Raparigas Alegres



2. Raparigas Alegres

- Eh, Lil – chamou Sirius Black da janela do seu quarto. – Espera, vou descer.

Antes que eu pudesse responder, a sua cabeça desapareceu e a janela fechou-se, pelo que me sentei no degrau da frente da nossa casa e esperei por ele. A família Black vive na casa ao lado desde que nos mudámos para aqui tinha eu sete anos e, por isso, o Sirius é como se fosse meu irmão., tal como o Paul. O Sirius é dois anos mais velho do que eu e ultimamente descobriu as raparigas. Ou antes, as raparigas descobriram-no. É giro e há, com frequência, um grupo de raparigas muito animadas junto do seu portão. O Sirius gostava de falar comigo das suas últimas conquistas e, sem dúvida, era isso que queria fazer agora.

- Lily – chamou a mãe, de dentro de casa. – Dentro de cinco minutos, o almoço está na mesa.

- Já vou – gritei. – Preciso falar um pouco com o Sirius.

Sentia-me contente por o Sirius vir ter comigo, pois estava a precisar muito de falar com alguém. Esperava que ele me distraísse para atenuar a sensação terrível que tinha no estômago. O Paul acabara de me contar que ia viajar com a namorada, a Saskia. Durante um ano ou talvez dois. A começar por Goa, depois talvez a Austrália e a Taiti. Primeiro a Hannah, agora o Paul. Que se estava a passar? As duas pessoas minhas preferidas a desaparecerem da minha vida em menos de dez dias.

- Por onde tens andado? – perguntou o Sirius, contornando o rododendro do nosso jardim da frente.

Abri a boca para dizer ‘futebol’, mas ele continuou antes de me dar tempo.

- Andei à tua procura por toda a parte.

- Ainda bem – repliquei. – Sabes que o Paul deixou de estudar e, bem, agora vai viajar. A Hannah foi-se embora. Eu…

- A sério? Fixe – respondeu o Sirius, olhando para o relógio.

Naaa, pensei. Não. Não é fixe. – Sirius, estás a ouvir?

- Sim. Claro. Mas primeiro preciso de te pedir um favor.

Suspirei. – O quê?

- Um encontro escaldante – continuou o Sirius com um sorriso. – Preciso de te pedir emprestada uma nota de cinco. Só por hoje. Devolvo-ta na próxima semana quando receber a minha mesada.

Pois sim, pensei, disseste isso na semana passada quando te emprestei duas libras. Mas não queria que ele pensasse que eu era forreta. Ninguém gosta de forretas. Tinha a certeza de que ele acabaria por devolver-me o dinheiro.

Remexi no saco de desporto, encontrei a carteira e tirei a nota de cinco do dinheiro de bolso que a minha mãe me dera naquela manhã.

- Obrigado – agradeceu o Sirius. – És uma compincha.

- Então, quem é a triste vítima esta tarde?

- A Jessica Hartley. É da tua escola.

Assenti. Conhecia bem a Jessica. Era difícil não reparar nela. Mesmo o tipo do Sirius, encantadora e muito feminina com cabelo louro comprido.

- Sim. Está um ano à minha frente. Anda no 10º ano. De qualquer forma, como estava a dizer, o Paul parte amanhã. A Hannah foi viver para longe e parece que…

- A propósito – interrompeu o Sirius -, por falar na tua escola. Conheces a Marlene McKinnon?

- Sim – respondi. – É da minha turma.

O Sirius ficou com ar de quem acabou de ganhar a lotaria. – Ena. Estás a brincar? Fantástico. Ela é tipo brasa de cinco estrelas. Podias dar-lhe uma palavrinha por mim?

Por qualquer razão, isto aborreceu-me. Quem pensava ele que eu era? Primeiro, o banco que gosta de dizer sim, agora uma agência de encontros?

- Então e a Jessica? – perguntei.

- o que tem a Jessica?

- Bem, se é tua namorada, ela gostaria que fizesses perguntas sobre a Marlene?

- Eh, a culpa não é minha – disse Sirius com um grande sorriso. – Tantas raparigas e só um eu.

O meu queixo caiu, mas depois apercebi-me de que ele estava a brincar. Pelo menos, acho que estava a brincar. Por vezes, agia como se acreditasse ser, realmente, uma dádiva de Deus para as mulheres.

- Oh, coitado de ti, tens de te repartir por nós, pobres raparigas desgraçadas – gracejei.

O Sirius riu-se. – Sabes, és mesmo fixe, Lil. É tão fácil falar contigo. Como se fosses um dos rapazes.

- Obrigada – respondi, sentindo-me contente com o elogio. Era fácil falar contigo? Talvez fosse isso. Não precisava de me preocupar com ficar com a língua presa ou dizer as coisas erradas. Não preciso de falar, apenas de ouvir. Talvez houvesse esperança para mim, afinal.

- A propósito da Marlene. Como ela é?

Saiu-me antes que o pudesse impedir. – Oh, uma completa cabeça-no-ar.

Senti-me um pouco mal ao dizer isto, pois, na realidade, não conheço a Marlene para além do facto de ser a rapariga mais bonita de toda a escola. Nunca andei muito com ela.

- Cabeça-no-ar está bem – disse o Sirius, sorrindo. – Também não é para falar que a quero.

- Sim, pois – concordei, sentindo-me de repente irritada. Talvez não fosse um grande elogio dizer que era fácil comigo? Oh, não sei. Rapazes. Confundem-me.

- Queres fazer braço-de-ferro? – perguntei.

O Sirius olhou-me como se eu tivesse enlouquecido. – O quê?

- Braço… oh, nada – respondi ao ver a Jessica cambaleando rua acima de saltos altos com presilhas. – A tua namorada chegou.

A Jessica apareceu junto ao portão e pareceu surpreendida ao ver-me. Estava fantástica, com um minúsculo top branco e calças de ganga brancas com brilhantes cosidos nas costuras.

- Olá – saudou Sirius, saltando e aproximando-se dela. – Estás óptima.

A Jessica fitou-me como se eu tivesse saído a rastejar de baixo de uma pedra.

- Obrigada – disse ela, acenando o polegar na minha direcção. – Irmã?

- Vizinha do lado – respondeu o Sirius. – Conhecem-se da escola, não é?

Sorri à Jessica, mas ela não retribuiu. – Não posso dizer que tenha reparado nela – respondeu. Depois, sacudindo o cabelo como se me dispensasse, voltou-se.

- Até depois – despediu-se o Sirius, piscando-me o olho. Pôs o braço em torno da Jessica e, aproximando-se, murmurou-lhe qualquer coisa ao ouvido.

A Jessica riu-se e desapareceram rua abaixo.

- Hã… prazer em conhecer-te também – gritei.

Ah, pensei. Podes julgar-te superior à vontade, Jessica Hartley, mas eu sei que os olhos do Sirius estão noutra pessoa. Uma semana e passarás à História. Toma. Mete isso na tua dieta de iogurte e engole.

Fiquei sentada mais um bocado. Lá se fora a minha conversa com o Sirius. O Paul ia partir e eu sentia-me infelicíssima. Com quem poderia falar? Com o Sirius era perder tempo.

- Lily – ouviu-se a voz da mãe. – Almoço. Na mesa. Já.

Ao levantar-me para entrar, vi o senhor Kershaw passar de novo com o Drule. O senhor. Kershaw tagarelava com o Drule e o cão olhava-o como se percebesse cada palavra.

É isso, pensei. Vou pedir à mãe um cão. Ela disse, há séculos, que podia ter um animal de estimação. Um melhor amigo do tipo peludo. Um que não abandone o país.

Por que não pensei nisso antes?

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e-mail: Outbox (1)

De: Lily

Para: Hannah

Data: 9 de Junho

Assunto: Blues do Norte de Londres

Olá, Hannah,

tenho imensas saudades tuas.

Ideia: por que não fugimos para Los Angeles? Posso escrever argumentos de filmes e tu podes ser bailarina.

Más notícias: a nossa equipa perdeu no futebol. Mas também tu eras a nossa melhor jogadora e, por isso, acho que era de esperar. Os teus pais não percebem a devastação que causaram a nível nacional ao levar-te para outro país?

O meu irmão Paul vai partir. Para Goa. Com a Saskia.

Ai. Ai. Airama. Estou a perder todos os meus amigos.

O Pai Aterrador está de muito mau humor. Não é culpa minha que o Paul queira tocar baixo e ser hippie em vez de medico.

Ambiente em casa horrível.

Boas notícias: bati aquele biltre do Malfoy no braço-de-ferro.

Ahahahahaha.

A mãe diz que posso ter um cão. Sugeriu que também tivesses um, se a tua mãe deixar, até te adaptares à escola. Cão – o melhor amigo do homem, etc. etc. Vamos procurar um no próximo fim-de-semana.

O Paul vai ficar esta noite. Hurra! E para o almoço de domingo. Depois, vai-se embora e eu ficarei Completamente Sozinha.

E adivinha? A Jessica Hartley, do 10º ano, namora com o Sirius. Mas ele gosta da Marlene McKinnon. Ahahahaha.

Se mais alguém disser ‘em breve farás novas amigas’, terei de o matar.

Estou a começar uma coleção de livros inventados de autores inventados. Por exemplo:

Camisaria Médica de Serge Icklestocking (1)

Gigantes Modernos de Hugh Mungous (2)

Por favor, manda contributos.

Adeus, por agora

Lily
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Ps: Confúcio diz: homem sem jardim da frente parece perdido.
(1) Trocadilho fonético entre o nome próprio e a expressão inglesa que significa ‘Meias cirúrgicas. ‘ (NT)

(2) Trocadilho fonético entre o nome próprio e a expressão inglesa que significa ‘Enorme’. (NT)
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e-mail: Inbox (1)

De: Hannah

Para: Lily

Data: 9 de Junho

Assunto: Cidade do Cabo é fixe

Hasta banana baby,

também tenho saudades tuas, megatola.

Coragem. Também é difícil para mim. É tudo tão diferente aqui. Devia ser Inverno, mas está calor calor CALOR. A Cidade do Cabo é super. Tens de nos vir visitar. Até agora subi a Table Mountain. Bastante fixe. Embora quente. Ahah. E fui à praia. Bastante quente, mas fixe. Ahaha. Há montes de praias aqui, toda a gente vai para lá. Os rapazes aqui parecem mais saudáveis do que os nossos. Todos bronzeados e com destes brancos. Embora também estúpidos se o vizinho do lado servir de exemplo. Chama-se Mark. É simpático, mas convidou-me para um churrasco em sua casa e come com a boca aberta e consegues ver a comida toda. Ui. Que nojo. Nunca terá sorte com ninguém se não aprender a comer como deve ser.

Títulos de livros. Hummm. Deixa-me pensar.

Está bem.

Chata como tudo de Lauren Gittis (3)

Ahahahahah

Chao bambina

Gosto de ti muchomucho

Hannah

Confúcio diz: quem diz que eu digo todas as coisas que dizem que digo?

Ão. Ão.
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(3) - Trocadilho fonético entre o nome próprio e a expressão inglesa que significa ‘Laringite’. (NT)
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