Capítulo VIII



Sentado confortavelmente numa poltrona, na sala da cabana, Harry saboreava uma xícara de chá fumegante, que Hermione acabava de lhe oferecer.

Através da janela, cuja vidraça estava fechada, ele observava as árvores acoitadas pela forte ventania. No tapete, perto do aquecedor, o pequeno Jamie concentrava-se na montagem de um quebra-cabeça.

Da cozinha vinha o som da voz de Hermione, que cantarolava uma antiga canção folclórica. Harry experimentava um bem-estar que havia muito não sentia.

Entretanto, era uma loucura sentir-se assim, ele concluiu, com um suspiro.

Não podia se esquecer que sua ligação com Hermione Granger e o pequeno Jamie era apenas circunstancial. Dentro de alguns dias, ambos partiriam para Tucson e ele não mais os veria.

Em meio dessas reflexões, Harry continuava a observar a paisagem, lá fora. De súbito, notou que alguns pequenos flocos, brancos como algoão, começavam a cair.

- Neve - ele constatou em voz alta.

O pequeno Jamie, profundamente entretido com o quebra-cabeças, não o ouviu.

Harry então o chamou:

- Jamie?

- Sim, Sr. Potter?

- Venha cá.

O menino levantou-se, com uma expressão interogativa.

- Você está bem agasalhado?- Harry perguntou.

- Sim.

- Vá colocar um gorro e volte rápido, está bem?

Sem hesitar, o garotinho obedeceu. Em poucos minutos, retornava do quarto, usando um gorro marrom, de lã.

Abaixando-se diante dele, Harry ajueitou-lhe a gola do agasalho e puxou o ziper até em cima.

- Nós vamos passear?- Jamie indagou, com ma expressão de alegre expectativa.

- Não - Harry respondeu, tomando-lhe a mão.- Mas quero lhe mostrar uma coisa.- E conduziu-o para fora da cabana.- Veja, Jamie... Aí está o presente que você pediu a Papai Noel.

No primeiro momento, Jamie nada conseguiu dizer. Boquiaberto, com os olhos luminosos, contemplava os flocos que caiam. Depois, estendeu a mão e pegou alguns flocos. Fitou-o longamente e levou ao rosto, experimentando sua textura.

Harry não queria se emocionar excessivamente, mas seu coração se invadia de ternura, diante daquela cena.

De súbito, Jamie gritou para o interior da cabana:

- Titia!

- Sim, querido?- Hermione respondeu, da cozinha.

- Venha depressa!

- Estou batendo um bolo, meu anjo.

- Venha, titia! Rápido!

A urgência na voz de Jamie era tão intensa, que em poucos segundos, Hermione surgiu à porta da cabana.

- O que houve?- ela perguntou, aflita.

- Eu ganhei!- Jamie exclamou.- Papai Noel trouxe meu presente... E ainda nem é noite de Natal!

Hermione levou apenas um momento para compreeender. Os flocos de neve caíam sobre um Jamie radiante, que parecia não caber em si de tanta alegria.

- Oh, Jamie...- Emocionada, Hermione corrou a abraça-lo.- Aí está seu Natal cheio de neve... Graças a Deus.

- E a Papai Noel - o garotinho completou.

Harry piscou, perguntando-se se não estaria sonhando.Pela primeira vez, pensou que talvez Maggie e Lílian tivessem razão, ao acusá-lo de ter desistido de viver.

De fato, naqueles últimos cinco anos, ele deixara algo para trás. Algo que tinha a ver com os sentimentos mais puros e singelos que poderiam habitar um coração... Mas, também, fora forçado a isso. Sofrera uma terrivel desilusão amorosa, um trama que jamais esqueceria.

Mas teria de pagar, pelo resto de seus dias, por esse sofrimento? Estaria realmente certo em trancar seu coração, como uma medida preventiva para evitar novas dores? De sudito, Harry pensou que talvez seu coração não estivesse realmente, trancado... Pois, caso contrário, não seria capaz de se enternecer com a cena qe tinha diante dos olhos.

Aliás, mais do que comovido, Harry estava com vontade de participar.. embora uma voz interior o avisasse que estava pisando num terreno perigoso. Pois, se acabasse se afeiçoando ao pequeno Jamie... E a Hermione...

Antes que completasse esse pensamento, Jamie pediu:

- Sr. Potter, quero fazer um boneco de neve. Será que pode me ajudar?

- Teremos que eperar até amanhã, para isso, cowboy - ele respondeu, com um sorriso.- Pois ainda não há neve suficiênte. Os primeiros flocos mal começaram a caiur.- Abaixando-se, Harry juntou alguns flocos e fez uma pequena bola.- Mas podemos brincar de outra coisa...

- Isso mesmo!- Jamie exclamou, imitando-o

Em poucos minutos, os três começaram uma verdadeira batalha de bolas de neve, que durou um bom tempo.

Somente quando a noite começou a cair, Hermione, ofegante, propôs que encerrassem a brincadeira.

- Oh, não, titia...- Jamie protestou, com as faces coradas.- Vamos continuar só mais um pouquinho.

- Teremos o dia de amanhã inteiro para isso, cowboy - disse Harry.

- Então o senhor vai dormir aqui?- Jamie indagou com ar de alegre expectativa.

- Não - Harry respondeu, um tanto embaraçado.

- Mas o senhor prometeu me ajudar a fazer um boneco de neve.

- Sim, mas...

- Escute, querido...- Hermione tentou intervir.

Jamie, porém, parecia firmemente decidido a fazer valer seu argumento.

- Fique, Sr.Potter.

- Não posso, campeão.- Harry abaixou-se diante do garotinho.- Mas prometo que voltarei, para fazermos o nosso boneco... Está bem assim?

- Está...- Jamie aquiesceu.- Ms o senhor janta com a gente, não é?

- Na verdade, eu...

- Janta, sim - Jamie o interrompeu.

Sem outra alternativa, Harry aceitou o convite... Embora não soubesse o que Hermione achava da idéia. Durante a brincadeira com as bolas de neve, ele por várias vezes a fitara nos olhos... e ela desviara o rosto, com uma expressão intimidada, como fosse uma adolescente.

Cerca de meia hora depois, sentados à mesa da cozinha, os três saboreavam um prato de sopa de legumes, com pão caseiro.

Jamie tagarelava alegremente, fazendo planos para o dia seguinte. Pela primeira vez, em muito tempo, esquecera-se temporariamente do ursinho Melvin. Todas as suas atenções eram para Harry.

No final da refeição, porém, ele começou a demonstrar os primeiros sinais de cansaço.

- Sr. Potter, pode me ajudar a terminar de montar o quebra-cabeça, lá na sala?

- Claro - Harry assentiu.- Mas que tal chamar sua tia para ajudar também?

- Eu já vou - disse Hermione, começando a retirar a mesa.- Alcançarei vocês num minuto.

Ambos saíram de mãos dadas. Com uma expressão entre comovida e apreeensiva, Hermione os viu afastar-se pelo corredor.

Era incrível como, num curto espaço de tempo, a relação entre Jamie e Harry havia se aprofundado. Mas aonde essa relação levaria?

O que aconteceria, dentro de alguns dias, quando ela e Jamie tivessem de partir para Tucson?

Não era a primeira vez que essas perguntas vinham a mente de Hermione. Pouco antes, enquanto os três brincavam com as bolas de neve, Hermione havia cogitado sobre o que o futuro reservaria para o pequeno Jamie.. Para Harry... Para ela própria, enfim.

Mas não encontrara resposta.

Mesmo agora, via-se diante de uma incógnita.

O problema era que tampouco sentia-se no direito de interferir, de tentar cortar os profundos laços que estavam se estabelecendo entre Jamie e aquele homem. Por algum motivo inexplicável, ela sentia que nada deveria fazer... apenas deixar que aquela amizade e camaradagem fluissem, de maneira natural.

Lá fora era noite fechada. A luz do lampião, que pendia do teto da cozinha, Hermione colocou toda a louça sobre a pia e dobrou a toalha da mesa.

Guardou as panelas e demais utensílios. Depois, começou a lavar alouça. Cerca de vinte minutos mais tarde, foi para a sala, juntar-se a Harry e Jamie.

- O dia de hoje foi intenso demais para nosso pequeno cowboy - disse Harry, em voz baixa, apontando Jamie, que dormia sobre sua perna. Diante dele, o quebra-cabeça estava totalmentne armado.

- Vou colocá-lo na cama.- Abaixando-se, Hermione tomou Jamie cuidadosamente nos braços, enquanto murmurava:- Venha, meu pequeno anjo...

Harry sentiu que naquele momento, a intensidade da ternura que seu coração podia suportar chegou a um limite... Enquanto outro sentimento se isntalava, sem nenhum aviso. Um sentimento que tinha tudo a ver com a inesperada proximidade de Hermione Granger.

Ao abaixar-se, ela havia praticamente roçado em seu rosto com os cabelos cor de mel. E Harry sentira a textura suave, além de um perfume que lembrava vagamente, jasmim. Como se isso não bastasse, Hermione lhe tocara as coxas, no momento em que erguera delicadamente a cabeça de Jamie, para aconchega-lo contra o peito.

Com a respiração suspensa, Harry havia se mantido imóvel, enquanto Hermione se levantava, com o sobrinho nos braços. Quanto tempo fazia, que ele não se sentia assim, tão próximo de uma mulher? Seu último namoro datava de alguns meses atrás. Fora um contato rápido, superficial, com uma garota de Calgary. A relação lhe trouxera um pouco de prazer e nada mais...

Mas será que um homem precisava apenas disso? Prazer? Não, Harry pensou, meneando levemente a cabeça, enquanto Hermione se afastara pelo corredor, em direção ao quarto. Um homem precisava de amor, além do mero prazer físico. Mas e quanto as desilusões? Elas podiam aniquilar um ser humano... E isso quase acontecera com ele.

Abaixando a cabeça, Harry pressionou as temporas com forças. Estava confuso, frágil como um adolescênte diante dos primeiros chamados do amor.

Por um lado, sentia-se propenso a manter a mesma posição dos últimos cinco anos: preservar-se ao máximo, a qualquer custo, para evitar novas decepções. Por outro, porém, estava seriamente tentado a arriscar o coração, mais uma vez... Com Jamie... E, por que não? Com Hermione.

- Devo ter enlouquecido - ele concluiu, num sussurro.- o fato de cogitar em abrir meu coração para uma mulher a quem mal conheço é a maior prova disso.

Lá fora, o vento continuava a soprar, trazendo uma infinidade de flocos de neve, que cobriam a montanha com seu manto branco e macio.

Harry perdeu a noção do tempo. Mergulhando no recanto mais profundo de sí mesmo, sentia-se no meio de um redemoinho, de um vendaval muto mais forte do que aquele que ocorria lá ora. Nos últimos cinco anos, ele rechaçara qualquer tipo de questionamento íntimo, de reflexões, de dúvidas... recusara-se a pensar sobre suas atitudes ou sentimento, essa era a verdade.

Agora, esse tempo que roubara de si mesmo vinha cobrar seu tributo.

- Está dormindo como um anjo - Hermione anunciou,voltando à sala.- Não acordou nem sequer quando lhe tirei os sapatos.

Lentamente, Harry ergueu os olhos para ela, mas continuou pressionando as têmporas.

- O que há?- ela perguntou, preocupada.- Está se sentindo mal?

- Meus pensamentos estão me bombardeando.

- É mesmo?- Hermione sorriu.- E que tipo de arma estão usando, nesse bombardeamento?

- Dúvidas- ele resumiu.

- Minha irmã Penny, mãe de Jamie, costumava dizer que a dúvida, embora pareça apenas um motivo de aflição, é o primeiro caminho para o crescimento do ser humano. Quando não há dúvida, não há questionamento. E é justamente o questionamento que conduz a novas descobertas.

- As vezes ele pode conduzir, também, a um colapso nervoso - Harry contrapós.

Hermione riu:

- Não acha que está sendo exageradamente dramático, nessa colocação?

- É possível - Harry concordou.- O fato é que sinto confuso.

- Se quiser falar sobre isso...

- Obrigado, mas acho que não adiantaria - ele a interompeu, num tom suave. Erguendo-se preparou-se para sair.- Bem, já estou de partida.

- Você voltará amanhã?

- Talvez.

- Lembre-se da promessa que fez a Jamie...

- Pode ficar tranquila. Jamie terá seu boneco de neve.

- Ótimo.- Hermione sorriu, enquanto-o fitava nos olhos.- Acho que não tenho palavras para agradecê-lo pelo que fez por ele.

- Por favor, não diga nada.- Harry sorriu de volta.- Se alguém tem que agradece, sou eu. Pois fazia muito tempo que não me divertia tanto.

- As crianças operam milagre, até mesmo num coração de gelo.- Mal acabou de falar, Hermione se arrependeu. E procurou corrigir-se imediatamente:- Oh, desculpe, eu... Não quis dizer que... Droga, acho que estraguei tudo, não é?

- Bem, o que você poderia pensar de mim, afinal? Eu mal respondi as perguntas de Jamie e o tratava com uma frieza cruel. Era natural que me julgasse um insensível.

- Na verdade, não foi isso que pensei a seu respeito- ela confidenciou.

- Você está sendo sincera?

- Eu sempre sou.

- Então, diga-me Hermione Granger...Qual foi a primeira opinião que teve a meu respeito?

Hermione mordeu o lábio inferior, numa demonstração de insegurança e nervosismo.

- Foi tão horrível assim, a ponto de você não ter coragem de falar?- Harry insistiu.

- Não se trata disso - ela afirmou, com um suspiro.

- Então, por que não me diz?

- Bem...- Tomando fôlego, Hermione declarou:- Se quer mesmo saber, você me parece uma pessoa terrívelmente chata, irritante e... sofrida.

- Sofrida?- ele repetiu, erguendo as sobrancelhas.

- Sim.- Ainda embaraçada, ela justificou-se-: Achei que sua frieza e arrogância se deviam, talvez, ao fato de você possuir uma grande sensibilidade.

- E como chegou a essa conclusão?- Harry indagou, curioso.

- Havia algo diferente, no seu modo de olhar... E no intenso esforço que você parecia fazer, para manter-se indifrente ao encanto de jamie.

Surpreso, Harry indagou:

- Quantos anos você tem, mesmo, Hermione?

- Vou completar vinte e cinco, no final do próximo mês.

-E como conseguiu essa maturidade, em tão pouco tempo de vida?

Com um sorriso melancólico, ela respondeu:

- Não sei, ao certo. Mas tive de amadurecer rápido, para dar conta da grande missão que a vida me apresentou.

- Você está falando de Jamie... certo?- Harry indagou, com voz branda.

- Sim. Quando minha irmã morreu, achei que fosse enlouquecer. Nós cuidávamos de Jamie juntas, sabe? Mas era Penny quem tomava as grandes decisões. Quando eu me sentia confusa, ela sempre sabia o que fazer, qual a melhor iniciativa a tomar, qual a opção correta num impasse...- Com um suspiro, Hermione finalizou:- Em resumo, Penny era maravilhosa. Às vezes, eu sentia que ela não era apenas mãe de Jamie, mas minha também.

- E quanto ao pai de Jamie?- Harry perguntou, delicadamente. Em seguida, desculpou-se - Perdoe-me, se eu estiver sendo indiscreto.

- Não há nada o que perdoar.- Hermione meneou a cabeça, com uma expressão de tristeza.- O pai de Jamie nunca ligou a mínima para ele. Quando Penny lhe contou sobre a gravidez o idiota simplesmente perguntou se ele estava certa de que o filho era dele... Penny o mandou a merda, esse era bem o estilo dela. E nunca mais tocou no nome dele. Ela costumava dizer que o pai de Jamie não o merecia - Hermione fez uma pausa. Fazia tanto tempo que nào falava no passado... - Mudei-me para o apartamento de Penny, quando ela estava nos primeiros meses de gravidez. Assisti ao parto dela e fui a primeira a pegar Jamie nos braços. Nós três formavámos uma familia feliz... Até que o destino nos desfechou um duro golpe.

Harru engoliu em seco. De súbito, sentia uma vontade irresistível de tomar aquela mulher nos braços, de confortá-la com palavras doces, numa tentativa de diminuir seu sofrimento. Entretanto, permaneceu imóvel. E esperou que Hermione continuasse:

- Penny morreu num acidente, há cerca de um ano. Bem que tive vontade de enlouquecer, de desistir de tudo... E creio que só não fiz isso porque sabia que Jamie precisava de meu apoio. Pois se para mim o golpe de perder Penny era insuportável, imagine o que significava para jamie..- Uma lágrima furtiva escorreu pelo rosto de Hermione. Enxugando-a, ela forçou um sorriso.- Oh, desculpe... Acho que falei demais.

- Não se desculpe, por favor. Se soubesse a grande lição de vida que acaba de me dar...

- Por que diz isso, Harry?

- Porque passei os últimos cinco anos amargurado e descrente da vida, por ter sido abandonado por uma mulher a quem eu jugava amar. Achei que esse sofrimenteo era o maior do mundo.

- Sempre achamos que nossos problemas são insolúveis...- Hermione opinou.- E que nossa dor é a mais intensa de todas.

- Sim, mas só agora vejo como fui egoista. Pois enquanto eu me lamentava por ter perdido um amor e meu projeto de vida, você e Jamie foram submetidos a um sofrimento muito maior.- Harry fez uma pausa. E, quando voltou a falar, sua voz soava carregada de emoção:- Neste exato momento, sinto-me pequeno diante de você, do pequeno Jamie... E também de minha mãe, e de Maggie...

- Quem é Maggie?- Hermione perguntou.

- Minha governanta. Tal como mamãe, ela vive me aconselhando a me abrir novamente para a vida. Mas, ao menos até hoje, eu me recusava a ouvi-las.

- Não posso crer que um homem que brinca com um garoto, como você fez com Jamie, esteja fechado para as coisas boas da vida.

- Se você ficou surpresa, fiquei muito mais, acredite- Harry confidenciou.- Na verdade,quando vim para cá, eu tencionava manter a mesma atitude de antes.

- Quer dizer que ia continuar bancando o monstro insensível?- Hermione gracejou.

- Ao menos era esa a minha pretensão - Harry confessou, no mesmo tom.- Mas bem se vê que não deu...

- Você até que resistiu bastante- Hermione comentou.- Em geral, Jamie conquista as pessoas em questão de segundos.

Harry sorriu. E Hermione também.os olhos de ambos se encontraram, por um longo momento. As palavras faltaram. Aliás, parecia que aquele instante dispensava qualquer tipo de som... O silêncio era mais adequado.

Hermione se perguntou como isso havia acontecido. Até pouco antes, Harry era quase um estranho. Agora, porém, era como se o conhecesse há muito tempo.

Não havia explicação para tanta magia.

- Preciso ir embora- disse Harry, quebrando o silêncio.

- Está bem- ela assentiu, com a voz ligeiramente trêmula, devido a intensa emoção que a dominava.

O que era aquilo que fazia seu coração disparar, enquanto o sangue lhe corria como fogo, nas veias? Como se chamava essa sensação?

- Vou acompanhá-lo até lá fora- disse Hermione.

- Não é preciso- Olhando ao redor, Harry procurou pela lanterna que havia deixado, sobre um móvel. Achou-a e guardou-a no bolso do casaco.- Está muito frio...

“Frio?”, Hermione pensou. “Imagine! Estou quase incendiando de tanto calor!”

- Eu vou - ela repetiu.

- Mas...

- Por favor, eu faço questão.

- Está bem - Harry cedeu.

Ao abrir a porta da cabana, que dava para a varanda, uma rajada de vento gélido soprou.

- Fique aqui - Harry insistiu.

- Não - Hermione respondeu,puxando a gola do casaco para cima.

Acendendo a lanterna, Harry cedeu:

- Então vamos.

Hermione saiu, fechando a porta da cabana. E pareceu-lhe tão natural que Harry lhe tomasse a mão, enquanto ambos caminhavam.

O caminhão estava estacionado a curta distância. Com os olhos atentos ao caminho, iluminado pelo facho da lanterna, Harry e Hermione se aproximaram do veículo.

A neve se acumulava, junto as rodas.

- Acha que será possível dirigir, com toda essa neve?

- Sim- Harry respondeu.-Tenho apenas que tomar umas providências...

Tateando os bolsos, Harry encontrou as chaves do caminhão. Abrindo a carroceria, retirou uma pá.

- Com isso, removerei a neve em poucos minutos- anunciou. Em seguida, entrou na cabine e acendeu os faróis.

- Veja!- Hermione exclamou, apontando à frente.

- O que há?- Harry perguntou, saltando da cabine para o chão.

- Ali adiante...

Harry olhou na direção indicada. Uma árvore estava caída sobre a estrada, impedindo a passagem.

-Deve ter sido quebrada pelo vento- Hermione comentou.

- Isso mesmo. Bem, eu poderia removê-la, mas...

- Não acha que sria mais prudente fazer isso à luz do dia?- Hermione o interrompeu.

Harry ficou pensativo, por alguns instantes. Por fim, meneou a cabeça, num gesto de negação.

- Nada disso.

- Harry Potter, não seja teimoso- Hermione o repreendeu.- É loucura passar a noite numa tarefa insensata, quando você pode perfeitamente esperar pela manhã, para cuidar disso.

- Está bem- ele cedeu, por fim. Em tom de gracejo, indagou:- Você aceitaria um hóspede, por esta noite?

- Não sei...- ela retrucou, entrando na brincadeira- Preciso verificar se há vagas.

Ambos riram, divertidos. Harry guardou a pá de volta na carroceria e voltou a entrar na cabine. Quando desceu, levava uma sacola plástica, com o logotipo do Mercado Stanley.

- O que é isso?- Hermione peguntou.

- Duas garrafas de um bom vinho tindo californiano, que comprei lá no Stanley. Espero que você goste.

Hermione, que não tinha o costume de beber, respondeu:

- Vou experimentar apenas um gole.

Mas fosse porque o vinho tinto era de fato saboroso, ou porque aquela noite prometia doces magias, Hermione não cumpriu sua palavra.Sentada no sofá da sala da cabana, ao lado de Harry, ela experimentara uma indescritível sensação de bem-estar, enquanto sorvia, sem pressa, seu segundo copo de vinho.

- Você sabia que os antigos gregos chamavam o vinho de néctar dos deuses?- Harry perguntou, num dado momento.

- É mesmo?- Hermione sorriu, docente, antes de saborear mais um gole.

- Ele diziam que o vinho era uma bebida completa porque agradava aos cinco sentidos do homem... À visão, pela cor rubi, ao olfato, pelo perfume ao paladar, pelo sabor e ao tato, pelo prazer de erguer o copo.

- Ficou faltando a audição- Hermione comentou.

- Aqui está...- Fazendo seu copo tilintar contra o dela, Harry concluiu:- É assim que o vinho agrada aos ouvidos: com o som de um bom brinde.

- A propósito a que vamos brindar?- Hermione indagou com os olhos luminosos.

- Você sugere.

- Que tal à magia do Natal?- ela propôs.

Harry sorriu, com uma expressão misteriosa.

- Até poucas horas atrás, eu rejeitaria essa sugestão com todas as minhas forças.

- Por que?

- Porque há cinco anos que a palavra Natal me causa arrepios... Ou eu deveria dizer: “causava”? Pois, agora, algo mudou dentro de mim.

- Seria intromissão de minha parte perguntar-lhe por que você detesta, ou detestava, tanto o Natal?

Harry fitou-a com intensidade, a ponto de fazê-la corar.

- Descupe- Hermione murmurou, baixando os olhos.- Talvez eu esteje sendo indiscreta.

- De modo algum- Harry respondeu, com os olhos fixos no vazio, como se revivesse os dolorosos momentos do passado. Por fim, prosseguiu:- Há cinco anos atrás, eu era o que se costuma chamar de um homem bem-sucedido. Tinha uma posição social e financeira invejável, estava prestes a me casar com uma das mulheres mais bonitas da região.. E confesso que me sentia um pouco dono do mundo.

- Era natural que se sentisse assim...- Hermione comentou- já que sua vida, aparentemente, não apresentava dificuldades.

- Exato. Tudo era muito fácil. E isso contribuiu para que eu me tornass, cada vez mais, um homem voluntarioso. No fundo, achava que todos os meus desejos deviam ser satisfeitos. E Cho, a minha noiva, pensava exatamente da mesma maneira.

- Suponho que ela fosse rica, bonita e..

- Fútil- Harry completou.- Terrivelmente fútil. Uma criança mimada e crescida, cheia de caprichos. Mas naquele momentos, eu não me dava conta disso. Estava apaixonado e julgava que ela fosse a mulher perfeita, para mim.- Após uma pausa, fianlizou:- Hoje sei o quanto estava errado - Naquela época, a única dificuldade que eu realmente havia enfrentado tinha sido com a Fazenda Rocky Ridge, que meu pai deixara de herança - Harry prosseguiu.- Ali, sim trabalhei seriamente, até erguera propriedade e torná-la rentável. Mas essa vitória, em vez de me tornar humilde, só colaborou para que eu me sentisse ainda mais superior. Em resumo, eu tinha um ego desmensurado.

- E o que o fez tomar consciência disso?- Hermione perguntou.

- Uma tragédia- Harry respondeu, depois de terminar seu segundo copo de vinho.- Se não fossr por um rude golpe do destino, eu seria um homem fútil, vazio e prepotente até hoje.

- Não consigo imagina-lo assim- Hermione afirmou, fitando-o com admiração.

Harry sorriu, com certa tristeza. E novamente ficou em silêncio.

- O que aconteceu, afinal?- Hermione indagou.

- Numa noite de Natal, eu e Cho fomos a um clube sofisticado. Lá, como era de costume, bebemos além da conta. Saímos de madruada e fomos para o estacionamento, à procura do nosso carro...

- Mas você disse que beberam demais- Hermione aparteou.

- Sim.

- E mesmo assim pretendia dirigir?

Num tom amargo, Harry respondeu:

- Para mim, guiar embriagado era a coisa mais comum do mundo.

- Mas, desse jeito, você arriscava sua vida e a de outras pessoas.

- Eu não pensava nisso.- Com triste ironia, Harry acrecentou:- Era o dono do mundo, lembra-se?

Hermione fez um gesto de assentimento. E ele continuou:

- Não queriamos voltar para casa, sabe? Achávamos que ainda não havíamos nos divertido o suficiente, naquela noite. Assim, decidimos ir até a cidade.- Harry fez uma pausa.- Não sei se você reparou que, no caminho entre a zona urbana de Kananaskis e essa região onde estamos, há várias chácaras.

- Não reparei - Hermione confessou.- Estava cansada demais, quando vim para cá.

- Pois bem... Uma dessas chácaras pertencia a uma familia conheciada. Eu sabia que essa família tinha ido a Vancover, passar o Natal. E que costumava alugar a chácara para turistas, durante as festas. Por isso, a princípio, não me espantei com o fato da casa, situada no centro da chácara, estar bastante iluminada. Cho chegou a comentar que as pessoas haviam exagerado nos enfeites de Natal...Já que a casa inteira parecia iluminada.

Hermione franziu o cenho, com uma expressão intrigada.

- Mas o que estava acontecendo, afinal?

- Tratava-se de um incêndio... E só me dei conta disso quando era quase tarde demais.

- Como assim?

- Bem, eu disse a Cho que aquela luminosidade excessiva não era normal. Que talvez algo de errado estivesse acontecendo. Cho, porém, achava que deveriamos de cuidar de nossos próprios interesses... E, no momento, o que mais nos importava era chegar à cidade e saborear uma bebida quente.- A voz de Harry se tornava cada vez mais tensa.- Entretando, pela primeira vez, resovi contrariar Cho. Fiz meia-volta e entrei na chácara. Ao me aproximar da casa, ouvi gritos. E então, comprrendi a gravidade da situação. Cho também gritava, ordenando que eu voltasse ao carro, para seguirmos nosso trajeto até a cidade. Eu, porém, já não a ouvia.- Um profundo suspiro brotou do peito de Harry.- Para resumir, entrei na casa em chamas. Os gritos continuavam. Caminhei na direção deles e deparei-me com uma mulher, cujo rosto tinha uma expressão que jamais me esquecerei... Uma expressão de horror. E ela segurava um bebê.

- E esse bebê estava...

- Vivo- Harry completou.- Peguei-o nos braços e levei-o para fora, juntamente com a mãe. Naquele momento, porém, algo desabou dentro da casa. Era a escada que conduzia ao segundo andar, onde o filho maia velho daquela mulher se encontrava. Tratava-se de um garotinho de cinco anos, como Jamie...

- Oh, Deus...- Hermione murmurou, penalizada.- E você consegui...

- Sim- Harry respondeu, antes que ela concluísse a pergunta.- Tirei minha camisa, molhei-a na torneira do jardim e entrei na casa. Consegui chegar ao segundo andar, mas não encontrava o menino. Já estava sufocando, e quase perdendo as esperanças,quando ouvi um choro. O garotinho, que se chamava Benjamin, havia se escondido debaixo da cama. Se eu demorasse mais m pouco, não teria como salvá-lo, pois o colchão já estava pegando fogo, também.- Depois de outra pausa, ele finalizou:- Enfim, conseguimos sair da casa. Mas uma parede desabou bem perto de nós. E fiquei seriamente ferido.

- Você foi um herói, Harry- Hermione, afirmou emocionada.- Um verdadeiro herói.

- Foi isso que os jornais noticiaram- ele comentou, sem nenhum entusiasmo.- Mas eu estava ferido demais, para desfrutar dessa fama. A família de Benjamin partiu logo em seguida para a Franca, onde morava. Mas me enviava cartas e presentes, numa tentativa de mostrar sua gratidão. Minha mãe se encarregava de responder as cartas, já que eu estava imobilizado, no hospital, com fraturas e queimaduras por todo o corpo.

- Suponho que Cho tenha ficado orgulhosa de você...

- Cho?- Harry riu, com amargura.- Ela simplesmente me abandonou.

- Como?- Hermione reagiu, confusa.

- Dois meses depois daquela noite, comecei a me recuperar, Cho quase nunca me visitava. Dizia que tinha horror a hospitais e às vezes me telefonava, sempre com pressa. Quando recebi alta e fui para casa, ela enfim resolveu me visitar. Mas me lhava com uma expressão etranha. Eu tinha, então muitas cicatrizes... E Cho parecia horrorrizada com elas. O tempo passou. E acabei me recuperando totalmente. Mas se meu corpo havia sofrido um sério abalo, o mesmo havia ocorrido com minha alma. Eu já não era o rapaz despreocupado e egoísta de antes. Tinha descoberto que a vida era preciosa demais, para ser desperdiçada em futilidades. Cho, porém continuva a mesma.

- Que mulher estranha- Hermione opinou- Em vez de apoiá-lo e admirá-lo...

- Ela me rejeitou- Harry a interrompeu.- Primeiro começou a dizer que eu já não era divertido e alegre como antes. Depois, suas visitas rarearam... Por fim, começou a me evitar. E certo dia, ao passar casualmente por um restaurante que ambos frequentávamos, avistei-a numa mesa, com outro homem. Liguei para ela naquela noite convidandei-a para jantar. Questionei-a e Cho simplesmente me disse que sim, que andava muito carente, que precisava se espairecer... E que tinha resolvido aceitar a cortesia daquele homem. Falava assim, calmamente, como se tudo o que havia existido entre nós não tivesse a menor importância.- Mais uma vez, Harry ficou em silêncio. E quando concluiu a narrativa, sua voz era quase um sussurro - Naquela noite, descobri que os ferimentos da alma podem ser muito mais dolorosos que os do corpo. Tanto, que as cicatrizes do meu corpo desapareceram... Mas as de minha alma permanecem vivas, mesmo depois de tanto tempo.

- Você não devia lamentar tanto a perda de Cho - Hermione opinou, após alguns instantes.- Afinal, ela não o merecia. Uma pessoa capaz de tanta insensibilidade não tem o direito de comparilhar sua vida com um homem maravilhoso como você.

Harry fitou-a, surpreso.

- Você me acha um homem.... maravilhoso?

- Sim - Hermione respondeu, com uma convicção um tanto exagerada, ditada talvez pelo vinho...

- E o que a faz pensar desse modo?

Hermione piscou os olhos castanhos, buscando uma forma clara de responder a aquela pergunta, Por fim, confessou:

- Não tenho nenhum argumento muito prático para justificar o que estou sentindo, neste momento. Mas o fato é que você me parece um homem bom, generoso, digno... Como poucos que existem, hoje em dia.

Sorrindo, Harry deu um passo à frente. Erguendo o queixo de Hermione, fitou-a no fundo dos olhos, antes de dizer:

- Sabe de uma coisa? Esta é a primeira vez, depois de muito tempo, que voltei a falar sobre esses fatos dolorosos... E quero agradecê-la, do fundo do meu coração, por ter me ouvido.

- Eu é que me sinto grata pela confiança que você depositou em mim, Harry - ela respondeu, docemente.

Os rostos se encontravam, agora, muito próximos. A despeito do frio que fazia lá fora, a cabana estava agradavelmente aquecida. Mas o calor que naquele instante percorria os corpos e corações não vinha do aquecedor situado no centro da sala... Nascia de outra magia, outro sentimento.

Hermione suspirou. Seu coração batia tão forte, que o ar chegava a lhe faltar. Uma espécie de corrente eleétrica a impulsionava para Harry... Que a enfeitiçava com aqueles olhos cor esmeralda, que pareciam guardar os mais preciosos segredos.

Lentamente, os lábios começaram a se aproximar. Hermione compreeendeu que Harry ia beijá-la... E constatou, surpresa que não havia nada que ela desejasse mais, naquele momento. Aliás, talvez estivesse esperando por aquele beijo desde sempre... Desde que nascera.
__________________________________________________________________________

Oiiii, que bom que estão gostando...

Na próxima atualização já vai ser o epílogo!!!

O Harry ta tãooooo fofo...

BjOoss

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.