Uma casa de Loucos
13. Uma casa de Loucos
Na tarde seguinte, metade do Norte de Londres estava a trabalhar como equipa editorial.
Em casa, eu pedira aos meus pais que escrevessem alguma coisa.
- O tema da revista é o Verão – expliquei ao pai -, por isso, gostava que desses algumas dicas úteis sobre viagens ao estrangeiro, do ponto de vista médico. Torna-o relevante. Um mini-estojo médico que se possa levar numa mala. Coisas para queimaduras solares, picadas de mosquitos, diarreia e assim por diante.
- Tudo bem – acedeu com um grande sorriso.
Acho que ficou realmente orgulhoso por lhe ter pedido.
E a mãe ia fazer um artigo sobre a forma de lidar com a ansiedade dos exames.
- Dez dicas úteis – pedi. – Tem de ser acessível.
Deixei-os a ouvir a Rádio 4 e a beber chá Earl Grey enquanto trabalhavam.
Em casa da Marlene, o Tony trabalhava num cartoon para um concurso. Íamos convidar os leitores a enviar legendas e publicaríamos as melhores no número seguinte. Se houvesse um número seguinte.
Em casa da Lucy, o James e eu trabalhávamos ao computador no quarto dele e de LAl.
A Lucy e a Marlene estavam a acabar os seus artigos na sala.
A Izzie estava ao computador no quarto da Lucy, fazendo horóscopos para o mês seguinte.
A senhora Potter trazia-nos constantemente infusões de ervas com ginseng e uma coisa de sabor horrível chamada guryana.
- É para vos manter despertos – informou.
E o senhor Potter estava sentado na cozinha a tocar guitarra.
- Música para inspirar os trabalhadores – anunciou quando desci para pedir um novo cartucho de tinta para a impressora. Como é que uma versão de «You Ain’t Nothing But a Hound Dog» nos deveria motivar, não faço ideia, mas o Ben e o Jerry pareciam apreciá-la, pois acompanhavam-na, uivando com grande animação.
- Este local é uma casa de loucos – disse o Lal, olhando para o pai com desaprovação. – Vou para qualquer sítio normal. Onde possa pensar em paz!
- Então, vai para minha casa – sugeri. – É como uma morgue.
Ninguém está satisfeito com o que tem, pensei, enquanto o via sair a correr. Tenho a certeza de que os pais concordariam com o Lal, se aparecessem, mas eu estava a adorar. O Senhor P é muito divertido e o mais diferente possível do meu pai. É um velho hippie que está a perder o cabelo, mas que tem um rabo-de-cavalo. E usa camisas havaianas muito berantes e sandálias indianas. A senhora P também é hippie e hoje usa uma saia peruana com espelhos na bainha e um top de croché bastante estranho.
- Estás bem, Lily? – perguntou o James, quando voltei para cima. – Estás hoje um bocado calada.
- Iu, iuneuí – murmurei.
Muito acontecera nas últimas vinte e quatro horas. Sobretudo na minha cabeça. Os meus olhos tinham-se aberto ao ver o Sirius como alguém que me usava e sentia um remorso terrível por ter tratado o James da mesma forma. Alguém para massacrar com os meus problemas. Ainda na semana passada falara de como gostava do Sirius e de como ele nunca reparara em mim e me tratara como uma amiga e nada mais. Fora exactamente assim que eu tratara o James. E ele fora tão querido, assegurando-me de que eu era gira e dizendo-me o que os rapazes realmente sentem pelas raparigas.
Enquanto estava sentada ao seu lado na secretária, senti o calor do seu braço contra o meu e o perfume do sabonete na sua pele. Voltou aquela velha sensação trémula, mas, desta vez, estava com o James e não com o Sirius. Como é que não reparara nos lindos olhos que ele tinha? Bondosos. Cor de ãvela com salpicos de verde na íris. E boas mãos, pensei, enquanto ele pressionava o teclado do computador, com dedos compridos e elegantes.
E era demasiado tarde. Se lhe dissesse alguma coisa, pensaria que eu era uma completa cabeça-no-ar. Volúvel como tudo. Apaixonada pelo Sirius numa semana e a gostar dele, James, na semana seguinte.
- Então, já decidiste o que fazer quanto à Wendy Roberts e à sua dentadura postiça? – perguntou James, inclinando-se sobre mim para ver o que eu escrevera.
- Hã, iu...nu…uí… a Wendy, sim. Decidi que não vou descer ao nível dela. Guardo coisas dessas para o meu bloco de notas secreto e uso-as mais tarde quando escrever romances.
- Muito bem – concordou o James. – Então, achas que estamos prontos para entregar a revista na segunda-feira?
- Nih… ing…iah… - gaguejei, amaldiçoando a Rapariga Alienígena que tomara conta das minhas cordas vocais. – Tuase. Quero dizer, quase.
O James olhava-me como se eu tivesse duas cabeças.
- Tenho de perguntar à Luce e à Marleneumacoisa. Voltojá – tartamudeei eu, levantando-se de um salto.
Desci a escada aos trambolhões à procura da Lucy e da Marlene. Precisava de ajuda.
Sentei-me no chão e pus a cabeça entre as mãos. – Ai. Ai. Airama.
- Eh, vai correr tudo bem. Estamos quase prontas – anunciou a Marlene. – Vamos acabá-lo a tempo.
- Fazer o quê? – perguntei, olhando para cima.
- A revista.
- Oh, não é isso. É… - olhei para a Lucy. O James era seu irmão. Que pensaria ela se soubesse que eu andava a ter fantasias com ele? Sabia o que eu sentia pelo Sirius. Pensaria que eu era uma verdadeira leviana por mudar de ideias tão depressa.
- Então o que é? – perguntou a Lucy.
- Nada – respondi.
- Sim, está-se mesmo a ver – troçou a Marlene. – Vá, desembucha.
Suspirei. Olhei para as duas que esperavam com curiosidade. Suspirei de novo.
A Marlene e a Lucy começaram também a dar grandes suspiros. Depois exageraram-nos, lançando enormes e longos sopros até que não pude conter o riso.
- Pronto. Deita-te no sofá – ordenou a Lucy.
Fiz o que me mandavam e a Lucy sentou-se no outro extremo.
- Então, miss Evans, qual zé o probleme?
Não conseguia contar. Silencio. Grande silencio. Tão grande que encheu a sala.
- Ah! Problema de rapazes – alvitrou a Lucy.
- Mas qual rapaz? – inquiriu a Marlene. – Já ultrapassaste o Siruis, n’est-ce pás?
Assenti. – É outro rapaz de quem acabei de perceber que gosto. Muito melhor que o Sirius. E agora fico de língua presa e estúpida quando estou com ele. E acho que estraguei tudo. E, provavelmente, é demasiado tarde.
- Oh, referes-te ao James? – perguntou a Lucy.
- Como é que sabes?
- Foi bastante óbvio desde o princípio – esclareceu a Lucy.
- Óbvio? Para quem? Eu só agora é que percebi. E quem sabe o que vai na sua cabeça. Se gostar de mim.
- Eh, olá? – disse a Lucy. – Em que planeta vives, ao certo?
- No Planeta Zog, na verdade – respondi, explicando tudo sobre a Noola e a sua capacidade de tomar conta da minha cabeça.
- Bem, para tua informação, o James não tem parado de falar de ti e de perguntar por ti desde que te conheceu – confessou a Lucy. – E ficou bastante irritado pelo facto de tu gostares do Sirius. Não reparaste como ficou estranho quando encontrámos o Sirius em Hampstead?
- Acho que estava um pouco apagado nesse dia. Pensei que eu tivesse feito alguma coisa que o aborrecera.
- Daa. Sim. E fizeste – afirmou a Lucy. – Gostaste de outro rapaz.
A Izzie desceu a escada e deixou-se cair no sofá-
- Quesepassa? – perguntou.
- É a Lily – explicou a Marlene. – Transforma-se na Noola, a Rapariga Alienígena, sempre que gosta de um rapaz. A Noola apenas conhece três palavras. Diz-lhe quais são, Lily.
- Uhaiuh. Iuneuí. E nihingaiah.
A Lucy desatou a rir-se, fazendo a imitação de um robot alienígena como o CP3O da Guerra das Estrelas pela sala fora.
- Uhaiuh – guinchou numa voz aguda. – Iuneuí. Nihingaiaaaaah.
Ríamos tanto que o James desceu para ver o que se estava a passar. É claro que corei.
- Então? – indagou o James.
- Então, na… nada – gaguejou a Marlene, rindo.
- Foi uma coisa que a Lucy disse – explicou a Izzie.
O James ergueu os olhos ao céu e depois virou-se para mim. – Vens acabar o teu editorial?
- U… uhaiuh – respondi e a Lucy desatou às gargalhadas.
O James suspirou, imitado pela Lucy e a Marlene.
O James olhou-nos como se fôssemos estúpidas. – Quando quiseres, Lily – concluiu, voltando para o seu quarto.
- Vêem, vêem agora? – perguntei. – Vou estragar tudo. Estávamos a dar-nos tão bem e agora vou parecer uma idiota ao pé dele e pensará que sou Anormal da Anormalândia, Parva da Parvolândia, Cabeça-no-Ar da…
- Fecha a porta, Lucy – pediu a Izzie. – Temos trabalho de sobra a fazer.
Passámos os vinte minutos seguintes a fazer uma visualização com a Izzie. Esta está muito dentro das coisas de auto-ajuda e estivera a ler um dos seus livros sobre pensamento positivo.
- A mente é tudo – afirmou ela. – Conseguirás ultrapassar isto e fazer desaparecer a Noola, a Rapariga Alienígena. Mas tens de passar a agir com confiança. Tenho estado a ler tudo a esse respeito para quando actuo.
- Mas eu acho que ou somos confiantes ou não somos – objectei. – Como a Marlene. Não é algo que se possa aprender.
- Oh, é sim – retorquiu a Marlene. – Todas nós temos os nossos truques. Por vezes, se me sinto nervosa, finjo ser uma personagem de um filme. E depois actuo como penso que ela faria. Funciona mesmo.
- então, acham que possa aprender a falar correctamente quando encontro um rapaz de que gosto?
- É evidente – frisou a Izzie. – De facto, o meu livro diz que «somos o que repetidamente fazemos. A confiança não é um fingimento mas um hábito». Tens de praticar.
- Fixe – concordou a Lucy. – Parece-me bem. Que fazemos?
A Izzie mandou-nos sentar e fechar os olhos. Primeiro, tínhamos de imaginar a situação em que nos sentíamos nervosas, pelo que pensei em estar ao pé de James, lá em cima, Tínhamos de imaginar a sala, o cenário, o que vestíamos, todos os pormenores.
Então, a Izzie começou:
- Imaginem-se descontraídas, calmas e completamente seguras. Imaginem a reacção da outra pessoa. Na vossa mente, vejam-na a rir-se das vossas piadas, a ouvir com interesse o que dizem, a gostar de estar convosco.
Fez-nos rever a situação várias vezes até que, na minha imaginação, o James ficou de olhos arregalados para mim, em clara admiração, espantado com os meus ditos espirituosos. Admirado com a minha brilhante conversação.
- Chega, abram os olhos.
Fizemos o que nos dizia e olhámos umas para as outras.
- Como te sentes agora, Lily?
Levantei-me e fui até à porta. – Fantástica. A Noola está morta – respondi, pondo as mãos nas ancas ao estilo Arnold Schwarzeneggar e acrescentando:
- Voltarei. Hasta la vista, baby.
A Marlene riu-se. – Vai-te a ele, amiga.
Voltei a subir a escada. Ao chegar à porta do quarto do James, os meus nervos voltaram, por isso imaginei o James a sorrir e a apreciar a minha companhia.
Entrei, sentei-me junto dele ao computador, fiz uma rápida visualização na minha cabeça e depois virei-me, fazendo-lhe um enorme sorriso.
Voltou-se e olhou para mim. – Aaaiii. Que se passa contigo agora?
- Nada – sorri, pensando: sou confiante, sou óptima, espantosa, brilhante, deslumbrante, fabulosa.
O James olhou-me como se eu tivesse enlouquecido por completo.
- És mesmo estranha, sabes disso, não sabes? – perguntou.
Naquele preciso momento, o meu telemóvel tocou.
- Desculpa, James – disse eu enquanto atendia.
- Olá, Lily – ouviu-se a voz do Sirius. – Que estás a fazer?
- A revista. Lembras-te, eu contei-te. O prazo termina na segunda-feira.
- Oh, isso pode esperar – replicou o Sirius. – Queres ir ao Heath?
- Lamento, Sirius – desculpei-me. – Estou ocupada. Falamos mais tarde.
Desliguei.
- Era aquele rapaz? – perguntou o James.
- Era aquele rapaz.
- E…?
- E… passou à História – respondi.
Agora, era o James que fazia um enorme sorriso.
- Que se passa? – perguntei.
- Nada – sorriu.
- És mesmo estranho – comentei. – Sabes isso, não sabes?
- Sim – assentiu. – Então, já somos dois.
A Sério
Edição de Verão
Índice
Editorial, de Lily Evans 1
Próximos acontecimentos do calendário escolar 1
Dicas da última moda para o Verão escaldante, de Lucy Potter 2
Segredos de Uma Noite Passada em Casa de Uma Amiga – Reportagem de Lily Evans 2
Dez dicas da drª Evans para evitar a ansiedade pré-exames 3
Conselhos úteis do drº Evans sobre saúde em férias no estrangeiro 3
Loucura da transformação: transformação antes e depois com dicas de beleza para ficar uma brasa, de Marlene McKinnon 4
Dez dicas para tirar boas fotografias das férias de Verão com uma máquina automática, de James Potter 5
Uma vida de cão – Artigo sobre o Canil de Battersea, de Lily Evans 6
O que fazes e não fazer para seduzir, de Marlene McKinnon 6
Óleos para banho de aromaterapia, de Izzie Williams 7
Horóscopos, de Iz Mística 7
Que vida divertida: estranhos títulos de livros e os seus ainda mais estranhos autores 8
E, finalmente, um concurso de cartoons, de Tony McKinnos – Os leitores são convidados a enviar uma legenda 8
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