dizer que não, mas as palavras não saíam. Os lábios dele a provocavam, subindo e descendo pelo seu pescoço, enquanto os dedos impacientes afastavam o tecido de chiffon e a boca procurava os seios dela. Perdendo o controle de si mesma, apertou-lhe os ombros com força, enquanto sentia que ia sendo desnudada lentamente.
- Jourdan!
Seu murmúrio foi abafado pela boca quente e carnuda, que a dominava com carícias intermináveis. Finalmente, ele a ergueu nos braços e a levou para a cama.
Agora não havia nenhum chá e nenhuma droga que justificasse a entrega de Danielle. Nem mesmo poderia encontrar explicação no poder ilimitado dos beijos dele, nas mãos que a tocavam com ardor, mostrando-lhe as delícias de um prazer nunca antes experimentado.
Não, agora ela simplesmente dava vazão a tudo aquilo que sempre tinha desejado!
- Danielle, você veio para isso?
A voz de Jourdan e aquelas palavras frias interromperam o encantamento apaixonado de Danielle.
O que estava fazendo ali? Não poderia culpar Jourdan por fitá-la com desprezo. Aproveitando a imobilidade dele, levantou-se da cama para fugir.
- Danielle! - ele gritou.
Sem dar atenção ao chamado, Danielle correu para a porta.
A brisa fria que circulava na escada espiralada chocava-se com seu corpo e parecia congelar-lhe a pele. Quando chegou em seu quarto fechou a porta e encostou-se nela, arfante, tremendo como uma criança assustada. Pela primeira vez não encontrou Zanaide esperando por ela. Aliviada, arrancou o traje e preparou um banho quente.
Um pouco mais calma, perguntava-se gepois o que teria lhe acontecido. Por um momento havia gostado de estar nos braços de Jourdan...
Não concluiu o pensamento. Parou de ensaboar-se e contemplou a água que começava a esfriar.
E por que havia fugido de Jourdan? Tinha medo! Não dele, talvez, mas de suas próprias emoções.
Saiu da banheira devagar e começou a se enxugar, os olhos enormes estudando a pele pálida.
Por um instante, ao ser envolvida pelos braços de Jourdan havia esquecido a hostilidade entre eles, o que tinha feito com ela, o casamento forçado. Agora sabia que ele era o homem que dera vida a seu corpo, que descobrira uma fonte nova de prazeres reprimidos, que tocara sua intimidade de uma maneira inacreditável.
Com um gemido breve e baixo, Danielle atirou-se sobre a cama, soluçando em silêncio, enquanto compreendia e procurava aceitar a verdade que acabava de descobrir. Tinha subido à torre não para ver o horizonte distante, mas para estar mais perto do homem com que havia casado sob o poder do ódio, e que, no entanto, agora começava amar.
Porém, como seus sentimentos haviam se transformado tão rapidamente? Não havia lógica nenhuma. E desde quando a lógica orientava as emoções? Não, não, Danielle, disse para si mesma em voz alta, você não reagiu a ele como uma mulher que odiava ou era indiferente!
Fixou os olhos na escuridão do quarto.
Agora, mais do que nunca, precisava abandonar Qu'Har! Sem dúvida Jourdan se tornaria ainda mais arrogante ao descobrir que o amava! Quem sabe até zombaria dela!
Trêmula, encolheu o corpo numa posição fetal, a pele em chamas, como se Jourdan ainda continuasse a tocá-la naquele exato momento.
Tinha de encontrar uma maneira de deixar o castelo antes que ele a fizesse sua para sempre! Antes que fosse obrigada a admitir que o amava, sem chances de voltar atrás!
Apesar de pensar assim, lamentava ter saído correndo da torre...
Se tivesse ficado, não dormiria sozinha numa cama tão grande!
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!