My Fair Lady. Nem Pensar
10. My Fair Lady. Nem Pensar
- Nunca conseguirão – disse eu, começando a desesperar. – É inútil. Sou a Feiosa da Feiolândia.
- Roma não se fez num dia – sentenciou a Marlene, mexendo-me no cabelo.
- A hora mais negra é antes do amanhecer – acrescentou Lucy, que estava de joelhos ao pé de mim, retocando-me as unhas.
- Talvez – disse eu, olhando sombriamente para a minha imagem no espelho do quarto da Marlene. O meu cabelo era uma confusão frisada, tinha máscara facial de aloé que me fazia parecer um fantasma e uma enorme borbulha ameaçava irromper-me no queixo.
- Falta de auto-estima – afirmou a Izzie. – É esse o teu problema, Lily. És gira, mas não sabes. Olha, tens um cabelo fantástico que puxas sempre para trás numa trança, pernas muito altas que nunca mostras, uma figura fantástica que escondes com fatos de treinos largos e uma boca óptima que todas aquelas modelos de lábios finos que fazem injecções de colagénio adorariam ter.
Com a minha graciosidade habitual para receber elogios, retorqui:
- Hum! E tu tens claramente as capacidades de observação de um mosquito sem cérebro.
Já tínhamos feito a fotografia do «ante» de manhã, em casa da Lucy. O James oferecera-se como fotógrafo com a sua nova máquina e foi de gritos. Usava o «vestido infernal» que a mãe me comprara e a Izzie penteara-me o cabelo em doía carrapitos muito altos dos lados da cabeça. A Lucy colocara-me pêlo de cão da escova do Bem e Jerry nas pernas com cola-tudo para parecerem peludas (no entanto, impus-me quando ela se embalou e tentou pôr-me algum no lábio superior para fazer um bigode.) E a Marlene dera-me algumas lições sobre má postura para ficar ainda mais desleixada.
- Todas as mulheres bonitas têm uma óptima postura – explicara ela. – É uma das primeiras coisas que ensinam na escola de modelos. A endireitarem-se. Por isso, para estas fotografias, dobra-te como se tivesses ombros arredondados.
A Lucy atacou os sacos de saldos da mãe e encontrou alguma bijutaria francamente desenxabida. Grandes brincos pendentes e um colar indiano.
- Mas não ficam bem com o vestido – objectara eu.
As raparigas olharam para mim como se eu fosse estúpida.
- E o objectivo deste exercício é? – perguntou a Marlene.
Quando acabaram, eu parecia um saco de batatas velho. Com pernas peludas.
- Estás horrível – dissera o James com ar aprovador quando desci as escadas e atravessei o vestíbulo como um pato. Um pato de ombros arredondados.
- Sim, como a Waynetta Slob do espectáculo do Harry Enfield – gracejou o Lal.
- Quero tirar as fotografias no jardim das traseiras junto dos caixotes do lixo – informou o James.
- O quê, como se eu fosse sucata? – perguntei.
O James lançou-me um olhar como a dizer «sim» e depois sorriu. – Não estás assim tão mal – afirmou. – Esse vestido é que te faz parecer uma mastronça.
- Mas os caixotes por detrás transmitem uma espécie de mensagem subliminar, como se eu fosse um monte de lixo – lamentei.
- Sim – confirmou o James. – Exactamente. Na aula de cinema, temos andado a estudar tudo sobre o modo como as imagens circundantes se registam no subconsciente e podem reforçar o que estamos a tentar dizer sem as pessoas se aperceberem.
- De que estão para aí a falar? – indagou a Lucy. Bocejou como se estivesse aborrecida de morte, mas achei interessante aquilo que ele estava a dizer.
Divertimo-nos imenso enquanto o James me fotografava e adoptei as expressões faciais e as posições menos atraentes que conseguia.
A certa altura, o senhor e a senhora Potter vieram ver o que estávamos a fazer. Observaram-nos durante alguns momentos enquanto eu me contorcia para a máquina na posição de lutador de sumo e depois ensaiando alguns golpes de karaté. Fizeram um ar muito intrigado quando ouviram o James dizer com sotaque francês:
- E procura ficar o mais infeliz possível. Como se o teu con tivesse acabado de morrer e fosse para o céu dos cons avec les autres chiens. É isso. Eh bien. Maravelleuse mon legume feio… Diabel de facto, o queixo para cima, o queixo para baixo. Mais oui, bien sûr. Dégoûtantamont.
As línguas não eram, decididamente, o seu forte, pensei, enquanto os pais encolhiam os ombros e voltavam para dentro de casa.
A segunda parte da transformação não foi divertida. Oh, não, não, de maneira nenhuma. As raparigas estavam a levá-la a sério. Tipo mega-sério. Estavam numa missão de transformação florescente.
Fui depilada com pinça e cera, massajada, hidratada, cabelo amaciado, mãos e pés arranjados, cabelo seco, maquilhada, transformada e vestida.
- Pronto, já podes olhar – anunciou a Marlene, retirando o seu roupão do espelho onde o colocara para eu não me poder ver.
A imagem de uma boneca Barbei ruiva olhou-me. Usava um dos vestidos da Marlene, curto, . A Marlene arranjara-me o cabelo, solto e fluido sobre os ombros, blush e bâton cor de ferrugem.
- Irás ao baile, Cinderela – afirmou a Marlene. – Estás fantástica.
- Sim, uma brasa – acrescentou a Lucy. – Gostas?
Não tinha a certeza. Estava bem. E tinha de reconhecer que as minhas pernas pareciam mesmo altas. Mas não tinha a certeza de ser eu parecendo tanto uma rapariga. Reparem, não sabia quem eu era.
- Que te parece, Izzie?
- Cuidado, rapazes – cantarolou ela. – Há uma nova miúda na cidade.
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A mãe da Marlene deu-nos boleia até Hampstead High Street onde íamos encontar com o James para fazer as fotografias do «depois».
Deixou-nos a meio da Heath Street e, ao sairmos do carro, alguém deu um longo assobio de espanto. Olhei para ver de onde vinha e ali estava Sirius, com um grupo de amigos, sentado cá fora a uma mesa do Café Nero.
- Lily Evans! Ena, ena – exclamou enquanto me olhava de alto a baixo, depois outra vez e, por fim, os seus olhos pousaram nas minhas pernas. – És uma rapariga.
- Uhaiuh – gaguejei ao reparar que todos os outros rapazes da mesa arregalavam os olhos para mim. Sentia-me exposta ali de pé com o meu vestido mais curto que curto e sem ter a certeza de gostar da atenção que estava a receber. Todos me fitavam e não havia onde me esconder. Até um velho de cinquenta anos ficou embasbacado ao passar. É bem feito, pensei, ao vê-lo chocar com uma mulher com um cão e ficar preso na trela.
O Sirius pegou-me a mão e apresentou-nos aos seus amigos. Parecia estar a divertir-se imenso. Depois, olhou encantado para a Marlene, fingindo que a conhecia há muito tempo. Todos os colegas se riram quando ela o afastou, dizendo:
- Continua a sonhar.
No entanto, ele não pareceu importar-se. De facto, acho que tomou aquilo como um convite.
A Lucy reparou no James que descia a rua e acenou. Ele acenou também e, quando me viu, deu um assobio lento e baixo.
- Vejo que fizeram uma transformação espectacular – disse.
- Ena – comentei com Izzie enquanto andávamos, ou antes, eles caminhavam e eu vacilava. – É realmente assim tão simples? Um pouco de bâton, saltos altos, mostrar as pernas e os rapazes transformam-se me gelatinas?
A Izzie assentiu. – E ainda mais se mostrares um pouco do decote. É espantoso vê-los. De gritos. Vês as faces dos rapazes a contorcerem-se com o esforço de não olharem para o teu peito, mas os olhos continuam a ir para lá como se atraídos por um íman invisível.
- Eu não tenho esse problema – comentou a Lucy -, pois uso um 32 triplo A.
- Os irmãos da Lucy chamam-lhe Nancy-Sem-Mamas – confidenciou a Marlene.
- Nem todas podemos ser a Dolly Parton como tu – riu-se a Lucy, batendo-lhe no braço.
Descemos até ao fim da Heath Street com o Siruis e os seus colegas atrás de nós e sentámo-nos a uma mesa no exterior de House on the Hill. A Marlene pediu bebidas e o James tirou algumas fotografias, dizendo que queria que parecessem naturais e não estudadas. Desta vez, não tive de fazer muito, ele é que fez todo o trabalho. Estava agora muito mais calado, e já não agia como louco varrido como fizera de manhã. Não foi tão divertido. De facto, parecia querer acabar com aquilo como se tivesse perdido o interesse.
- Por que escolheste Hampstead para as fotografias do «depois»? – perguntei numa tentativa para o fazer falar.
- Local na moda. É elegante. Rico – explicou, calando-se a seguir.
Não ficou ali depois de tirar as fotografias e resmungou qualquer coisa sobre ter de ir embora para terminar os trabalhos de casa.
Algo o perturbara claramente desde a manhã. Estava mesmo apagado. Tenho de perguntar à Lucy se sabe porquê.
De: Lily
Para: Hannah
Data: 24 de Juhno
Assunto: O novo moi
Olá, Hannahlulu
Tive um dia fabuloso hoje, com a transformação. O James tirou fotografias com a sua nova máquina. Vou mandar-te cópias. A Marlene fez-me parecer muito rapariga, mas não tenho a certeza de ser eu. Senti-me desconfortável por várias razões. Nunca me apercebi de que se pode ser invisível com roupas grandes e largas e ninguém reparar. É seguro. Mas ao sair hoje para Hampstead todos olhavam. Senti-me exposta. A Marlene disse «mostra o que vales, amiga» mas as pessoas agem de forma diferente se o fizeres. As raparigas podem tornar-se más. Os rapazes ficam perturbados. O Sirius ficou de olhos arregalados para mim. Mas sobretudo as pessoas ficaram a olhar. Não estou certa de ter gostado. Por falar nisso, demos com a Wendy Roberts a sair da Accessorize. Olhou-me por duas vezes quando me viu e quase cuspiu o Magnum. Depois acrescentou que, vestida como eu estva, iria longe, quando mais longe melhor. Não sei como interpretar a sua reacção.
Falo em breve
Beijinhos, Lily
Ps: Sim, sim. Manda mais títulos de livros pois vou decididamente pôr alguns na revista. Partes do Corpo de Anne Atomy. [Anatomia]
De: Hannah
Para: Lily
Data: 24 de Junho
Assunto: O novo vous
Olé, le pateta batata baby
Acho que a palavra certa para descrever a reacção da Wendy é inveja. Meu Deus, gostava de lá ter estado para ver. E a ti. Tenho saudades de Hampstead e Highgate e de conviver convosco. Aposto que estavas o máximo. Não te preocupes por pareceres muito rapariga. Encontrarás o teu estilo. Hoje, foi só o início de Lily como Rainha do Sexo do Norte de Londres. Lembra-te de que Confúcio diz que toda a viagem começa com o primeiro passo. Isto é, a não ser que o passa seja para o lado ou para trás.
Este fim-de-semana, fui à casa fina de Remus avec piscina. Algum consolo por perder a TerradasRaparigas.
Que os teus beijos sejam poderosos
HannahXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
De: Hannah
Para: Lily
Data: 24 de Junho
Assunto: Nááá James????
Hã, descuuulpa??? Mas acabei de reler o teu e-mail. Tens-me escondido alguma coisa? Mais sobre o James? Pormenores? Altura? Peso? Grau de atracção? Etc. etc.
Immediatetment.
Hannah
De: Lily
Para: Hannah
Data: 24 de Junho
Assunto: Nááá James????
Muitos beijos. Já te contei. O irmão mais velho da Lucy. Gostar dele. Acho que é atraente, mas não de cair para o lado como o Sirius, por quem acho que estou apaixonada. E, por fim, reparou que sou uma rapariga. Com o James é diferente. É fácil falar com ele. Não fico esquisita quando está perto. É um amigo.
Lily
Livro: Peitos Estranhos de Won Hung Low [Quero ficar pendurado]
De: Hannah
Para: Lily
Data: 24 de Junho
Assunto: Nááá James????
Zoot allors. Beija-o de qualquer maneira e ganha alguma prática!
HXXXXX
Livro: Problemas com a Bebida de Imorf Mihead [Estou descvairada!]
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