Segredos
8. Segredos
- Lily! Lily! – chamou a mãe, em grande alvoroço, ao entrar pela porta. – Onde estás?
- Aqui – gritei do andar de cima onde me esforçava por começar a trabalhar algumas ideias para a revista da escola. Até agora, escrevera uma palavra. Ui.
Era sexta-feira à noite e, dentro de meia hora, ia para casa da Marlene passar a noite. Estava programada uma noite de cultura. Os Simpsons e Buff no Sky, depois EastEnders, Friends e South Park.
A mãe entrou com um saco de compras enorme e deixou-se cair em cima da cama. Parecia muito contente consigo própria.
- Não consegui resistir – anunciou, tirando do saco algo embrulhado em papel. Era um vestido abaixo do joelho com um turbilhão de flores cor de ferrugem, castanho-avermelhadas e cor de laranja.
- Que tal? – perguntou-me.
A palavra «repugnante» veio-me à ideia, embora talvez fosse bonito naquele género de tecido-cortinado-chita-vivenda.
- Não é o do teu género habitual, mãe – disse eu, pensando que estava a ser diplomática. A mãe nunca liga à moda, mas o seu estilo é mais simples que florido. Jaeger e Country Casuals para o trabalho e fatos de treino descontraídos para o fim-de-semana. E a sua ideia de fazer um esforço para se arranjar é usar um colar de contas de vidro azul. Mesmo que seja com o fato de treino.
- Não é para mim, tonta – esclareceu a mãe. – É para ti.
O quê? Não. Mas é horrível, pensei.
- É lindo, não é? Vi-o numa pequena loja em frente ao hospital e lembrei-me do que disseste sobre quereres parecer mais rapariga. Perfeito, pensei. Descrevi-te à senhora da loja, dizendo que eras ruiva e tinhas os olhos verdes, e ela informou-me de que deverias ser uma Outono e que te ficariam bem as cores castanhas e ferrugem – prosseguiu a mãe, sem respirar. – Custou uma fortuna, mas não dizemos nada ao pai. Já era altura de teres uma coisa bonita. Que achas?
Estava tão encantada com a sua compra que não tive coragem de a magoar.
- Não tenho palavras – respondi com a verdade.
- Eu sabia que ias adorar. Podes levá-lo para ir a casa da tua nova amiga, não podes? Experimenta-o, experimenta-o.
Sorri ao de leve enquanto tentava, desesperadamente, descobrir algo para dizer. Hum? Como me safo desta?
Dez minutos depois, estava na cozinha já com o vestido e ainda a pensar, literalmente, como sair daquilo. É claro que tinha de ser nesse preciso momento que o Sirius bateu à porta das traseiras.
- Boa noite a todos – saudou, entrando e fazendo festas ao Mojo, que saltou para o receber. Então, viu-me. – Ui. Vais a uma festa de máscaras?
- Chiiiu! – disse eu. – A mãe está lá em cima. Comprou-o para mim.
- Para quê, para usar?
- Não. Para assustar os ladrões. Sim, para usar.
O Sirius fez uma careta.
- Ficas estranha. Como se estivesses n’Os Waltons.
- Muito obrigada. Como é que saio disto?
O Sirius foi trás de mim, pôs-me as mãos na cintura e encostou o nariz ao meu pescoço. – Ora aí está uma coisa em que sou bom, a ajudar as raparigas a despirem-se.
Começou a afagar-me o cabelo e depois a mexer no fecho. – Agora, miss Evans – murmurou -, não acho sinceramente, que este seja o seu estilo. Deixe-me ajudá-la a sair dele para algo … mais… confortável.
Ri-me e bati-lhe, esperando que não me visse corar. Mordiscou-me o pescoço e eu senti-me toda trémula por dentro. Agradável.
- Uhaiuh iunaní – comecei a dizer, depois respirei fundo e esforcei-me por recordar que era o Sirius, pelo amor de Deus. – Agora a sério – disse eu, virando-me para que ele não pudesse ver a minha cara corada. – Esta noite vou dormir a casa de uma nova amiga e não posso usar isto de maneira nenhuma. Ela vai achá-lo completamente fora de moda.
- Que nova amiga?
- Oh – lembrei-me, de repente, que ele gostava da Marlene. – Hã… a nova amiga Marlene McKinnon.
- Estás a brincar. A Marly? Por que não me disseste? Quando aconteceu isso? Pensei que tinhas dito que era uma cabeça-no-ar.
- Bem, estava enganada. É muito simpática, na verdade.
O Sirius deu um murro no ar. – Yes! Prometes, prometes, prometes falar-lhe de mim? Ou melhor ainda, podias trazê-la aqui e eu podia, tipo, aparecer por acaso e tu apresentava-nos.
Acho que podia, pensei, observando o Sirius enquanto ele atravessava o vestíbulo e olhava para o espelho. Gostava que, um dia, um rapaz se sentisse assim entusiasmado por mim. E para minha grande surpresa, dei comigo a pensar que gostava que o Sirius se sentisse assim entusiasmado por mim.
Quando chegou a altura de sair, tinha um plano.
Desci até à cozinha com o meu fato de treino habitual e ténis, encontrando a mãe a cortar pimentos e cebolas na bancada.
- Não posso usar o vestido esta noite, mãe. Vou passar por casa da Lucy e eles têm dois cães enormes. Labradores. Muito peludos. Sempre a perder pêlo. O tipo de cães que saltam para cima de nós. Com umas garras enormes e patas enlameadas e gostam de morder tudo. Destruiriam o meu vestido. Importas-te de que o ponha de parte para uma ocasião especial? (Ocasião especial como a Noite das Fogueiras e visto-o num boneco para ser queimado, pensei.)
- Com certeza – concordou a mãe. – Tens a certeza de que gostas dele?
Estava a dar-me uma saída? Ia abrir a boca para dizer não, detesto-o…
- Porque também têm em cor-de-rosa – acrescentou.
Ai. Ai. Airama.
Mas tarde, pensei, enquanto me dirigia para a porta. Resolvo isto mais tarde.
- Trouxeste o pijama? – perguntou a Marlene, fechando a porta da frente atrás de nós. Estava fantástica com um conjunto azul claro com as palavras «Cool Girl» no peito.
Assenti enquanto ela me conduzia através de uma sala de tectos altos, paredes vermelho-escuro e sofás de veludo castanho. Impressionante, pensei, enquanto observava a mistura de madeira escura e tapetes que pareciam turcos e marroquinos.
A Izzie e a Lucy já lá estavam, enroscadas para a nossa noite de televisão e ambas me acenaram. A Izzie usava um pijama de flanela vermelha com uma ovelha fofa e a Lucy tinha um branco cheio de estrelas e luas. Acenei-lhes e esperei que não notassem como me sentia nervosa. O apartamento da Marlene era tão bonito que tinha receio de que, quando me fossem visitar, achassem a minha casa megaenfadonha.
- Podes mudar de roupa ali – apontou a Marlene, mostrando-me um vestiário no vestíbulo. – Não está cá ninguém. O Tony fica em casa de um amigo e os meus pais foram jantar fora. A mãe diz que podemos encomendar pizzas. Qual é a tua preferida?
- Quatro queijos. Por favor – respondi enquanto fechava a porta do vestiário atrás de mim.
- Sai uma de quatro formaggi – gritou a Marlene.
O meu pijama parecia tão desenxabido quando o tirei do saco. Uma coisa cinzento-pálida para cima e calças a condizer.
- O espectáculo pode começar – anunciou a Izzie, passando-me as Pringles.
Depois de acabarmos de ver South Park e de devorarmos batatas fritas, pizza, chocolate e gelado, o verdadeiro divertimento começou. A Marlene pôs um vídeo Riverdance. Depois de nos fartarmos de dançar durante quinze minutos, caímos todas no sofá e elas falaram de tudo: música, revistas, mexericos da escola, horóscopos e, por fim, rapazes.
Enquanto elas tagarelavam, pintámos as unhas dos pés umas às outras. Eu ointei as da Marlene de púrpura-escuro e ela pintou as minhas da mesma cor. A Izzie pintou as da Lucy de azul-pálido e esta pintou as da Iz de vermelho. Nenhuma delas se parecia importar por eu não falar muito. Estava feliz por me sentar e gozar aquilo tudo.
A Marlene foi o máximo e mostrou ser muito experiente com rapazes. Teve montes de namorados. Pelo menos oito. Talvez mais, perdi-lhes a conta. E parece ser perita em marmelada.
A Izzie é simplesmete fantástica. Sabe montes de coisas interessantes, não só sobre horóscopos mas também sobre medicina alternativa, alimentação, nutrição, aromaterapia, cristais e feitiçaria. E está também numa banda com o namorado. Este chama-se Bem e a banda King Noz. Cantou-nos uma canção que ela própria escrevera. Tem uma voz espantosa.
E a Lucy. A Lucy é amorosa. É amável. Estava sempre a verificar se eu tinha o suficiente para beber e comer. E se eu estava confortável. Se precisava de outra almofada.
Todas me fizeram sentir tão bem-vinda que suponho que fosse inevitável, no fim, apontarem-me o holofote.
- Então, Lily, há alguém de quem tu gostes?
Abanei a cabeça. – Nem por isso.
- Então por que coraste? – perguntou a Marlene.
-Marlene! – advertiu a Lucy.
- O que é? O que é?
- Deixa-a dizer quando ela quiser – aconselhou a Izzie.
Decidi atirar-me de cabeça. Tinham sido todas tão abertas comigo que senti que devia fazer o mesmo com elas.
- Bem, acho que há um rapaz – comecei. – Conheço-o há muito tempo, mas ele trata-me mais como um rapaz do que como uma rapariga.
- Sabe que gostas dele? – perguntou a Lucy.
- Nãããão. De facto – esclareci, olhando para a Marlene – ele gosta é de ti.
- De mim?
- Sim, viu-te no Hollywood Bowl e pediu-me que te falasse dele. A Marlene pareceu surpreendida. – Como se chama?
- Sirius Black.
- Não o conheço – afirmou a Marlene. – E, de qualquer forma tenho namorado.
- Um rapaz fino – brincou a Lucy.
- Simon Peddington Lee – declarou a Izzie, imitando a voz da Rainha.
- Neste momento, está a estudar fora daqui – explicou a Marlene -, mas falamos ou mandamos mensagens quase todos os dias. Em breve virá cá passar as férias do Verão. E, de qualquer maneira, não roubo os namorados das outras raparigas.
- Ele não é meu namorado.
- Ainda não – frisou a Marlene. – Seja como for, viste-o primeiro e, por isso, para mim isso significa que é teu quer ele saiba quer não.
- Talvez devesses fazer-lhe saber que gostas dele – sugeriu a Iz.
- Nãããão. Não posso. Não. Não compreendem. Isso estragaria tudo. Conheço-o há tanto tempo que não fico de língua presa como acontece com os rapazes que gosto.
- Deste-te bem com os meus irmãos – lembrou a Lucy.
- Sim. Mas isso foi diferente.
- Ah, não gostas do James, é isso?
- Não. Sim. Não sei. Não pensei nisso. Parecia tão natural estar em vossa casa que me esqueci de que era um rapaz. E, bem… aconteceu que começámos com o pé direito. Ganhei o braço-de-ferro e continuou tudo bem.
- Então, começaste com o braço direito – riu-se a Lucy. – Não com o pé.
Decidi contar-lhes tudo. – Sabem, eu consigo atirar um rapaz ao chão com um golpe de karaté e pôr-lhe um pé no pescoço, nas calmas, mas a ideia de ter de beijar um deixa-me aterrorizada.
- Ah… - disse a Lucy. – Estou a perceber.
- Tens de fazer como a Buffy – interveio a Izzie. – Tipo num minuto está a beijar Angel, no minuto seguinte está a pulverizar vampiros. É uma questão de equilíbrio.
- Certo – concordei, sentindo-me mais confusa do que nunca.
Via-se que a Marlene estava a rebentar para dizer alguma coisa.
- O que é? – perguntei-lhe.
- Nada.
- Despeja. Eu aguento.
- Não. Nada. Bem. E se…? Não… nada…
- Oh, pelo amor de Deus, Marlene. Despeja o saco – pediu a Izzie.
- Bem – começou a Marlene. – Que tal se não disseres ao Sirius que gostas dele? Que tal se conseguires que ele goste de ti?
- Ah – retorqui. – E como se consegue fazer isso?
Sabia exactamente o que ela tinha em mente, mas apeteceu-me brincar um bocado com a situação.
- Hã… - hesitou, olhando com ansiedade para a Lucy. – Não sei bem…
Decidi ajudá-la. – Ainda queres fazer-se uma transformação, não queres?
- Hã, não – respondeu com uma rápida olhadela à Lucy.
- Achas que pareço uma mastronça, não achas?
- NÃO. Nunca disse isso!
Agora, a Marlene parecia mesmo preocupada. A Lucy pode ser pequena de estatura, mas é obviamente grande para a Marlene. – Não. Não. Acho que és fantástica. Oh, está bem… Acho que podias ficar mais fantástica. Com uma transformação. É tudo. E agora vais detestar-me. E pensar que sou má porque quero ajudar. E a Lucy vai começar a falar da minha língua afiada. E de que nunca sei quando parar…
Ri-me. – Estou apenas a brincar contigo. Não, por favor, faz isso. Para dizer a verdade, olhei para mim própria ao espelho esta manhã com o vestido infernal que a minha mãe me comprou e pensei: «Lily, precisas de ajuda.» Gostaria que me fizesses uma transformação. Utilizá-la-ei na revista. E… alguém tem uma caneta? Tive uma ideia para um artigo. Um Relatório Especial de uma Noite Passada em Casa de Amiga.
A Marlene deu-me uma caneta e papel que tirou da gaveta da escrevininha por trás do sofá. Depois, segurou-me na cara com as mãos e virou-a de perfil e novamente para a frente. Em seguida, bateu as palmas e iniciou a sua actuação teatral:
- Uma trrrans-formação. Oh, queriiida, vamos trrransformá-la para ficar faaaabulosa.
Ui, pensei. Em que me fui meter?
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Relatório Especial de Noite Passada em Casa de Amiga
Já pensou no que torna perfeita uma noite passada em casa de amiga? A Sério perguntou a quatro adolescentes as suas principais dicas e ingredientes preferidos. Aqui está o que elas disseram:
Ingredientes principais:
1. Petiscos para comer
2. Bebidas
3. Vídeos
4. Música
5. Maquilhagem para transformações
6. Revistas
Relatório Especial no Local
Izzie Williams. 14. Sagitário. Finchley. Londres
Coisa preferida para fazer nas noites passadas em casa de amigas? Mexericos. Ouvir música. Petiscos.
Música preferida para noite passada em casa de amigas? Anastacia. Christina Aguilera.
Vídeo preferido? Austin Powers 2. Ié, baby, ié.
Petisco preferido? Bolachas choc-chip. Doritos.
Bebida preferida? Sumo de flor-de-sabugueiro biológico.
Marlene McKinnon. 14. Leão. Highgate. Londres.
Coisa preferida para fazer nas noites passadas em casa de amigas? Dançar. Ler a página dos problemas nas revistas e rir à gargalhada. Transformações.
Música preferida para noite passada em casa de amigas? Destiny’s Child. Craig David.
Vídeo preferido? Os Anjos de Charlie ou Scream.
Petisco preferido? Pizza Nettuno com queijo extra. Häagen Dazs.
Bebida preferida? Coke.
Lucy Potter. 15. Gémeos. Muswell Hill. Londres.
Coisa preferida para fazer nas noites passadas em casa de amigas? Falar sobre marmelada e rapazes.
Música preferida para noite passada em casa de amigas? Robbieee.
Vídeo preferido? Titanis. Sou o Rei do Muuuuundo.
Petisco preferido? Pronto-a-comer chinês. Mmm. Häagen Dazs noz-pecã.
Bebida preferida? Chocolate quente feito com leite e alteia.
Lily Evans. 15. Aquário. Muswell Hill. Londres.
Coisa preferida para fazer nas noites passadas em casa de amigas? Descontrair. Rir à gargalhada.
Música preferida para noite passada em casa de amigas? CD de Verão Top of the Pops.
Vídeo preferido? South Park Christmas Special com Mr Stinky the Christmas Poo.
Petisco preferido? Burger e batatas fritas. Pipocas com caramelo.
Bebida preferida? Batido de leite com banana e gelado de baunilha.
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