Capitulo 3



CAPITULO III



No sábado, Harry foi ao escritório a fim de adiantar o que seria uma semana atribulada, especialmente depois da segunda-feira à tarde, quando Sam Granger descobriria que sua galinha dos ovos de ouro fora roubada.
Mandara Hermione de volta para a casa dos Granger na tarde anterior depois de preveni-la sobre a necessidade de sigilo em torno da pequena cerimônia civil programada para a manhã de segunda. Sam não poderia desconfiar de nada. Também fizera Hermione prometer que iria encontrá-lo em sua casa no domingo à noite com as malas prontas. Seria o primeiro passo. Quais seriam os outros, e para onde essa caminhada os levaria... Bem, isso era algo que não sabia. Tudo que sabia era que já estava pensando duas vezes naquela história de casamento de conveniência.
De início a ideia havia parecido perfeita, e sabia que teria concordado com tudo naquele instante, quando a sede de vingança superara seu código de ética, mas Lorraine estava certa. Hermione Granger era vulnerável. E jovem, linda e desejável.
Tentara pensar na jovem que havia conhecido seis anos antes, mas ela crescera. Era uma mulher adulta.
Podia desistir de tudo. E devia desistir. Estava usando Hermione para vingar-se de Sam Granger.
Sam Granger. Um sujeito inescrupuloso. A personificação do homem mau. Um resquício dos tempos em que as filhas eram apenas mercadorias, bens negociáveis.
— E é por isso que não posso desistir — Harry resmungou enquanto andava pelo escritório. — Ele plantou a semente da culpa no coração de Hermione ao contar sobre a traição da mãe dela, e assim é capaz de casá-la com Krum ou qualquer outro canalha em menos de uma semana.
Pensar em Victor Krum perto de Hermione era difícil. Doloroso. Repugnante. Passara boa parte da noite tentando convencer-se de que a reação era provocada pelo conhecimento que tinha de Krum. Um mulherengo, algum cujo estilo de vida devastaria Hermione. Eram muitos os motivos pelos quais não podia permitir que uma jovem tão doce e inocente fosse sacrificada no altar de um casamento como aquele.
No entanto, ficara especialmente perturbado ao imaginar Victor Krum tocando Hermione. E a razão era uma só: queria ser o primeiro a tocá-la, a beijá-la e despertá-la para a vida.
Sim, sempre gostara de Hermione. Desde o dia em que a conhecera, quando tinha vinte e cinco anos e ela, dezessete. Gostara dela como de uma irmã, admirara sua inteligência brilhante e apreciara os sorrisos tímidos. Gostara até de como ela o fitava quando pensava não estar sendo observada.
Mas isso tudo havia sido há seis anos, quando era apenas um jovem tolo e vaidoso, enaltecido pela paixão de uma garota muito mais nova. Sentira-se capaz de rir da situação, porque era noivo da irmã de Hermione, apaixonado pela irmã de Hermione.
Que nunca o amara.
Annette sempre havia sido muito bonita. Pele pálida, cabelos loiros, olhos cor de violeta... Perfeita. Talvez perfeita demais.
E se havia deixado cegar por sua beleza. Por isso não enxergara as imperfeições. A arrogância, a falta de carinho, a maneira como ela o mantinha distante sempre que tentava ir além dos beijos.
Costumava pensar em Annette como uma princesa de conto de fadas, e a tratara de acordo com essa noção. Tecera um sonho em torno dela, permitindo que a beleza física conjurasse outros atributos, como bondade e um coração generoso.
Hermione havia sido boa e generosa. Feliz por estar viva, sempre disposta a sentar-se no chão e brincar, sempre pronta para dar um mergulho ou disputar uma partida de um jogo qualquer.
Hermione havia sido real. Annette nunca passara de um sonho.
Mas Hermione tinha apenas dezessete anos de idade.
— Agora ela não tem mais dezessete anos — Harry lembrou, percebendo que seus pensamentos não tinham nenhuma relação com um casamento de conveniência. Um casamento sem amor. Um casamento que não seria consumado. Um casamento cujo único objetivo era servir de instrumento para a vingança perfeita. — Não posso — decidiu, pegando o telefone sobre a mesa. — Não vou fazer isso com Hermione. Não seria justo com nenhum de nós.
Mas, antes que pudesse concluir a ligação, sua linha privada tocou e ele se viu forçado a atender ao chamado.
— Potter — disse com tom ríspido, tentando imaginar quem, dentre as poucas pessoas que tinham aquele número, havia se dado ao trabalho de localizá-lo no escritório numa tarde de sábado.
— Meu Deus! — exclamou uma voz delicada do outro lado. — Está nervoso, querido?
— Oh, olá, vovó — ele respondeu com um sorriso relutante. — Como vai a artrite?
— Batendo na porta, mas eu me recuso a deixá-la entrar.
— Que bom. Aconteceu alguma coisa? Você nunca telefona para cá, a menos que seja importante.
Sybil Potter vivia em Paris, e por isso suas ligações não eram frequentes. Mas Harry podia imaginá-la na sala elegante, acomodada em uma poltrona confortável, com um martíni sobre a mesa de café e um cigarro aceso entre os dedos. Aos oitenta e oito anos de idade, ela se recusava a abrir mão de certos prazeres.
— Bem, eu... não conseguia dormir. Estava pensando em algo que gostaria de discutir com você. Seu irmão só se interessa pela medicina, e James e Lilian ainda estão viajando em férias. Ninguém tira mais férias do que meu James. Meu filho não está tirando proveito de sua boa vontade, Harry? Não acha que ele o está escravizando?
— Não se preocupe com isso, vovó. Ainda sou jovem. Posso me exceder um pouco no esforço de construir uma fortuna. E que assunto é esse que queria discutir comigo? Algo sério? Está doente?
— Harry, pelo amor de Deus! Não posso telefonar para ter notícias de meu neto? Por acaso isso é algum crime?
— Vai querer me convencer de que só ligou para saber se estou bem? Desista, vovó.
A gargalhada de Sybil soou rouca do outro lado da linha.
— Tudo bem, eu confesso! Tenho mesmo um bom motivo para estar ligando. Mas isso não me impede de querer saber como tem passado. Tudo bem com você, querido? Comprou muitas companhias? Seduziu belas mulheres? James e Lilian estão loucos por um neto! Por que não faz a vontade dos dois?
— Traduzindo, por que não encontro uma boa mulher e me caso? Vovó, às vezes penso que tem dons paranormais.
— Dons... Harry! Você vai se casar? Meu Deus! James vai ficar admirado. Com quem vai se casar? Por favor, diga que não está noivo de uma daquelas modelos famosas e anoréxicas que vocês, homens ricos, consideram tão atraentes.
— Acalme-se, vovó. Estou apenas pensando em casar-me. Ainda não há nada de concreto.
— Hesitante, não é? Ainda não perdi a vontade de arrancar todos os cabelos daquela... daquela mulher. Dela e do pai. Juro, Harry, não quero ouvir o nome Granger nunca mais, a menos que seja para saber que Sam e aquela cavadora de ouro finalmente receberam um castigo merecido.
Harry não gostava do rumo da conversa. O que sua avó diria quando soubesse que a noiva em questão era Hermione Granger?
Melhor não correr riscos desnecessários. Sybil era uma mulher esperta demais para não perceber uma fraude. E não podia ser desmascarado antes de dar o golpe final.
— Vovó, estou esperando uma chamada importante — mentiu. — Por isso troquei o campo de golfe pelo escritório. Assim, por mais que me divirta com suas ideias sobre como torturar Sam Granger, por que não falamos sobre aquele assunto tão grave que a fez telefonar para mim?
— Já entendi. Quer que eu fique fora de sua vida pessoal. Tudo bem, não quero ser chamada de velha intrometida. E tenho mesmo um assunto importante a tratar. Recebeu o convite de Meredith para a festa de sessenta anos de Joe?
Harry lembrou-se de tio Joe. Enquanto seu pai, James, sempre havia sido um tipo mais urbano, se é que alguém podia chamar Prosperino de centro urbano, seu primo Joe havia preferido dedicar a maior parte de seu tempo ao rancho que possuía na zona rural que cercava a cidade.
Não que Joe fosse um rancheiro. Joe Potter, uma versão perfeita do homem que se fez sozinho, possuía bens significativos, poços de petróleo, uma grande companhia de navegação, e ainda tinha ações em companhias diversificadas. De fato, havia sido o modelo de Joe que Harry seguira ao escolher seu caminho profissional e desenvolver a carreira que, com tanto sucesso, associara à administração da PMH.
Harry costumava ir ao rancho com frequência, porque apreciava a companhia de Joe, dos primos e de todas as crianças que Meredith e ele haviam adotado e criavam com tanto amor. O Rancho Potter era um lugar feliz.
Ou melhor, havia sido, até dez anos atrás, quando Meredith e uma das crianças adotadas, Emily, quase haviam morrido em um acidente de automóvel.
O evento havia mudado Meredith de um jeito que Harry nunca pudera entender. E, a julgar pelo tom de voz da avó ao mencioná-la, não era o único a pensar assim.
— Harry? Ainda está aí?
— O quê? Oh, sim, vovó, estava tentando lembrar... Sim, eu recebi o convite. Parece que será uma festa e tanto. Pretende viajar para o acontecimento familiar?
— Sim, é o que estou planejando fazer, se puder. Mas não sei se vou me divertir.
— Por quê? Não tem nada interessante para vestir? — ele riu. — Pelo que sei, as costureiras de Paris choram de alegria quando recebem sua visita.
— É claro. E mal posso esperar para usar um vestido de gala na Califórnia. Admita, Harry. Uma ocasião formal como essa não combina com o estilo de Meredith. Ela odeia formalidades! Nos velhos tempos, Meredith teria organizado um enorme piquenique para toda a família. Mas um baile a rigor? Não entendo por que Joe está aceitando esse absurdo.
— Ele vai fazer sessenta anos, vovó. Talvez queira algo mais formal.
— Joe? De jeito nenhum. Estou lhe dizendo, Harry, há algo de estranho nisso tudo, e há muito tempo. Estive no rancho há um ano, e Meredith me tratou como se eu fosse uma hóspede. Isso nunca havia acontecido antes. Meredith nunca havia me tratado como uma hóspede, muito menos indesejada. E Emily, a menina que estava com ela naquele acidente...
— O que tem Emily? Ela não se recuperou bem? — Harry extraiu uma folha de papel do fax e reconheceu o resumo de um relatório sobre a situação financeira de Sam Granger. Seu fax não imprimia em cores, mas, se fosse o caso, haveria muito vermelho naquele papel. Queria desligar o telefone para analisar os números daquela página e de todas as outras que continuavam brotando do aparelho.
— Não sei. Emily foi jogada para fora do carro e perdeu a consciência. Quando a recuperou, disse estar vendo duas Merediths.
— Sim, já ouvi essa história. Duas Merediths, uma doce e sorridente, a outra fria e diabólica. Emily era só uma criança, vovó, e havia sofrido uma concussão. Ela podia ter visto dez Merediths, um elefante cor-de-rosa e um palhaço sobre a pilha.
— É mesmo? Então, por que Meredith mudou tanto? Pode me explicar, querido?
— Não, porque não é verdade. Reconheço que Meredith está um pouco mais distante, menos envolvida nos acontecimentos diários do rancho e... Bem, soube que ela se recusa a aceitar mais crianças em sua casa. Mas já pensou que ela pode se culpar pelo acidente e por todo o sofrimento de Emily? Talvez por isso ela não queira mais crianças no rancho. Por ter sofrido muito com a dor de Emily. Não se esqueça de que Michael, o filho de Joe e Meredith, morreu atropelado. Não acha que é muita tragédia para uma só mulher?
— Talvez. Mas ainda acho que há algo de estranho nisso tudo, e quero que vá até lá e analise a situação com seus próprios olhos. Veja se estou certa.
— Ir até lá? Vovó, eu não posso! Tenho um... Bem, tenho um negócio para fechar. Papai está viajando, e não posso afastar-me do comando da PMH. Sinto muito, mas é impossível.
— É a garota, não é? Você deixou escapar uma ou duas informações, mas sei que há muito mais. Não esqueça, Harry. Faça o teste.
— Teste? Do que está falando?
— Refiro-me ao teste do colar Potter. Sempre deu certo, querido. Bem, agora tenho de desligar. Afinal, de que adiantaria prolongar a conversa, se está fazendo de tudo para não me ouvir? Um dia desses ligarei para seu irmão Jason. Isto é, se ele ainda se lembrar de mim. Aquele garoto trabalha demais. E você também. Até logo, Harry. E não tente impedir-me de desligar, porque uma ligação internacional custa uma fortuna. Boa noite, querido.
Harry ficou olhando para o fone, ouvindo o som de ocupado.
— Ah, vovó... — suspirou sorrindo. Depois desligou e recolheu todas as folhas produzidas pela máquina de fax. — Mal posso esperar para vê-la novamente.


Era noite de sábado, e Harry não podia crer que estava em casa sozinho. A tevê transmitia uma partida de futebol. Havia uma lata de refrigerante na mesa ao lado do sofá e um colar de safira em suas mãos.
A culpa era de sua avó. Mencionar a jóia em um momento como aquele...
Conhecia a história do colar, ouvira dezenas de relatos idênticos ao longo dos anos, e sempre havia considerado a lenda fantasiosa, romântica, porém encantadora.
Naquele momento, entretanto, olhava para a jóia como se ela pudesse ganhar vida e atacá-lo.
A peça original havia sido dada ao Conde de Redbridge por ninguém menos que a Rainha Elizabeth I. Lindas safiras incrustadas em um leito de diamantes formavam o colar que fora passado ao filho mais velho de cada geração, até ter chegado às mãos de William Potter, o terceiro conde de Redbridge.
William havia tido um caráter reprovável. O dever o chamara, como acontecera a todos os Potter, mas nenhum senso de dever era suficiente para manter um homem aquecido nas longas noites de inverno.
Como recebera a incumbência de encher os cofres da dinastia Potter, então absolutamente vazios, o que era irónico, considerando a situação atual, ele se tornara noivo de Katherine Mansfield, cuja família nunca tivera prestígio ou influência. Mas os Mansfield tinham muito dinheiro, como contara Sybil Potter certa vez.
Era horrível pensar em todas as formas de comparação entre os Potter daquela época e Sam Granger. De qualquer maneira, havia sido outro período, um tempo regido por outro código de valores.
Além do mais, no final William encontrara seu caminho, embora houvesse sido por pouco.
Na véspera do casamento, Willie colocara o lendário colar no pescoço de sua noiva, oferecendo-o como um presente especial. Ninguém sabia por que ele havia esperado tanto para dar a jóia à futura esposa, mas a escolha do momento não havia sido ideal.
Talvez, houvesse sido a lenda em torno da peça que o impedira de pôr o colar no pescoço da jovem. Talvez William soubesse o que ia acontecer e não quisera correr o risco de amaldiçoar o casamento de conveniência com o colar.
Conforme a história, as lindas safiras eram capazes de oferecer uma versão medieval de gestos como polegares para cima ou polegares para baixo em relação às noivas escolhidas pelos Potter. Uma vez colocadas em um pescoço inadequado, as pedras perdiam o brilho. Porém no pescoço certo, as gemas cintilavam como estrelas.
Harry não acreditava no conto de fadas.
Mas William acreditara nele, e por isso ficara aflito diante do colar de pedras opacas e feias no pescoço de sua futura esposa. Impressionado, o homem cancelara a cerimonia e o casamento.
Naquela época, eventos como esse eram inaceitáveis, e muitos acreditavam que um casal de noivos era inseparável antes mesmo dos votos serem proferidos na igreja. Até mesmo a lei acreditava nisso. Um homem podia ser levado ao tribunal por desistir do compromisso horas antes de concretizá-lo. Podia ser julgado e condenado... e até morto, caso a mulher em questão tivesse irmãos que o desafiassem para um duelo.
De alguma maneira, William escapara de todas as penas, apesar de ter dado início a uma forte rivalidade entre as duas famílias. Assim, a Inglaterra deixara de ser um lugar confortável para o rapaz, especialmente depois de ele encontrar seu verdadeiro amor e tê-lo submetido à prova do colar, cujas safiras haviam brilhado a ponto de ofuscar tudo que as cercava.
Harry desligou a televisão e continuou lembrando a velha história.
William embarcara com seu amor em um navio com destino ao Novo Mundo, e assim um ramo da família Potter saltara da Inglaterra para a América. Ao longo do tempo, William e seus herdeiros construíram e perderam muitas fortunas, e uma dessas reviravoltas havia obrigado um descendente do conde a vender o colar.
— Mas meu pai o encontrou — Harry disse à jóia.
James, seu pai, havia feito uma fortuna considerável com empresas de mídia. Ao tomar conhecimento de que o colar era oferecido em um leilão, ele o arrematara e levara para casa com a sensação do dever familiar cumprido. Mais tarde ele encomendara uma reforma da peça, transformando-o em duas gargantilhas, uma para a noiva de Jason, outra para a de Harry. E agora, ali estava ele. Em suas mãos.
O telefone tocou e ele deixou a secretária eletrônica registrar a ligação, pulando para agarrar o fone ao reconhecer a voz de Hermione.
— Estou aqui — disse apressado antes que ela pudesse desligar. — Está tudo bem?
— Sim, sim... Quero dizer, na medida do possível. Sam contou a Annette que não é meu pai. Ele havia prometido guardar segredo, mas acabou falando, e agora ela também está me pressionando, dizendo que tenho o dever moral de aceitar a proposta de Victor Krum.
— E... — De repente tinha certeza de que o casamento era a única saída para Hermione. Sim, agira corretamente ao tomar todas as providências para a cerimônia. Francamente, estava fazendo um grande esforço para não ir buscá-la naquele mesmo instante e tirá-la daquela casa, de perto daquelas pessoas.
— Bem... eu não pretendia dizer nada. Sei que devia guardar segredo até segunda-feira...
— Você contou a ela sobre o casamento — Harry deduziu desanimado. Devia saber que não existia um plano perfeito. — O que aconteceu?
— Fui uma estúpida, Harry. Estúpida e imatura. Annette não reagiu bem. Ela disse coisas horríveis sobre você, sobre mim e minha mãe. Ela era mãe de Annette também, e minha irmã é mais velha, o que significa que a conheceu melhor do que eu, já que a perdi quando tinha apenas cinco anos. Oh, Harry, ela a chamou de prostituta e disse que sou uma bastarda ingrata. Foi horrível!
— Imagino que sim. E Sam? Ele também já sabe?
— Ainda não. Ele foi passar o final de semana em Las Vegas com Victor. Os dois estão celebrando. Papai só voltará para casa amanhã à noite. É impossível localizá-lo, porque ele não disse a ninguém onde ficaria hospedado.
Celebrando. Sam Granger comemorava a venda da filha que criara como sua. O homem era um verme.
— Muito bem — Harry decidiu, guardando o colar no estojo de veludo e jogando a caixa em uma das gavetas da mesa a seu lado. — Não saia daí. Estou indo buscá-la.
— Não se incomode, Harry.
— Incomodar-me? Se acha que vou deixá-la aí sozinha com Annette, deve ter perdido o juízo. Fique em casa e...
— Harry, estou do lado de fora, em meu carro. Liguei para você do celular. Eu só queria ter certeza de que estava em casa e acordado. Afinal, já passa da meia-noite. Não queria simplesmente tocar sua companhia e...
Harry já estava no corredor que levava à porta, acendendo as luzes por onde passava.
— Estou indo — anunciou, desligando o telefone sem fio e jogando o aparelho sobre a mesa do hall antes de abrir a porta para sair.
Só quando Hermione saiu do carro e ele a tomou nos braços para confortá-la, só para confortá-la, realmente, Harry se deu conta de como estava feliz por vê-la, por ela ter ido procurá-lo.
Sentindo os tremores que a sacudiam, mantendo um braço sobre seus ombros para ampará-la, ele a levou para dentro da casa, para o escritório, onde a deixou para ir à cozinha preparar um chá. Sua mãe sempre servira chá quente e doce em momentos de tensão. Ela costumava dizer que a bebida bania o frio da alma e acalmava o coração.
Quando voltou ao escritório com a bandeja, Harry encontrou Hermione olhando para a lareira, de costas para ele.
— Venha, sente-se aqui — disse com firmeza. — Beba o chá enquanto está quente.
Ela permaneceu no mesmo lugar por alguns instantes, o suficiente para que pudesse examiná-la no jeans simples usado com pulôver preto. Os cabelos longos e soltos escondiam o rosto delicado, mas ela parecia nervosa.
Hesitante, Hermione aproximou-se do sofá próximo à mesa onde Harry servia o chá. Ela não se parecia em nada com a Hermione de sua memória. Não. Aquela era a Hermione da tarde anterior, adulta linda e capaz de despertar seu corpo de um jeito que não tinha nenhuma relação com as velhas lembranças.
— O que aconteceu? — perguntou, notando que ela se sentava encolhida e tensa. — Está com medo de mim? Não pode ser, ou não teria vindo para cá.
Ela usou a mão para esconder parte do rosto antes de encará-lo.
— Não é nada disso. Não tenho medo de você, Harry. Eu apenas... sofri um pequeno acidente. Foi isso.
Harry segurou a mão dela e baixou-a, tocando seu queixo para virar o rosto para a luz.
— Ela fez isso? — perguntou por entre os dentes ao deparar-se com o hematoma em uma das faces pálidas. Havia um corte perto do olho de Hermione que devia ter sido provocado por um dos anéis que Annette costumava usar.
Ela assentiu e levou a mão ao rosto.
— Annette me chamou de coisas horríveis — contou, forçando um sorriso trémulo. — Oh, sim, e também me acusou de estar pegando sobras... coisas que ela desprezou no passado.
— É mesmo? — Harry incentivou-a a prosseguir enquanto adoçava o chá.
— Sim, mas eu a fiz calar com um soco. Afinal, ela já havia me agredido. Foi só uma retaliação. Espero que Annette acorde com o olho roxo!
— Sentiu alguma alegria quando a agrediu?
— Oh, sim! — Dessa vez o sorriso de Hermione alcançou seus olhos. Olhos que já não exibiam nenhum sinal das lágrimas. — Foi maravilhoso!
E eles riram. De mãos dadas, sentados lado a lado no sofá, riram como se não tivessem nenhuma preocupação.

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