O amor cura as feridas
- Você está tremendo. Está bem?
- N-não… Acho que não… Eu estou… Isso é tão esquisito…
- Diga exatamente o que está sentindo – instruiu Draco.
- É... – Sírius gaguejou. – Medo... É, isso mesmo, eu estou com medo... Mas não é um medo comum... Eu estou com medo... Medo de nunca mais... ver? Ver vocês… Especialmente… Especialmente tio Draco?
A incerteza e incredulidade de Sírius eram papáveis ao pronunciar cada palavra. E não era apenas ele. Todos ali, com exceção de Draco, pareciam incrédulos.
O mestre de poções bufou, nervoso.
- Ela tem medo de me perder, mas é você quem ela mais quer ver num momento como esses! Incrível! Os Potter sempre roubando a cena!
Vários pares de olhos confusos olharam na sua direção, fazendo com que ele bufasse novamente.
- Sarah. Sarah! É ela quem está fazendo isso! Ela tem o poder de transmitir seus sentimentos para a pessoa em que estiver pensando, desejando ver naquele momento. Isso já aconteceu comigo, na noite em que descobrimos que ela era a criança da profecia.
- Sarah está pensando em você? – perguntou Ammy para o garoto, curiosa. A intensidade do seu olhar fez o garoto corar.
- Aparentemente – respondeu, corando mais a cada novo olhar que recebia.
- Por quê?
- Ammy – Draco interrompeu, ainda nervoso. – Isso não é algo que devemos discutir agora. Depois eu te explico. Há outras urgências.
Ammy ainda lançou um novo olhar profundo para o pequeno Potter, antes de desviar e permanecer calada.
- Bem, temos uma boa notícia, pelo menos – Harry tentou amenizar a situação. – Se Sírius pode sentir o que Sarah está sentindo, sabemos que ela está viva e sem nenhuma dor. Ou seja, ela está bem, por assim dizer.
- Até onde consta estar com assassinos de trouxa em massa pode se considerar uma coisa boa! – rugiu Draco. – Está maluco, não é, Potter? Ela está morrendo de medo de não ver nenhum de nós nunca mais, e você acha que isso é uma coisa boa? Porque ela pensaria isso se sua perspectiva de vida fosse maior do que um grão de mostarda? Deve haver uma razão muito boa para ela pensar que vai morrer! Lucius não é de perdoar, você sabe, Potter!
A resposta mal criada morreu na garganta de Harry quando ele escutou um gemido de dor de Sírius.
- O que foi agora? – perguntaram várias vozes.
Sírius corou novamente.
- Não foi nada demais, só… - Ele abanou a mão, colocando dois dedos agora na boca. – Ishtão artheno…
- O que ele disse? – perguntou Rony, confuso.
Ignorando ele e a exclamação contrariada de Gina, Draco retirou os dedos da boca do garoto com um gesto brusco e o limpou na camisa dele com uma expressão de nojo, antes de trazê-los para perto e analisá-los.
- Não tem nada. Nenhuma marca avermelhada nem nada. O que significa que se não aconteceu com você, aconteceu com Sarah.
- Como ela queimaria o dedo? – perguntou Harry, tão confuso quanto Rony.
- Feitiços protetores, Potter. Será que eu vou ter que te ensinar tudo? Sarah está presa em algum lugar com algum feitiço para que não fuja. – ele franziu as sobrancelhas. – Isso não é do feitio de Lucius.
- E se Creevey não a levou pra ele? – perguntou Ammy esperançosa.
Draco a olhou com compaixão. Assim como a esposa ele adoraria que fosse verdade. O que ele não disse é que não imaginava ser possível. Na verdade, era uma surpresa saber que a filha... Ainda estava viva. Só Merlim saberia até quando...
Quando seus pensamentos chegaram a essa direção, Draco teve uma luz momentânea. Não iria esperar a notícia da morte de sua filha através de um garoto. Se Sarah ainda estava viva, essa era sua chance de fazer alguma diferença.
- Chega – disse, assustando a todos que cochichavam entre si. – Temos que agir rápido. Sírius, o que Sarah está sentindo agora?
- Não sei ao certo – ele disse com um arrepio. – Ela está... Esperando. Há uma porta… É como se tudo estivesse atrás daquela porta… Sua salvação… Ou… sua morte. Ela está ansiosa, chega até a doer…
- Espere – Clark até o momento quieto, resolveu se intrometer. – Você disse que há uma porta? Você consegue ver essa porta? Consegue ver o que ela vê também?
Antes que Sírius respondesse, Draco tomou a frente novamente.
- Sim, ele vê, mas tudo depende dos sentimentos de Sarah, se estiverem muito concentrados, ou confusa, ele não conseguirá ver com clareza. Tente, Sírius, feche os olhos e se concentre no que vê, não no que sente. Agora me responda, você consegue ver algum ornamento na porta? Uma cobra, talvez? Algum símbolo sonserino?
- A mansão? – cochichou Rony para Harry, que fez sinal para que se calasse, a atenção presa totalmente no filho de olhos fechados.
- Há alguma coisa – ele respondeu incerto. – Algum desenho… Uma cobra? Não, não parece uma cobra, não…
- Você sabe se ela é feita de chumbo? Vidro?
- Não, não… Isso está claro, é apenas madeira comum.
Draco soltou o ar, tentando esconder sua ansiedade. Ele tinha certeza de que eles a teriam levado para Mansão! Sua suspeita mais óbvia. Se não era lá, então...?
- Bem, há algumas portas de madeira na Mansão Malfoy... – justificou-se em voz alta, para continuar na mesma busca. – Os desenhos, Sírius, concentre-se nos desenhos… Tente descrevê-los.
Mas Sírius apertava o peito numa agonia imensa, incapaz de se concentrar.
- Dói muito… - choramingou. – Como ela agüenta sentir isso?
- Sírius, não é na dor, é na visão! Concentre-se na visão!
- Tá... Okay... Há... São desenhos esquisitos... Parecem símbolos... Runas, é isso, acho que são Runas antigas.
- Runas? – Hermione deu um passo na direção de Sírius. Pensando rápido, ela conjurou um pequeno bloco de notas e o colocou na mão de Sírius, juntamente com uma pena cheia de tinta. – Você acha que pode desenhar pra mim, Sírius? Igualzinho você vê?
Sírius pareceu incerto, mas fez um sinal positivo. Sem abrir os olhos, ele começou a rabiscar o papel.
- Isso é mesmo necessário? – Draco perguntou em voz baixa. – Do que nos adianta saber o que está escrito aí?
- Se estamos procurando um lugar, Draco, toda informação que nos ajude a reconhecê-lo é bem vinda – sibilou Hermione.
Sírius passou o papel de volta para Hermione.
- É o que dá pra ver. Tem uma parte desgastada bem ali no meio.
- Obrigada, Sírius. Continue de olho.
- E então? – Draco, apressado, já interrogou. – O está escrito aí?
- Assim como o amor renasce das cinzas e cura todas as feridas. Isso não faz sentido, tem uma parte faltando logo ali, antes de “o amor”. Deve ser algo como…
- O pássaro vermelho.
- Harry?
- O pássaro vermelho – repetiu Harry, voltando do que parecia um longo passeio ao passado e vendo todos os olhares - com exceção do de Sírius, que ainda se concentrava - nele. – Assim como o pássaro vermelho, o amor renasce das cinzas e cura todas as feridas. Faz parte de uma canção de ninar, sempre cantamos para Lily e Sírius quando eram bebês. Qual é, vocês nunca ouviram?
- Não – responderam quase todos, em uníssono.
- Harry, meu amor... Eu jurava que você tinha inventado essa canção. Eu nunca tinha ouvido ela antes de você cantar para Lily.
- Vocês devem ter ouvido – teimou Harry. – Eu me lembro! Perfeitamente claro! Como se fosse ontem! Da voz de minha mãe a cantando para mim... Olha que isso faz muitos anos!
- Pode ter sido uma canção tradicional de família, Harry. Há muito disso no mundo bruxo. – arriscou Clark, se apiedando do desespero de Harry de provar que ainda tinha alguma lembrança dos pais.
- Então porque ela estaria pregada em portas?
Pra isso, ninguém teve uma resposta.
- Espere – Harry voltou a dizer, num tom e ansiedade completamente diferentes da anterior. – Deixe-me ver o desenho de Sírius… hum… Oh!
Harry perdeu a cor enquanto olhava o papel. Sírius quase se desconcentrou para ver o que estava acontecendo, porque todo mundo de repente ficara em silêncio, mas a voz do pai lhe chamando fez com que visualizasse a porta novamente com clareza.
- Sírius… Tente ver… Tente olhar a maçaneta... Há alguma coisa nela?
Sírius fez o que pai mandou. Olhar pelos olhos dos outros, em especial quando esses “outros” estavam num desespero tão palpável não era simplesmente fácil.
- Tem alguma coisa, sim. Parece… Ah… Pode ser que eu esteja um pouco influenciado pela conversa de vocês, mas realmente, parece… parece uma fênix.
Harry gemeu.
- Vamos – disse, pegando suas coisas. – Eu sei onde ela está.
E deu as costas para todos, sem esperar nem dar explicação para ninguém. A única coisa que eles ouviram antes de se mexerem e correr para acompanhá-lo foi algo como “De novo não”.
Sarah não desgrudava os olhos da porta por onde Collin sumira, esperando que a qualquer momento ele aparecesse e lhe desse a sentença de morte. Seu coração já pulava no peito, prevendo o momento que ele teria que parar de bater. A queimadura no dedo agora ganhara vários amigos de tanto Sarah tentar escapar dali. Era impossível. Ela tinha super poderes, não tinha? Porque não conseguia pensar em nada que pudesse fazer? Se ao menos tivesse se dedicado mais às aulas com Harry!
Ela deveria tê-lo escutado mais. Não era apenas seu padrinho, era o homem que havia derrotado Voldemort ainda adolescente. Se alguém poderia tê-la ajudado, esse alguém era ele. Se havia alguém que sabia realmente o que estava fazendo, esse alguém era Harry Potter!
E ela perdeu a oportunidade de aprender com ele!
Admirava-o. Quase tanto quanto admirava seu pai. Era um grande homem. Sem dúvida era. Pena que ela nunca teve oportunidades de dizer isso a ele... gostaria de poder... gostaria de vê-lo uma última vez…
E Gina… Sempre tão corajosa... Se algum dia tivesse a chance de envelhecer queria ter a coragem da madrinha... Tão firme e resoluta, apoiando o marido e ainda lhe dando forças… Não é qualquer um que consegue isso.
Mas ela gostaria mesmo de ter a doçura da mãe. Mulher sempre tão carinhosa e sensível como ela, ainda não encontrara. Queria poder ver o mundo com os olhos que ela via. E queria ainda ter a inteligência e a sabedoria que tinha a tia Hermione, pra saber destinguir os momentos e as pessoas certas pra usar essa doçura.
E Lucas… Tão novo e aprendendo a lidar com situações de tão intenso sofrimento. Como ele conseguia? Como as pessoas que viviam com ela podiam demonstrar tantas qualidade assim e ela ser incapaz de sair de uma condição como essa? Maggie, o tio Ronald... Seu irmão… Seu pai... que falta ia sentir de seu pai. Como queria vê-los todos... Uma última vez... Se não podia viver para ficar com eles, gostaria de vê-los antes de morrer.
Só que ela não pôde mais prender seus pensamentos em ninguém, quando a fênix que estivera encarando girou, num movimento perfeito das asas, como se ela estivesse levantando vôo.
Sarah desligou-se por completo, e esperou sua sentença.
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Não houve um que não parou ao ouvir o ruído engraçado que pareceu sair diretamente de Harry. Eles o olharam em expectativa, mesmo sem saber o que estavam esperando.
- O que houve? – Veio de Sírius a interrogação que estava na cabeça de todos. Só que eles demoraram uma fração de segundo pra perceber que não era sobre o mesmo assunto. – Eu perdi a Sarah! Não consigo mais senti-la! O que está acontecendo?!
Ammy tapou a boca com as mãos, lágrimas começando a aparecer no canto de seus olhos.
- Oh, meu Deus, será que…
- Eu estou com ela – Harry interrompeu as lamúrias, trazendo a atenção de todos de volta para si. – Eu não sei porque, mas parece que é a mim que ela quer agora... Oh, ela está arrependida e… Eu não entendo isso, parece algo como admiração, não sei... E…
Harry se calou, sua expressão mudando de repente.
- O que houve? – Draco perguntou ansioso.
- Eu… Eu a perdi também.
- Como assim a perdeu? – Draco agora berrou. – Como é possível? Que merda é essa que está acontecendo com a minha…
- Acho que… Acho que agora ela está pensando em mim – Foi a vez de Gina interromper, incerta. – É, eu posso sentir, sim... Não parece sentimentos ruins, parece algo como... saudade e admiração...
- O que está acontecendo ao redor? – Clark manteve sua voz baixa e firme. – Consegue ver?
- Consigo, é… Espere… Não há mais nada.
- Não há mais nada? – Sírius, pálido, virou-se para a mãe. – Nada? Como assim?
Ammy segurou-se em Draco, cambaleando.
- O quê? – Draco a segurou. – Vai dizer que agora é você quem está sentindo isso?
- Oh, Deus, isso é tão estranho... – Ammy se lamentou. – Nossa filha parece estar sofrendo tanto, Draco...
Hermione deu um grito, o que fez todos a olharem.
- Acho que está comigo – ela murmurou, arregalando os olhos em seguida. – Espere, não está mais...
- O que é isso? – Dessa vez era Lucas, se abraçando forte com os dois braços. – Está passando de pessoa em pessoa?
Houve um silêncio curto onde Lucas se endireitou.
- Com quem está? – Draco perguntou num tom a cima do necessário. Parecia a cada minuto mais desesperado.
Uma nova pausa mínima, até que Rony cambaleou, mas voltou a encará-los com a expressão confusa.
Draco, então, levou uma mão até a cabeça.
- Ela acha que vai morrer, queria ver a todos nós uma última vez. Há…
A cor escassa que Draco ainda carregava no rosto desapareceu totalmente.
- A porta – sussurrou antes de dar as costas e cruzar o portão. – Ela se desligou... SEUS IDIOTAS, VÃO FICAR AÍ ATÉ QUANDO?
Clark correu atrás dele, sendo imitado por todos.
- As crianças ficam – ele gritou por cima do ombro para Lucas e Sírius, que exclamaram indignados.
- Não sei, não, Clark – corrigiu Gina. – Acho que Sírius tem que ir. Não podemos nos esquecer que dentre nós ele é o mais propício a receber alguma mensagem de Sarah.
- Ela tem razão – Eduardo concordou. Um a um, as pessoas iam aparatando. – Sírius tem que ir.
- Ah, certo – Clark disse de má vontade. – Garoto, vá, mas fique com sua mãe e não desgrude dela, isso vai ser muito perigoso pra você. Agora você – ele apontou o dedo para Lucas que já se adiantava com o amigo. – Terá que ficar. Ande. Pra dentro do castelo.
- Mas…
Só que ninguém lhe dirigiu um pingo de atenção, desaparecendo do nada um a um. Sírius lhe lançou um olhar de quem lamenta, antes de ser rodopiado junto com a mãe, e desaparecer.
- Ótimo – ele reclamou, enfezado, dando as costas e caminhando até o castelo outra vez. – Fique, Lucas. O velho Treachers e os professores mau humorados cuidarão de você. Ótimo. Porque já não deita em sua maca e espera a próxima lua cheia?
Mas quando Lucas já havia dado uns quinze passos pisando firme, ele diminuiu o ritmo e desejou que todos fossem realmente capazes de resgatar Sarah intocada, sem arriscarem demais as próprias vidas.
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- Você está bem, Harry? – Gina perguntou, olhando preocupada para o marido.
Harry apenas a olhou de relance, ocupado demais em observar a casa naquela distância, o coração comprimido por ter que voltar ali mais uma vez. Se aquele lugar deveria lhe trazer boas lembranças, Lorde Voldemort havia feito o suficiente para acabar com elas. Ele agora estava morto, mas conseguira arruinar muito mais do que a adolescência de Harry. Ele conseguira transformar cada recordação que ele tinha dos seus pais com suas lembranças ruins.
- Qual é o plano? – ele perguntou para Clark.
- Simples. Está com sua capa de invisibilidade aí? Ótimo. Eu, Gina, Draco e Ammy vamos nos desiludir para entrarmos na sua… - Ele não continuou ao ver a expressão e Harry. - ... na casa. Vamos entrar sem barulho e tentar surpreendê-los. Os outros ficarão de guarda para não deixar ninguém escapar, se caso alguém tentar fazer isso. Já lançamos feitiços anti-aparatação em todo o terreno. Se quiserem fugir, terão que passar pelos nossos. O garoto fica para o caso de precisarmos entrar em contato com alguém aqui de fora, pedir ajuda ou o que seja, pelo visto é bem mais fácil ela querer entrar em contato com ele do que qualquer outro de nós. Eduardo?
O rapaz louro andou prontificado até o irmão.
- Quero que fique de olho nele. Você é bom em enigmas, se estivermos enviando um através de Sarah e Sírius, confio em sua capacidade de raciocínio para interpretá-lo.
- Certo.
- Qualquer coisa urgente, mande um sinal, certo?
- Urgente no sentido de…?
- Nesse mesmo. – Clark o cortou com um olhar ligeiro na direção de Sírius. Este, que não era burro, olhou desesperado para a mãe.
- Vocês não correm perigo, correm? Não vão se machucar, vão?
- Acalme-se, Sírius. Vai ficar tudo bem. – Gina lhe deu um beijo na testa, sem prolongar a conversa. – Vamos? Estamos perdendo tempo aqui.
- Vamos - concordou Clark. – Harry? Draco? Ammy? Estão prontos? Já se lançaram os feitiços. Certo. Só não se esqueçam que não estão completamente invisíveis, ok? A não ser Harry, e já vou avisá-lo, não vá para longe de todos só porque não podemos vê-lo, é para nos acompanhar, certo?
Harry, que estava pensando em fazer exatamente isso, foi obrigado a concordar, rabugento.
Com a varinha em mãos, os cinco aurores se dirigiram até a parte destruída da antiga casa dos Potter, que de acordo com Harry, havia uma forma mais fácil de entrar que ninguém além dele conhecia.
Silenciosamente eles romperam o feitiço de proteção que Harry havia lançado naquela entrada na última vez que estivera ali, e entraram.
Do lado de fora, Sírius passava o peso do corpo de uma perna para outra, sendo obrigado por Eduardo a também se desiludir, para que sua segurança ficasse em primeiro lugar, como ele dissera, e se sentindo tremendamente estranho ao olhar para o próprio corpo.
- Está vendo alguma coisa? – Eduardo perguntou pela terceira vez em 10 minutos.
- Estou. Estou vendo o tronco de uma árvore onde deveria estar minha barriga. Quando é que meu corpo vai voltar ao normal heim? Isso é estranho.
- Logo – disse Eduardo sem prolongar o assunto. – Agora concentre-se em Sarah. O que está acontecendo?
- Eu já disse que não estou… - A expressão de Sírius mudou totalmente de um minuto para o outro, apesar de ninguém poder vê-la direito. Ele se dobrou, a mão no coração. - Oh… Agora eu estou… Estou sentindo, ela está… em pânico. Em pânico... Há... Há alguma coisa muito séria acontecendo, Eduardo!
O homem não se deixou levar pela impaciência do garoto, já acostumado a tentar manter a calma em situações tensas.
- Tente ver o que está acontecendo, Sírius. Como você fez lá no castelo. Vamos, tente!
- Ok... Eu só consigo ver… Há um tabuleiro de xadrez… É só o que eu consigo ver… Sarah está olhando para um tabuleiro de xadrez e seu pânico vem daí… É… É isso. É o tabuleiro que está dando medo. Eu… Eu não estou entendendo nada, Ed!
Eduardo permaneceu em silêncio por um longo momento. Ele era bom em enigmas, não em xadrez. O que aquilo significava? Porque Sarah estaria com medo de um jogo de xadrez?
- Sírius – ele começou, lentamente. - Você consegue descrever mais ou menos a posição das peças no tabuleiro?
Sírius franziu as sobrancelhas invisíveis. A pergunta não fazia sentido, mas como nada andava fazendo sentido, a coisa era obedecer.
- Bem, há… poucas peças. E se não me engano… Sim, o rei está encurralado, em posição de cheque-mate por uma dama e um cavalo. Não tem escapatória.
Eduardo começou a suar frio, antes de perguntar.
- O rei, Sírius. Ele é das peças pretas ou brancas?
Sírius abriu os olhos que estavam fechados até então e o encarou com um olhar significativo.
- Brancas.
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Quando a fênix “levantou vôo”, Sarah sentiu seu coração parar. Imaginava que a qualquer momento Collin entraria ali com a varinha preparada e expressão cruel de quem está prestes a tirar uma vida.
Entretanto, o que viu foi muito além do que ela poderia ter imaginado.
Um Collin sorridente segurando uma caixa de madeira e um saco de lixo empoeirado foi o que surgiu atrás da porta. Ele voltou a fechá-la e caminhou na direção da garota ainda com aquele sorriso infantil.
- Veja o que encontrei! – exclamou feliz, erguendo os objetos que Sarah reconheceu como um tabuleiro de xadrez e, provavelmente, as peças. – Vai tornar tudo muito mais divertido!
Tentando revestir uma máscara de impassividade para não se tornar um alvo ainda mais fácil, Sarah apenas ergueu uma sobrancelha.
- Nós vamos… jogar?
- Isso! Ah, vai dizer que não gosta de xadrez bruxo? É o jogo mais tradicional que há para todas as idades!
Ao ver o brilho ensandecido nos olhos de Collin, Sarah se apressou em declarar sua paixão por esse jogo.
- Ótimo. Mas receio que esteja faltando algumas peças, espero que não se importe.
Collin despejou as peças no chão em frente a Sarah e se sentou ali, de pernas cruzadas, reclamando pelas dores nas pernas e nas costas e por já não ter mais quinze anos.
- As brancas são suas. Tão clichê, né?
Sarah não deixou de reparar que faltavam muito mais peças brancas do que pretas. Pelo que ela poda contar enquanto, assoviando, ele ajeitava manualmente as peças no tabuleiro, começaria o jogo já sem três peões, um cavalo, uma torre e seus dois bispos. Collin só perdera uma torre e um peão.
- Alôô! Toc toc! Tem alguém aí, Sarah?
Ela piscou, tirando os olhos do tabuleiro para mirar o sorriso de Collin.
Engoliu em seco.
Nós estamos… apostando algo? – perguntou, já adivinhando a resposta.
- É claro. – O sorriso dele aumentou antes de desaparecer por completo. – Sou um covarde, Sarah, este é um problema. – Sabe, eu não posso deixar você livre. Você será fundamental para a recuperação dos sangues-ruins. Não posso permitir isso. Todos já me descobriram, vai ser difícil continuar com o plano inicial, mas eu não posso permitir que o que eu já fiz seja em vão. As pessoas terão que sempre se lembrar que mais uma vez sangues-ruins morreram por invadir um mundo que não os pertence. Eu fiz o que pude, mais tarde alguém terminará o que comecei, então, para todos os efeitos, eu e você não podemos continuar no mundo dos vivos.
Ele abriu um sorriso imenso, como se não tivesse dito mais nada além da previsão do tempo.
Sarah molhou os lábios quando achou que recuperara a fala.
- Se eu perder…
- Oh, Sim! – só faltou ele dar pulinhos onde estava sentado. – Se você perder! Olhe pro seu rei! É engenhoso, não é? Você não está ouvindo?
Ela não estava ouvindo nada mesmo, mas passou a prestar atenção agora. Sim, havia um ruído… Parecia um relógio. Suave. Baixinho. Uma…
- Bomba?! – Sua voz saiu esganiçada. Collin deu um gritinho de contentamento.
- Isso! Não é maravilhoso, Sarah? Você não morrerá sozinha. Se você perder, morrerá, mas como eu sou incapaz de matar você, farei um jeito de ir nós dois juntos! No momento em que a primeira peça encostar em seu rei, nós dois explodiremos juntos!
“Realmente muito romântico! Sarah pensou com ironia.
- E se eu ganhar? – perguntou de uma vez.
Collin sorriu.
- Eu te direi depois. Vamos começar? As brancas começam.
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- Harry? Venha até aqui.
Ao ouvir a voz de Clark, o auror saiu de trás da porta que se lembrava ser aquela com o desenho da fênix na maçaneta redonda e foi até o chefe.
- O que? – sussurrou.
Clark apenas afastou uma parte da lona preta que tomava uma boa fração daquele cômodo, revelando o cadáver de um homem pálido que Harry conhecia bem.
Mas havia outra pessoa que se aproximara sem ser notado ao ouvir o chamado de Clark, e essa pessoa ofegou ao reconhecer o cadáver.
- Lucius está… morto?! – Era a voz de Draco, em choque, incrédulo.
- Draco… - Harry tentou consolá-lo. – Draco, eu sinto tanto… Não era pra ser assim…
Draco passou os dedos por entre os fios de cabelo, gesto de cansaço que não foi visto por ninguém graças à desilusão.
- Espere – ele disse, a voz carregada de uma falta de emoção, quase sem vida. – Se Lucius está… morto aqui, então quem…?
Mas bem naquele momento ele não pôde continuar, com a interrupção do fantasma de uma pantera que apareceu aos saltos, bela e altiva. Ela parou ao lado do cadáver de Lucius, os encarando por um único segundo. Então sua boca se mexeu e ela falou na voz de Eduardo Forrester.
- O rei branco não pode cair. Vocês têm pouco tempo.
E ela desapareceu, fazendo todos olharem abobados para o espaço onde estivera.
- Venha, Draco – Harry tentou lhe oferecer conforto assim que Clark se levantou e pareceu que daria ordens. – Sarah precisa de você. Precisamos salvá-la enquanto ainda há tempo, ok?
- Ok… - Draco engastou, desviando a atenção do corpo de Lucius. – Sarah… É… Vamos.
- Fiquem com as varinhas preparadas – Clark orientou, se aproximando da maçaneta e estendendo a mão na direção dela. – Quando eu disser três nós invadiremos e cercaremos quem quer que esteja ali dentro. Se encontrarem qualquer pessoa que não seja Sarah, imobilizem-na. Apenas cuidado com ela, não lancem nenhum feitiço se ela estiver muito perto. Preparados? Então um… dois… três!
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Sarah estava se controlando para não chorar, mas estava difícil. Era claro que perderia desde que o jogo começou. Agora, encurralada, ela só podia desejar que sua morte fosse rápida e indolor.
- Só por curiosidade – ela começou quando o silêncio que antecedia o cheque-mate de Collin apertou. – O que eu teria se ganhasse?
- Ah – O jornalista pestanejou, desviando a atenção outrora dedicada inteiramente ao rei branco e erguendo os olhos para a garota.
Sorriu.
- Eu ia dar um jeito de te fazer encontrar alguém que desejasse. Uma última vez. Fico triste por te afastar assim da sua família, Sarah… Te faria bem encontrar alguém uma última vez.
Sarah acenou que havia entendido, um bolo se formando na garganta ao pensar outra vez em Sírius.
Mirou as peças no tabuleiro com um sentimento de pânico crescente. Era isso então. Talvez fosse melhor assim. Sem vê-lo uma última vez. Ser ver a eles todos. Seria mais fácil aceitar o seu destino assim...
Talvez...
- Bom, então é isso, Sarah. Eu realmente, realmente adorei cada segundo que passamos juntos. Você está nervosa? Está com medo? Eu não estou. A morte parece bem mais fácil de se encarar quando a gente acha que está preparado pra ela, você não concorda? Eu concordo. Mas vamos parar de enrolar, tem que ser agora, ou nunca.
Collin inspirou profundamente. Estendeu a mão. Sarah fechou os olhos, esperando. A qualquer momento agora... A qualquer momento a explosão viria... E então...
E então houve o som ensurdecedor de algo explodindo. O som bem mais suave do que aquele que ela esperava ouvir. Houve um grito de dor que não fora seu. E…
- Sarah?
Ela abriu os olhos. Na verdade arregalou-os, deparando-se com uma cena que parecia vir do seu coração.
Era o seu pai. Com uma emoção que ela raramente via naqueles olhos cinzentos. Eles pareciam pedir perdão, mas ela não fazia idéia do porquê. Draco não tinha nada para que ela perdoasse. Nunca tivera. Ela sempre o amara de forma imensurável. Ele sempre fizera de tudo por ela falhando apenas em detalhes irrelevantes. E ela estava feliz por poder vê-lo outra vez. Chegou a pensar que estava imaginando, mas a cena era real demais para ser ilusão.
Atrás de Draco estava Ammy, sua mãe sempre tão dócil e sensível, com a mão cobrindo a boca e os olhos expulsando lágrimas pesadas e contínuas, mirando-a.
Tio Harry também estava lá, mas ele apenas lhe deu um sorriso encorajador, sua atenção ocupada demais em Collin, afastado de si por poucos metros e a expressão tão confusa e abobalhada que pareceria inocente se Sarah já não tivesse acostumada.
Havia também o homem que ela sabia ser o chefe dos aurores, a varinha apontada para Collin assim como a de Harry e Gina. Os três o cercavam.
- O que diabos está acontecendo aqui? – exclamou ele, parecendo indignado.
Sarah desviou os olhos do pai e o observou.
- Para nós está totalmente claro o que está acontecendo, Creevey. – Clark rosnou num tom de voz que fez um arrepio subir pela nunca de Sarah. – Você está preso por assassinato, seqüestro, contaminação de trouxas e mestiços, dentre outras acusações. É um direito seu permanecer em silêncio e só falar na presença de um advogado para não piorar sua situação.
- Mas nós só estávamos jogando xadrez! - Com a cabeça, Collin apontou o tabuleiro. Eles olharam dele para Sarah e de Sarah de volta para Collin.
- Isso é verdade, Sarah? – Gina perguntou, curiosa.
- Bem… Estávamos… Mais ou menos… É.
Tudo parecia ter acontecido muito rápido, a cabeça da garota estava totalmente confusa.
- Bem – Clarck continuou. – Independentemente do que vocês estavam fazendo aqui, você ainda é responsável por tê-la trazido contra a vontade dela e a mantido em condições precárias, assassinato de Lucius Malfoy e atentado contra a vida de dezenas de pessoas ainda em estado de coma. É o suficiente para uma prisão perpétua em Azkaban, com ou sem o seu joguinho de xadrez.
Collin abriu a boca para retrucar outra vez, mas ao mirar a varinha erguida de Gina, que estava mais próxima, ele voltou a fechá-la.
Seu pai e sua mãe se aproximaram, desfizeram o feitiço protetor ao seu redor e a acolheram num abraço terno. Só então Sarah reparou no quanto estava cansada.
- Vamos te tirar daqui agora, ok, Sarah?
Ela concordou, sentindo que estava mais sendo arrastada do que andando de acordo com suas próprias pernas. Ouviu ao longe a voz de Harry.
- Você se lembra das azarações de Gina, Collin? Ela ainda conseguiu melhorar boa parte delas. Se eu fosse você não desviava um único passo.
- Eu só quero dar uma última olhada no meu jogo, Potter. Caso não reparou, você chegou a tempo de atrapalhar minha vitória.
Para Sarah, tudo pareceu parar naquele curto instante. Ela se virou, em choque, já a pouquíssimos passos da saída. Harry estava logo atrás de si, Clark e Gina vinham mais atrás, com Collin na frente. E foi como em câmera lenta que ela observou o pé direito do jornalista se erguer ligeiramente e se aproximar da peça de xadrez, num movimento fatal. Ela ouviu um grito soar, percebendo com espanto que era seu. Draco deu apenas uma olhada para trás antes de agarrá-la com tudo e cruzar o restante da saída. Harry ainda ficou, virando-se na direção dos três com a varinha erguida, pronunciando alguma coisa que ela não pode entender, porque naquele momento era derrubada com força no chão, e o estrondo que ela tanto temera ouvir há poucos minutos perfurava seus tímpanos e o clarão repentino cegava seus olhos. Ela sentiu o calor e um torpor diferente de tudo que ela já sentira tomar conta de si...
A sensação de que suas forças de repente se desvaneciam, arrancadas até a última gota, foi a última coisa que ela sentiu antes de mergulhar com tudo na escuridão.
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