Em Nome do Pai



eyes - open

Capítulo 6 – Em Nome do Pai


O telefone tocou.

Luna ergue-se para olhar no visor.

Era de Londres.

Suspirou.

Seria Rony de novo? Jesus, será que ela nunca mais iria conseguir viver em paz? Relutou em atender. Era tão doloroso escutar a voz dele, machucava tanto...

–Você não vai atender? – questionou Louise, sua colega de trabalho.
–Vou. – disse Luna por fim. Pegou o telefone e o levou ao ouvido. –Alô. Luna Lovegood. O que!?

A voz flutuou em sua cabeça, fazendo martelar a nova e péssima notícia. Louise a encarou como se perguntasse o que acontecera; Luna estava pálida!

–O senhor tem certeza disso? – perguntou a loura à pessoa no telefone. –Sim, são meus amigos.

Ficou em silêncio por um instante.

–Eu estou voltando pra Londres hoje mesmo. – disse, decidida. – Obrigada por me avisar.

E desligou o telefone.

–Você está louca? – questionou Louise. – Está boa do juízo?
–Estou ótima. – respondeu Luna, enquanto arrumava a bagunça de sua mesa.
–Minha amiga Luna nunca iria a Londres em seu perfeito juízo!

A loura não pode deixar de rir.

–Entendo sua aflição, mas aconteceu algo...
–O que aconteceu?
–Os meus amigos...creio que estejam precisando de mim.
–Os seus amigos que te abandonaram no meio da sarjeta? – Louise ergueu o cenho.
–Não seja tão rude. – murmurou Luna.
–Ah, não estou te reconhecendo!

Luna suspirou. Louise merecia uma explicação, afinal. Fora ela quem a escutara reclamar da vida durante os anos que passou longe da capital londrina, fora ela quem a ajudara a se reerguer.

–Houve um acidente...

*

Ela abraçou a amiga outra vez.

–Pare de chorar, criatura! – dizia Luna, embora também tivesse lágrimas nos olhos.
–Não consigo! – soluçou Louise.
–Eu volto logo, prometo.

Louise riu um sorriso triste.

–Não, minha amada amiga. Algo me diz que você nunca voltará a França.
–Não diga asneira...

Luna pegou suas malas e deu um tchauzinho tímido para Louise.

–Não vá atrás dele! – gritou ela, enquanto a outra partia para dentro da sala de embarque. – Quem dera que você não fosse. – acrescentou Louise para si mesma. – Pois eu sei que você vai e sei que nunca mais voltará.

*

–Tia!

Hermione deixou Gina entrar em casa primeiro, mas sorriu ao escutar a voz de sua pequena. Fechou a porta enquanto a ruiva corria pra abraçar a pequena Julia.

–Ai, meu amor! – dizia Gina, enquanto apertada a sobrinha forte. – Como eu senti sua falta!
–Eu também senti a falta da senhora. – disse Julia, alegre. – Onde está o tio Rony?
–Ele não vem hoje, querida. – respondeu Gina olhando de soslaio para Hermione. A morena parecia impassível, observando as duas atentamente.
–Ah! Ele me prometeu doces da última vez que o vi!

Hermione riu.

–Acho que ele lhe dará o calote, meu anjinho. Mas você não virá falar comigo?

Julia fez cara de indignada e saiu correndo para abraçar a mulher.

–Também estava sentindo sua falta. – confidenciou Julia.
–Você não sabe o quanto. – Mione coçou o nariz da menina com o dedo, fazendo-a rir. – Sente-se, Gina.

A ruiva obedeceu, enquanto observava as duas atentamente. Será que ninguém tinha reparado que as duas eram exatamente...iguais?

–Precisamos conversar. – disse Hermione, enquanto se aconchegava na poltrona maior.
–Por favor. – disse cordialmente.

Houve um minuto silencioso, em que Hermione encarava Gina. Aquilo estava realmente sendo muito embaraçoso.

–Você não mudou nada. – disse Gina, quebrando o silêncio.
–Nem você. – a morena cruzou os dedos, sorrindo serenamente. Para a ruiva, aquilo era quase como um aviso de perigo.
–Ela é a sua cara. – murmurou, olhando Julia que mexia na geladeira, perto dali.
–Apenas por fora. Por dentro, não tem nada de mim.
–Ela é uma mistura. – Gina sorriu, sinceramente. – Vocês conseguiram colocar uma criatura perfeita no mundo, enfim.
–Julia é muito mais dele do que minha, Gina. – Hermione deu um sorrisinho triste.
–Está brincando, Hermione? – a ruiva perguntou, incrédula. – A menina te olha como se tu fosse uma deusa!

Nessa hora Julia apareceu, bocejando.

–Acho que vou dormir, Srta Granger.
–Pode ir, meu amor. Eu e sua tia conversaremos mais e depois iremos nos retirar, também.
–Boa noite.

A pequena voltou ao seu quarto.

–Do que estávamos falando? – perguntou Gina.
–De nada que valesse a pena. – respondeu Hermione. – Gina, estou curiosa. O que você fazia com Malfoy? E por que raios ele me ligou dizendo que minha amiga Ginevra Willis estava acidentada?

Gina suspirou e começou a contar toda a história. Hermione escutou atentamente e esperou a ruiva acabar de contar tudo antes de mexer um músculo sequer. Quando Gina terminou estava exausta e pronta pra escutar as famosas frases de Hermione. Esta, porém, apenas se esticou na cadeira.

–Você não vai falar nada? – perguntou Gina surpresa.
–O que você quer que eu fale? – questionou Hermione, erguendo a sobrancelha. – Acho que você já sabe de tudo que eu poderia falar.
–Sim, mas...
–Gina, você é adulta. Sabe que está brincando com o fogo, sabe que pode se queimar. – ela se levantou. – Agradeça a Molly por ter lhe dado um nome estranho, porque eu não sabia de quem Malfoy falava até ele me dizer Ginevra. Ainda bem que não conheço ninguém mais com esse nome, Mérlin, senão iria dizer que ele havia ligado errado. Ou que era, no mínimo, um trote.

Gina suspirou fundo, sentindo o ar entrar em seus pulmões e seus ombros relaxarem.

–Eu não quero machucá-lo, Hermione. – disse. – Acredite.
–Mas você já o fez.

A ruiva abaixou a cabeça.

–Ele não merece. – sussurrou. Não sabia se falava tão baixo porque não queria que Hermione escutasse ou se já não queria ela mesma escutar aquilo.

Sentia-se ruim, o sentimento de usar alguém, de brincar com os sentimentos de outra pessoa a corroíam por dentro e ela sentia-se suja. Pela primeira vez, conheceu o outro lado da moeda.

–Acho que não quero conversar sobre isso. – disse Gina. – Podemos dormir?

Hermione sorriu.

–Vamos, minha querida.

*
Ainda nem havia sol tornando verde o gramado em que Harry estava atravessando. Ele era em declive, que estendia-se na direção de uma vasta extensão de terrenos planos, com árvores sombreando pátios quadrangulares cercados por prédios. Demorou uns três minutos para chegar ao seu destino, um grande prédio bem cuidado em meio a um bosque. Subiu as escadas de dois em dois graus, sem se importar com o ranger de seus joelhos.

Uma única porta. Bateu. Bem, bateu não, espancou.

Harry sentiu um arrepio súbito ao perceber que ia vê-la. Todos esses anos...a evitando, a excluindo, a ridicularizando, a odiando, a amando...como será que ela estava?

Já esperava na porta, já havia afiado sua língua para enfrentá-la. Mas quando a entrada do apartamento se abriu, não era a morena alta quem o esperava, e sim a versão miniatura dela.

Julia arregalou os olhos sonolentos para ele.

–Titio?

Metade de Harry suspirou de alívio. Mais uma vez, ele não ia precisar vê-la, não ia precisar enfrentá-la e enfrentar o amor avassalador que ainda se apoderava de seu peito, não ia ter que vê-la linda e conformar-se que não era nada em comparação a ela. A outra metade, sentiu um aperto no coração, chamando-a, pedindo-a, querendo vê-la nem que fosse de longe.

–Julia! – disse ele, voltando a sua cólera habitual. – O que faz aqui? Acaso quer me por louco?
–Não, titio. – sussurrou a menina, abaixando a cabeça.
–Sabe há quanto tempo estou lhe procurando?
–Na verdade não, titio.
–Pois devia! Anda, pegue suas coisas e vamos embora.
Mas Julia não se mexeu; continuou a encará-lo dali, da soleira da porta, como se ele fosse um completo estranho.

–Desculpe-me, titio, mas eu não vou a lugar algum. – o tom de voz da pequena era baixo, mas não deixava de ser decidido.

Harry soltou um urro de fúria.

–O que?!

Mas Julia não se intimidou.

–O senhor escutou. – ela deu um passo a mais, em direção a casa. – Não vou a lugar algum.
–Do que está falando? – perguntou ele, abaixando até encarar os olhos da menina de perto. Os dela brilhavam de determinação, os dele, de ódio. – Como ousa me desobedecer?
–Eu não estou lhe desobedecendo, só não quero mais ficar com o senhor! – ela gritou, esganiçada. – Aliás, como pode reclamar de mim? Nunca esteve nem aí pra mim!
–O que você...
–Nunca ligou pro meu bem estar, não se importou comigo! Quando ia me ver, era por obrigação, não por afeto. Não sabe quantas vezes eu pedi que o senhor me buscasse para viver junto com você!
–Não diga besteiras...
–Mas não! O senhor me deixou jogada em Hogwarts, mofando. Como pode querer que eu volte pro senhor? Não, obrigada. Vou ficar por aqui, onde me sinto querida.

Harry, num gesto impulsivo, segurou o braço da garota com força.

–O que? O que ela fez com você? – berrou ele, como uma fera que acabara de ser ferida no âmago do seu interior. – Que tipo de lavagem cerebral Hermione Granger fez em você?

–Do que está falando? Ela não fez nada! É a pessoa mais maravilhosa que já conheci!

Harry soltou uma risada maléfica.

–Claro! Claro que ela conquista a todos com aquele rostinho encantador e aquele jeitinho meigo. Deixe eu lhe contar um segredo, Julia...ELA TAMBÉM JÁ ME CONQUISTOU!

Ele soltou o braço da menina, que desequilibrou e caiu no chão.

–Ela não passa de uma fingida! – berrou.

Julia se encolheu no chão, chorando. Harry virou de costas, a respiração a cem por hora. Passou a mão nos cabelos tentando controlar a raiva.

–Pegue suas coisas. – disse, sem coragem de encarar a pequena. – Vamos embora.

Então, uma terceira voz, uma voz diferente, uma voz controlada.

–Ela não vai a lugar nenhum, Potter.

Julia e Harry olharam. Hermione andava na direção dos dois. O andar dela era calmo, ao mesmo tempo em que amarrava o roupão no corpo, por baixo de sua roupa. Não havia sinais de sonolência no rosto, embora ele estivesse contorcido de raiva.

Algo dentro de Harry estalou, como uma alavanca que acabara de receber carga elétrica.

–Não me diga o que eu devo ou não fazer, Granger. – urrou.
–E não estou dizendo. – a voz dela estava irritantemente calma. – Estou dizendo apenas o que Julia deve fazer. E o que ela deve fazer é ficar aqui.
–Pare com esse papo, você não tem o direito... – de repente, ele não conseguia mais gritar.
–Quem não tem mais o direito é você! – o tom dela soava tão perigoso quanto o rosnado de uma onça com fome. – Você nos separou por dez anos, chega. Ela é minha.
–Ela não é sua! Nunca foi! – berrou, frustrado.
–Talvez enquanto você estivesse atrapalhando, não fosse. Mas agora, creio que ela prefere a mim do que a você, meu querido amigo.

Harry teve uma vontade incontrolável de pular no pescoço da mulher e apertar, apertar...

–Saia da minha casa, Potter. – sibilou ela, como se fosse um último aviso. – Não vou impedir você de vê-la, porque eu não sou tão baixa como você, então passe aqui quando quiser. Se é que Julia vai querer vê-lo. Estamos conversados. Tchau.

Ela se aproximou para fechar a porta na sua cara e Harry sentiu-se momentaneamente paralizado pelo cheiro que ela emanava. O mesmo cheiro.

Recuperou-se antes que ela sumisse detrás da porta.

–Você acha que eu deixarei você ganhar essa guerra fácil? – disse Harry, a centímetros do rosto de Hermione. Consciente disso, ela o empurrou pra longe.
–Isso não é uma guerra, Potter. Julia, meu anjinho, vá para o quarto de sua tia. – ordenou Hermione a menina. – Fique com ela, e se esse senhor odioso aparecer por lá, não hesite em acordá-la.

A menina correu para dentro, visivelmente espantada.

–Você continua o mesmo ser desprezível de sempre, Granger.

Hermione sorriu.

–A recíproca é verdadeira.

Cada vez que ela lhe respondia com calma e a altura, Harry sentia mais raiva, embora agora já não conseguisse gritar.

–Deixe-me levar a menina, Granger. – disse Harry, controlando a voz. – Eu lhe deixarei em paz.
–Me deixará em paz? – ela soltou uma risada aguda. – Você NUNCA me deixará em paz! – berrou – A ferida que você deixou em mim nunca cicatrizará!
–Que eu deixei em você? QUE EU DEIXEI EM VOCÊ! – cuspiu ele. – Você me enganou, me traiu, me fez de idiota! E eu quem lhe deixei uma cicatriz!
–Eu não lhe fiz de idiota, você mesmo que o fez. Será que não é capaz de enxergar a verdade a um palmo do seu nariz? És míope a esse ponto?
–Sua cobra asquerosa! Como tantos podem se enganar com você? – ele tocou seu rosto, e Hermione teve ânsia de cuspir na cara dele. – Você é apenas uma vadiazinha com cérebro.

Se aquela dor fosse externa, provavelmente Hermione estaria se contorcendo naquele exato momento.

–Você quer saber? Eu não tenho que ficar aqui escutando isso. – disse ela, enquanto trancava a porta do apartamento com feitiços. Ele iria segui-la, ela sabia...conhecia Harry Potter tão bem quanto ele mesmo.

Harry a segurou pelo braço.

–Aonde você vai?
–Interessa?

Ela se desvencilhou dele e saiu pelo corredor. Harry foi atrás. Mérlin! Precisava de ar, precisava sair de perto daquele homem e do cheiro dele, da cólera que ele exalava.

–Isso é ridículo.
–Ridículo é você!

Hermione apressou-se à saída. Fora do apartamento, o trânsito ainda era intenso. Harry a alcançou e a segurou.

–Que merda, a gente volta e conversa...
–Não quero conversar. Já ouvi demais. No momento, só tenho vontade de atirar algo na sua cabeça.
–Ótimo! Insulte-me, se isso lhe dá prazer.
–Após a maneira de como me insultou, isso me dá mais prazer do que eu possa descrever! Agora solte-me, por favor, ou chamarei a polícia.

Hermione desvencilhou e atravessou a rua ao ver um táxi se aproximando na mão contraria. Estava zangada demais para ser cautelosa. Apesar do barulho do trânsito, ainda ouviu Harry gritando o seu nome. Não viu o carro avançando em sua direção, apenas os faróis na escuridão. Harry jogou-se sobre ela, atirando-a para o lado. Alguém gritou, houve uma freada brusca e Hermione se estatelou no asfalto.

Ela não conseguia respirar, embora não sentisse nenhuma dor. Uma multidão se aglomerava ao seu redor. Alguém falou:

–O que aconteceu?

Meio zonza, Hermione sentou-se e percebeu que a multidão já não olhava mais pra ela e sim para Harry. Ele jazia na rua, com um forte sangramento no braço. Então, o desespero tomou conta de seu coração. Harry tivera uma artéria rompida. O sangue jorrava em alta pressão, e, se não fizessem algo rápido, ele perderia a vida.

–Dê-me a sua gravata! – gritou Hermione a um senhor na multidão. – Rápido!

Gina chegou ao local. Por sorte, ela acordara com o desespero de Julia em seu quarto. O homem na multidão desatou o nó da gravata enquanto Hermione pedia uma caneta. Ainda estava atordoada, mas se esforçava para raciocinar e agir com rapidez. Passou a gravata ao redor do braço de Harry, acima do ferimento, deu um nó e passou a caneta pela folga, torcendo a gravata. Harry estava consciente e agora a fitava. Hermione tentava não pensar em nada, apenas na tarefa. Torcer a gravata, mais e mais até...oh, felizmente...a hemorragia diminuiu e a artéria foi bloqueada.

De repente, sua tontura aumentou muito.

–Gina...
–Sim. – atendeu ela, tomando a gravata. – Pode deixar que eu seguro.
–Obrigada...estou me sentindo um pouco... – sua cabeça girava.

Harry, por outro lado, parecia reanimado.

–Não vá desmaiar... – murmurou.
–Não..
–Hermione, nossa filha... – a voz dele era quase inaudível, mas ela o ouviu bem.
–Deixem-nos passar, por favor!

A ambulância chegara e uma equipe de para-médicos abria passagem em meio a multidão. Foi a última coisa que Hermione viu.

*

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