O bosque dos centauros
Sophie teve um dia bem mais agitado do que Harry. Chegou a Londres muito cedo, desembarcou e encaminhou-se para apanhar sua bagagem, mas ao chegar na esteira, viu que alguém já o fizera por ela.
- John! É impossível fazer uma surpresa!!! Ela sempre sabe, não é?
O motorista sorriu. Conhecia Sophie desde que ela era bem pequena, e tinha um grande carinho pela menina. Talvez muito deste sentimento derivasse do também imenso carinho que ele sentia pela mãe da menina, morta há tantos anos.
Sophie abraçou-o afetuosamente, como de costume.
- Devemos nos apressar, Srta. Sophie. Ela já deve estar à sua espera.
E seguiram para a mansão da avó de Sophie. De dentro do carro, a menina ia matando a saudade de Londres; ela observava cada rua, cada prédio, com prazer. Chegaram rapidamente ao destino, e, após descer do carro, Sophie entrou na casa, correndo em direção à biblioteca, onde sabia que sua avó a esperava.
- Sophie, querida! Pensei que não a veria este ano, sobretudo após o que aconteceu com...
- Por favor, vovó, eu acabei de chegar. Não quero tocar neste assunto agora.
Sophie deu um longo abraço na avó, pois estava cheia de saudades.
- Mudei meus planos para este ano, vovó. Irei ficar na Inglaterra, fui aceita em Hogwarts.
Elas conversaram longamente sobre os planos de Sophie. Havia muito o que fazer até a partida dela, na semana seguinte.
- Há algo que a incomoda, querida. O que é?
- Geralmente é difícil para mim tocar a mente de alguém que não conheço. No entanto, foi fácil com Harry.
O comentário de Sophie deixou Violet ligeiramente perturbada.
- Também não compreendo, Sophie. Talvez seja porque estava muito determinada a contatá-lo.
- É, talvez...
Apesar da alegria por estarem juntas, Sophie percebia a inquietação da avó; sabia que ela estava preocupada, afinal, o momento era difícil e os planos da neta a colocavam no olho do furacão. Violet já perdera a filha e temia que o mesmo acontecesse com Sophie. Além disso, sabia qual era o principal motivo que levara a neta a tomar tal decisão: Sophie desejava vingança pela morte da mãe, pois sabia que o principal responsável jamais havia sido punido.
Então aconteceu. Sophie viu a avó ficar em silêncio, os olhos perdidos no vazio, e soube que precisava esperar. O dom da adivinhação passara por várias gerações de mulheres da família D'Argento, pela avó, pela mãe, e agora fora herdado, mesmo que, aparentemente, com menor intensidade, por Sophie. Depois de longos minutos de espera, ela viu a avó voltando à consciência, fitando a neta com carinho e preocupação.
- Conte-me. Sei que é sobre mim, e sei que é importante.
E então Violet falou, durante bastante tempo. Ao deixar a biblioteca, Sophie estava confusa e preocupada, e tinha a vívida impressão de que a avó lhe escondera algo.
“Ao menos sei que fiz a escolha certa. Estou aonde devia estar.” - pensava ela enquanto se dirigia para o quarto.
Mas ela não queria pensar naquilo no momento; apenas trocou de roupa e preparou-se para sair. Desceu as escadas e saiu da casa, correndo em direção aos estábulos. Uma bela égua negra pateou o chão ao vê-la chegar. Sophie selou Selena, montou e partiu em direção ao bosque. Lá chegando, deixou a égua pastando à orla do bosque e começou a andar em direção às árvores. Ela mal havia entrado em sua sombra quando, à sua direita, surgiu um belo centauro, de corpo e cabelos castanhos, e olhos muito verdes. Ele sorria ao falar com a garota.
- Sabia que você viria, minha estrela.
- Olá, Jael! É bom vê-lo.
O centauro veio na direção de Sophie, e eles se abraçaram longa e carinhosamente. Olharam-se no fundo dos olhos e sorriram, e começaram a caminhar, em silêncio, em direção ao centro do bosque, onde encontrariam Jaspe, mãe de Jael e líder do bando de centauros. Sophie conhecia cada pedra daquele caminho; desde que podia se lembrar, quando passava as férias na casa da avó, ela ia quase todos os dias ao bosque.
- Pensei que não viria nos ver, filha. Temia que não voltasse a entrar em nosso bosque, que também é seu. Temia que o que aconteceu a afastasse de nós.
Jaspe sorria e olhava afetuosamente para a menina à sua frente.
- Seria impossível para mim, visitar vovó e não vir até aqui, senhora.
Sophie fez uma leve reverência em direção à centaura.
- Sabe que amei este lugar desde a primeira vez em que coloquei os pés aqui, mas realmente não irei demorar. Apenas desejava vê-la e a Jael, e também matar um pouco a saudade destas árvores, do lago, enfim.
Após conversar por um tempo com Jaspe, Sophie decidiu partir. Iria caminhar pelo bosque, ir até o lago e depois voltaria à mansão.
- Peço sua bênção, senhora, devo partir agora.
- Seja abençoada, minha filha, vá em paz. E, Niniane?
- Sim?
- Isto é para que seja aceita, aonde quer que vá.
E tocou com a ponta do indicador na nuca da garota. Sophie sentiu um leve formigamento no local onde uma marca em forma de meia lua apareceu.
Ela agradeceu a Jaspe, e com uma reverência, se retirou da presença da centaura, caminhando em direção ao lago. Sentiu que alguém a seguia e sorriu; sabia quem era.
- Creio que não se importará se eu acompanhá-la, minha estrela.
- Sabe que não, Jael. Mas não me chame assim; não quero causar mais problemas a nenhum de nós dois.
- Não me importo com eles. E não irei esconder o que sinto.
- Sei disso, Jael, mas nós já conversamos. Achei que esta história estivesse encerrada.
- E está. Apenas estou acompanhando uma amiga em um passeio por nosso lugar favorito. Este ainda é seu lugar favorito, não, Sophie?
- No mundo inteiro. E creio que sempre será.
Conversaram muito, até que chegaram à beira de um enorme lago, de águas muito cristalinas.
- Você está preocupada, minha estrela. O que houve?
A garota sorriu. O elo entre eles era muito forte.
- Não consigo esconder nada de você, não é? Vovó viu coisas, coisas que se relacionam comigo, mas que não compreendo direito.
Ela contou tudo o que a avó dissera, sobre o futuro de seus projetos, sua ida para Hogwarts. Depois hesitou.
- Você está escondendo algo de mim, sei que está. Pensa que está me protegendo, mas não percebe que assim me magoa mais. Somos amigos, Sophie, e quero que confie em mim, como sempre fez.
- Ela disse que... que eu... encontraria alguém... a pessoa a quem eu... entregarei meu coração. Mas que não seria fácil...
- O amor nunca é fácil, Sophie. Existem sempre muitas dúvidas, decisões difíceis a serem tomadas. E sua desconfiança para com o mundo, seu instinto de autoproteção, irá tornar as coisas ainda mais complicadas.
Ambos ficaram em silêncio. Jael tinha os olhos perdidos em algum ponto do lago. Sophie sentiu-se culpada; sabia ter causado a tristeza do centauro atendendo a seu pedido de que falasse, mas quando ia começar a se desculpar, foi interrompida pela chegada de um bela centaura de corpo branco e longos cabelos louros.
- Jael, eu...
- Pensei que não voltaria mais aqui, humana.
Jael voltou os olhos para a recém-chegada; ela encarava Sophie, e seu olhar demonstrava intensa raiva.
- Sabe meu nome, Cristal. Por que insiste em me chamar de “humana”?
A centaura riu.
- Apenas para que não esqueça o quanto a desprezo. Por que não deixa Jael em paz? É tão egoísta que não consegue enxergar o mal que faz a ele?
- Chega, Cristal! - gritou Jael.
- Não queira me dizer o que fazer, Cristal. Não vim em busca de Jael, e este bosque não lhe pertence. É tão meu quanto seu, e Jaspe me deu permissão para entrar aqui quando desejasse. Além do mais, creio que Jael saiba se cuidar sozinho.
E virando-se para o centauro disse:
- Lamento, Jael, mas tenho de ir.
- Virá me ver antes de partir, Sophie?
Sophie nada disse. Sentindo o olhar furioso de Cristal em suas costas, começou a andar em direção ao local onde deixara Selena. Ela não precisava responder; ambos sabiam que ela viria.
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