Capítulo 6



- Senhorita...
- Zanaide! O que está acontecendo? - Danielle perguntou, mais aliviada por ver um rosto familiar. - Precisamos sair daqui e voltar para Qu'Har!
A criada balançou a cabeça.
- Não é possível.
- Como assim?
- A senhora Jamaile pediu-me para ajudá-la a se preparar para a cerimônia de casamento.
- Mas Zanaide, eu não vou me casar!
- Está tudo arranjado. O sacerdote da sua religião já chegou!
- Por favor, me compreenda... não desejo me casar com Jourdan! Ele me quer como esposa apenas por... vingança! Dê um jeito de dizer a Jamaile o que aconteceu, ela...
Danielle interrompeu-se ao ver o gesto negativo de Zanaide.
- Não. Ela me disse que você vai casar. Trouxe o vestido de casamento. Não deve ficar nervosa... O casamento é um passo importante na vida de uma mulher. Com o xeque Jourdan, descobrirá uma nova vida...
Danielle permaneceu calada, fitando-a. Mas então Jamaile tinha dito a Zanaide que ela e Jourdan casariam?
- Não vou sair da cama. Não saio deste quarto enquanto não conversar com ela - insistiu, decidida.
- É corajosa, embora a sua determinação de nada adiante por aqui! - A voz masculina ecoou forte, vinda da porta aberta.- Quero falar com Danielle - Jourdan explicou à Zanaide. Deixe-nos sozinhos,- Depois você cuidará dela. A cerimônia não poderá ser atrasada. .
- Que cerimônia? - Danielle perguntou, enquanto Zanaide se retirava. - Você enlouqueceu, Jourdan?
- Por acaso, tenho cara de louco?
Jourdan aproximou-se devagar, pisando de mansinho, e parou junto à cama, olhando Danielle através dos véus que a cercavam. Só então ela lembrou que estava quase nua e cobriu-se, envergonhada. O orgulho crescià dentro dela e daquela vez não se renderia.
- Estou procurando facilitar as coisas, mignonne - ele garantiu com voz branda. - Estou fazendo tudo para que você se sinta feliz como minha esposa.
- Por exemplo, tirando-me a virgindade? Não vê que hoje em dia essas coisas não têm a menor importância?
Ele suspirou fundo, sem esconder a impaciência, e examinou-a como se a desnudasse por inteiro. Danielle empalideceu.
- E um filho? Isso também não tem importância nos dias de hoje? - Ele a desafiou.
- Você não teria coragem!
Ele sorriu, zombando dela.
- Mas é claro que teria! Faria qualquer coisa para garantir minha posição neste país... No meu país! Será que estamos começando a nos entender?
- O xeque Hassan jamais o perdoará por isso! Não consigo imaginar como chegou a convencer Jamaile a consentir nessa... atrocidade. Mas quando meu padrasto...
- Ela concordou porque, assim como eu, deseja o bem para o nosso país. Quanto ao seu padrasto, estarei satisfazendo a vontade dele. Você, sem dúvida, sabe que estou dizendo a verdade. Talvez meu tio não fique contente com as táticas empregadas na realização desse casamento, mas quanto ao resto...
- Por favor, escute! Eu não o amo! Você não me ama! Tudo o que ambiciona é poder controlar sozinho a companhia.
- Concordo com você - Jourdan respondeu, uma expressão de seriedade estampada no rosto. - Deve ter me considerado um idiota, filha de Hassan, acreditando que eu aceitaria jogar fora o meu trabalho, em benefício de um rapazote imbecil como Saud!
- Saud? ,Danielle arregalou os olhos.- Era por isso então que Jourdan a forçava? Ele acreditava que ela estivesse apaixonada pelo inocente "Saud?" - Pode lhe soar muito estranho, Jourdan - explicou frieza -, mas não costumo me envolver com homens comprometidos...
- Que fosse um outro qualquer e não Saud. Não faria a menor diferença. Danielle... você está amadurecida para o casamento. E, eu pretendo saborear este fruto delicioso!
- Eu o odeio! - ela explodiu, incapaz de continuar ouvindo-o - Imagino que você só aprovou o casamento de minha mãe com o xeque Rassan por causa da possibilidade de assumir a direção da companhia de petróleo. Responda-me uma coisa, Jourdan. Já tomou, alguma decisão na sua vida que não fosse em função dos seus interesses pessoais?
- Já - respondeu, seco. - Uma vez só. Foi quando uma pessoa de quem eu gostava muito cometeu um erro. Discutimos por, causa disso e perdi o homem que tinha sido meu pai, meu tio e meu amigo durante toda minha juventude.
Danielle suspirou, consciente de que Jourdan se referia a Hassan.
- Mas seus escrúpulos desapareceram de uma hora para outra, quando notou que o casamento estava dando certo, não é verdade?
Percebeu que só poderia chegar ao controle da companhia se aceitasse fazer parte desta farsa, deste casamento absurdo, não foi isso? Pois então, meus parabéns! - Danielle falou com desprezo, desejando feri-lo fundo.
- Você fala sem ter conhecimento de causa, filha de Hassan. Mas não me importo com o que diz. Vou sair agora, e chamar Zanaide.
O casamento está marcado para daqui a uma hora. - Jourdan andou até a porta, parou e voltou-se. - E saiba que ele será legal. Casaremos segundo as leis de Qu'Har e as normas da Igreja. Não haverá anulação: Sequer divórcio!
Saiu em seguida, deixando as palavras ecoando no ar, atormentando a alma de Danielle. Pouco depois, Zanaide voltou do banheiro.
- Preparei o banho com os óleos que asseguram a fertilidade...
- Não vou me banhar, Zanaide - respondeu, ríspida. Não iria, ser preparada como uma vítima para o altar do sacrifício! - Casamento! - exclamou, cerrando os punhos, morta de raiva. Aquele casamento não podia se realizar! Não era possível que o destino lhe fosse tão ingrato!
Só o medo que .Jourdan voltasse para vesti-la à força é que a fez sair da cama e colocar o cáftã dourado com desenhos em vermelho.
Mesmo assim, relutava, recusando a olhar-se nos espelhos que cobriam toda a parede.
- Não gostou do cáftã? - Zanaide perguntou, um pouco decepcionada. - A própria senhora Jamaile escolheu o modelo e fiscalizou a execução. Os botões de pérola são um presente dela.
Um presente... justamente dela, a mulher que conspirou com Jourdan, como se ela não passasse de uma escrava vendida a um senhor todo-poderoso! E por quê? Porque seu padrasto controlava a companhia de petróleo! Jourdan não desejava outra coisa senão herdar esse poder!
Mas se não possuía condições de evitar o casamento absurdo, tinha a certeza de que faria de cada dia um tormento para Jourdan, dizendo-lhe quanto o detestava e odiava a todo momento.
- Agora coloque o cinto - Zanaide disse num murmúrio, francamente emocionada. Entregou-lhe o cinto adornado com diamantes e
esmeraldas, que brilhavam com a luz que entrava através das cortinas transparentes e coloridas. - O cinto pertence à família do xeque Jourdan,- ela acrescentou. - é costume da família que as mulheres da casa o coloquem na noiva e o apertem.
Enquanto falava, ajustava o pesado cinto de prata em tomo dos quadris de Danielle, dando a impressão de mãos de ferro que a aprisionavam. Danielle estremeceu ao sentir o contato do metal frio, ao ver o brilho intenso das pedras preciosas que a hipnotizavam, carregando-a para dentro de um estranho estado de letargia.
Zanaide deu-lhe uma xícara de chá de hortelã e, logo depois de bebê-lo, os músculos do corpo de Danielle começaram a relaxar.
- Zanaide...
Ela pronunciou o nome num sussurro, como se a voz não lhe pertencesse, como se uma outra mulher falasse em seu lugar.
- O que deseja?
- Tinha alguma coisa no chá?
Temeu não ouvir a resposta. Seus sentidos a abandonavam aos poucos, ofuscando a mente, embaralhando os pensamentos.
- Nada que lhe faça mal... Só um pouquinho de calmante, colocado por ordem de Jamaile. As mulheres sempre tomam antes do casamento... Relaxa o corpo e tranqüiliza o espírito...
Mergulhada na idéia da cerimônia que se aproximava, Danielle se distraiu, mal ouvindo as últimas palavras de Zanaide. À medida que a droga ia atuando sobre seus músculos, foi deixando a criada esfregar óleos perfumados nos punhos e no pescoço e passar uma sombra leve sob os olhos.
- Está preparada - anunciou Zanaide, apertando os fechos do cinto prateado. - Agora ninguém, com exceção do seu marido, poderá soltá-la. As pérolas da castidade escondem dele o segredo dos, jardins do seu corpo... e apenas ele poderá se aventurar para explorá-los.
Danielle sentiu vontade de tampar os oÚvidos para não escutá-la.
Nesse momento, porém, a porta se abriu, aumentando-lhe as batidas do coração. Com os lábios ressequidos, deixou-se conduzir por Zanaide, que a entregou ao homem que a esperava parado no limiar da porta.
Vestindo as roupas cerimoniais, Jourdan parecia um estranho cujo olhar pousava sobre o corpo bem-feito de Danielle. As criadas os levaram para uma sala que dava para um pátio agora mergulhado na penumbra.
O primeiro ritual, muçulmano, foi completamente incompreensível para Danielle, que respondia com indiferença, como uma criança obediente que ignora o verdadeiro sentido das coisas.
Dez minutos mais tarde, em frente ao sacerdote, por um breve instante Danielle lançou um olhar de piedade para Jourdan. Ele, entendendo-a, mas sem querer ajudá-la, segurou-a pelo braço e apertou-o com força. Com os olhos frios e distantes, murmurou com doçura:
- Suas queixas devem acabar, filha de Hassan. Segundo as leis muçulmanas, já somos marido e mulher. Você me pertence, agora.
Tenho todo o direito de castigá-la, se por acaso me contrariar...
Com a ameaça vibrando nos ouvidos, Danielle continuou respondendo, as palavras saindo com dificuldade, como se raspassem na garganta e lhe causassem uma dor insuportável.
- E agora, mon fils, podem se beijar - o sacerdoté disse com um sorriso, fechando a Bíblia.
Quando Jourdan inclinou-se para ela, todo o corpo de Danielle se contraiu. No entanto, não pôde impedir que as mãos dele lhe tocassem os ombros. Os olhos dele, profundos, fixaram-se nos seus. Mas ela não o encarou. Com a respiração presa, esperou o momento terrível de os lábios dele roçarem dela
De olhos fechados, sentia que os segundos pareciam uma eternidade, e ele ainda não a tinha beijado. Levantou as pálpebras e viu um largo sorriso. Apenas os olhos continuavam gelados, alertas como os de uma ave de rapina.
- Devido à timidez de minha noiva - Jourdan falou - prefiro reservar esse prazer para mais tarde. Obrigado, padre; Mahmoud lhe mostrará o quarto.
O padre se retirou acompanhado pelo criado.
- O padre Pierre veio para cá antes da II Guerra Mundial e nunca mais quis voltar - explicou Jourdan. - Graças a ele o xeque Hassan cumpriu a promessa que fez a minha mãe de me educar como um católico.
Pela primeira vez falava alguma coisa sem rancor ou ironia, e mesmo assim Danielle permaneceu distante, recusando-se a conversar.
- Pode chamar Zanaide para me acompanhar até o quarto? - perguntou secamente. - Sinto-me exausta e gostaria de me recolher.
-Também estou cansado, mignonne - ele responde. - Mas não é preciso chamar Zanaide. Eu mesmo a levarei... Não tinha percebido, que minha esposa estava tão ansiosa para cumprir o voto que acabou de fazer. Talvez eu seja um tanto quadrado - acrescentou, sorrindo - Mas cabia a mim sugerir que nos retirássemos... Sabe, sua impaciência me entusiasma.
Jourdan ria à vontade, mas Danielle ainda continuava rígida, os olhos assustados no rostinho delicado.
- Como pode falar desse modo? Você não me deseja... Sou apenas um caminho para você chegar à chefia da companhia de petróleo.
- Que não posso recusar, naturalmente - ele replicou, voltando, a ficar sério. - Danielle, você é minha mulher. E o será de fato antes do amanhecer...
- Não! - A palavra saiu como uma bofetada, cheia de pânico que a domina.
Danielle deu meia volta e foi em direção à porta. Mas Jourdan correu e colocou-se à frente, segurando-lhe o braço.
- Solte-me!
- Danielle, daqui para a frente, quer queira, quer não, você terá de se comportar como minha esposa! - ele avisou, erguendo a voz. - Chega de cometer tolices! Venha comigo. . .
-Não...
- Prepararam-nos um quarto. Venha comigo!
Um grito ficou preso na garganta de Daniel1e, os braços já doendo, tal era a força com que ele a agarrava. Resistindo, se manteve onde estava, como se seus pés pudessem criar raizes.
- Terá que me arrastar! - ela avisou.
- Sua tola!
Ele a ergueu nos braços num gesto rápido e preciso.
--Minha fera é frágil demais! - zombou, carregando-a para fora da sala e subindo a escada estreita que dava para um quarto magnificamente decorado.
Indiferente à relutância de Daniel1e, deitou-a num divã baixo, entre almofadas espalhadas. Ela tremeu de pavor ao ver a cama preparada com os mais ricos lençóis. - Minha gazela está com medo - ele comentou, compreendendo, o significado daquele olhar. - Não se preocupe, mignonne. Antes que o sol volte a iluminar o céu, você terá aprendido a ver com outros olhos sua natureza de mulher madura...
- Eu odeio esse modo animal que você assume ao falar comigo... Se tivesse um mínimo de compaixão, se fosse realmente um homem educado, jamais teria coragem de fazer isso com uma mulher...
- Acha que não, mesmo? Como é ingênua, minha gazela! Duvido que algum homem que a tenha olhado deixou de sonhar em possuí-la e de saborear uma noite como esta...
O quarto pareceu virar e Danielle esboçou um novo protesto. Viu Jourdan inclinando-se outra vez sobre ela e recuou.
- Beba isso - ele ordenou. Obediente, ela segurou a xícara de chá de hortelã e tomou um gole.
Sua cabeça voltou a girar. Tentou sair do divã e cambaleou. Jourdan a segurou e tornou a deitá-la, obrigando-a a beber mais do chá que, Danielle agora sabia continha a mesma droga dada por Zanaide.
Lembrou da criada dizendo-lhe que acalmava o corpo e a mente...
E seu corpo tremeu com violência, a imaginação antecipando imagens daquilo que teria de suportar, a vontade enfraquecendo, as forças se esvaindo... Ah, como queria pedir a Jourdan que a libertasse daquele cinto, mas seu Orgulho nunca permitiria isso!
- Está tremendo demais, Danielle. O medo está tomando conta de você - ele murmurou com suavidade os dedos tocando-lhe o pescoço. - Se isso a tranqüiliza, queria dizer que a realidade que a assusta agora, mais tarde a atrairá. Daqui a poucos dias, você a receberá de braços abertos.
- Não conte com isso, Jourdan!
A angústia que invadia ruidosamente seu coração foi abafada pela risada de Jourdan. As mãos dele deslizaram do pescoço até os quadris e encontraram o cinto da castidade.
- Tudo é possível neste mundo, Danielle! Tudo! Se for honesta consigo mesma, mais tarde terá de admitir sua derrota.
Jourdan a tomou nos braços, erguendo-a do divã. Foi até a cama ê a deitou com delicadezà. Seus olhos encontraram-se. Seus rostos estavam muito próximos um do outro. Quando ele lhe tocou o corpo, a respiração de Danielle quase parou.
De repente, ele se afastou. Uma a uma, foi apagando as luzes que iluminavam o quarto e depois voltou calmamente para a cama.
Danielle sentiu que as mãos dele soltavam os fechos do cinto com habilidade. E quando ele procurou os primeiros botões de pérola, ela pôde sentir o hálito quente daquela boca na pele do seu rosto.

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