Passeando o Con



11. Passeando o Con

- Não vás para o bosque – aconselhou a mãe quando me preparava para levar o Mojo a passear na quarta-feira depois das aulas. – Anda pelas ruas onde as pessoas te possam ver.
- Vou perguntar ao Sirius se quer vir – disse eu. – Nesse caso tudo bem, não é?
- Sim, óptimo – concordou a mãe. – Mas não te demores muito. Ainda tens trabalhos de casa para fazer.
Mal podia esoperar por ver o Sirius. Tenho a certeza de que não foi imaginação minha ele ter sido tão atiradiço em Hampstead no sábado. Parecera genuinamente perturbado com o meu novo visual e, a certa altura, segurara-me a mão e apertara-a. Eu fiquei de novo com aquela agradável sensação trémula como quando encostou o nariz ao meu pescoço. Não conseguia parar de pensar nisso e em como seria segurar a sua mão e até beijá-lo. Por dentro, ficava toda derretida e estranha só de o imaginar.
Penteei o cabelo solto, pus um pouco de bâton, depois pus a trela ao Mojo e fui à casa do lado.
A senhora Black atendeu.
- O Sirius está em casa? – perguntei, tentando o melhor possível não denunciar o facto de estar a tremer. Uma loucura, na verdade, pois já fora a sua casa um milhão de vezes e nunca sentira isso.
A mãe chamou-o e ele emergiu no topo da escada alguns minutos depois.
- Oh, olá, Lily.
- Hã. Olá. Hum. Vou lever o Mojo a dar um passeio. Queres vir?
Ele abanou a cabeça. – Estou a ver Os Simpsons – respondeu.
- Oh. Está bem, fixe. Fica para outra vez – disse eu, esperando não ter mostrado como ficara desapontada. Nem sequer descera para se despedir.
Enquanto subia com o Mojo até Musell Hill Broadway, pensei se me teria enganado nos sinais. Já alguma vez segurara a mão? Ou a apertara? Não me conseguia lembrar. Talvez estivesse a exagerar. Talvez ele não tivesse gostado do meu novo visual, afinal. Mas, na altura, parecia gostar. Estava sempre a olhar para mim. Sentia-me tão confusa.
Decidi ver algumas montras na esperança de encontrar um estilo alternativo para a rapariga Barbie. Boa sorte, pensei, enquanto olhava para os vários tops e saias em exposição. Não sabia como queria ficar, embora de uma coisa estivesse certa: não queria voltar a usar aqueles saltos altos. Que tortura. Talvez me tivessem ficado bem, mas só estava preparada para ir até um certo ponto no jogo do «ter de sofrer para ser bela».
O Mojo trotava ao meu lado, alegremente, enquanto eu reflectia sobre a grande questão filosófica de saber quem era a verdadeira Lily Evans.
Será Noola, a Rapariga Alienígena?
Ou a Miss Perfeita Mandona que gosta de corrigir os rapazes?
Ou a Campeã de Braço-de-Ferro do Norte de Londres?
Ou a Miss Boazinha que faz sempre os trabalhos de casa?
Ou Norma Sabe-Tudo?
Ou a irmã ruiva da Barbie?
- Que achas, Mojo? – perguntei enquanto passávamos pelo cinema e descíamos Muswell Hill High Road.
- Ahah – ouviu-se uma voz atrás de mim. – A falar sozinha, o primeiro sinal de insanidade.
Virei-me e dei de caras com o James, acompanhando do Bem e do Jerry.
- Estava a falar com o Mojo – repliquei. – Mas és capaz de ter razão em relação à parte da insanidade. De facto, estava mesmo a pensar que podia estar a enlouquecer.
Ele riu-se. – Vais a Highgate Woods? – perguntou enquanto o Mojo, o Bem, e o Jerry se dedicavam à dignificante actividade de farejarem os traseiros uns dos outros.
- Não – repondi. – O Mojo adoraria, mas a minha mãe disse que não deveria ir sozinha.
O James olhou para o relógio. – Bem, acabámos de vir de lá, mas tenho a certeza de que estes tipos não se recusariam a voltar. Vamos, faço-te companhia.
Dei uma telefonadela rápida à mãe pelo telemóvel e, depois de um interrogatório cerrado, acabou por concordar.
Partimos para o bosque e, uma vez lá chegados, soltámos os cães. Correram, excitados, já muito amigos. Enquanto andavam por ali, o James e eu conversámos como velhos amigos. É tão estranho, pensei, aqui estou eu muito amiga do James e nervosa em relação ao Sirius enquanto, há uma semana apenas, o Sirius era meu amigo e o James um completo estranho.
- Então, que se passa contigo e com esse tipo? – perguntou o James, passado um bocado.
- Que tipo?
- Aquele do Café Nero. Parecias gostar dele.
- Meu Deus, é assim tão óbvio?
Fiquei surpreendida pelo facto de ele ter lido os meus pensamentos. – Espero que ele não tenha notado.
- Acho que não notou. Estava demasiado ocupado a embasbacar-se com a Marlene.
O meu coração desmoronou-se. Talvez fosse isso. Era realmente na Marlene que ele estava interessado. E fizera aquela cena atiradiça para chegar a ela através de mim.
- Eu sei – concordei. – Mora na casa ao lado da minha. Já há muitos anos e sempre fomos amigos. Até há pouco tempo. Agora, tudo mudou. Dei comigo… sabes, hã, bem, a pensar muito nele. Não sei o que sinto, é tudo tão estranho. E, de facto, não sei o que ele pensa, mas acho que não me vê senão como alguém com quem falar. Oh, não sei…
- Qualquer rapaz que não goste de ti deve ser louco – comentou o James. – E vou dizer-te um dos maiores segredos sobre os rapazes…
Contive a respiração para a grande revelação.
- São exactamente como as raparigas, pois também se sentem tímidos e pouco à vontade e nem sempre dizem a palavra certa ou fazem a coisa certa.
- A sério?
O James olhou-me com atenção. – Os rapazes podem parecer confiantes, mas por dentro podem estar tão nervosos como tu. Todos receiam ser rejeitados e parecerem tolos.
- Mas acho que ele não está interessado…
- Como sabes se está interessado ou não? – perguntou o James. – Por vezes, quando um rapaz age de forma desinteressada é, na verdade, porque está mais paralisado do que descontraído. Paralisado de medo, porque na maior parte dos casos, as raparigas é que mandam. Os rapazes receiam a rejeição como qualquer pessoa.
Eu a mandar? Isso dava vontade de rir. Mas os rapazes ficarem nervosos também, isso era óbvio, na verdade. Nunca pensara nisso antes. Ficara tão presa ao meu próprio embaraço que não pensara nisso antes. É claro que os rapazes também se devem sentir assim às vezes.
- Por exemplo – continuou o James -, podes pensar que um rapaz não está interessado, mas pode ser que esteja demasiado assustado para dizer alguma coisa. Isso acontece-me às vezes, sabes, quando gosto de alguém.
Talvez fosse isso que o Sirius acabara de fazer, pensei. A agir de forma descontraída. Com medo de que eu o rejeitasse. Não. Não era possível. Ou era? Sentia-me mais confusa do que nunca.
- De facto… - prosseguiu o James.
- Então, como é que as pessoas se aproximam? – interrompi. – Acho que precisaria de que alguém se tornasse muito evidente para mim.
- Como?
- Não sei. Cartões. Presentes. Um cartaz em Piccadilly? Gritar do cimo dos telhados EU GOSTO DA LILY EVANS.
O James riu-se. – Tenho a certeza de que há montes de rapazes atrás de ti – afirmou. – Simplesmente tu não sabes.
- A sério?
- Bem, viste a reacção que provocaste ontem.
- Sim. Mas não tenho a certeza de que aquele visual muito feminino fosse realmente o meu estilo.
O James assentiu. – Sim. Não me leves a mal, mas achei que a Marlene fez de ti um seu clone. Esse visual convém-lhe a ela, mas a ti vejo-te mais como a Buffy do que como a Barbie.
- A sério?
Fixe, pensei. Gostava de ouvir aquilo. Mais a Buffy que a Barbie. Preciso de anotar o tipo de roupa que ela usa.
- Então, como vai a revista?
- Bem. Mas realçou o lado competitivo de todas as colegas da escola. E algumas delas conseguem ser bastantes más. Como uma rapariga, aquela que vimos em Hampstead. Está a fazer-me passar um mau bocado.
Continuei, falando do que a Wendy fizera sobre o Cão da Semana.
- A Wendy Roberts.
O James bateu na testa. – Aquela que saía da Accessorize? Sabia que a conhecia. Agora que disseste o nome… Um amigo meu andou com ela.
Depois riu-se. – Podia contar-te um bom mexerico a seu respeito.
- O quê?
- Não tem os dentes da frente.
- Como sabes?
- O meu amigo descobriu quando a beijou. Um deles soltou-se. Por isso é que me recordo do nome. Está à espera de fazer implantes, mas o dentista só os faz quando ela for mais velha. Por isso, tem dentadura. São mesmo dentes postiços. Parece que os partiu num acidente de equitação. Podias incluir um artigo sobre dentistas. E pôr uma foto dela como exemplo.
Ri-me só de pensar nisso. – Com um legenda. Tudo o que quero para o Natal são os meus dois dentes da frente.
- Ou, em vez de olhos bem abertos e sem pernas, podias escrever olhos bem abertos e sem dentes. [N/A: Referência ao filme «Wide-Eyed and Legless», de Jim Broadbent]
- Não me tentes – disse eu.
O tempo voou enquanto conversávamos sobre ideias para a revista da escola e o James ofereceu-se para fazer um artigo sobre fotografia.
Quando olhei para o relógio, marcava oito horas.
- Meu Deus, tenho de ir – exclamei. – A minha mãe vai matar-me.
Juntámos os cães, pusemos-lhes de novo as trelas e o James acompanhou-me até ao cimo da nossa rua.
- Então, adeus – despediu-se ao chegarmos ao portão.
- Adeus.
Ele virou-se para se ir embora e depois voltou-se.
- Hã. Hum. Gostavas… de ir jogar ténis um dia destes?
- Com certeza – respondi. Apreciara o tempo que tínhamos passado juntos e começava a pensar que podíamos ser bons amigos. – Se estás preparado para ser batido.



De: Lily
Para: Paul
Data: 25 de Junho
Assunto: diarreia
Querido mano,
Lamento a disenteria amébica. Pedi à mãe que te arranje outro passaporte e to envie. Não disse ao pai. Tem cuidado.
Beijinhos
Lily XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


De: Lily
Para: Marlene
Data: 27 de Junho
Assunto: cinema
Apetece-te ir ver o novo filme da Júlia Roberts na sexta-feira?
Está no Hollywood Bowl. A Lucy e a Izzie estão nessa. Espero que possas vir.
Lily XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


De: Marlene
Para: Lily
Data: 27 de Junho
Assunto: cinema
Fixe. Lá estarei.

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