Noola, a Rapariga Alienígena



1.Noola, a Rapariga Alienígena

- Nós somos os campeões, nós somos os campeões – cantava um rapaz estúpido qualquer do lado de fora da janela do vestiário das raparigas.
- Não acham patético? - perguntou a Alice Jones enquanto aplicava nas pernas loção corporal com aroma a morango. - Batemo-los três semanas seguidas, eles ganham uma vez e acham que são o máximo.
- Sim – respondi enquanto puxava o cabelo para trás e o entrançava. – Hoje – acrescentei, erguendo a voz para que aquele rapaz estúpido me ouvisse lá fora – foi um mero deslize no de resto excelente desempenho da nossa equipa.
- Apoiado – responderam em coro o resto da equipa que se encontrava a mudar de roupa após o jogo de futebol.
- Vocês foi uma porcaria – gritou o rapaz estúpido.
Meti as minhas coisas no saco de desporto e saí para a encandeante luz do sol de Junho. Lá estava o rapaz estúpido… nomeadamente, Lucius Malfoy, guarda-redes da equipa dos rapazes.
- Estás a falar comigo? – perguntei.
Lucius tentou enfrentar-me, o que era difícil, visto que tenho um metro e sessenta e oito e ele é um zé-ninguém com um metro e sessenta.
- Sim – respondeu ele para o meu nariz.
- Nesse caso, importas-te de utilizar correctamente a gramática? Diz-se vocês foram uma porcaria e não vocês foi.
Lucius corou enquanto o grupo de rapazes que o rodeava ria à socapa.
Deitou-me a língua de fora.
- Oh – bocejei. – Como se eu tivesse muito medo.
Neste momento, a maior parte da equipa das raparigas já acabara de mudar de roupa e saíra para ver o que se passava. Era sempre a mesma coisa. Todos os sábados, depois do desafio, os jogos continuavam fora do campo, frequentemente com as raparigas a bombardear os rapazes com balões cheios de água das torneiras dos vestiários.
Peguei no meu saco para ir para casa. Já me fartara de tudo aquilo ao longo das últimas semanas. Tinha a certeza de que devia haver melhor forma de chamar a atenção de um rapaz do que molhá-lo com água.
De qualquer forma, era sábado, o que significava almoço com os pais. O pai insiste em que comamos juntos como ‘uma família’ nas raras vezes em que não está a trabalhar. Que família, penso eu? Até parece que tenho centenas de irmãos. Tenho apenas a Petunia, que tem vinte e seis anos e saiu de casa, há vários anos, para ir viver em Southampton e o Paul, que tem vinte e um e está a estudar em Bristol.
- Eh, Evans – chamou Lucius.
- O meu nome é Lily – respondi, voltando-me.
- Lily? Que nome é esse? – perguntou o Snape, um dos outros rapazes da equipa, rindo à socapa. – Lily. Flor lily.
Tentei pensar em qualquer coisa inteligente para dizes. – É o meu nome – respondi à falta de melhor.
- Está bem, então, Lily. Tu e eu – disse o Lucius, apontando para a mesa de piquenique junto ao campo de futebol. – Ali. Braço-de-ferro.
Ora isto era tentador. O braço-de-ferro era o meu maior talento. Deitei uma olhadela ao relógio. Tinha tempo.
- Está bem, Malfoy. Prepara-te para morrer.
Tomámos posição na mesa, frente um do outro, e ambos estendemos os braços com os cotovelos apoiados. Uma pequena multidão em breve se juntou à nossa volta quando agarrámos as mãos.
- Prontos – comandou Snape. – Atenção, PARTIDA.
Esforcei-me por manter o braço direito enquanto começávamos a fazer força.
- Vamos, Lily – gritavam as raparigas.
- Vamos, Lucius – gritaram os rapazes.
- Eh, Lily, está um tipo à tua procura junto ao vestiário dos rapazes – anunciou Amos, o capitão da equipa dos rapazes, ao juntar-se a nós.
- Boa tentativa – respondi, sem levantar o olhar. Não ia quebrar a minha concentração com o truque mais velho da História. Além disso, Amos era um Deus e eu, regra geral, dizia ou fazia algo estúpido quando um membro da superespécie se encontrava perto. Fiz o possível por me concentrar. A multidão à volta começava a ficar entusiasmada ao ver que eu mantinha o braço firme e que o de Lucius começava a enfraquecer.
- Mostra-lhe, Lily – incitou uma das raparigas.
Sentia a minha força a fraquejar enquanto Lucius lutava e o meu braço oscilava. Então, reuni toda a minha energia e pás, o braço de Lucius tombou sobre a mesa.
- Hurra! – aplaudiram as raparigas e depois começaram a cantar. – Nós somos as campeãs. Nós somos as campeãs. Campeãs, as campeãs, campeãs da Europa.
- Raparigas estúpidas – exclamou Lucius, esfregando a mão e tirando o cadeado da sua bicicleta. – De qualquer forma, nós ganhámos o futebol e isso é o realmente conta.
- Oh, cresce e aparece - gritei enquanto me afastava.
- Há realmente alguém à tua procura, Lily – informou Amos, aproximando-se e colocando a mão no meu ombro.
Ao virar-me e fitar os seus olhos azuis cor de ganga, o meu estômago deu uma volta.
- Não disse aquilo para te distrair. Ali, vês? – continuou. – Um tipo hippie de cabelo escuro e com um brinco.
Olhei para onde ele apontava e ali estava o meu irmão, Paul, a pouca distância.
- Nihingaiah – disse a Amos, que olhou para mim com ar zombeteiro.
Encolhi os ombros e virei-me na direcção do meu irmão, que me acenou. Não valia a pena explicar, pensei, enquanto me aproximava do Paul. O Amos nunca compreenderia como fico dominada por Noola, a Rapariga Alienígena, quando confrontada com rapazes bonitos. Não sabe muitas palavras. Apenas uhaiuh, iuneui e nihingaiah, que acho que querem dizer ‘oh, sim’ e ‘obrigada’ em dialecto alienígena.
- Olá, Lily – saudou-me o Paul, abraçando-me.
- Olá – respondi, abraçando-o também.
- Um bocado velho para ti, não é? – escarneceu o Lucius ao passar por nós na sua bicicleta.
- Vai bugiar, seu tarado – retorqui enquanto dava o braço ao Paul e o afastava da multidão. – É meu irmão.
O Paul sorriu e olhou para Lucius. – Parece que estou a interromper alguma coisa.
- Isso é que era bom.
- Vá lá, podes contar-me. Alguém especial?
- Apenas a vida pantanosa local – respondi. – Vens almoçar a casa?
- Sim – suspirou o Paul. – Más vibrações. Pensei escapar-me um bocado e vir ter contigo.
- O Pai Aterrador ainda está zangado contigo?
Paul assentiu. – E de que maneira. Pela forma como fala, qualquer pessoa pensaria que cometi um assassínio em vez de abandonar a Universidade. Mas sabes como ele é.
Oh, se sabia! De noite e de dia, eu e a mãe tínhamos de o ouvir sempre a falar… a falar… O Paul arruinou a sua vida. O Paul estragou a oportunidade de uma vida. O Paul desperdiçou o seu talento. Se ao menos o Paul fosse como a Petunia. Foi sempre um sonhador. Foi tudo demasiado fácil para ele. Que vai ser dele? Onde é que errámos?
A falar, a falar, a falar.
Sabem, o meu pai é um médico importante num hospital. A minha mãe é médica de clínica geral. Até a minha irmã Petunia é médica. O plano era que o Paul se juntaria ao clube, seguiria os passos de família. Porém, nunca o quis fazer. Queria ser músico. Começou por aceitar aquela coisa de médico. Teve boas notas. Entrou na Escola Médica. Frenquentou um ano. Fez um fim-de-semana do tipo tomada de consciência em Londres. Viu a luz ou qualquer coisa assim. Abandonou a Universidade. Deixou crescer o cabelo. Começou a falar gíria de auto-ajuda. Meteu-se na medicina alternativa e rejeitou praticamente tudo aquilo que o pai representava. Oh, oh.
O pai, furioso.
A mãe, triste.
Eu, no entanto, estou contente. Não porque ele esteja a passar um mau bocado, é claro. Tenho pena dele por ter de ouvir o pai, mas o pai também me tem na calha para ser médica. Ui, não obrigada. Demasiado sangue. Quero ser escritora e, por isso, espero que tudo isto com o Paul abra caminho para a minha eventual queda em desgraça.
- A sério. Parece que tinhas ali um monte de admiradores – disse o Paul, apontando para o campo de futebol.
- Ná – respondi. – Os rapazes nunca se interessam por mim.
- Pareceu-me que estavam muito interessados.
- Só porque sou campeã do braço-de-ferro – afirmei, sorrindo. – tinha de lhes mostrar como é, depois de termos perdido o futebol esta manhã.
O Paul deitou-me um olhar e suspirou. – Lily, és impossível. Acorda e cheira as hormonas, miúda. És, de longe, a rapariga mais bonita da equipa.
- Eu, bonita? Sim, pois. Não brinques comigo.
- Estou a falar a sério – garantiu ele, puxando-me a trança.
- Só dizes isso porque és meu irmão.
- Não – replicou. – Estás sempre a diminuir-te. Como se não conseguisses ver que és giríssima.
- Agora, sei que estás a brincar. Não conseguiria arranjar um rapaz mesmo que tentasse.
- Já tentaste?
Encolhi os ombros. – Hã, não sei. Nem por isso. Mas… é assim, ou falo alienígena, ou faço o meu numero de Miss Mandona e começo a corrigir-lhes a gramática. Quero dizer. Naaa. Que tem isto de sedutor? Ou então aterrorizo-os com a minha força sobre-humana. Sabes, humilho-os ganhando o braço-de-ferro. Muito feminino. Nem pensar. Parece que nunca me sai bem.
- Sairá, Lily – assegurou Paul, gentilmente.
- Mas quando? A maioria das raparigas do meu ano tem os lábios doridos de andar aos beijos. Eu? As únicas partes doridas que tenho são as nódoas negras onde algum rapaz me deu um pontapé num jogo de futebol. Sou um caso perdido. A Hannah era boa nesta coisa de rapazes. Costumavam gostar mesmo dela.
O Paul olhou-me com preocupação. – Lamento o que se passou com a Hannah. A mãe contou-me. Quando se foi embora?
- Há quinze dias – respondi enquanto os meus olhos se enchiam de lágrimas. Ainda me sentia magoada pela sua partida, mas estava decidida a não chorar como uma bebé em frente do Paul. A Hannah era a minha melhor amiga. E acabara de ir para a África do Sul. Sim, África do Sul. Não exactamente o tipo de local onde se pode saltar para um autocarro quando nos apetece conversar. Sentia imenso a sua falta.
- Em breve encontrarás novas amigas – disse Paul.
Ai. Se alguém me torna a dizer isso, acho que grito. De facto, se o Paul não fosse meu irmão, tinha-lhe dado um soco. As pessoas não compreendem. ‘Em breve encontrarás novas amigas’, como se se pudesse sair e comprar uma no supermercado.
- Não quero novas amigas – afirmei. – Quero que a Hannah volte.
A Hannah era única. Mesmo divertida. Sabia que nuca mais encontraria ninguém igual. Foi ela quem se lembrou da alcunha de Pai Aterrador para o meu pai. E com ela perto, os rapazes nunca reparavam que eu tinha a língua presa ou que estava pouco à vontade – a Hannah tagarelava o suficiente por ambas. Podia esconder-me atrás dela e os rapazes nunca percebiam que a minha indiferença era, na verdade, paralisia total.
Ao virarmos para a nossa rua, quase chocámos com o sr Kershaw no passeio, à nossa frente. Estava a passear o seu cão Drule. Ou antes, o Drule estava a passeá-lo a ele. O Drule é um grande lobo da Alsácia preto e o sr. Kershaw estava a ter dificuldades em segurar a trela.
- Mal pode esperar por ir ao parque – disse, sorrindo, enquanto o Drule o puxava para a frente.
Eu ri-me e voltei-me para entrar pelo nosso portão, mas o Paul impediu-me.
- Olha, Lily, não entres já. Não vim só para te acompanhar a casa. Tenho algo para dizer.
- O quê?
Enquanto ele se apoiava ora num pé, ora noutro, algo me disse que eu não ia gostar do que ele tinha a dizer.

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