Música e ... Circuitos?
— Hermione? Ela se voltou para a porta do quarto, interrompendo um soluço. Harry olhava-a preocupado, trajando uma calça jeans e nada mais.
— Harry? O que está fazendo aqui?
— Gem me disse que você estava com problemas. O que houve? Por que está chorando?
— Hermione olhou para o bebê.
— É Abigail. Ela não mama.
— Por que não?
— Eu não sei! Se soubesse, não estaria chorando!
— Está bem, está bem. — Ele se curvou e tomou a filha nos braços. — Qual o problema, doçura? Você chora muito para quem não quer mamar...
— A culpa é minha! — lamuriou-se Hermione. — Ela suga, mas o leite não sai!
— A enfermeira não disse que era preciso dar um tempo?
— Eu já fiz de tudo, mas não adianta! — Hermione inspirou nervosamente. — Deve estar entupido!
— Parece que a ouvi dizer que você tinha de relaxar para a coisa funcionar — lembrou Harry, tentando acalmar a criança. — Você não parece relaxada.
— Como posso relaxar, com o bebê chorando desse jeito? — gritou ela. Então, respirou fundo. — Desculpe-me — sussurrou, arrependida. — Estou me esforçando ao máximo para tudo dar certo, mas não está adiantando.
— A enfermeira não sugeriu que tomasse um banho quente antes das primeiras tentativas?
Hermione encarou-o.
— Tinha me esquecido.
— Vá para o chuveiro, então, que eu fico com a pequena aqui. Depois, vá para a cama. Vamos tentar de novo. Talvez dê certo, que tal?
Hermione não precisou de mais incentivo. Estava disposta a tentar tudo. No banheiro, despiu a camisola e abriu a água do chuveiro, regulando bem a temperatura no aquecedor. Sentia os seios dolorosamente cheios e ardentes. Lágrimas voltaram a assaltá-la. Talvez fosse defeituosa e não pudesse amamentar. Chorou mais um pouco e fechou a água. Até a toalha machucava sua pele sensível, mas conseguiu enxugar-se. Vestiu a camisola, foi para o quarto e estacou.
Harry ocupava metade de sua cama, e não estava sozinho.
Como se houvesse nascido para ser pai, ele segurava Abigail no braço, deixando-a sugar a ponta de seu dedo mínimo. Recostado em meia dúzia de travesseiros, ao vê-la deu palmadinhas no espaço estreito ao lado.
— Pronta para tentar de novo?
Hermione umedeceu os lábios, apreensiva.
— O que pensa que está fazendo?
— Abrindo espaço para você.
— Quero saber o que está fazendo em minha cama.
— Ora, Hermione, você precisava de ajuda e eu era o único disponível. Venha cá. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos.
Ela não queria ficar junto dele. Era íntimo demais, sugestivo demais. Trazia à lembrança o que acontecera nove meses antes.
— Harry...
— Não foi aqui que aconteceu — observou ele. — Foi na minha casa.
— Pare de ler meus pensamentos! — Tarde demais, ela mordeu o lábio. — Como adivinha sempre?
Ele deu de ombros.
— É psíquico.
— Falo sério. Como sabe?
— Quer a verdade?
— Por favor.
— Você fica vermelha.
Hermione refletiu.
— Só isso? Fico vermelha?
— E seus olhos ficam assim.
— Assim como?
— Vamos, mulher, estamos perdendo tempo! Já para cá!
Mulher. Em termos, pensou Hermione.
Então, Abigail começou a se agitar de novo, deixando-a sem opção. Rendeu-se ao inevitável. Gatinhando entre as pernas de Harry, acomodou-se de costas no vão estreito entre suas coxas.
Ele não deixara muito espaço, de propósito. Após transferir Abigail para seus braços, manteve ambas estreitadas. Ela podia sentir o calor dele através da cambraia de algodão da camisola, trilhando fogo ao longo de sua coluna. Pior foi o movimento dos músculos e tendões dele junto a suas costas ao se ajeitar contra os travesseiros. Como ela podia relaxar recostada nele, estando ele seminu? Não podia ter vestido uma camisa antes de sair? Não teria levado mais que dois segundos.
Fechou os olhos. Não, Harry não teria desperdiçado nem dois segundos. Ela precisara dele, e ele fora correndo. Inspirou de modo entrecortado, rogando para que ele não notasse sua perturbação. Por que ele tinha de ser tão generoso e diligente? Por que não adotava a atitude de Rony, o eterno egoísta? Nenhum dos dois acreditava no amor. Como poderiam, se eram desprovidos de sentimentos? Se ao menos Harry admitisse isso, poderia eliminá-lo de sua vida e, mais importante, de suas lembranças!
Impunha-se encarar a verdade dolorosa. Por mais que desejasse o contrário, seu marido não podia satisfazer suas necessidades. Ele a beijara ao chegarem da maternidade sabendo qual seria a reação dela, optando pelo caminho mais curto para obter o que desejava, a filha. Era tão lógico e frio quanto o programa de computador que inventara, e tão incapaz quanto este de experimentar o amor. Mesmo cônscia de que o amor dele pela nova família era genuíno, de que ele queria mesmo ser um bom pai, além de um bom marido, não lhe permitiria arrastá-la para o deserto ermo de sua vida. Rony quase a destruíra com sua falsidade e caráter caprichoso. Não daria a Harry Potter a oportunidade de completar o trabalho. Não o deixaria congelar o que restara de seu coração e alma.
Ele roçou o queixo em sua têmpora.
— Agora, querida. Tente.
Constrangida, Hermione abriu a frente da camisola e levou Abigail ao seio. O bebê começou a espernear.
— Eu não disse? Não consigo!
— Claro que consegue. Só está nervosa. A enfermeira disse que era normal em mães de primeira viagem. Feche os olhos.
— Para quê?
— Feche os olhos.
Cansada, ela obedeceu.
— Andei pensando nesse problema.
— Logicamente.
Harry deu de ombros.
— E existe outra maneira? O fato é que, ao usarmos uma bomba pela primeira vez, temos de excitá-la.
— E como se excita uma bomba?
— Normalmente, força-se a água pelo cano a fim de expulsar o ar. Tão logo o ar escapa, a água jorra.
Hermione abriu os olhos.
— Harry, acho que não dá para fazer isso nesta bomba. Vou deixar claro: você não vai fazer isso com esta bomba.
Harry riu.
— Não se aflija. Pensei noutro método.
— Que seria?
— Bem, essa bomba não está funcionando porque a tensão contraiu os dutos e o leite não flui. — Ele começou a massagear-lhe os ombros. — Vamos ver se isto ajuda.
Não, não daria certo! Ela não conseguiria desobstruir nada com as mãos dele em contato com seu corpo!
— Harry...
— Psiu. Feche os olhos e me deixe amaciar estes músculos. Gem, pode tocar uma música suave, bem baixinho, por favor?
— AFIRMATIVO, SENHOR POTTER.
Instantaneamente, o som límpido e melodioso de um saxofone encheu o quarto. Harry sintonizou os movimentos das mãos com a música, localizando e desfazendo com os polegares os pontos de tensão. Após alguns minutos, Hermione parou de resistir e permitiu que as mãos dele realizassem a mágica. Puxa, como estava cansada. Acontecera tanta coisa nos últimos dias. Para começar, tinha um bebê junto ao seio e um marido tocando-a no corpo todo.
— Solte-se, querida — sussurrou ele em seu ouvido.
— Recoste-se em mim. Eu a manterei segura.
Sem pensar, ela relaxou no abraço dele. Abigail choramingou e abocanhou o mamilo mais uma vez.
Surpresa, Hermione sentiu o leite fluir no seio, uma sensação nunca experimentada antes. O bebê começou a sugar avidamente.
— Oh!
— Deu certo?
Hermione olhou para a frente da camisola, encharcada de leite. Aparentemente, aquela bomba tinha só um controle para as duas torneiras.
— Parece que seu método funcionou bem demais. Está vazando mais leite do que Abigail precisa.
— Antes assim.
A mamada de Abigail agora servia de acompanhamento ao pungente som instrumental. Hermione se afundou no abraço de Harry e fechou os olhos, feliz por ter superado o primeiro obstáculo como mãe. Ele estreitava a ambas em calor e segurança.
Virando o rosto, Hermione viu os pêlos castanhos que cobriam o peito de Harry. Já adormecera assim uma vez, havia muito tempo. Tivera sonhos doces, num ar repleto de encantamento.
— Como soube que eu precisava de ajuda? — indagou, curiosa.
— Gem me avisou. Hermione estava surpresa.
— Não sabia que as duas casas estavam conectadas.
— Não estavam, até ontem à noite.
— Você interligou os sistemas?
— Assim que Abigail nasceu. Hermione não entendia.
— Mas quanto tempo levou? — Harry bocejou.
— Quase toda a noite.
— E ainda foi comprar a cadeirinha para o carro?
— Isso mesmo. Depois, fui buscar minha família na maternidade.
Harry falava sem emoção, mas Hermione sentia o afeto por trás de cada palavra. A partir do momento em que batera a sua porta e a vira grávida, ele tomara todas as providências para cuidar dela e de Abigail, para impor seu lugar na vida de ambas. A cada passo, enfrentara a resistência dela com igual determinação. Sem dúvida, seu objetivo era tornar-se indispensável. Ainda que se sentisse sufocada com a atitude autoritária dele, nunca duvidara da sinceridade de seus motivos.
Só que ele queria algo que ela não podia lhe dar.
— Como Gem sabia que devia contatar você?
— Eu a instruí a me avisar se algo diferente acontecesse.
Hermione recordou as perguntas do sistema computadorizado.
— Quer dizer, se eu me desviasse de minha rotina normal?
— Mais ou menos isso. — Harry enganchou um cacho de seu cabelo atrás da orelha. — Ficou chateada?
Ela achou por bem dizer a verdade.
— Um pouco.
— Talvez devesse considerar isso. Uma vez que não quer ir morar comigo, tem de haver um jeito de eu saber se você e Abigail estão bem. Gem pode tratar disso. Sempre que precisar de mim, diga a ela, e ela me encontrará.
Hermione levou o bebê ao ombro e deu-lhe palmadinhas nas costas até que liberasse um pequeno arroto.
— Você tem de estar sempre no controle, não é, Harry?
— Se tomar conta de você e Abigail significa estar no controle, a resposta é sim. Vocês são a minha família agora. Não me peça para ignorar esse fato. É impossível.
— Não se trata apenas de nós. São os negócios, sua vida pessoal e mesmo Gem. O que acha que aconteceria se se desligasse um pouco?
— Sei o que aconteceu na única vez em que perdi o controle. Você engravidou e minha filha quase recebeu o nome de outro homem. — Sem aguardar resposta, supondo que ela tivesse alguma, disparou: — Pois me diga você: o que teria feito esta noite, se eu não tivesse aparecido?
— Não sei — admitiu Hermione. — Acho que teria telefonado para minha mãe, ou para a maternidade, pedindo instruções. Se não conseguisse mesmo amamentar Abby, teria lhe dado um leite especial.
— E perderia a chance de amamentar. Não acha que a experiência compensa sacrificar um pouco sua privacidade?
— Acho que sim. — Ela suspirou. — Foi bom você ter vindo.
— Se você se mudasse lá para casa, eu não teria que pegar o carro e vir aqui no meio da noite na próxima vez que tivesse um problema.
— Não abuse da sorte Harry. Já ganhou bastante terreno por uma noite. Desista.
— Está bem, está bem. — Ele falava brandamente, mas com um leve tom de advertência: — Por ora.
Devagar, ele a soltou e saiu da cama. Sem poder evitar, ela o admirou ao espreguiçar-se cheio de graça e poder masculinos. Seus cabelos negros estavam em desalinho, um fascinante emaranhado de mechas em vários tons. Seu corpo lembrava uma estátua grega, com ombros tão largos quanto se lembrava e pele lindamente bronzeada. Os pêlos castanhos no peito desenhavam uma pirâmide invertida, a ponta desaparecendo sob a calça jeans de cintura baixa. Baixou mais o olhar, percorrendo as longas pernas envoltas em denim. Então, não pôde evitar o sorriso.
— Saiu às pressas, não foi?
Harry ajeitava os cabelos com as mãos.
— Voando. Por quê?
— Esqueceu os sapatos.
— E a camisa. E a carteira.
— Não é do seu feitio.
Ele ergueu o sobrolho.
— Como pode saber?
— Cinco anos de observação me ensinaram um pouco sobre você.
Harry balançou a cabeça, discordando.
— Posso ter sido seu sócio todo esse tempo, posso ser seu marido agora e, por tabela, você pode até ter me classificado, mas não me conhece.
Hermione arrepiou-se ao som gélido da voz dele.
— O que eu não sei, Harry? Explique.
— Vá morar comigo, e logo saberá.
Pela primeira vez, ela experimentou uma sensação de perigo, instintiva, como nunca imaginara existir. Agitava-se em seu âmago, assim como o instinto de subjugar e conquistar manifestava-se dentro de Harry. Com a boca seca, sentia nas entranhas uma estranha combinação de medo e excitação. As narinas dele inflavam, como se testassem o ar. Ele absorvia o cheiro dela, concentrava os sentidos em sua essência única. Gravava-a na memória para uso futuro, quando poderia aproveitar-se do desejo implacável que ela revelara de modo tão insensato.
— Abby dormiu — comentou, nervosamente.
O sorriso dele foi como um flash na penumbra do quarto, carregado de perspicácia e intenções.
— Pode deixar que eu troco a fralda dela e a ponho no berço. Você precisa descansar.
Hermione não se opôs quando Harry lhe tirou a criança dos braços, até perceber o quanto ficara exposta. Tinha a camisola toda aberta na frente, em boa parte encharcada com o excesso de leite.
Harry olhava-a com indisfarçado fascínio. A maternidade transformara seu corpo ao longo daqueles nove meses, fortalecendo-a para que pudesse nutrir o bebê em formação, alterando a forma e a textura de seus seios. Maiores do que antes, exibiam veias verdes sob a pele branca, e os mamilos haviam se alargado e obscurecido.
— Eu não tinha percebido... — Ele teve de fazer uma pausa, ofegante. — Você está linda, querida.
Hermione fechou o decote da camisola. O que deveria dizer? Por algum motivo, "obrigada" não lhe parecia apropriado. Ora, sua mãe não descrevera nenhuma situação como aquela em suas conversas sobre amor e casamento.
— Você... vai embora depois que puser Abby no berço?
— Com certeza não vou ficar aqui.
Ela devia deixar o assunto morrer ali. Mas não pôde. Viu-se compelida a fazer a pergunta que deveria evitar:
— Por quê?
— Não vou dormir na cama de outro homem.
Hermione contraiu a boca.
— Não era um convite. Além disso, não foi esta cama que Rony e eu partilhamos.
— Mas partilharam este quarto — replicou Harry, desgostoso. — Partilharam esta casa.
— E daí? — questionou Hermione. — Não vou fingir que nosso casamento não aconteceu.
— Não estou lhe pedindo isso. — Ele apoiou Abigail contra o ombro com incrível facilidade para quem era pai havia apenas um dia. — Só que não vou tomar o lugar dele.
— Isso não seria possível — garantiu Hermione.
Era verdade. Rony fora um garoto inconsequente. Harry era um homem, e dos mais responsáveis. Ele a encarou pesaroso.
— Desculpe-me. Sei que deve sentir falta dele.
Tratava-se de um comentário generoso, ainda mais considerando os sentimentos dele pelo falecido sócio. Mas a triste verdade era que ela não sentia a menor falta do finado marido. Lamentava sua morte, com certeza, mas não sentia falta dele. Nenhuma.
— Não tenho do que me queixar.
Harry cortou o assunto dando-lhe as costas.
— Troque a camisola e tente dormir, querida. Acho que nossa filha vai querer mamar de novo daqui a pouco.
Telefone se precisar de mim.
— Pode deixar. Harry?
Ele se voltou da porta.
— Sim?
— Só quero que saiba: você já me deu muito mais do que Rony. — Ante o olhar interrogativo, Hermione explicou: — Eu sempre quis ter um bebê. Cheguei a me desesperar. Rony não poderia realizar meu sonho, mesmo que quisesse.
Harry franziu o cenho.
— Como assim?
— Rony era estéril.
Ele não disfarçou o espanto.
— Nunca imaginei.
E deixou o quarto com expressão enigmática.
Harry acomodou a filha no berço e ficou um bom tempo observando-a.
— Boa noite, amorzinho — murmurou, por fim, girando o móbile pendurado no gancho.
— SENHOR POTTER?
Ele sorriu. O sistema computadorizado baixara o volume, a exemplo dele.
— Sim, Gem?
— EXPLIQUE A CORRELAÇÃO ENTRE REBENTO FEMININO, MÚSICA SUAVE E TENTATIVA BEM- SUCEDIDA DE AMAMENTAÇÃO.
— A música suave ajudou Hermione a relaxar o bastante para alimentar o bebê.
— TENTATIVAS ANTERIORES NÃO FORAM BEM-SUCEDIDAS?
— Isso mesmo, Gem.
— A MÚSICA É NECESSÁRIA AO SUCESSO DA TÉCNICA DE AMAMENTAÇÃO?
— Parece que sim. — O silêncio tomou conta do quarto, e Harry deu uma última olhada em Abigail. — Não se preocupe, pequenina. Não vai demorar muito agora. Eu prometo.
Hermione cerrou os dentes.
— Pouco me importa o que o senhor Potter disse, Gem. A senhora Potter está ouvindo a mesma música há duas semanas. Desligue isso já.
— A MÚSICA SUAVE É NECESSÁRIA AO SUCESSO DA TENTATIVA DE AMAMENTAR O REBENTO FEMININO.
— A música suave não é mais necessária ao sucesso da tentativa de amamentar o rebento feminino. Na verdade, se você não a desligar agora, a tentativa de amamentar o rebento feminino irá fracassar. Está me entendendo, seu emaranhado de circuitos defeituoso?
— FAVOR UTILIZAR FORMA ADEQUADA DE TRATAMENTO AO FAZER UMA REQUISIÇÃO.
— Gem! Desligue essa música! — Como o sistema computadorizado não obedecia, Hermione só viu uma solução: — Nível de segurança alerta um. Informe ao senhor Potter que estou me desviando de minha rotina normal.
— FAVOR CONFIRMAR. NÍVEL DE SEGURANÇA ALERTA UM EM ANDAMENTO?
— Confirmado!
Quinze segundos depois, o telefone tocou. Era Harry.
— Estou a caminho. O que houve?
— Faça Gem desligar a música suave.
— O quê?
— Isso mesmo que ouviu! Ela pode tocar o que quiser, mas mais um minuto desse saxofone e eu vou pegar uma machadinha e começar a cortar fios até desligar esse monstro!
— Gem!
No mesmo instante, o sistema computadorizado passou a emitir uma sinfonia de Mozart.
— Oh, obrigada — aliviou-se Hermione, desligando o telefone.
Gem não era tão cabeça-dura quanto queria fazer crer.
Diante do monitor de televisão desligado, Harry esforçava-se para tomar a atitude correta. Para optar pela moral. Para escolher o caminho mais elevado. Aguentou trinta segundos.
— Ligar monitor — ordenou, cedendo ao traço inferior de sua natureza.
A tela se iluminou. Sentada na cadeira de balanço, Hermione amamentava Abigail, agora com três semanas. A imagem era perfeita, nas cores e no foco. Ao acionar o zoom da câmera, pôde ver em detalhes a pele cremosa do seio da esposa, bem como os dedinhos do bebê nele apoiados. Abbey contemplava a mãe enquanto sugava satisfeita, um fio de leite escapando pelo canto da boquinha cheia. De vez em quando, ela agitava a mãozinha, mas logo a pousava de novo sobre a fonte de seu sustento.
A cena o tocou de maneira instantânea e inequívoca.
— Som — ordenou ao sistema.
— SENHOR POTTER?
— Eu disse para transmitir o som, Gem.
— ESTÁ ACONTECENDO ALGO DIFERENTE?
Harry fez uma careta.
— É, acho que sim.
— ESTÁ SE DESVIANDO DE SUA ROTINA NORMAL?
— Sim, Gem, estou me desviando de algo terrível.
— ENTENDIDO.
— Gem, e o som?
— Por algum motivo, o sistema computadorizado não respondeu. Pelo monitor de televisão, Harry viu Hermione levantar-se de repente e sair do quarto. Segundos depois, o telefone ao lado dele tocava.
— Aqui é Potter.
— Harry? É Hermione. Está tudo bem?
Pego desprevenido, ele levou um instante para se recuperar.
— Está. Por quê?
— Gem me disse que você estava se desviando. O que aconteceu?
Ele fechou os olhos, desolado.
— Nada.
— Então, por que está se desviando?
— Eu não estou me desviando.
— Mas Gem disse que...
— Desde quando presta atenção a que Gem diz?
— Desde agora. Estou indo aí. Ele ficou rubro de raiva.
— Se aparecer aqui, é para ficar. Entendeu?
Hermione soltou um suspiro e foi como se o tocasse, afagasse e abraçasse. De punhos cerrados, ele lutava contra o desejo que buscava liberação. Ardia por ela, por transformar aquele suspiro num gemido, por restabelecer contato com cada centímetro dela.
Fizeram amor duas vezes na noite em que Abigail foi concebida. A primeira, às pressas, em desespero. Mas a segunda... Céus, ainda lhe coloria os sonhos. Aquela segunda vez fora irreal. Nunca tivera uma mulher tão aberta, tão honesta, entregando-lhe o corpo com tanta alegria. Mais que isso, ela lhe confiara o coração e a alma. Ainda os guardava. Infelizmente, porém, ela era proibida. Ao menos por ora.
— Por favor, Harry, deixe-me ajudar.
— Não desta vez. Pode deixar que eu cuido do meu desvio.
— É uma estrada de mão única, certo? Você vem correndo quando Abby e eu precisamos de ajuda, mas nós não podemos fazer o mesmo.
— O casamento é uma estrada de mão dupla, querida. Venha, se é isso o que quer. — Harry fez uma pausa. — Mas, uma vez aqui, terá de ficar.
— Não é possível — lamentou Hermione. Pela tela, ele via o quanto lhe custava dizer tais palavras. — Não vou embarcar noutro casamento vazio.
— Não vai ser vazio, Hermione.
— Não entende? Você é tão incapaz de emoções quanto Rony. Ele passou a vida toda no raso, sem imaginar que existiam águas mais profundas, mais ricas, a explorar. Você até sabe dessas águas, mas...
Harry engoliu o nó na garganta.
— Prossiga.
— Mas também as evita.
— Concluindo?
— Você enterrou suas emoções muito fundo, e há tanto tempo, que duvido de que as reconhecesse mesmo que o esbofeteassem.
Ele cerrou os punhos até os dedos ficarem brancos.
— Mais alguma observação, Hermione?
— Não quero Abigail compartilhando uma vida tão árida. Eu me criei cercada de amor, alegria e afeto... — Hermione se agarrou ao bebê como se precisasse de sua força vital para concluir a declaração. — Então, ao me casar, foi como me mudar para um mausoléu frio. Não suportaria isso novamente.
Harry fechou os olhos, incapaz de emitir qualquer som. Controle. Precisava de controle absoluto. Não era fácil de obter. Felizmente, tinha prática.
— Eu entendo — assegurou, por fim. — Eu não faria nada que magoasse você ou Abigail.
— Harry...
— Não se preocupe, Hermione. Eu estou bem. Até amanhã.
— Espere, Harry...
Ele desligou o telefone, gentil.
— Cessar imagem — ordenou ao sistema.
Instantaneamente, a tela se apagou.
E então? Gostaram?
Não sei vcs, mas pra mim esse capítulo diz toda a fic.
Comentem ;)
Beijos.
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