Os Enrugados



3. Os Enrugados


- Aproximem-se – disse a mãe enquanto nos enquadrava com a máquina fotográfica no jardim das traseiras. – Põe a mão no ombro do Paul, Richard. E tenta parecer que gostas um pouco dele.
O pai movimentou-se atrás de nós e depois, finalmente, pousou a mão no ombro do Paul. – Talvez fosse mais apropriado se o Paul pusesse a mão no meu bolso – resmungou.
- Oh, pelo amor de Deus – exclamou a mãe. – Já chega. Defendeste as tuas ideias ao almoço. Este é o nosso último dia juntos em família antes de o Paul partir para Goa. Tenta agir como um adulto.
O Paul e eu tentámos conter o riso enquanto o pai olhava para o relvado como um estudante comprometido. Um verdadeiro feito visto que ele anda pelos sessenta, mas a mãe é capaz de ser Mãe Aterradora para o Pai Aterrador quando quer. Fica com um olhar que sabemos que não nos podemos meter com ela. A Hannah costumava chamar aos meus pais os Enrugados por serem tão velhos. A mãe teve-me quando tinha quarenta e cinco anos e o pai, cinquenta e três. Pensavam que já não teriam mais filhos depois do Paul. Então, sete anos depois, veio esta vossa amiga. Acho que fui o que se costuma chamar, em termos de nascimento, Uma Surpresa ou Um Engano. O que quer que isso seja. Tudo o que sei é que tenho os pais mais velhos da escola. Costumava ficar embaraçada quando via todas aquelas jovens mães de T-shirts e calças de ganga à espera no fim da escola e depois aparecia a minha mãe ou o meu pai com as suas roupas confortáveis parecendo mais meus avós. Comecei a dizer às pessoas que a mãe e o pai tinham sido raptados por alienígenas num Verão e mantidos durante dois dias para uma experiência na sua nave espacial. O trauma fizera-lhes embranquecer o cabelo e tinham envelhecido antes do tempo. Uma rapariga da minha turma acreditou mesmo nisto.
A mãe tirou a fotografia e o pai dirigiu-se para o carro.
Lá se ia o último dia juntos em família antes da viagem do Paul, pensei, enquanto observava o pai a recuar o seu Mercedes pelo caminho e a acelerar para o clube de golfe.
Os restantes voltaram para dentro e o Paul e eu começámos a levantar a mesa. O almoço fora tenso com o pai a dar-me um sermão sobre «a importância das habilitações» e «uma boa carreira implica um bom começo de vida». Era óbvio que se dirigia ao Paul, mas tentei parecer que concordava com tudo o que o pai dizia. Tudo para manter a paz.
Depois, começou a falar do que lhe custara a ida do Paul para a Universidade. Que desperdício fora.
- Eu pago-lhe tudo – prometeu o Paul. – A sério.
- Não é o dinheiro – ripostou o pai. – Quero que sejas feliz.
- Eu vou ser feliz – afirmou o Paul. – Sou feliz. Quero ver o mundo. Saborear a vida. Vai ser fantástico.
- Bem, pelo menos deixa-me dar-te alguns medicamentos úteis para a viagem – disse o pai.
O Paul suspirou. – Já tenho, pai. Não se preocupe.
O pai não pareceu convencido e, por momentos, tive pena dele. Normalmente, não parece ter a idade que tem, mas hoje parecia. Estava triste e um pouco cansado. Por vezes, não consegue aceitar que as pessoas tenham planos próprios para as suas vidas. Está tão habituado a ser obedecido no hospital que pensa que vai ser assim em casa. Pobre Pai Aterrador. Acho que ele tem boas intenções.
Depois de pôr a loiça na máquina, a mãe foi regar as plantas do pátio e o Paul e eu fomos para a sala. O Paul deixou-se cair no sofá e começou a folhear os jornais de domingo. No fundo da pilha estava a revista da nossa escola que ele começou a ler.
- Aqui, há montes de coisas que podes fazer – comentou, passado um tempo. – Arte, teatro, canto. Ter um passatempo seria uma boa forma de fazer novas amigas.
- Pareces o pai – observei, sentando-me ao seu lado e estendendo as pernas em cima da mesa de chá – a organizar a minha vida. De qualquer forma, tenho montes de passatempos. Ténis, futebol, karaté.
- Parece-me que nessas coisas encontras montes de rapazes e não raparigas.
- Não sejas sexista. As raparigas também fazem essas coisas.
- Oh, desculpa. Não sabia que eras feminista – gracejou.
- E não sou. Apenas acho que as mulheres são a raça superior – gracejei.
- Oh olha, tu estás aqui – apontou o Paul ao deparar com a fotografia da nossa turma. – E a Hannah.
- Foi tirada logo depois da Páscoa – informei, olhando por cima do seu ombro. – Estou horrível.
- Não estás nada. Como são as outras raparigas?
- Ó meu Deus. De todos os géneros.
Apontei para algumas das raparigas da fotografia. – Estás são a Alice e a Lottie. Dou-me bem com elas. Estavam no futebol ontem. Essas três são crânios, essas duas maluquinhas dos computadores, a Jade e a Candice são cábulas que gostam de se baldar, a Mary e a Emma são desportistas, a Wendy é um bocado chata.
- Então, com quem costumas andar?
- Bem, com a Hannah antes de ir embora, obviamente. E agora um pouco com a Alice e a Lottie, mas, na verdade, já andavam juntas. Estou no grupo dos crânios, visto que sou regra geral, a primeira da turma em tudo. Excepto em Matemática. Detesto Matemática.
O Paul continuou a estudar a fotografia.
- Olha, esta parece simpática – obsevou. – Quem é ela?
- Meu Deus, estava-se mesmo a ver! – exclamei quando vi para quem ele apontava. É a Marlene McKinnon. Apenas a rapariga mais atraente da nossa escola.
- Pois. Bem. Então, quem são as suas amigas?
Apontei para a Lucy Potter e Izzie Williams.
- Parecem divertidas. Fala-me delas.
- Não há muito a dizer. Não as conheço muito bem fora da escola. Não jogam futebol, nem fazem nada daquilo que eu faço. Na escola, estão mais ou menos no meio. Populares. Nem demasiado marronas, nem demasiado rebeldes, embora a Izzie, por vezes, faça realmente muitas perguntas nas aulas. Uma professora chamou-lhe a Izzie «porquê?» Williams. Mas todos gostam da Marlene, isso eu sei. Até o Sirius, o da casa ao lado. Está no grupo de teatro e acho que quer ser actriz. Provavelmente, está por completo obcecada consigo própria. Alguém tão giro como ela tem de estar.
- Não necessariamente – sorriu o Paul. – Eu sou giro e não estou obcecado comigo próprio.
- E eu sou gira e não estou obcecada comigo própria – interveio a mãe, voltando para dentro com um ramo de rosas brancas que acabara de cortar. – Então, por que não te juntas a este grupo?
- Oh, não compreendes, mãe. Elas andam juntas. Nunca deixariam que alguém tão maçador como eu se juntasse a elas.
- Tu não és maçadora – frisou a mãe, tirando a revista ao Paul e procurando a página de trás.
- Não te dês ao trabalho de ler isso – disse eu. – Está completamente desactualizada e não tem graça nenhuma.
- Bem, aqui está a tua oportunidade de a mudar – objectou a mãe, devolvendo-ma.
- Que queres dizer?
- Aí, na página de trás. Li-a no outro dia quando lhe dei uma vista de olhos. Pensei que poderias estar interessada. Diz que procuram uma nova editora, porque a antiga se vai embora no final do ano. E querem torná-la mais uma revista que um boletim informativo. Candidaturas abertas a todas a partir do 9º ano. Tens apenas de fazer oito páginas como exemplo.
- Não estou interessada – rematei, colocando a revista de novo na pilha dos jornais.
- Mas queres ser escritora – lembrou o Paul. – Devias atirar-te a isto. Seria um bom treino.
- Ná, as pessoas já acham que sou uma marrona. Se me atirasse a isso, só me detestariam mais.
- Como queiras – concluiu a mãe. – Mas reparei que o Sam Denham vai fazer uma palestra para todas as interessadas.
- O Sam Denham? Onde vem isso?
- Ah! Então, de repente, já não é tão maçador – ironizou a mãe, pegando na revista e lendo a página de trás. - Segunda-feira, 11 de Junho, 4h30 na sala de reuniões principal. É amanhã. Vai falar sobre jornalismo. Diz aqui que ele começou na revista da escola.
O Sam Denham é um jornalista célebre e, embora seja velho, pelo menos nos seus trinta, ainda é giro, do tipo Ricky Martin. Põem-no sempre nos noticiários quando querem um opinião sobre qualquer coisa. Tem sempre algo de interessante ou divertido a dizer.
E vem à nossa escola?
- Talvez vá à palestra – decidi. – Mas apenas para ouvir.
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De: Lily
Para: Hannah
Data: 10 de Junho
Assunto: Boa noite

Olá Hannah,
Sinto-me infelicíssima. O meu irmão vai-se embora. Ele e a Saskia têm lugares reservados no voo nocturno para Goa amanhã. Ui, ui. Todos aqueles de quem gosto se vão embora.
Tenho de ir, escola de manhã.
Lily
A propósito, a nossa horrível revista procura uma nova editora e o Sam Denham vai à escola, amanhã, fazer uma palestra. Parece que começou na revista da escola.


De: Hannah
Para: Lily
Data: 10 de Junho
Assunto: Sam, o Maior

ACOOOOORDA
Desculpa? Disseste Sam Denham, o Sam Denham da televião? É o máximo. Mto, mto invejosa. Gostava de não ter saído do UK. Usa saia curta que mostre as pernas, pois são uma das tuas melhores características. E senta-te na fila da frente.
Lily, tens de concorrer a editora. Serias óptima. E afastarias as saudades minhas e do Paul. Já li sobre este de coisas nas revistas da mãe. As conselheiras sentimentais estão sempre a dizer às pessoas que «se mantenham ocupadas» e que «se atirem ao trabalho». Acho que isso é um achado. O teu destino. E achas que estás infelicíssima? Tenta pôr-te no meu lugar. Num novo país. Sem nenhuns amigos. Nem mesmo a Alice nem a Lottie. Não, menina, não sabes a sorte que tens, como diria o meu pai.
Com os meus cumprimentos.
A tua conselheira sentimental, Hannah
Ps: Mais alguns para a colecção de livros:
Queda no Abismo de Hugo Firts(1)
A Vingança do Gato de Claude Bottom(2)
Ão ão ão ão ão
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(1) – Trocadilho fonético entre o nome próprio e a expressão inglesa que significa «vai tu primeiro»
(2) - Trocadilho fonético entre o nome próprio e a expressão inglesa que significa «Arranha o traseiro»

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