Uma Parte Que Não Tinha
–Espero que você e a Mione venham amanhã. – dizia Gina no telefone. – Mamãe não vai perdoar se vocês faltarem.
Harry ficou sem jeito.
–Na verdade, eu não sei se eu estou mais junto da Mione.
–O que? Por que?
–Nós brigamos hoje de tarde...
–Ah, vocês sempre brigam e ficam bem. Não se preocupe. Espero vocês dois aqui nA’Toca hoje à noite.
Ele colocou o telefone no gancho e suspirou. O aparelho voltou a tocar.
–Alô? – disse, com a voz mal-humorada.
–Oi, querido? – era Hermione. – Como você está?
–Estou em carne viva. – respondeu, sinceramente. De certa forma, sentia-se extremamente feliz por estar escutando a voz dela.
*
Hermione fechou os olhos. Por que o sorriso dele tinha que vir em seu pensamento toda hora? Chegava até a irritar. Mérlin, se sentia tão assustada! Tão imponente diante das sensações que ele provocava nela...
Naquele instante percebeu que fora um erro fechar os olhos. Lágrimas vieram banhar-lhe a face. Como não queria ter brigado com Harry...e por aquele motivo bobo! Hermione perdeu a respiração, imaginando ele sussurrando no seu ouvido. Olhou o telefone ao seu lado. Talvez, daquela vez, ela pudesse deixar o orgulho de lado...
–Alô? – respondeu a voz de Harry, mal humorada.
–Oi, querido? – ela mordeu o lábio. – Como você está?
Harry deu um suspiro. Céus, ela estava tão ferida...
–Estou em carne viva. – ele respondeu, sinceramente.
–Eu tava pensando em você. Por isso te liguei.
–Hermione...
–Não, me escute. – ela o interrompeu. – Vamos deixar isso de lado...esse amor ainda nem nasceu direito pra gente o matar assim.
–Você tem razão. – ele sorriu, relaxado. – Amanhã nós temos a festa nos Weasley’s e iria ser realmente estranho aparecer sem você lá.
*
–E aí? – dizia Rony, enquanto mexia os gelos de um copo com uísque fogo. – Como você está com a Hermione?
–Bem. – mentiu Harry, sem encarar o amigo.
Rony não se movimentou, aparentemente. Harry soltou um suspiro.
–Ok. Não estamos tão bem.
O ruivo se endireitou.
–Como assim?
–Bom... – Harry ainda encara Fleur, que parecia mais linda do que nunca vestida no vestido de noiva – Brigamos ontem.
–Ah. Por que?
–Ciúmes. – resmungou Harry, irritado.
–Ciúmes? – estranhou Rony. – De quem?
–Victor Krum.
–Pensei que o Krum estivesse fora. – disse o ruivo, erguendo o cenho confuso.
–E está.
Harry parecia mais ranzinza do que nunca. Definitivamente ciúme era algo que mexia com o ego do moreno. E Rony continuou falando. Mas Harry não o estava ouvindo mais. Seus olhos verde-escuros varriam a sala, procurando pela pessoa que ele mais queria ver, Hermione.
Finalmente a encontrou. Ela estava na soleira da porta do corredor e Gina parada bem atrás dele, a cabeça inclinada, remexendo os botões da sua blusa. Hermione olhava diretamente pra Harry; quando seus olhares se encontraram, ela mordeu o lábio inferior do jeito que sempre fazia quando ficava envergonhado. E depois sorriu.
Aquele sorriso. Aqueles olhos. Aquele rosto.
Seu coração se acelerou quando Hermione começou a andar na direção dele. Mal sabia Harry que o coração dela batia mais rápido do que o dele. Ela apertou o rosto contra o peito de Harry, procurando uma segurança, a que somente ele podia lhe passar. Não existe nada melhor que abraçar a pessoa que se ama depois de uma briga feia. Hermione sabia disso.
–Senti saudade. – confessou Harry baixinho.
–Eu também. – ela respondeu.
Rony parecia enojado com sua bebida.
–Você quer? – ofereceu a Harry.
–Não, cara. Valeu.
–Você devia provar. – disse Rony, rindo maldosamente.
–Não devia, não. – reprovou Hermione.
–É. – disse Rony, carrancudo. – Tem razão.
E saiu.
–O que ele tem? – questionou Harry.
–Também não sei.
Hermione virou-se pra o moreno. O seu melhor amigo, seu amor. Deu um beijinho longo nos lábios dele.
–O casamento está lindo, não?
–Está. – Harry sorriu. – Em breve teremos o nosso.
Foi a vez de Hermione mostrar uma risada.
–Mal posso esperar!
Uma cabeleira ruiva conhecida como Gina apareceu, sorridente, puxando Hermione pelo braço.
–Vem comigo um instante? – questionou ela. – Desculpe, Harry, já que eu te devolvo!
Ele acenou em concordância, enquanto observada Gina levar Hermione para dentro da cozinha dA’Toca.
–Você está linda hoje. – disse Gina, sorrindo.
–Obrigada. Você também.
–Apenas acho que esse vestido está curto demais, hein Srta Granger!
Hermione riu, corando um pouco.
–Não seja boba.
–Ah, não ligue. Eu entendo. Tem que se esforçar pra manter Harry Potter entretido.
Hermione, pra falar a verdade, não gostou muito da afirmação, mas engoliu em seco. Gina não falara por mal.
–Está com sede, creio?
–Estou, sim. – respondeu Hermione, sentindo a garganta irritada.
–Tome aqui. – a ruiva estendeu um copo com água até a boca.
–Obrigada.
Hermione fechou os olhos e bebeu tudo em um gole só. Quando tornou a abrir os olhos, sentiu-se ligeiramente tonta. Levou a mão a cabeça quando começou a não sentir mais os dedos.
–Gina...
A cabeça da ruiva entrou em foco, parecendo preocupada.
–Hermione, o que há?
*
Suas mãos tremiam. A vista ainda estava embaçada e ela sentia uma necessidade enorme de dormir, pois mal conseguia controlar as pálpebras dos olhos. Mãos maiores seguraram as suas com segurança, e ela pensou que fosse Harry, mas não era. O ruivo a fitou com insegurança.
–Como se sente?
–Eu estou legal.
Era totalmente mentira, é claro.
–Onde está o Harry?
–Ele não virá aqui agora. – afirmou Rony com veemência.
–Onde estamos?
Era um local apertado, havia duas camas com colchas vermelhas, na qual uma ela estava deitada, algumas coisas penduradas nas paredes que Hermione supôs ser pôsteres em movimento. E exalava um cheiro conhecido, um cheiro que a fazia sentir-se em casa.
Hermione sentou-se na ponta da cama, mas foi um erro. A cabeça girou, e ela lutou pra permanecer assim. Rony se sentou na outra ponta e colocou os pés dela no colo, tirando as sandálias delicadamente.
Ela suspirou. Estava cansada de tudo, um cansaço repentino, abalador.
Pensou ter sentido a mão de Rony subir na sua perna além da sandália, mas tirou isso da cabeça, era apenas impressão.
–Estou tão cansada. – a sua voz estava diferente, sua cabeça estava uma bagunça só.
Rony começou a massagear os pés de Hermione.
–Eu sei. – ele sussurrou, rouco. – Vou ajudar você.
Aquilo estava bom, Mérlin, como estava. Sem mais nem menos, Rony mordeu e beijou seu joelho no que parecia, no mínimo, sensualmente. Hermione ronronou, deitando de costas no sofá e fechando os olhos. O quarto do amigo se inclinou um pouco.
Rony passava a mão nas pernas dela, massageando, mordendo, instigando. Segundos depois os dedos dele estavam percorrendo suas costas, pegando-as com mãos vigorosas, fortes, decididas.
–Rony. – alertou Hermione, pela primeira vez avaliando a situação com um pouco de clareza. – Vamos nos sentar. Por favor.
Acho que ele não queria se sentar. Encarou os olhos de Hermione. Ela os viu, aqueles azuis. Conhecia aquele olhar, já o vira muitas vezes, para muitas mulheres. Mas nunca podia imaginar que um dia seria ela a vítima.
Rony se arrastou até Hermione com as mãos e os joelhos até ficar inclinado sobre ela e ela presa embaixo dele.
–Hermione, eu preciso que você me olhe do jeito que eu te olho!
Ele abaixou o rosto para o dela e começou a beijá-la. Sua boca tinha um gosto diferente de tudo que ele já havia provado.
–Eu preciso de você...será que você não entende?
Um desejo crescia dentro do peito do ruivo, incontrolável, feroz. Ela era sua! Só sua! Harry não ia tirar a única coisa que ele tinha de melhor no mundo. Não ia!
Demorou um tempo pra Hermione processar o que estava acontecendo. Por isso, deixou que Rony a beijasse por algum tempo. Não adiantaria lutar. Ele era pesado, ela estava fraca e não conseguiria fazer nem uma conta de dois mais dois no momento.
Por fim, ela virou a cabeça, tendo uma idéia pra escapar dali.
–Eu não estou bem.
–Eu já lhe disse que vou te ajudar. Relaxa.
A língua dele invadiu a boca dela novamente.
Ela fingiu, então, que estava quase vomitando.
–Preciso de água.
Rony se sentou e enxugou a boca com as costas da mão. Quando ele voltou com a água, Hermione já estava dormindo. Sorriu, quase diabolicamente. Deu um jeito rápido e discreto de avisar a irmã que Hermione apagara, e foi por o verdadeiro plano em prática.
*
–Como é, Gina? – questionou Luna, parecendo confusa.
–Estou lhe dizendo! Rony quer ver você!
–Eu falei com ele agora pouco...
–Eu sei! Luna, qual é! Seu namorado quer lhe fazer uma surpresa. – Gina deu um sorriso. – Não pode?
Luna deu os ombros.
–Bem, claro que pode...
–Então, venha!
Gina puxou a loira pela mão para subir as escadas. No começo delas, encontrou Harry com as mãos nos bolsos. Uma gracinha.
–Gina, viu a Mione?
–Não! Vamos lá em cima! Rony quer nos ver, creio eu.
Harry ergueu o cenho e seguiu as duas meninas, se perguntando onde diabos se enfiara Hermione.
A porta de Rony estava entreaberta, mas não parecia haver movimento dentro do recinto. Gina foi quem colocou a cabeça pra dentro primeiro, mas por algum motivo ela não abriu a porta toda. Suspendeu a respiração e fechou a porta rapidamente sem fazer barulho.
–Acho melhor descermos. – disse, engolindo palavras.
–O que? – questionou Luna.
–Descermos. Não queremos brigas hoje.
Um sorriso amarelo.
–Do que você tá falando? – perguntou Harry, se aproximando da porta.
–Nada! Não entre ai!
–Por que não?
Ah, como era bom ser desafiado. Ele girou a maçaneta e no segundo seguinte desejou nunca tê-lo feito. Espremido em uma cama de solteiro, estava Rony, vestindo apenas um roupão felpudo e deixando o tórax a mostra. E do lado dele, encolhida, porém totalmente nua, estava Hermione, parecendo estar no sétimo sono.
O horror tomou conta de Harry que ele nem viu Luna atrás de si, igualmente aterrorizada ao ver o namorado deitado na cama com a melhor amiga.
–O que significa isso? – a voz de Harry saiu baixa e perigosa, como a de um pássaro ferido, mas foi o suficiente pra chamar a atenção de Rony.
O ruivo arregalou os olhos.
–O QUE SIGNIFICA ISSO?
Dessa vez a voz saiu como um trovão, uma demonstração de raiva fora do controle, um temporal que estava por vir. Eis que Hermione acordou, ainda sentindo a cabeça turva. Demorou um pouco para ela estudar a situação e entender o que estava acontecendo.
–Harry...- começou Rony, temeroso.
A morena olhou para o ruivo do seu lado, depois para o seu corpo nu, na posição dos dois, e por fim em Harry. Os punhos dele estavam cerrados, os olhos vermelhos e arregalados, enquanto Luna chorava de olhos abertos logo atrás dele.
–Não... – sussurrou Hermione, rouca.
Aquilo não estava acontecendo!
–Harry...não é o que você pensa. – disse Rony, parecendo fraco.
–É EXATAMENTE O QUE EU PENSO! – berrou Harry, brandindo os punhos no ar.
–Meu Deus! – sussurrou Gina, parecendo temerosa.
–Por que? – ele voltou a berrar, apontando o dedo na direção de Hermione – POR QUE?
Hermione soltou um soluço alto, puxando o lençol para mais perto. Talvez quisesse esconder as lágrimas, ou a imponência do seu corpo nu.
–Harry, eu n-não...
–CALA A BOCA! CALA A BOCA! EU NÃO QUERO OUVIR!
–Mas você tem que me ouvir...
–NÃO! VOCÊ TEM QUE SE RETIRAR DAQUI, AGORA! SAIA! SAIA DA MINHA FRENTE!
–Vá se foder! – desse Rony.
Harry urrou, e, sem dar tempo de defesa, socou o nariz do outro, fazendo-o cair no chão. Houve um grito feminino, mas não foi o de Hermione e sim de Luna. Gina segurou-o pelos ombros e o levou para fora do alcance de Rony.
–SOLTE-ME!
–Não!
–SOLTE-ME AGORA! AGORA!
–Harry, por favor...
–ME DEIXA EM PAZ!
–Mas você precisa...
–EU NÃO PRECISO DE NADA! – berrou Harry, mal conseguindo conter a raiva – A ÚNICA COISA QUE EU PRECISO É QUE VOCÊ SAIA DAQUI!
–Pare de agir como se fosse um menino mimado! – berrou Gina, o rosto vermelho de raiva.
–Pare de agir como se fosse uma viborazinha da Sonserina! – retrucou ele, prestes a dar uma tapa no rosto da menina
Gina o empurrou com força.
–Eu preciso voltar lá! – gritou Harry. – Eu não bati o suficiente no Weasley! EU NÃO BATI!
–Você vai ficar aqui e esperar que a Hermione se explique.
–EU NÃO QUERO OUVIR NADA DAQUELA VADIAZINHA COM CÉREBRO!
*
Aquela casa. A casa deles. Ele. Ele dela. Sentado no sofá da sala, como um morto vivo. Os olhos vidrados. Em que? Ninguém sabe, nem mesmo ele. Uma dor. Dilacerante. Inquieta. Maldosa. Era nisso que ele e a relação de quase dois anos dos dois se resumiam.
Dor.
Muita dor.
Um som. Aparatação. Harry nem virou pra olhar. Fosse quem fosse, ele não queria ver. Uma mão nos seus cabelos. Olhos azuis machucados, cabelos loiros.
–Como está? – ela perguntou. Sua voz tremia de desespero, Harry pôde perceber.
Ele sorriu amargamente.
–Em carne viva.
Não pensou que falaria isso uma segunda vez naquele dia, mas era as palavras que melhor expressavam sua podridão por dentro.
–O Rony...
–Não o defenda. – disse Harry, antes que a mulher pudesse sequer abrir a boca.
–Não vou o defender. – ela disse, com a voz áspera. – Talvez você devesse parar de se fazer de vítima. Não é só você quem está sofrendo com isso. Não sei quando e nem porque você se tornou tão egoísta, Harry Potter. Esse não é você.
–Sou sim. Eu não era. Agora sou.
*
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