Capitulo 2



CAPITULO II



Hermione parou diante do espelho da pizzaria, tentando entender por que Harry não a avisara sobre o rímel borrado. Diante do estrago, não havia outra alternativa se não lavar o rosto e remover toda a maquiagem. Pensando bem, seria um alívio livrar-se de tudo aquilo.
Quando ergueu a cabeça para olhar para o espelho novamente, a Hermione Granger que conhecia havia voltado.
— Cem dólares em cosméticos escoando pelo ralo — ela resmungou, embora não estivesse arrependida.
Pensando bem, não havia sido uma grande ideia entrar na loja de departamentos e sentar-se na seção de cosméticos onde uma esteticista demonstrava as qualidades dos produtos. Depois de ter sido maquiada, Hermione comprara toda a linha, animada com a ideia de parecer mais profissional e madura para o encontro com Harry. Havia imaginado que a maquiagem lhe daria mais confiança, mas tudo que conseguira fora sentir-se ridícula.
Não que esperasse que Harry se apaixonasse ao vê-la. Gina Weasley, sua melhor amiga e companheira de quarto nos tempos de universidade, sempre a prevenira sobre sua natureza romântica, uma tendência que se esforçava por sufocar. Sabia que Harry não ficaria eufórico com a oportunidade de tornar-se seu marido em troca de algum dinheiro.
Não. Nunca imaginara que isso aconteceria. Nem em sonhos.
Bem, talvez em sonhos.
— Hora de voltar à realidade, Hermione — ela resmungou, abrindo a bolsa para pegar o batom, única maquiagem que costumava usar. — Talvez ele a ajude, talvez não, mas certamente mandará uma equipe de busca atrás de você se não sair deste banheiro imediatamente.


Harry estava sentado em uma das mesas mais próximas das janelas da pizzaria. Dali ele podia ver parte do centro comercial localizado a três quarteirões da sede da PMH. Haviam caminhado até ali, desfrutando do agradável sol de primavera, e Hermione tinha quase certeza de que poderia voltar andando, desde que tivesse menos uma hora para descansar. O salto alto dos sapatos ameaçava matá-la, e precisava sentar-se.
Harry sorriu ao vê-la e levantou-se para puxar uma cadeira. Depois de acomodá-la, ele voltou ao seu lugar.
— Agora posso ver a Hermione que conheço e adoro. Com sardas e tudo!
— Está tentando dizer que ainda aparento ter dezessete anos? Que coisa deprimente! E eu que imaginava ter crescido!
— Oh, você cresceu! — ele riu. — Pedi a pizza grande, meia pepperoni, meia mozzarela.
— Perfeito — ela respondeu, bebendo um pouco do refrigerante que Harry havia pedido. Talvez assim pudesse continuar falando sem tropeçar nas palavras.
Há quanto tempo tinha aquela tola paixão por Harry Potter? Desde que o vira pela primeira vez na piscina de sua casa, rindo de alguma coisa que Annette dissera.
Alto e forte, com cabelos negros e a pele molhada, ele a fizera pensar em um deus pagão com olhos verdes como esmeraldas. Seu sorriso teria atraído os anjos para fora do paraíso.
Gina, que havia ido com ela para casa naquele final de semana, ficara parada e boquiaberta por alguns instantes. Depois ela rira.
— Tudo bem, se jogarmos com maestria, Hermione, poderemos trancar sua irmã no vestiário e ter aquele deus só para nós. O que acha do plano?
Hermione sorriu, uma reação provocada pela lembrança que era ao mesmo tempo doce e amarga, uma vez que, naquela mesma noite, Harry e Annette haviam anunciado o noivado. Desde então, fora condenada a viver aquela paixão intensa e sem esperanças.
— Do que está rindo?
— O quê? Oh, de nada. Estava apenas lembrando o dia em que o conheci. Você me jogou na piscina.
— Porque você passou vinte minutos parada na beirada, ameaçando mergulhar. Havia mais alguém... Oh, sim, uma de suas amigas. Nós três passamos a tarde toda na água, rindo e brincando. Como era mesmo o nome dela?
— Gina Weasley, e ela ficará espantada por ter se lembrado. Ginny se casou pouco depois da formatura, mas não creio que esteja muito feliz. Na verdade, sei que ela está passando por uma fase difícil. Caso contrário, teria ido chorar em seu ombro, e você jamais teria tomado conhecimento de toda essa história.
— Lamento por sua amiga, mas fico feliz por ter me procurado. Naquele dia nós nos divertimos muito. Você, Gina e eu... Annette preferiu não entrar na piscina, porque havia arrumado os cabelos e não queria estragar a maquiagem. Pensando bem, nunca vi sua irmã naquela piscina.
— Ela não gosta de se molhar, de estragar os cabelos e arruinar a maquiagem. Engraçado... Eu nem preciso chegar perto de uma piscina para arruinar a maquiagem.
— Felizmente, porque fica muito melhor sem ela. — A garçonete serviu a pizza e afastou-se.
— Obrigada pelo elogio, mas sempre imaginei por que não tinha aquela aparência delicada e sofisticada de Annette. Agora já tenho a resposta. A vida é mesmo surpreendente, Harry.
— Está sofrendo, não é? — Harry tocou a mão dela sobre a mesa. — É natural. Afinal, quem não ficaria perturbado com uma revelação dessa magnitude? E como se não bastasse, ainda teve de enfrentar uma terrível e odiosa chantagem emocional. Não imagina como gostaria de pôr as mãos em Sam Granger e obrigá-lo a ouvir algumas verdades.
— Nesse caso, creio que não preciso mais esperar por uma resposta. Não vai investir na empresa de meu pai nem ajudá-lo a escapar da falência. E não posso criticá-lo por isso nem dizer que estou surpresa. Sabia que as possibilidades eram mínimas.
— Coma, Hermione. — Harry levantou-se ao ouvir o celular tocando em seu bolso. — Estava mesmo esperando por uma ligação depois de ter acionado uma de minhas fontes. Vou atender lá fora. — Ele se afastou enquanto levava o aparelho ao ouvido.
Intrigada, Hermione viu pela janela como Harry andava de um lado para o outro na calçada enquanto conversava ao telefone.
Naquele momento ele era a imagem do magnata. Bem vestido, calçando sapatos italianos costurados à mão, tinha uma postura imponente e uma expressão firme. Harry Potter era muito diferente do Harry que conhecera, do homem com quem jogara pólo e com quem comera pizza, do confidente a quem revelara seus tolos sonhos de adolescente.
Hermione comia e tentava não notar como Harry andava e falava ao telefone. Finalmente ele encerrou a ligação e voltou ao seu lugar na mesa.
— E então? — ela perguntou, notando que o grande empresário tinha um apetite mais do que saudável. — O que sua fonte tinha a dizer? Estava falando sobre papai, não é? Achou melhor verificar minha história e certificar-se de que eu não estava inventando nada.
— Eu nunca desconfiei de nada do que disse. Conheço Sam Granger o bastante para saber que sua história não só é verdadeira, como correspondeu ao estilo dele. Oh, e aqui entre nós, parece que Annette decidiu abandonar o barco antes do naufrágio. Seu cunhado... ou ex-cuhhado, será denunciado por fraude fiscal a qualquer momento. Deixou de pertencer a uma família adorável, Hermione.
— E você não quer envolver-se com ela. Eu entendo. Não devia ter ido procurá-lo. Ainda está ressentido com Annette por causa do fim do noivado. Sei que a amava muito.
Harry franziu a testa e um brilho intenso invadiu seus olhos. Notando a mudança súbita, Hermione assustou-se.
— Harry? Oh, meu Deus, desculpe-me! Eu não devia ter dito isso.
— Tudo bem. São águas passadas, como dizem por aí. Não posso culpar Annette. Quero dizer, olhando para trás e levando em consideração tudo que sei, sou forçado a reconhecer que ela estava certa. Não teríamos dado certo.
— É muito generoso. E está mentindo. Por quê? Não conheço toda a verdade. Há alguma coisa que eu não saiba sobre o passado?
Harry pagou pela pizza e estendeu a mão para Hermione.
— Depois de tantos anos estudando e se preparando, não devia estar pensando no presente, em vez de ocupar-se com o que aconteceu há seis anos?
— O presente... — Hermione suspirou. — A iminente falência de papai, Victor Krum, e o que vou fazer com relação aos dois assuntos. Sim, devia me ater ao presente. Só quis me desculpar por ter mencionado o nome de Annette.
— E acabou de mencioná-lo mais uma vez. — Harry levou-a para fora do restaurante. — Vou ter de cobrar um centavo por cada vez que disser o nome dela em minha presença. Como acha que me tornei um magnata, se não agarrando cada centavo que podia tocar?
— Está brincando. — Hermione tentou ignorar o calor da mão em sua cintura enquanto caminhavam pela calçada.
— Eu? Brincando? Francamente, Hermione! Sou um homem sério e maduro!
— Oh, eu já notei que esses anos causaram mudanças profundas — ela respondeu em tom debochado. — A propósito, aonde estamos indo? Não devíamos ter virado à esquerda na última esquina?
— Sim, se estivéssemos voltando para o meu escritório. Como não estamos, viramos à direita.
— Por quê? Aonde está me levando? Isso tem alguma relação com aquele telefonema?
Harry levou-a para um pequeno parque público onde se sentaram lado a lado em um banco à sombra de uma árvore. Hermione tentava entender por que tinha a sensação de que sua vida sofreria a segunda grande virada da semana.
— Harry? Não gosto quando assume essa expressão pensativa. O que está tramando?
— De que expressão está falando? Da mesma que criticou no dia em que a levei à falência no jogo do Monopólio? Lamento, mas é meu instinto devorador. Dizem que todos os grandes empresários o têm.
— Que maravilha! E eu estou na linha de fogo, não é?
— Apenas indiretamente. No momento, meu alvo é a companhia de Sam. A propósito, a situação é mesmo crítica. E antiga. Felizmente, e é provável que tenha sido apenas um acidente, Sam conseguiu mantê-la desligada dos negócios de O'Meara, o que significa que o governo federal não está atrás dele. É claro que são os únicos que não estão atrás dele, mas não se pode ter tudo.
— Será que pode parar de rir, Harry? — Tarde demais, estava percebendo que Harry, o amigo que conhecera há seis anos, e Harry Potter, o grande magnata do presente, eram duas pessoas distintas. Também começava a compreender que podia ter cometido o maior engano de toda sua vida ao procurá-lo em busca de ajuda.
— Desculpe-me — ele pediu, assumindo um ar mais compenetrado. — Sei que a situação não é engraçada. Na verdade, é uma pena, porque a Granger Inc. já foi uma empresa saudável e lucrativa. Posso afirmar com certeza, porque investiguei a companhia antes de aceitar um emprego nela. Mais tarde compreendi que Sam Granger tem um defeito que, no mundo dos negócios, é considerado fatal.
— Que defeito é esse?
— Ele tem uma ganância insaciável. Sam possuía uma empresa que gerava lucros satisfatórios e estáveis, mas, como muitos outros, preferiu arriscar uma super-expansão em um momento economico promissor, tentando crescer depressa demais e contando com dinheiro que ainda não estava em seu bolso. Dinheiro que ele acreditava estar nos bolsos de outras pessoas.
— No de Robert O'Meara. Ele contou com o dinheiro de Robert, não é?
— Sim, ele contou com o dinheiro do futuro genro. Mas a companhia ainda tem potencial. O produto é bom, e por isso penso que vale a pena investir nesse negócio. E possuí-lo.
— Possuí-lo? Espere um minuto, eu não disse que Sam estava vendendo a empresa. Ele só quer um investidor de grande porte.
— E um marido rico para a mulher que ele criou como se fosse sua filha. Aposto que Sam relacionou as despesas com a sua educação como parte dos custos empresariais. Vender uma filha, fazer chantagem com a outra... Esse é o velho Sam, um verdadeiro príncipe.
— Harry, por favor...
— Pense bem, Hermione. Só se pode conseguir um investidor de porte uma vez, duas, com muita sorte, mas um genro rico é um poço sem fundo. Tudo bem, o marido de Annette acabou se revelando um poço seco, mas Krum é financeiramente sólido, embora seja falido moralmente. Mas Sam não dá muita importância a certos detalhes. Temos de reconhecer que o homem é persistente. Mesmo depois de um ou dois fracassos, ele continua tentando.
Hermione levantou-se.
— Gostaria de voltar ao local onde estacionei meu carro. Creio que já encerramos nossa conversa.
— Ainda não — ele respondeu, levantando-se e passando um braço em torno de sua cintura para levá-la ao prédio onde funcionava seu escritório. — Já acionei meu departamento jurídico. Os papéis estarão sobre a mesa de Sam na segunda-feira cedo. Nesses documentos eu estabeleço minha disposição de entrar em cena como o cavaleiro andante que você descreveu, saldando todas as dívidas da Granger Inc. e as dívidas pessoais de Sam, tudo em troca de uma parte da companhia. Cinquenta e um por cento dela.
— Cinquenta e um...? — Hermione parou, obrigando-o a fazer o mesmo. — Sam jamais permitirá que você tenha o controle acionário da empresa!
— Oh, mas eu aposto que ele vai aceitar minha oferta, especialmente quando souber que nos casamos, arruinando seus planos com Victor Krum. Assim que estivermos casados, Hermione, será do meu jeito ou de jeito nenhum, e Sam saberá disso. Francamente, preciso que ele saiba disso.
— Mas... você não quer se casar comigo. Sei que esse era o plano com Victor Krum, mas não vim aqui para pedir que se casasse comigo e me salvasse. Quero um cavaleiro andante, não um marido!
— Está dizendo que devo telefonar para os meus advogados e dizer que suspendam todo o processo? Quer que eu cancele a oferta? Prefere que eu me afaste e fique assistindo de longe ao seu sacrifício no altar financeiro de Victor Krum, só porque tem uma noção absurda de que deve dar a Sam e Annette o grande presente de despedida da solvência antes de ir embora?
— Você sabe que não quero me casar com Victor Krum. Mas... casar com você? Isso é mesmo necessário?
— Sim, se quiser fazer Sam enxergar a realidade e compreender que Victor Krum não pode fazer por ele o que eu estou disposto a fazer. Krum não terá mais nenhum incentivo para ajudar Sam Granger depois de perder o prémio principal.
— Eu? Não, Harry. A companhia é o grande prêmio.
— Por que tem sempre de subestimar-se? Para uma garota tão inteligente, não tem uma noção muito exata de si mesma. A culpa é de Sam e daquela mania estúpida de dizer a todos que Annette herdou a beleza, enquanto você tem a inteligência. Como se a inteligência não fosse um bem valioso! E você é linda, Hermione. Sempre foi dona de uma beleza natural e única. Acredite em mim. Victor Krum deve estar sonhando com o momento em que terá uma jovem virgem e adorável em sua cama.
Hermione baixou a cabeça. Ele a feria e embaraçava, mas, ao mesmo tempo, despertava sensações maravilhosas que só uma mulher podia conhecer.
— Quem disse que sou virgem?
Harry riu como se acabasse de ouvir uma piada.
— Não tem graça! — Afrontada, Hermione afastou-se da mão que a segurava e seguiu en frente com passos apressados.
Ele a alcançou e enlaçou mais uma vez, como se a possuísse. Como se tivesse o direito.
Hermione não tentou escapar do contato, mas disse a si mesma que Harry Potter não tinha nenhum direito sobre ela.
— Não quer saber aonde vamos?
— Não me interessa — ela respondeu, erguendo o queixo e tentando agarrar-se à dignidade que ainda restava.
— Mas vai saber assim mesmo, porque já chegamos.
Ela olhou em volta e viu que estavam parados diante do prédio da prefeitura de Prosperino.
— Meu Deus... — murmurou.
Harry segurou sua mão e levou-a para dentro do edifício de piso de mármore. Pararam na frente do balcão da recepção, onde havia uma placa com a localização de todas as repartições que funcionavam no prédio.
— Ali está — ele disse. — Licenças de casamento, terceiro andar.
— Esqueça.
— Hermione Granger! — Harry gritou ao notar que ela caminhava para a porta. Várias pessoas olharam em sua direção. — Você vai ter de se casar comigo! Pense no bebê!
Vermelha, cerrando os punhos para encontrar forças, ela se virou para encará-lo. Harry estava parado na frente de um dos elevadores, segurando a porta , aberta e parecendo tão inocente quanto no dia em que ele havia aparecido no colégio interno com uma autorização falsa de seu pai permitindo que ela saísse para comer pizza. Havia sido a primeira vez, mas a mesma autorização servira para todas as outras pizzas clandestinas.
Era estranho. Até aquele momento, apesar de todos os sorrisos e da ironia de seus comentários, não havia percebido que Harry se tornara uma pessoa mais intensa. E o que esperava? Que ele houvesse passado seis anos vivendo numa bolha, como ela? Que não houvesse mudado?
Gostaria de saber que influência Annette exercera nessa transformação.
— E então, mocinha? — perguntou um homem idoso do interior do elevador. — Não tenho pressa para sentar-me no grande júri, mas o juiz não vai gostar se eu me atrasar.
— Desculpe-me - Hermione murmurou.
Harry piscou e sorriu. Aquele era o homem que havia conhecido seis anos atrás, o homem por quem se apaixonara com toda a intensidade da adolescência.
— Vamos, Hermione — ele a incentivou. — Quer sair de casa, mas não tem para onde ir. Eu sou a solução. Além do mais, não vai querer continuar usando o nome Granger!
— Posso trabalhar, e o nome Granger ainda não me causou nenhum mal. Quer saber de uma coisa? Não serei material de barganha. Nem nas mãos de Sam, nem nas suas. Adeus, Harry. Obrigada, mas sua proposta foi recusada — ela disse antes de sair correndo.
Harry soltou a porta do elevador e correu atrás dela. Sabia que Hermione não poderia andar muito depressa naqueles ridículos saltos altos. Mesmo assim, só conseguiu alcançá-la na esquina, onde a segurou pelo braço e levou-a para uma sombra entre dois prédios.
— Desculpe-me — pediu apressado, notando as lágrimas que tornavam os olhos azuis mais brilhantes. — Sou tão estúpido quanto Sam. Por favor, escute o que tenho a dizer.
— Não temos mais nada a dizer um ao outro, Harry. Nada.
— Está enganada. Você merece a verdade. Ainda está interessada em ouvi-la?
— Quer dizer... toda a verdade?
— Até a última gota.
Hermione suspirou resignada.
— Está bem, pode começar a falar.
— Aqui não. Vamos ao meu escritório.
Caminharam em silêncio pela calçada, mas dessa vez ela não se deixou tocar ou conduzir. Estava indignada, ferida em seu orgulho, e isso era algo que Harry podia entender bem.
Usando sua cópia da chave, ele abriu a porta do edifício e levou-a ao elevador. Os corredores da administração estavam silenciosos, mas havia luz na recepção da sala da presidência.
— Olá — Lorraine disse ao vê-lo. — Estava mesmo esperando por você.
— Estava? — Talvez Lorraine quisesse tirar férias. Poderia dar a ela uma viagem de um mês para a Mongólia.
— Oh, sim... Afinal, eles sempre voltam ao local do crime, não? — A assistente olhou para Hermione. — Tudo bem com você, querida?
— Sim, obrigada.
— Esteve ouvindo atrás das portas, Lorraine? — Harry disparou irritado, abrindo a porta da sala para que Hermione o precedesse.
— Admito que adotava essa prática nos tempos de seu pai. Mas, com você, só preciso deixar o interfone ligado. Você nunca soube como usar o aparelho.
— Não posso acreditar...
— Ei, ela podia ser uma terrorista! Não podia deixá-lo sozinho num prédio vazio. Confesso que esperava vê-lo voltar sozinho para me contar todos os detalhes do que aconteceu. Por isso me escondi no armário quando saiu com ela. E então? Vai salvar a tal companhia e ajudar aquela pobre moça? Pensando bem, tenho uma pergunta ainda mais importante: Vai contar a ela a verdade sobre o que aconteceu há seis anos?
— O que você sabe sobre o que aconteceu há seis anos? Ah, esqueça! Você sempre sabe tudo que acontece por aqui. Por isso não posso demiti-la. Iria imediatamente ao nosso maior concorrente para revelar nossos segredos.
— Ora, eu nunca...!
Harry beijou-a na testa e sorriu.
— Eu sei que não, Lorraine. Desculpe se a ofendi, mas estou um pouco estressado.
— Trate de não magoar aquela moça, sr. Potter. Há algo de vulnerável nela — Lorraine disparou enquanto pegava a bolsa para partir.
Harry assentiu e entrou na sala da presidência. Fechando a porta, aproximou-sé da mesa e tirou da parede a tomada do interfone. Segundos depois ele ouviu o som da porta externa se fechando. Sua assistente havia partido.
— Ela é uma mulher muito atenciosa — Hermione comentou, falando pela primeira vez nos últimos dez ou quinze minutos.
— Ela é um terror e um castigo, mas não sei o que faria sem ela por aqui. — Harry serviu refrigerante em dois copos e entregou um deles a Hermione. Depois convidou-a a sentar-se na saleta onde haviam estado antes. — Muito bem, é hora da verdade.
— Estou ouvindo.
— Vamos voltar no tempo. Seis anos. E quero que saiba que isso não vai ser agradável para mim. Temos de voltar para que eu possa lhe dizer que esta não é a segunda vez que Sam lança mão do que considera um grande artifício para aumentar seus lucros. A única diferença é que, ao contrário de você, Annette foi cúmplice.
— Espere! Está dizendo que Annette concordou com o casamento por que esperava que você salvasse meu pai da falência? Como pode ser? Você trabalhava para ele! Não tinha dinheiro!
— Pense bem, Hermione. Estou certo de que vai compreender.
Ela olhou em volta como se visse o escritório pela primeira vez.
— Sim, creio que entendo. Você não tinha dinheiro... mas seu pai era dono de uma fortuna. Sam queria que seu pai investisse na Granger Inc.?
— Melhor que isso. Ele queria nosso investimento, mas também esperava dispor de uma parte da nossa empresa. Seria... um presente por ele ter permitido meu casamento com Annette. Quando recusei sua proposta, Annette deu o toque final ao lamentável episódio revelando que não me amava. Nunca me havia amado. Ela só aceitara meu pedido de casamento porque eu era rico, podia salvar seu pai da falência e dar a ela a vida que ela julgava merecer.
— Então... Você rompeu o noivado. Não foi Annette. E o rompimento não teve nenhuma relação com uma súbita paixão dela por Robert.
— Exatamente. Mas ainda há mais, e essa é a parte que me faz parecer menos digno, a parte que eu preferia manter oculta.
— Deve ter ficado muito magoado. E ressentido. Furioso. Você a amava, Harry! Como ela pode ter sido tão cruel? E tola! Annette não se deu conta da sorte que tinha por tê-lo... Oh, esqueça o que disse. — Hermione deixou o copo sobre a mesa e caminhou até a janela. — Seis anos mais tarde, eu apareço em seu escritório repetindo a mesma história. A única diferença é que, desta vez, não sou uma cúmplice. No entanto, o resultado final teria sido o mesmo, exceto pela troca de noivos. Eu retomaria a primeira escolha de papai: você. — Ela se virou para encará-lo. — Não é irônico, Harry? Meu pai seria salvo da falência e, através do nosso casamento, encontraria finalmente o poço de fundos de onde extrairia seus recursos. Mas... não. Seria diferente, não é? Você exigiria cinquenta e um por cento da empresa.
— É isso mesmo. Eu teria o controle acionário da Granger Inc., e Sam jamais poria as mãos na PMH ou em qualquer outra empresa do meu conglomerado. E como se não bastasse, estaria casado com seu último bem. Em resumo, Sam Grenger teria de conformar-se com a derrota definitiva. Isto é, a menos que Annette decidisse caçar magnatas. Ela não se dá bem com Victor?
— Não. São como óleo e água. E esse seria mais um detalhe favorável ao seu plano, Harry. Teria a vingança completa. Contra meu pai, contra Annette... Mas o que eu teria a lucrar?
— Muito, se fosse parecida com sua irmã. Se aceitasse o casamento por interesse. Um pouco menos, se estiver interessada apenas em um meio de livrar-se de Sam e começar uma vida própria. Mas não salvarei seu pai, a menos que estejamos de acordo. Caso contrário, terei apenas uma companhia falida cuja ruína só poderá ser evitada por um grande investimento, e você ainda estará exposta aos jogos emocionais de Sam, vítima da culpa que ele quer jogar sobre seus ombros e presa fácil para os ataques lascivos de Victor Krum.
—Por quanto tempo permaneceríamos casados? Isto é, seria apenas um casamento de conveniência, não? Um acordo comercial que beneficiaria as duas partes.
— Concordo com a condição que está impondo. E podemos até estabelecer um prazo. Dois anos? O que acha? Eu terei minha vingança, e seria desonesto afirmar que não estou interessado nela, e você se livrará de Sam. No final de dois anos, terá sua liberdade de volta, e nenhum de nós terá mais de preocupar-se com Sam Granger. Será a vitória, Hermione. Para nós dois.
— Acha mesmo que sou uma vencedora, Harry? Estranho... Por que não sinto vontade de celebrar? — Ela pegou a bolsa e se dirigiu à porta. — Venha, vamos voltar à prefeitura antes que eles encerrem o expediente e fechem as portas. Não quero esperar até segunda-feira para resolver esse problema.


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